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O Ser e o Nada

Uma vida que desaparece de uma vez por todas, que não retorna, é
como uma sombra: não tem peso, não se move sozinha e, seja horrível,
linda ou sublime... não significa nada.
. Milan Kundera, A insustentável leveza do ser.

Tudo que dizemos e fazemos é impregnado pelo cheiro da morte. A vida sempre é desprovida
de sentido e objetivo, sendo pouco mais que uma jornada ao Limbo. A dor simplesmente não
desaparece.
Nosso medo da morte se torna um medo do pesadelo. O terror da moralidade ocupa tanto a
nossa existência que não conseguimos viver. Ele também nos atormenta tanto que a fuga assume uma
importância extraordinária. Encontramos refúgio em grandes quantidades de entretenimento, drogas e
sexo. Alguns encontram o refúgio na própria morte...
Somos covardes, amedrontados demais para pararmos de fugir e começarmos a fazer perguntas.
O medo da morte sustenta toda uma série de terrores e dependências. Os nossos maiores medos
se alimentam de nossos sentimentos de imperfeição e inadequação. Ressentimo-nos de nossa
incapacidade de abraçar a vida como dever íamos e odiamos a influência que nosso medo da morte
exerce sobre nós.
Claro, é a morte - o medo imortal do nada.
Somos, todos, sombras e luz, animais e humanos, corpos e mentes. A mente tem razões que o
corpo desconhece, embora ele possa sentir e reagir. Ainda assim, o corpo tem uma lógica própria, que
nem sempre se superpõe à lógica da mente. O corpo existe num mundo diferente da mente, um
reino de instinto e emoção.
A existência animal é baseada em padrões. A sobrevivência e a reprodução são os propósitos
desses padrões programados para a evolução. Uma mudança de padrão significa perigo. Mudanças num
padrão de caçada, alimentação, cópula ou migração pode indicar a chegada de um predador, uma
avalanche ou uma escassez súbita de alimentos. Para um animal, a mudança é um aviso de que a morte
espreita na esquina.
Nossos corpos animais continuam reagindo dessa forma, mesmo quando sabemos que a morte
não está próxima! Qualquer tipo de mudança pode evoca este medo instintivo. A mente pode reprimi-
lo, ignorá-lo ou mesmo apressar a mudança, mas a sombra do corpo animal sempre faz sentir sua
presença. O medo é uma parte da vida. É a sobrevivência.
Os animais são máquinas de sobrevivência. Cada criatura é um pináculo da evolução, cada uma
possuindo uma capacidade de temer profundamente. Cada um de nós está aqui porque cada fibra de
nosso ser está imbuída com uma vontade de fugir ou correr ao menor sinal de problemas. O que foi um
dia nossa salvação, hoje é nossa sentença.
No mundo moderno, a morte não precisa ser tão temida - mas diga isso ao seu corpo. Saber
quem está pulando em sua direção não detém o fluxo de adrenalina. O medo do corpo se choca com as
aspirações da mente e da vontade, Nós matamos nossas aspirações e esperanças por medo, medo de que
a morte chegue.
Nós preferimos a insatisfação interna ao medo irracional da morte. Ao fazer isso, tornamo-nos
menos completos. Desistimos da vida para abraçarmos o niilismo. Abraçamos o nada, o próprio Limbo.
A ironia trágica de nossas vidas é que morremos sem jamais termos realmente vivido. Que desperdício.
Que pena.

Aquele que finge olhar a morte sem medo, mente.


- Jean-Jacques Rousseau
Você quer descobrir o segredo da morte. Mas como você pode desvendá-lo, se não procurar no
coração da vida?
A coruja cujos olhos noturnos são cegos durante o dia não pode deslindar o segredo da luz.
Se você quer realmente contemplar o espírito da morte, abra o seu coração para o corpo da vida.
Pois, assim como o rio e o mar pertencem ao mesmo sistema, a vida e a morte são uma coisa só.
- Khalil Gibran, O Profeta

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