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A MORTE

Por Thomas Boston

Pois eu
sei que m
levarás à e
morte e
casa des à
tinada a
todo
vivente (
Jó 30:23
)
A Morte
Thomas Boston

Pois eu sei que me levarás à morte e à casa destinada a todo


vivente (Jó 30.23).

Pretendo falar agora a respeito do estado eterno em que o


homem entra no instante em que morre. Notamos, pelas palavras
do texto acima, que Jó tinha uma solene concepção desse
momento, as quais são uma declaração geral da verdade, e uma
aplicação pessoal dela. A declaração geral da verdade é que todos
os homens, por meio da morte, serão removidos deste mundo;
todos têm de morrer. Mas para onde irão? Eles têm de ir para a
casa destinada a todo vivente; para o túmulo, essa casa sombria,
triste, solitária, na terra do esquecimento. Onde quer que o
corpo seja depositado até a ressurreição, para ali, como para uma
residência, a morte nos leva para casa. Enquanto estamos no
corpo, moramos numa hospedaria, numa estalagem, a caminho
de casa. Quando chegamos ao túmulo, chegamos ao nosso lar, à
casa eterna (Ec 12.5). Todos os viventes irão para essa casa; bons e
maus, velhos e jovens. A vida do homem é uma fonte que corre
para as vorazes profundezas da morte. Aqueles que agora moram
em palácios terão de abandoná-los e voltar para essa casa; e
aqueles que não têm onde reclinar a cabeça finalmente possuirão
um lar. Essa casa está designada a todos por Aquele cuja decisão
é firme. Não se pode alterar esse decreto; é uma lei que os
mortais não podem transgredir. A aplicação que Jó faz a si
mesmo desse princípio geral encontra-se expresso nestas
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palavras: “eu sei que me levarás à morte”. Ele sabe que


forçosamente terá de encontrar-se com a morte, sabe que o seu
corpo e a sua alma terão forçosamente de separar-se; sabe que
Deus, que estabeleceu o tempo em que isso vai acontecer, com
certeza fará com que isso se realize. Houve momentos em que Jó
desejou que a morte o alcançasse para levá-lo à sua casa. Sim, ele
ousou precipitar-se para a morte antes do tempo: “a minha alma
escolheria, antes, ser estrangulada; antes, a morte do que esta
tortura” (Jó 7.15). Mas aqui ele reflete que Deus o levará a ela;
sim, o conduzirá de volta a ela, como é o significado do texto.
Dessa forma ele parece sugerir que nossa vida neste mundo não
passa de uma fuga da morte, a qual estende os braços frios para
nos receber quando saímos do útero materno. Mas embora
tenhamos escapado por pouco das suas garras, isso não será por
muito tempo; com certeza haveremos de ser conduzidos de volta
para ela. Jó sabia isso; ele falou do assunto como algo certo, e o
estava aguardando.

Doutrina

Todos com certeza têm de morrer. Embora essa doutrina


tenha sido confirmada pela experiência de todas as gerações
passadas, desde que Abel entrou na casa destinada a todo
vivente, e embora todos saibam que com certeza morrerão, é
preciso falar da infalibilidade da morte, para que essa verdade
seja impressa na mente, e seja devidamente levada em conta.

Por essa razão, considere o seguinte:


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1º) “Há uma lei infalível de morte”, à qual todos os


homens estão sujeitos: “aos homens está ordenado morrerem uma
só vez” (Hb 9.27). Isso está preparado para os homens, assim
como os pais armazenam bens para os filhos; com toda certeza
eles a receberão, já que Deus o determinou e guardou para eles.
Não há nenhum “talvez” nesse assunto; “Porque certamente
morreremos” (2 Sm 14.14 – RC). Embora algumas pessoas não
queiram ouvir falar da morte, todo homem fatalmente haverá de
morrer (Sl 89.48). A morte é um lutador com quem todos sem
exceção terão de se atracar corpo-a-corpo; temos de entrar na
competição, e é ela quem vai vencer: “Não há nenhum homem
que tenha domínio sobre o espírito, para o reter; nem tão pouco
tem ele poder sobre o dia da morte; nem nessa guerra há licença
para se ausentar” (Ec 8.8 – Tradução Brasileira). Naturalmente,
aqueles que estiverem vivos quando Cristo vier a segunda vez,
serão todos transformados (1 Co 15.51). Mas essa transformação
será equivalente à morte; ela servirá aos propósitos da morte.
Todas as outras pessoas têm de seguir no curso normal, o
caminho de toda carne.

2º) Meditemos no assunto todos os dias. Todos veem que


“os sábios morrem, que perecem igualmente o louco e o bruto” (Sl
49.10 – RC). Há lugar suficiente para nós nesta terra, apesar das
multidões que viveram nela antes de nós. Eles já se foram, para
nos dar lugar; assim como nós temos de partir para dar lugar a
outros. Faz muito tempo que a morte começou a transportar os
homens a outro mundo, e vastas multidões já se foram; contudo
o trabalho continua sendo feito; a morte consegue novos
moradores todos os dias para a casa designada a todos os
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viventes. Quem jamais ouvirá a cova dizendo: “Basta! Chega!”. Há


muito que ela devora, mas quanto mais ganha, mais quer. Este
mundo é como uma grande feira ou mercado, onde alguns estão
chegando, outros saindo, uma multidão confusa, a maioria sem
saber por que está aqui. Ou parecem pessoas numa estrada que
vai a uma grande cidade, estrada por onde alguns já passaram,
alguns ainda estão andando, e outros por sua vez estão
chegando: “Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra
para sempre permanece” (Ec 1.4 – RC). A morte é um mensageiro
inexorável, irresistível, que não pode ser dissuadida de executar
as ordens que recebeu, nem mesmo pela força dos poderosos,
pelo suborno dos ricos, ou pelas súplicas dos pobres. Ela não
respeita os cabelos brancos, nem tem pena do inofensivo bebê.
Nem os valentes e ousados conseguem superá-la, nem os
covardes são poupados nessa guerra.

3º) O corpo humano é formado de matéria perecível: “tu


és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19). Os mais fortes não passam de
frágeis vasos de barro, que facilmente se quebram em pedaços. A
alma está pobremente abrigada enquanto permanece neste corpo
mortal, que não é uma casa de pedras, mas uma casa de barro,
cujas paredes vão se desfazer. O fundamento dessa casa não é a
rocha, mas o pó; suas paredes se desfazem diante da traça,
embora esse inseto seja tão frágil que um leve toque do dedo o
mate (Jó 4.19). Esses fundamentos são como pólvora, uma
pequeníssima faísca perto deles lhes porá fogo e levará a casa
pelos ares: a semente de uma uva passa, ou um cabelo no leite,
podem sufocar alguém, prostrando no pó toda a casa de barro. Se
considerarmos a composição e a estrutura de nosso corpo, a
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forma espantosa e admirável como somos feitos; e como é


regular e exato o movimento dos fluidos, e o equilíbrio dos
líquidos orgânicos de que depende a vida; e que a morte tem
tantas entradas quantos poros há no corpo; e se compararmos a
alma e o corpo, temos de reconhecer que é mais surpreendente a
vida do que a morte; e que é mais estranho ver o pó movendo-se
para cá e para lá sobre o pó, do que estirado sobre o próprio pó.
Embora a lâmpada de nossa vida não seja violentamente
apagada, chegará o tempo em que se apagará por falta de óleo.
Não são as indisposições e doenças a que somos propensos meros
precursores da morte, que vêm preparar-lhe o caminho? Elas nos
recebem assim que colocamos o pé no mundo, para nos dizer
logo na entrada que só viemos ao mundo para sair dele logo,
logo. Todavia, alguns há que são arrebatados num momento,
sem serem previamente alertados pela doença ou por algum
incômodo físico.

4º) Nossa alma é pecaminosa, por isso o corpo é mortal: a


morte acompanha o pecado, assim como a sombra acompanha o
corpo. Os ímpios têm de morrer, em virtude da ameaça contida
no pacto das obras: “no dia em que dela comeres, certamente
morrerás” (Gn 2.17). E aqueles que temem a Deus têm de morrer
também, a fim de que, como a morte entrou pelo pecado, o
pecado possa sair por meio da morte. Quanto a estes, Cristo
removeu o ferrão da morte; embora não tenha removido a morte
em si. Por essa razão, embora ela se agarre a eles, como a víbora
o fez na mão de Paulo, ela não lhes fará mal. Mas pelo fato de a
lepra do pecado estar nas paredes da casa, ela precisa ser
derrubada, e todo o seu material precisa ser exposto.
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5º) De acordo com a descrição das Escrituras, a vida do


homem neste mundo não está longe da morte senão por uma
pequena distância. As Escrituras a representam como algo vão e
vazio, de pouca extensão, de pouca duração.

A) Em primeiro lugar, a vida do homem é algo vão e


vazio: ao mesmo tempo que existe, ela desvanece e, veja!, já não
existe mais. “…os meus dias são vaidade” (Jó 7.16 – Trad.
Brasileira). Se achamos que o aflito Jó estava sendo parcial nesse
assunto, ouçamos o sábio e próspero Salomão descrever os dias
da sua própria vida: “Tudo isto vi nos dias da minha vaidade” (Ec
7.15), ou seja, nos meus dias vãos. Moisés, que era um homem
muito ativo, compara nossos dias a um sono: “são como um sono”
(Sl 90.5), o qual não se percebe enquanto não acaba. A
comparação é a seguinte: são poucos os homens que têm uma
correta noção da vida antes que a morte os desperte; aí então
passamos a saber que estávamos vivos. “acabam-se os nossos
anos como um conto ligeiro” (Sl 90.9 - RC). Quando ouvimos
uma história sem muito valor ela talvez nos afete um pouco, mas
logo nos esquecemos dela: dessa forma o homem é esquecido,
quando o conto da sua vida se acaba. Ela é como um sonho, ou
uma visão noturna, em que não há nada sólido; quando a pessoa
acorda, tudo desaparece: “Voará como um sonho e não será
achado, será afugentado como uma visão da noite” (Jó 20.8). A
vida é como uma sombra: “Com efeito, passa o homem como uma
sombra” (Sl 39.6). O homem, neste mundo, não passa de uma
estátua ambulante: a sua vida não é mais do que uma
representação da vida, está impregnada de morte.
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Se olharmos os vários períodos da nossa vida, talvez


cheguemos à conclusão que são um amontoado de vaidades. “a
juventude e a primavera da vida são vaidade” (Ec 11.10). Nós
entramos neste mundo como os mais indefesos dos animais. Os
filhotes do passarinho e dos animais conseguem virar-se em certa
medida, mas os bebês humanos são completamente
dependentes, incapazes de sobreviver sozinhos. Gastamos nossa
infância em brincadeiras e prazeres sem valor, dos quais depois
lembramos com desdém. A juventude é uma flor que logo
murcha, e que rapidamente cai; é um tempo em que nos
apressamos para agradar a nós mesmos com toda estupidez e
desconsideração, numa variedade de coisas vãs, como que
nadando numa enorme enchente dessas coisas. Mas antes que o
percebamos, tudo passa; e nos achamos na meia-idade, rodeados
de uma nuvem de preocupações, através da qual temos de
avançar tateando. Quando nos vemos acossados pelas ferroadas
das dificuldades, temos de forçar caminho através delas, para
levar a cabo os projetos e planos que temos em mente para
quando estivermos mais velhos. Quanto mais nos alegramos
nalgum prazer terreno que conquistamos, mais dificuldade
teremos para abrir mão dele. Daí chega a velhice, ocupada com
sua própria sequência de enfermidades, canseira e sofrimento (Sl
90.10), e nos conduz para bem perto do túmulo. Em resumo:
“Toda a carne é erva” (Is 40.6). Todas as fases e épocas da vida são
vaidade. “O homem em seu melhor estado”1, sua meia-idade,
quando o calor da juventude passou, e as aflições da velhice
1
A citação do texto segue a tradução do Autor (Bíblia King James). A Versão Revista e
Atualizada no Brasil (também a Revista e Corrigida, a Tradução Brasileira, e a Tradução da
Sociedade Bíblica Trinitariana) diz assim: “Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja,
é pura vaidade”.
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ainda não o alcançaram, “é pura vaidade” (Sl 39.5). A morte colhe


alguns no botão da infância, outros na flor da juventude, e outros
quando já se tornaram fruto. Poucos são deixados de pé até que,
como cereal maduro, deixam o chão: todos morrem uma hora ou
outra.

B) Em segundo lugar, a vida do homem é algo breve. Ela


não é apenas uma vaidade (um sopro), mas uma vaidade de vida
curta. Considere o seguinte:

1º) A maneira que a vida do homem é contada nas


Escrituras. Ela era na verdade contada algumas vezes em
centenas de anos; mas ninguém jamais chegou aos mil anos, o
que mesmo assim não tem comparação com a eternidade. Em
nossos tempos, as centenas de anos foram reduzidas a um
punhado: setenta ou oitenta é sua extensão máxima (Sl 90.10).
Mas são poucas as pessoas que chegam a essa extensão de vida. A
morte raramente espera até que os homens se curvem, por causa
da idade, para entrar na sepultura. Contudo, como se a palavra
“anos” fosse grande demais para descrever algo tão pequeno
como a vida do homem na terra, vemo-la calculada em meses:
“contigo está o número dos seus meses” (Jó 14.5). Nossa trajetória,
como a da lua, transcorre em pouco tempo: estamos sempre
crescendo ou decrescendo, até desaparecermos. Mas com
frequência ela é contada em dias; e esses não passam de poucos:
“O homem, nascido da mulher, é de bem poucos dias” (Jó 14.1 –
Versão Revista e Corrigida). Não somente isso, mas é apenas um
dia, no cálculo das Escrituras; e um dia do assalariado, que fica
olhando quando termina o dia para entregar o trabalho que fez:
“até que, como o jornaleiro, tenha contentamento no seu dia” (Jó
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14.6). Sim, as Escrituras encurtam a vida a uma medida ainda


menor de tempo, chamando-a de “um momento”: “Porque a
nossa leve e momentânea tribulação...” — embora perdure por
toda a nossa vida, é chamada de “momentânea” (2 Co 4.17).
Noutro lugar, ela é reduzida mais ainda, ao ponto de não ser
possível nem calcular: “à tua presença, o prazo da minha vida é
nada” (Sl 39.5). Em concordância com isso, Salomão nos diz: “há
tempo de nascer e tempo de morrer” (Ec 3.2); mas não menciona
um tempo de viver, como se nossa vida não passasse de um salto
do útero materno para a sepultura.

2º) Considere as várias comparações por meio das quais


as Escrituras representam a brevidade da vida humana. Ouça
Ezequias: “A minha habitação foi arrancada e removida para longe
de mim, como a tenda de um pastor; tu, como tecelão, me cortarás
a vida da urdidura” (Is 38.12). A tenda do pastor é removida
rapidamente, pois os rebanhos não podem ser alimentados por
muito tempo num só lugar; assim é a vida do homem nesta terra,
some rapidamente. É uma teia que ele constantemente está
tecendo; ele não fica ocioso um momento sequer: em pouco
tempo ela é feita, e então é desfeita. Cada movimento de
respiração é um fio dessa teia; quando se dá o último suspiro,
conclui-se a teia. O homem expira, e então se desfaz, não respira
mais. O homem é como erva, e como uma flor: “Toda a carne é
erva”, até mesmo a mais forte e a mais saudável, “e toda a sua
glória, como a flor da erva” (Is 40.6). A erva floresce pela manhã,
mas quando cortada pelos ceifeiros, à noite está murcha. Assim
também o homem, às vezes está andando para cá e para lá,
tranquilo, pela manhã, e à noite já é um cadáver, derrubado por
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um golpe súbito de alguma das armas da morte. A flor é algo


fraco e delicado, de curta duração, onde quer que cresça. Mas
repare, o homem não é comparado à flor do jardim, mas à flor do
campo, que pode ser pisada a qualquer tempo por algum animal.
Assim também nossa vida está sujeita a centenas de acidentes
todos os dias, e qualquer deles pode acabar conosco. Mas embora
possamos escapar de todos eles, com o passar do tempo esse
prazo murcha, essa flor desaparece por si mesma. Ela se desfaz
“Tal como a nuvem se desfaz e passa” (Jó 7.9). Ela parece grande
como uma nuvem da manhã, que promete grandes coisas, e
desperta a expectativa do agricultor; mas o sol desponta, e a
nuvem se dispersa; a morte chega, e o homem desaparece. O
apóstolo Tiago pergunta: “Que é a vossa vida?” (Tg 4.14). Ouça a
sua resposta: “Sois, apenas, como neblina que aparece por instante
e logo se dissipa”. Ela é frágil, incerta, e não perdura. Ela é como
fumaça, que sai da chaminé, como se fosse escurecer todo o céu;
mas rapidamente se dispersa, e não se vê mais. Assim vai a vida
do homem, e “quem é ele?” Ele é um sopro: “Lembra-te de que a
minha vida é um sopro” (Jó 7.7). Ela é um golpe de vento
passageiro, um curto bafejo: “vento que passa e já não volta” (Sl
78.39). Nosso fôlego está em nosso nariz, como se estivesse
sempre batendo asas para partir; entrando e saindo, como um
viajante, até que se vá, não retornando mais até que os céus
deixem de existir.

C) Em terceiro lugar, a vida humana é fugaz; não é apenas


uma vaidade passageira, mas uma vaidade arisca. Você já reparou
a rapidez com que a sombra se move no chão, num dia nublado e
ventoso, escurecendo de repente os lugares belamente
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iluminados pelo sol, mas desaparecendo logo em seguida? Assim


é a vida do homem na terra, pois ele “Nasce como a flor e murcha;
foge como a sombra e não permanece” (Jó 14.2). O movimento da
lançadeira de um tecelão é muito rápido; num momento é
lançada de um lado do tecido para o outro; contudo “Os meus
dias são mais velozes do que a lançadeira do tecelão” (Jó 7.6).
Quão rapidamente o homem é lançado através do tempo para
dentro da eternidade! Veja como Jó descreve a velocidade do
tempo da vida: “Os meus dias foram mais velozes do que um
corredor; fugiram e não viram a felicidade. Passaram como barcos
de junco; como a águia que se lança sobre a presa” (Jó 9.25,26). Ele
compara os seus dias ao mensageiro dos correios, um corredor
que se apressa a levar notícias, e não se detém nunca. Mas
embora o passado fosse como Aimaás, que ultrapassou o etíope2,
nossos dias serão mais velozes do que ele; pois eles escapam
como alguém que foge por sua vida diante do inimigo que o
persegue. Ele corre com todo o vigor que tem; mas os nossos dias
correm tão rápido quanto ele. Mas isso ainda não é tudo; mesmo
aquele que foge por sua vida não pode correr o tempo todo; ele
precisa parar, de vez em quando, deitar-se, ou entrar nalgum
lugar para recobrar forças, como Sísera o fez na tenda de Jael.3
Mas nosso tempo não para nunca. Por essa razão é comparado a
navios, que navegam dia e noite sem interrupção, até chegarem
ao porto desejado; e é comparado a navios ligeiros, navios do
desejo, nos quais os homens rapidamente chegam ao céu
desejado; ou navios de prazer, que navegam mais rapidamente
do que os navios da aflição. Contudo, na falta de vento,

2
2 Samuel 18.23. — N. do T.
3
Juízes 4.17. — N. do T.
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interrompe-se o movimento do navio; mas o movimento do


nosso tempo é sempre ligeiro. Por isso é comparado à águia em
pleno voo; não no voo normal, pois isso não basta para
representar a ligeireza de nossos dias; mas quando ela se lança
sobre a presa, numa velocidade extraordinária. É assim, assim
mesmo, que nossos dias se esvaem.

Havendo assim discorrido a respeito da morte,


aproveitemos a ocasião para compreender a vaidade do mundo.
Isso nos capacitará a suportar, com um contentamento e uma
paciência cristãos toda sorte de tribulações e dificuldades que
tivermos de passar aqui no mundo; nos ajudará a mortificar
nossas paixões; nos ajudará a sermos leais ao Senhor com todo o
coração, a qualquer custo; e nos ajudará a preparar-nos para a
aproximação da morte.

1) Por essa razão, olhemos, como num espelho, a vaidade


do mundo, e de todas as coisas que estão nele, as quais os
homens tanto valorizam e estimam; e por isso fixam nelas o seu
coração. Tanto os ricos quanto os pobres estão igualmente
concentrados neste mundo; eles lhe dobram o joelho; mas ele
não passa de um deus de barro: eles fazem a corte à grande
vaidade, e correm avidamente para agarrar essa sombra. O
homem rico se mata pelos seus abraços; e o pobre se fatiga nessa
perseguição infrutífera. É de admirar que os sorrisos do mundo
nos conquistem, quando os buscamos tão apaixonadamente,
mesmo quando em troca nos olhe com desdém! Mas olhe para o
túmulo, homem! considere e seja sábio; ouça o ensino da morte;
e aprenda: “aproveite o mais que puder, logo você será forçado a
abandonar tudo que possui neste mundo”. Embora você se encha
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dos frutos deste mundo, todos eles se irão quando você entrar na
cova, a casa debaixo da terra, destinada a todo vivente. Quando
vier a morte, você terá de dar um eterno adeus a todos os seus
bens desta terra: você terá de deixar todos os seus bens a outrem:
“e o que tens preparado, para quem será?” (Lc 12.20). Essas coisas
serão de muito pouco proveito a partir de então. Se você deitar-
se na grama e se espichar ao máximo, e reparar o contorno do
seu corpo ao levantar, poderá ver qual será o tanto de terra que
será a sua parte quando chegar a sua hora. Talvez você receba
um caixão, e uma mortalha: mas você não tem como saber se vai
ser assim ou não. Muita gente que tinha riqueza em abundância
não recebeu nem caixão nem mortalha quando foram morar na
nova casa na terra do silêncio. Seja como for, você não pode
esperar mais do que isso. Foi uma lição humilhante que Saladino,
ao morrer, deu aos seus soldados. Ele chamou o porta-
estandarte, e lhe ordenou que colocasse a bandeira na lança, e
saísse a campo com ela. Daí ele lhes disse que, de todas as suas
conquistas, vitórias e triunfos, nada lhe restava agora, senão
aquele pedaço de pano para envolver-lhe o corpo para o enterro.
“Este mundo é um falso amigo”, que abandona o homem na sua
maior necessidade, e se afasta dele quando o homem mais dele
precisa. Quando você está no leito de morte, nem todos os seus
amigos juntos podem resgatar você dali; as suas riquezas todas
não podem libertar você, nem prorrogar sua vida por um dia que
seja; não, nem mesmo por uma simples hora. Pelo contrário,
quanto mais você possuir bens materiais, maior será a sua
tristeza por ocasião da morte. Embora seja mais confortável viver
num palácio do que numa cabana, é mais fácil morrer numa
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cabana, onde o homem tem muito pouca coisa que o prenda a


esta vida.

2) Isso pode servir ao cristão como um tesouro de


contentamento e paciência quando enfrentar perdas e
tribulações neste mundo. Uma amplo conhecimento da doutrina
da morte é um excelente remédio contra a preocupação, e
concede certo alívio ao coração atribulado. Quando Jó sofreu
grandes perdas, ele se consolou com a seguinte reflexão: “Nu saí
do ventre de minha mãe e nu voltarei; o SENHOR o deu e o
SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!” (Jó 1.21).
Quando a Providência traz uma mortandade ou peste bovina
sobre o seu gado, quão rápido vocês passam a preocupar-se e a
queixar-se! Mas a séria consideração a respeito da sua própria
morte, instigada de forma tão notável por essas ocorrências
providenciais, podem ser úteis para silenciar as suas queixas, e
aquietar o seu espírito. Contemple a “casa destinada a todo
vivente”, e aprenda:

i) “Que você precisa aguentar um golpe mais rude do que


a perda dos bens deste mundo”. Não reclame por causa de um
golpe na perna ou no braço, pois logo você sofrerá um golpe
certeiro no próprio coração. Talvez você perca os seus entes mais
queridos: a esposa pode perder o marido, e o marido pode perder
a esposa; os pais talvez percam os seus amados filhos, e os filhos
percam os pais; mas se qualquer dessas provas lhe suceder,
lembre-se de que no final você perderá a sua própria vida, e “Por
que, pois, se queixa o homem vivente?” (Lm 3.39). É sempre
proveitoso considerar, quando estamos em aflição, que nosso
caso poderia ser bem pior do que é. Qualquer coisa nossa que foi
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destruída ou nos foi tomada, é por causa das “misericórdias do


SENHOR” que nós mesmos não somos “consumidos” (Lm 3.22).

ii) “É por bem pouco tempo que estamos neste mundo”. É


por pouco tempo que nossas necessidades se farão sentidas nesse
curto espaço de tempo. Quando vier a morte, não teremos
necessidade de nenhuma dessas coisas. Por que deveriam os
homens atormentar a própria cabeça com preocupações sobre
como fazer provisão para amanhã, quando eles não sabem se
ainda terão necessidade de qualquer coisa? Embora estejam
quase no fim os meios de subsistência do homem para a sua
jornada, ele não se inquietará se pensar que já está quase em
casa. Você está trabalhando à luz de velas, e elas estão-se
acabando? Pode ser também que reste pouca areia em sua
ampulheta; se for assim, ela será de pouca serventia para você.

iii) “Você tem assuntos de grande importância, que o


levam a preocupar-se.” A morte está à porta, cuidado para não
perderem a alma. Se o sangue escorre de determinado lugar do
corpo, com frequência se perfura uma veia em outra parte, para
inverter o fluxo do sangue, e assim estancá-lo. Dessa forma o
Espírito de Deus às vezes cura os homens da tristeza pelas coisas
terrenas, perfurando-lhes a veia do coração, para que sangre por
causa do pecado. Se buscamos as coisas celestiais com mais vigor
quando os negócios desta vida não prosperam, deveríamos por
essa causa apropriar-nos de uma dupla vantagem: nossa tristeza
terrena seria afastada, e nossos melhores tesouros seriam
aumentados.
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iv) “Sofrimentos dessa natureza não perdurarão por


muito tempo”. Os sorrisos do mundo e os seus olhares
carrancudos em breve serão juntamente enterrados em eterno
esquecimento. Os seus sorrisos se afastam como espuma na
água; e as suas reprovações carrancudas são como uma rápida e
passageira agulhada na face de um homem. O tempo voa com
asas ligeiras, e leva consigo nossos consolos terrenos, bem como
nossas aflições: nada disso nos acompanhará até a “casa
destinada a todo vivente”. “Ali, os maus cessam de perturbar, e,
ali, repousam os cansados. Ali, os presos juntamente repousam e
não ouvem a voz do feitor. Ali, está tanto o pequeno como o
grande e o servo livre de seu senhor” (Jó 3.17-19). Contemple a
eternidade, e você verá que a aflição daqui não passa de um
momento. A verdade é que nosso tempo é tão curto, que não é
suficiente para desenvolver à perfeição nem nossas alegrias nem
nossas tristezas. Portanto, “os que choram, [vivam] como se não
chorassem; e os que se alegram, como se não se alegrassem...” etc.
(1 Co 7.29-31).

v) “A morte nivelará todos os homens”. Tanto o rei como


o mendigo terão de morar na mesma casa, quando a jornada
deles chegar ao fim, embora a hospedagem que gozaram no
caminho fosse muito diferente uma da outra. “Ali, está tanto o
pequeno como o grande” (Jó 3.19). Nós estamos todos neste
mundo como numa encenação; não faz grande diferença se
alguém atua como príncipe ou como camponês, pois quando
tiverem encerrado seus papéis, ambos têm de retirar-se para trás
da cortina, e não mais aparecerão.
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vi) Se você não estiver em Cristo, quaisquer que sejam


suas aflições aqui, “há sofrimentos mil vezes maiores aguardando
você em outro mundo”. A morte transformará as suas tribulações
em maldições; e então, como você gostaria de voltar ao seu
estado anterior de aflições, e alcançá-lo a qualquer custo, se
houvesse qualquer possibilidade de um tal retorno. Se você está
em Cristo, talvez esteja carregando a sua cruz. A morte dará fim a
todos os seus sofrimentos. Se alguém, durante uma viagem, não
estiver bem acomodado no lugar onde se hospeda por apenas
uma noite, ele não se aborrecerá muito com isso; porque não vai
ficar ali, pois não é a sua casa. Você está a caminho da
eternidade; não deixe que o encontro com algumas dificuldades
na estalagem deste mundo o inquiete. Não se preocupe porque as
coisas não correm tão bem para você, como correm a alguns
outros. Alguém viaja com uma bengala na mão; seu companheiro
de viagem, talvez, tenha na mão apenas uma vara ou um bastão:
todos eles servem para o mesmo objetivo. Não faz grande
diferença qual deles é o seu; ambos terão de ser postos de lado
quando você chegar ao fim da viagem.

Conhecer a doutrina da morte pode ser muito útil como


freio, para conter todo tipo de paixão, especialmente as
referentes ao corpo. Uma sincera visita feita à morte fria, e à
mansão solitária, o túmulo, pode ser muito útil para reprimir
nossas paixões.

(1) Isso pode ser útil para levar os homens a parar com o
cuidado excessivo do corpo; preocupação essa que é, para
muitos, a ruína da alma. Perguntar com frequência: “O que
comeremos? o que beberemos? e com que nos vestiremos?”, não
18

dá espaço para esta outra pergunta de muito maior importância:


“De que maneira eu me apresentarei diante do Senhor?”. Para
responder a essas perguntas inferiores a respeito do corpo,
acaba-se prejudicando a alma, negligenciando os interesses
eternos dela. Ah! por que os homens se afadigam tanto para
consertar essa cabana arruinada, ao mesmo tempo que largam o
morador ferido, sangrando até a morte, negligenciado, posto de
lado? Por que tanto cuidado com o corpo, ao ponto de
negligenciar os interesses da alma imortal? Oh! não fiquem tão
ansiosos por aquilo que serve apenas ao seu corpo; visto que,
daqui a não muito tempo, os torrões de terra fria o cobrirão por
inteiro.

(2) Isso pode moderar o seu orgulho com respeito aos


dotes físicos, dos quais o homem vil sempre se gloria. Não se
gloriem na flor da mocidade; pois enquanto estão em seus anos
mais viçosos, estão bem maduros para um túmulo; a morte dá o
golpe fatal sem perguntar a idade do corpo de ninguém. Não se
gloriem na sua força, ela sumirá em breve: logo chegará o tempo
quando vocês não conseguirão nem virar-se na cama; e terão de
ser carregados por seus entristecidos amigos até a sua última
morada. E o que significa a sua saudável constituição? A morte
nem sempre entra logo, quando bate à porta. Alguns ela executa
em poucas horas, e com outros ela demora muitos anos. Não se
gloriem em sua beleza, pois “a sua formosura na sepultura se
consumirá” (Sl 49.14 – Versão Revista e Corrigida). Lembrem-se
da mudança que a morte opera na mais bela face: “mudas-lhe o
semblante e o despedes para o além” (Jó 14.20). A morte torna a
maior beleza tão repulsiva, que precisa ser enterrada para não
19

mais ser vista. Se pudéssemos ver através de uma janela “a casa


destinada a todo vivente”, seria um terror a todos os que agora
olham mais para dentro dos seus copos do que para dentro da
sua Bíblia. E o que dizer do corpo bem vestido? As roupas mais
finas não passam de sinais do nosso pecado e vergonha; e em
pouco tempo serão trocadas por uma mortalha, e o corpo se
tornará um banquete para os vermes.

(3) Isso pode ser uma coibição da sensualidade e das


paixões carnais: “Amados, exorto-vos, como peregrinos e
forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que
fazem guerra contra a alma” (1 Pe 2.11). É difícil por fogo em lenha
molhada; e quando o fogo de alguma forma pega, logo se
extingue. A sensualidade indispõe os homens à comunhão com
Deus, e é um meio eficaz de apagar o Espírito. A falta de controle
no comer e no beber provoca a ruína da alma e do corpo juntos;
ela apressa a morte, ao mesmo tempo que faz com que o homem
não esteja preparado para ela. Por essa razão, “Acautelai-vos por
vós mesmos, para que nunca vos suceda que o vosso coração fique
sobrecarregado com as consequências da orgia, da embriaguez e
das preocupações deste mundo, e para que aquele dia não venha
sobre vós repentinamente, como um laço” (Lc 21.34). Mas quantas
vezes a alma é traspassada por um dardo, quando se gratificam
os apetites físicos! É por essas portas que entra a destruição. Por
essa razão Jó afirma: “Fiz aliança com meus olhos” (Jó 31.1). “Cova
profunda é a boca da mulher estranha; aquele contra quem o
SENHOR se irar cairá nela” (Pv 22.14). “Aquele, pois, que pensa
estar em pé veja que não caia” (1 Co 10.14). Tome cuidado com a
lascívia; esforce-se para ser modesto no vestir, no falar, e no agir.
20

Os corvos do vale da morte haverão de arrancar os olhos


maliciosos; a língua suja e obscena haverá de calar-se na terra do
silêncio; e a morte desagradável, abraçando o corpo em seus
braços frios, aquietará para sempre todo o calor das paixões
carnais.

(4) Em resumo, isso pode controlar nossa mentalidade


mundana, e nocautear de uma só vez “a concupiscência da carne,
a concupiscência dos olhos, e a soberba da vida".4 Ah! se todos
temos de morrer, por que somos assim? Por que somos tão
afeiçoados às coisas temporais; tão ansiosos para obtê-las, tão
ávidos para abraçá-las, tão profundamente afetados quando as
perdemos? Permita-me, com uma visão da “casa destinada a todo
vivente”, dirigir aos mundanos as palavras de Salomão:
“Porventura, fitarás os olhos naquilo que não é nada? Pois,
certamente, a riqueza fará para si asas, como a águia que voa
pelos céus” (Pv 23.5). As riquezas, juntamente com todas as coisas
terrenas, não passam de um nada; elas são um vácuo, como algo
que não existe. Elas não são o que parecem: não passam de
vaidades douradas, que enganam os olhos. Elas são comparáveis
ao nada; há infinitamente mais de inexistência e vácuo do que de
existência ou realidade nas melhores dessas coisas. O que é o
mundo e tudo que nele está, senão aparência, ou uma bela
exibição, como a que os homens fazem nos palcos, uma
apresentação passageira? (1 Co 7.31). A pompa real não passa de
um vistoso espetáculo, ou mera aparência, aos olhos de Deus (At
25.23). A melhor fama que conseguem são bens materiais; mas

4
1 João 2.16. — N. do T.
21

repare, isso são só os bens do homem ímpio: “lembra-te de que


recebeste os teus bens em tua vida”, diz Abraão na parábola, ao
rico que está no inferno (Lc 16.25). Os homens podem chamar
essas coisas como os seus bens; pois não há neles nenhum outro
bem, nem a respeito deles, nem cuidando deles. Ora, você
pretende fixar os olhos em sombras vazias e em vãs imaginações?
Você deixará os seus olhos pairarem sobre essas coisas, como
disse Jó? Deveria o coração dos homens voar através dos seus
olhos sobre essas coisas, como pássaro voraz sobre a sua presa?
Se o fizerem, fiquem sabendo que por fim elas fugirão deles tão
rapidamente como os seus olhos voaram até elas, como um
bando de pássaros de belas penas, que pousam no terreno do
insensato. Este insensato, quando corre para apanhá-los, faz com
que alcem voo e fujam, pousando no terreno do vizinho,
deixando-o frustrado: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o
que tens preparado, para quem será?” (Lc 12.20). Embora não seja
você que dá asas a eles, como muitos o fazem, eles fazem asas
para si mesmos, e fogem; não como um pássaro caseiro e
adestrado, que talvez possa ser capturado outra vez; mas como a
águia, que rapidamente foge do alcance da vista, e não pode ser
trazida de volta. Evite, então, olhar para essas coisas. Ó mortal,
não há motivo por que você deva fixar os olhos sobre elas. Este
mundo é uma grande estalagem na estrada da eternidade, para
onde você está viajando. Você deve olhar para essas coisas como
servos que o atendem enquanto estiver aqui; e quando você
partir, eles o conduzirão até a porta. Mas não lhe pertencem; eles
o acompanharão, mas voltarão para esperar outros estrangeiros,
assim como fizeram com você.
22

D) Isso pode funcionar como uma mola para tomar


decisões cristãs, para apegar-se fielmente a Cristo, para obedecer
às Suas verdades, e perseverar em Seus caminhos, quaisquer que
sejam as consequências dessas decisões. Isso diminuirá o temor
dos homens, o qual arma ciladas.5 “quem és tu, para teres medo
de um homem que morre...?” (Is 51.12 – Tradução Brasileira). Veja
os seus perseguidores como barro quebradiço, que serão
quebrados em pedaços; assim você não fará caso deles como
inimigos, verá que são mortais, cujo terror que infundem aos
outros na terra dos viventes logo haverá de perecer juntamente
com eles mesmos. A reflexão séria na brevidade do nosso tempo,
e a certeza da morte nos ensinarão que não tem nenhum valor
qualquer vantagem que conseguirmos por meio da apostasia
durante as provações. Não vale a pena desviar-nos do caminho
para obtê-las; e aquilo que recusamos abandonar por causa de
Cristo pode ser-nos tomado em breve pela morte. Mas a maneira
mais honrosa de perder tudo é pela causa de Cristo e do Seu
evangelho. Pois que glória é, se você abre mão do que tem no
mundo, se Deus vai tomá-lo de você por meio da morte, quer
você queira ou não? Essa consideração talvez nos ensine a
desvalorizar a própria vida, e optar por renunciá-la em lugar de
pecar. A pior coisa que os homens podem fazer é tirar-nos esta
vida, a qual não podemos manter por muito tempo, mesmo que
o mundo todo nos incite a pouparmos a nossa própria vida. Se
nos recusarmos a oferecê-la a Deus quando Ele a requer em
defesa da Sua honra, Ele pode tomá-la de nós de outra forma;
como no caso da pessoa que não se dispôs a ser queimada por

5
Provérbios 29.25. — N. do T.
23

Cristo, mas depois foi queimada num incêndio acidental em sua


casa.

E) Isso pode funcionar como uma espora que nos incite a


preparar-nos para a morte. Considere o seguinte:

1. O seu estado eterno será o mesmo em que você morrer:


a morte lhe abrirá as portas do céu ou as do inferno. Para o lado
que cair a árvore, ali ela ficará por toda a eternidade6. Se a
criança nascer morta, nem mesmo o mundo inteiro poderá fazê-
la viver outra vez: e se alguém morre sem Cristo, sem
regeneração, nunca mais haverá esperança para essa pessoa.

2. Considere com seriedade o que significa ir para outro


mundo; um mundo espiritual, com o qual estamos muito pouco
familiarizados. Quão assustador é, para os pobres mortais, tratar
com espíritos nesta vida! e quão terrível é o caso, quando os
homens se precipitam para o outro mundo sem saber que apenas
os demônios serão seus companheiros para todo o sempre!
Aprendamos diligentemente, então, com o Senhor, e avancemos
em nosso conhecimento a respeito desse mundo.

3. Você tem apenas um curto espaço de tempo para


preparar-se para a morte; por isso, é agora ou nunca, pois o
tempo determinado para preparar-se logo se acabará. “Tudo o
que alcançar a tua mão para fazer, faze-o com tuas forças, porque
na sepultura para onde vais, não há obra, nem engenho, nem
conhecimento, nem sabedoria” (Ec 9.10). Como podemos ficar
ociosos, se temos tão grande trabalho para fazer, e tão pouco

6
Eclesiastes 11.3. — N. do T.
24

tempo para realizá-lo? Mas se o tempo é curto, o trabalho de


preparação para a morte, embora seja trabalho duro, não durará
muito. As sombras da noite fazem o trabalhador esforçar-se
alegremente, sabendo que a hora está aí à mão, quando será
chamado e poderá cessar o trabalho.

4. Muito do nosso curto tempo já se foi; e os mais jovens


entre nós não têm certeza se ainda lhes resta outro tanto de
tempo. A nossa vida neste mundo não é mais do que um curto
prefácio para uma longa eternidade; e muito da história já foi
contada. Oh! não deveríamos dobrar nossa diligência, quando
tanto do nosso tempo já foi gasto, e foi realizado tão pouco do
nosso grande trabalho?

5. O tempo presente está voando rapidamente; e não


temos condições de trazer de volta o tempo já transcorrido, ele já
nos deu um eterno adeus: não há como acender outra vez o fogo
que já se tornou cinzas. O tempo futuro não nos pertence: e não
temos garantia nenhuma de que participaremos dele, quando
vier. Não temos nada que podemos chamar nosso, além do
momento presente; e esse foge velozmente. Não sabemos
quando haverá de chegar o nosso fim, se tarde ou cedo. Temos
de morrer, mas quem pode dizer-nos quando isso acontecerá? Se
a morte marcasse horário para chegar, não correríamos perigo de
sermos pegos de surpresa; mas pelo que observamos todos os
dias, isso não existe. Dessa forma, as fugidias sombras da nossa
vida não nos permitem desperdiçar tempo. Os rios se precipitam
rapidamente no mar, de onde vieram; mas essa velocidade nem
se compara com a rapidez com que o homem se precipita no pó,
25

de onde veio. A fonte do tempo tem a correnteza mais veloz, e


rapidamente corre em direção da eternidade.

6. Quando a morte nos carregar, não haverá como


retornar para reparar os assuntos que nos dizem respeito:
“Morrendo o homem, porventura tornará a viver?” (Jó 14.14). Da
morte não há como fazermos uma experimentação; ela é uma
experiência única: “aos homens está ordenado morrerem uma só
vez” (Hb 9.27). Precisamos usar a maior diligência possível, a fim
de estarmos preparados para esse acontecimento que só pode
ocorrer uma única vez. A morte é de tão grande importância, que
tudo o que nos diz respeito depende de enfrentá-la
corretamente. Por essa razão, prepare-se para a morte.

Se você que ainda não foi regenerado me perguntar o que


deve fazer para preparar-se para a morte, para morrer de modo
seguro, responderei que já lhe disse o que precisa fazer. A sua
natureza e o seu estado precisam ser mudados: você precisa ser
unido a Jesus Cristo por meio da fé. Enquanto isso não ocorrer,
não adianta lhe dar outras instruções a respeito de como morrer
seguramente em Deus.
26

Thomas Boston

Excertos do livro Os quatro Estados da Natureza Humana

Thomas Boston nasceu em Duns, Escócia, em 17 de março de 1676 e foi


levado pelo Senhor em 20 de maio de 1732. Seus pais, John Boston e Alison
Trotter, eram Covenanters.
Foi educado em Edimburgo e licenciado em 1697 pelo Presbitério de
Chirnside. Em 1699 tornou-se ministro de uma pequena paróquia em
Simprin, Escócia. Em 1704, ao visitar um membro de seu rebanho, descobriu
o famoso livro "Marrow of Modern Divinity” de Edward Fisher, um
compêndio dos principais teólogos da Reforma sobre a doutrina da graça e
da oferta do Evangelho. Seu objeto era demonstrar a gratuidade
incondicional do Evangelho.

É proibida a reprodução de parte ou do todo desta publicação sem a


permissão formal do editor.

Edição: Manoel Canuto


Edição gráfica e capa: Heraldo Almeida

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