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Foi muito gentil da sua parte pedir aos editores que me enviassem
uma cópia do seu livro. Ela chegou enquanto eu estava em meio a
um trabalho que me demandava muita leitura e consultas de
referências; e como a falta de visão faz com que seja necessário
racionar a minha leitura, eu tive que esperar por muito tempo antes
de ser capaz se embarcar em 1984.
Assim se inicia a carta que Aldous Huxley enviou a George Orwell, escrita
em 21 de outubro de 1949, alguns meses após a publicação de 1984, uma
das obras mais lidas e discutidas do Ocidente [1]; e alguns meses antes da
morte de Orwell, por tuberculose, aos 46 anos.
“Na visão de Huxley, não é necessário nenhum Grande Irmão [grande líder
totalitário] para despojar a população de autonomia, maturidade ou
história. Ela acabaria amando sua opressão, adorando as tecnologias que
destroem sua capacidade de pensar. Orwell temia aqueles que proibiriam
os livros. Huxley temia que não haveria motivo para proibir um livro, pois
não haveria ninguém que quisesse lê-los. Orwell temia aqueles que nos
privariam de informação. Huxley, aqueles que nos dariam tanta que
seríamos reduzidos à passividade e ao egoísmo. Orwell temia que a
verdade fosse escondida de nós. Huxley, que fosse afogada num mar de
irrelevância.”
Aqui é preciso destacar que nem utopias nem distopias existem no mundo
real. O exercício de tentar adivinhar para onde nosso mundo está
caminhando, se para a distopia de Huxley ou de Orwell, é algo curioso,
muitas vezes interessante, mas nem sempre tão produtivo quanto se pode
imaginar. Muitas vezes caímos na armadilha de imaginar que o mundo
deve ser preto ou branco: ou se encaminha totalmente para um lado, ou
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para outro. Quando na verdade a realidade é composta por infindáveis
miríades de cinza.
“Se havia esperança, ela DEVIA estar nos proletas *proletários; ou o povão
em geral], porque só neles, naquelas massas desdenhadas, naquele
enxame de gente, nos 85% da população da Oceania [uma das três
superpotências do mundo], havia alguma possibilidade de que se gerasse
a força capaz de destruir o Partido.”
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àqueles que são chamados de selvagens, vivem fora das metrópoles e
ainda praticam costumes primitivos. Ora, como um perenialista, Huxley
está claramente defendendo que a religião antiga não é somente
importante, como essencial para que o indivíduo alcance uma vida digna e
plena.
Anos após Admirável Mundo Novo ter sido publicado, Huxley continuava a
propagar uma interpretação universalista das religiões do mundo,
inspirada por vertentes do hinduísmo. Sua obra A Filosofia Perene, de
1945, traz mais luz sobre o tema:
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[1] Eu também traduzi as duas principais obras de Orwell pelas Edições
Textos para Reflexão. Leia A Revolução dos Bichos e 1984 no seu Kindle,
pelo preço de um café (os links levam para a loja da Amazon).
[2] Sei que pode parecer que Huxley era um conservador do tipo avesso a
toda experimentação com drogas e afins. Mas, tanto pelo contrário,
Huxley chegou a descrever sua experiência com uma droga alucinógena, a
mescalina, que é até hoje o seu segundo livro mais famoso, intitulado As
Portas da Percepção.
https://textosparareflexao.blogspot.com/2021/05/orwell-e-huxley.html