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METODOLOGIA DOS ESTUDOS LITERÁRIOS

FLUP

TEXTOS POÉTICOS

Docente: Prof. Luís Adriano Carlos

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1.
A MORTE, O ESPAÇO, A ETERNIDADE suada, segregada, circulada,
a que é excremento e sangue, a que é semente
ao José Blanc de Portugal, em memória de um e é gozo e é dor e pele que palpita
seu ente querido, que eu muito estimava. ligeiramente fria sob ardentes dedos.
Não há limites para ela. É uma injustiça
De morte natural nunca ninguém morreu. que sempre se morresse, quando agora
Não foi para morrer que nós nascemos, de tanto que matava se não morre.
não foi só para a morte que dos tempos É o pouco de universo a que se agarram,
chega até nós esse murmúrio cavo, para morrer, os que possuem tudo.
inconsolado, uivante, estertorado, O pouco que não basta e que nos mata,
desde que anfíbios viemos a uma praia quando como ele a Vida não se amplia,
e quadrumanos nos erguemos. Não. e é como a pel’ do onagro, que se encolhe,
Não foi para morrermos que falámos, retrátil e submissa, conformada.
que descobrimos a ternura e o fogo, É uma injustiça a morte. É cobardia
e a pintura, a escrita, a doce música. que alguém a aceite resignadamente.
Sputnik 1 O estado natural é complacência eterna,
Não foi para morrer que nós sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver, é uma traição ao medo por que somos,
ou que sonhámos deuses que por nós àquilo que nos cabe: ser o espírito
fossem mais imortais que sonharíamos. sempre mais vasto do Universo infindo.
Não foi. Quando aceitamos como natural,
dentro da ordem das coisas ou dos anjos, O Sol, a Via Láctea, as Nebulosas,
o inominável fim da nossa carne; quando teremos e veremos, até que
ante ele nos curvamos como se ele fôra a Vida seja de imortais que somos
inescapável fome de infinito; quando no instante em que da morte nos soltamos.
vontade o imaginamos de outros deuses A Morte é deste mundo em que o pecado,
que são rostos de um só; quando que a dor a queda, a falta originária, o mal
é um erro humano a que na dor nos damos é aceitar seja o que for, rendidos.
porque de nós se perde algo nos outros, vamos
traindo esta ascensão, esta vitória, isto E Deus não quer que nós, nenhum de nós,
que é ser-se humano, passo a passo, mais. nenhum aceite nada. Ele espera,
A morte é natural na natureza. Mas como um juiz na meta da corrida,
nós somos o que nega a natureza. Somos torcendo as mãos de desespero e angústia,
esse negar da espécie, esse negar do que porque não pode fazer nada e vê
nos liga ainda ao Sol, à terra, às águas. que os corredores desistem, se acomodam,
Para emergir nascemos. Contra tudo e além ou vão tombar exaustos no caminho.
de quanto seja o ser-se sempre o mesmo De nós se acresce ele mesmo que será
que nasce e morre, nasce e morre, acaba o espírito que formos, o saber e a força.
como uma espécie extinta de outras eras. Não é nos braços dele que repousamos,
Para emergirmos livres foi que a morte mas ele se encontrará nos nossos braços
nos deu um medo que é nosso destino. quando chegarmos mais além do que ele.
Tudo se fez para escapar-lhe, tudo Não nos aguarda — a mim, a ti, a quem amaste,
se imaginou para iludi-la, tudo a quem te amou, a quem te deu o ser —
até coragem, desapego, amor, não nos aguarda, não. Por cada morte
para que a morte fosse natural. a que nos entregamos el’ se vê roubado,
roído pelos ratos do demónio,
Não é. Como, se o fôra, há tantos milhões de anos o homem natural que aceita a morte,
a conhecemos, a sofremos, a vivemos, a natureza que de morte é feita.
e mesmo assassinando a não queremos?
Como nunca ninguém a recebeu Quando a hora chegar em que já tudo
senão cansado de viver? Como a ninguém na terra foi humano — carne e sangue —,
sequer é concebível para quem lhe seja não haverá quem sopre nas trombetas
um ente amado, um ser diverso, um corpo clamando o globo a um corpo só, informe,
que mais amamos que a nós próprios? Como um só desejo, um só amor, um sexo.
será que os animais, junto de nós, Fechados sobre a terra, ela nos sendo
a mostram na amargura de um olhar e sendo ela nós todos, a ressurreição
que lânguido esmorece rebelado? é morte desse Deus que nos espera
E desde sempre se morreu. Que prova? para espírito seu e carne do Universo.
Morrem os astros, porque acabam. Morre Para emergir nascemos. O pavor nos traça,
tudo o que acaba, diz-se. Mas que prova? este destino claramente visto:
Só prova que se morre de universo pouco, podem os mundos acabar, que a Vida,
do pouco de universo conquistado. voando nos espaços, outros mundos,
Não há limites para a Vida. Não há-de encontrar em que se continui.
aquela que de um salto se formou E, quando o infinito mais não fosse,
lá onde um dia alguns cristais comeram; e o encontro houvesse de um limite dele,
nem bem aquela que, animal e planta, a Vida com seus punhos levá-lo-á na frente,
foi sendo pelo mundo esse morrer constante para que em Espaço caiba a Eternidade.
de vidas que outras vidas alimentam
para que novas vidas surjam que Assis, 1 de Abril 61, Sábado de Aleluia
como primárias células se absorvam.
A Vida Humana, sim, a respirada, Jorge de Sena

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2. 3.

MISÉRIA PERICLITAM OS GRILOS

Era já noite cerrada, Periclitam os grilos:


Diz o filho: Oh minha mãe, a noite é nada.
Debaixo d’aquela arcada Quem tem filhos tem cadilhos.
Passava-se a noite bem!» (Que quadra tão bem rimada!)

A cega, que todo o dia Não espere, leitor, que eu diga:


Tinha levado a andar, «Debaixo daquela arcada...».
A tais palavras do guia Não venho fazer intriga:
Sentiu-se reanimar. versejo só — e mais nada.

Mas saltam dois cães de gado, Assim o terceiro verso


Que eram como dois leões: desta tirada
Tinha-os à porta o morgado (reparou que é um provérbio?)
Para o guardar dos ladrões. não significa mais nada.

Tornam os pobres à estrada, Se a noite é nada e os grilos


E aonde haviam de ir dar? não estão de asa parada,
Ao palácio da tapada não vou puxar, só por isso,
Onde el-rei ia caçar. o fio à sua meada,

À ceguinha meio morta leitor que me pede a história


Torna o filho: «Oh minha mãe, que já traz engatilhada,
Ali no vão de uma porta leitor que não se habitua
Passava-se a noite bem!» a que não aconteça nada

– Se os cães deixarem... (diz ela, em poesia que comece


A triste num riso amargo). como esta foi começada
Com efeito a sentinela: e acabe como esta
– Quem vem lá?... Passe de largo!» vai ser agora acabada...

Alexandre O’Neill
Então ceguinha e filhinho,
vendo a sua esperança vã,
Deitaram-se no caminho
Até romper a manhã!...

João de Deus

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4. 5.

O GRILO CATORZE VERSOS

Tem muito estilo o grilo Un soneto me manda hacer Violante…


(pena dar-lhe pràquilo…) Lope de Vega

Quanto quilo de alface


O primeiro é assim: fica de parte.
(a alface é ao quilo?)
não comeu já o grilo No segundo já posso prometer
para ter tanto estilo! que no terceiro vai haver mais arte.
Mas afinal não houve… Que fazer?
Faz cri-cri no meu verso,
faz cri-cri no meu quilo.
Cri-cri faz no ouvido Melhor será calar, pois que dizer
e quase no mamilo. nem no sexto conseguirei destarte.
Os acentos errados é favor não ver;
Dá-se ao grilo a folhinha
nem os versos errados, que também sei hacer…
mas não guarda sigilo.

Ao canário da alpista Ó nono verso por que vais embora


(também telegrafista) sem que eu te sublime neste décimo?
que não anunciasse
Ao décimo-primeiro dediquei uma hora.
logo o meu grilo: alface!

Assim te conto o grilo Errei-o. Mas que importa se a poesia,


se não fores repeti… mesmo que o não errasse, já não vinha?
Se não fores repeti-lo.
É este o último e, como os outros, péssimo…
Alexandre O’Neill
Alexandre O’Neill

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6.

QUATRO LUGARES-COMUNS SOBRE VÁRIAS ARTES POÉTICAS

Estou sozinho diante da página em branco.

Cedo à inspiração?
Dedico-me ao suor?

Vou investir com a caneta o branco da página em branco.

Minha tentação era subscrever o branco,


assinar o silêncio.
Mas o branco seria o silêncio,
uma vez assinado?

Cedo à inspiração?
Dedico-me ao suor?

Nada vem de bandeja.


Nada vem do suor.

Não há modelo exterior a que eu deva obediência, sequer trabalho.


O modelo exterior seria uma plateia
com centenas de lugares-comuns
ainda mal arejados dos traseiros
que neles depusessem os gomos o tempo da sessão.
O modelo exterior é uma convenção
que te obriga, se o eleges, a trabalhar como arrumador,
lanterninha na mão.
E então, sim! Deves tudo ao suor
(o nobre suor de um senhor escritor).
O modelo exterior é como o jogo do avião:
ao pé-coxinho vais biqueirando a palavra-patela,
de quadradinho em quadradinho,
até fazeres todo o avião.

O modelo exterior deixa-te definitivamente fora,


mas fora de ti próprio.
É como se andasses à rabiça
a arar os campos de papel.

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3

A folha de papel em branco


não é o ruedo de nenhuma faena.
A folha de papel em branco
(e tu debruçado sobre ela)
é um slogan turístico, um “Spain is different!”
da poesia-espectáculo.
(Nem a ti próprio te dês em espectáculo
sob pretexto de reflexão.)

Se tens o lampo da inspiração


a crescer, em formigueiro, na mão da faina,
não te deixes embevecer por imagens toureiras.
São bonitos.
São analogias que não colam
ao trabalho de escrever.

Se tens o lampo da inspiração,


despede-o para o papel como instantaneidade
de incertos resultados.
Depois se verá se deixou resíduos
ou se o lampo não deu mais que um trovão.

Nada vem de bandeja.


Nada vem do suor.

Não te deixes cindir por um falso dilema.


Escrever é tramar o textual.
Bandeja e suor são problemas teus,
maneiras de ser, de agir, processos de trabalho.

Onde começa um poema?


Quando começa um poema?

No espaço quadrado da folha de papel?


No momento em que pegas da caneta?

Ou no espaço redondo em que te moves?


Ou quando, alheio a tudo, te pões de cócoras,
a coçar, perplexo, a cabeça?

Alexandre O’Neill

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7.

OH AS CASAS AS CASAS AS CASAS

Oh as casas as casas as casas


as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei — ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

Ruy Belo

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8.

A MÃO NO ARADO

Feliz aquele que administra sabiamente


a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta


entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem


regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente

Ruy Belo

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9.

ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM CRIANÇAS

A criança está completamente imersa na infância


a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
é o elemento próprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
E tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

Ruy Belo

10.

ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES


QUE O POETA REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO

Os pássaros nascem na ponta das árvores


As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

Ruy Belo

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11. 12.

«ALMA MINHA GENTIL…» «ANIMA BELLA DA QUEL NODO SCIOLTA»

Alma minha gentil, que te partiste Alma tão bela desse nó já solta
tão cedo desta vida descontente, Que mais belo não sabe urdir natura,
repousa lá no Céu eternamente, Tua mente volve à minha vida obscura
e viva eu cá na terra sempre triste. Do céu à minha dor em choro envolta.

Se lá no assento etéreo, onde subiste, Da falsa suspeição liberta e absolta


memória desta vida se consente, Que outrora te fazia acerba e dura
não te esqueças daquele amor ardente A vista em mim pousada, ora segura
que já nos olhos meus tão puro viste. Podes fitar-me, e ouvir-me a ânsia revolta.

E se vires que pode merecer-te Olha do Sorge a montanhosa fonte


alguma cousa a dor que me ficou e verás lá aquele que entre o prado e o rio
da mágoa, sem remédio, de perder-te, De recordar-te e de desgosto é insonte.

roga a Deus, que teus anos encurtou, Onde está teu albergue, onde existiu
que tão cedo de cá me leve a ver-te, O amor que abandonaste. E o horizonte
quão cedo de meus olhos te levou. De um mundo que desprezas, torpe e frio.

Luís de Camões Francesco Petrarca


(Trad. de Jorge de Sena)

13. 14.

AUTOPSICOGRAFIA RECITATIVOS / IX

O poeta é um fingidor. O poeta é um figurador, não


Finge tão completamente consta que Fernando
Que chega a fingir que é dor conhecesse Varrão (De
A dor que deveras sente. ling. lat. 6, 78:
fictor cum dicit fingo figuram
E os que lêem o que escreve, imponit)
Na dor lida sentem bem, e a paisagem de alma: uma
Não as duas que ele teve, convenção
Mas só a que eles não têm. retórica

E assim nas calhas de roda porque a leitura do efémero


Gira, a entreter a razão, transcende
Esse comboio de corda suas minúcias próprias, (e ele)
Que se chama coração. se torna retórica

Fernando Pessoa e a circunstância: um travelling


palíndromo, nestes desvios
a razão se
perde

Vasco Graça Moura

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15. 16.

NAS PALAVRAS NAS PALAVRAS

Respiro a erva nas palavras, Respiro a terra nas palavras,


no terno leite das palavras no dorso das palavras
respiro respiro
a pedra fresca da cal, a pedra fresca da cal;

respiro um veio de água respiro um veio de água


que se perde que se perde
entre as espáduas entre as espáduas
ou as nádegas, ou as nádegas;

respiro o fogo verde respiro um sol recente


folha a folha e raso
nas palavras nas palavras,
com doçura de animal. com lentidão de animal.

Eugénio de Andrade (1971) Eugénio de Andrade (1990)

17. 18.

A PALAVRA A PALAVRA MÁGICA

Só conheço, talvez, uma palavra. Certa palavra dorme na sombra


de um livro raro.
Só quero dizer uma palavra. Como desencantá-la?
É a senha da vida
A vida inteira para dizer uma palavra! a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Felizes os que chegam a dizer uma palavra!
Vou procurá-la a vida inteira
Saúl Dias no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura


ficará sendo
minha palavra.

Carlos Drummond de Andrade


(Brasil)

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19. 20.

PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO O SUL

VII O sol o sul o sal


as mãos de alguém ao sol
É mineral o papel o sal do sul ao sol
onde escrever o sol em mãos de sul
o verso; o verso e mãos de sal ao sol
que é possível não fazer.
e sal do sul em mãos de sol
São minerais e mãos de sul ao sol
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos um sol de sal ao sul
quando em estado de palavra. o sol ao sul
o sal ao sol
É mineral o sal o sol
a linha do horizonte, e mãos de sul sem sol nem sal
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras. Para quando enfim no sul
ao sol
É mineral, por fim, uma mão cheia de sal?
qualquer livro:
que é mineral a palavra Ruy Duarte de Carvalho
escrita, a fria natureza (Angola)

da palavra escrita.

João Cabral de Melo Neto


(Brasil)

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21. 22.

EDD'ORA ADDIO... – MIA SOAVE!... SONETO

Aos meus amigos d'ORPHEU Dou pruden nobre, huma afá


to, te, no, vel,
– Mia Soave... – Ave?!... – Alméa?!… Re singular ra inflexí
– Maripoza Azual... –Transe!… Úni cien benig e aplausí
Que d'Alado Lidar, Canse… co, ro, vel
– Dorta em Paz...– Transpasse Idéa!... Magnífi precla incompará
Do mun grave Ju inimitá
– Do Occaso pela Epopéa… do is vel
Dorto… Stringe… o Corpo Elance… Admira goza o aplauso crí
Vae À Carnpa... – Il C'or descanse… Po a trabalho tan e t terrí
– Mia Soave... – Ave!... – Alméa!… is to ão vel
Da pron execuç sempre incansá
– Não Doe Por Ti Meu Peito… Voss fa Senhor sej notór
– Não Choro no Orar Cicio... a ma a ia
– Em Profano... – Edd'ora... Eleito!… L no cli onde nunc chega o d
Ond de Ere só se tem memór
– Balsame – a Campa – o Rocío e bo ia
Que Cahe sobre o Ultimo leito!... Para qu gar tal tanta energ
– Mi' Soave!... Edd'ora Addio!... po de tod est terr é gentil glór
is a a a ia
Ângelo de Lima Da ma remot sej um alegr

Gregório de Matos

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23. 24.

O VISIONÁRIO OU SOM E COR VIOLONCELO

II Chorai arcadas
Do violoncelo!
O vermelho deve ser como o som duma trombeta Convulsionadas,
Pontes aladas
(Um cego) De pesadelo...

Alucina-me a cor! – A rosa é como a Lira, De que esvoaçam,


a Lira pelo tempo há muito engrinaldada, Brancos, os arcos...
e é já velha a união, a núpcia sagrada, Por baixo passam,
entre a cor que nos prende e a nota que suspira. Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Se a terra, às vezes, brota a flor, que não inspira,
a teatral camélia, a branca enfastiada, Fundas, soluçam
muitas vezes, no ar, perpassa a nota alada Caudais de choro...
como a perdida cor dalguma flor que expira... Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Há plantas ideais de um cântico divino, Que sorvedouro!...
irmãs do oboé, gémeas do violino,
Trémulos astros...
há gemidos no azul, gritos no carmesim...
Soidões lacustres...
– Lemos e mastros...
A magnólia é uma harpa etérea e perfumada,
E os alabastros
e o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada,
Dos balaústres!
– tem notas marciais, soa como um clarim.

Gomes Leal
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
– Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Camilo Pessanha

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25. 26.

Salette Tavares

E. M. de Melo e Castro

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