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ANDRESA CAROLINE LOPES DE OLIVEIRA

AMAZÔNIA PÚBLICA: AS CONVERGÊNCIAS ENTRE JORNALISMO


INDEPENDENTE E LITERÁRIO NA INTERNET

UNIFEV – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOTUPORANGA


AGOSTO/2015
2

ANDRESA CAROLINE LOPES DE OLIVEIRA

AMAZÔNIA PÚBLICA: AS CONVERGÊNCIAS ENTRE JORNALISMO


INDEPENDENTE E LITERÁRIO NA INTERNET

Monografia apresentada à UNIFEV -


Centro Universitário de Votuporanga
para a obtenção do título de
Especialista em Análise e Produção
de Textos sob Perspectivas
Linguísticas e Literárias orientada
pela Professora Ma. Silvia Brandão
Cuenca Stipp.

UNIFEV – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOTUPORANGA


AGOSTO/2015
3

ANDRESA CAROLINE LOPES DE OLIVEIRA

AMAZÔNIA PÚBLICA: AS CONVERGÊNCIAS ENTRE JORNALISMO


INDEPENDENTE E LITERÁRIO NA INTERNET

Monografia apresentada à UNIFEV


Centro Universitário de
Votuporanga para a obtenção do
título de especialista em Análise e
Produção de textos sob
Perspectivas Linguísticas e
Literárias.

Aprovada:___ / ___ / ___

Primeiro Examinador Segundo examinador


Nome: Nome:
Instituição: Instituição:

Profª Orientadora
Ma. Silvia Brandão Cuenca Stipp
UNIFEV - Centro Universitário de Votuporanga
4

Aos meus pais, Paulo e Margareth


Ao meu sobrinho Eduardo
Aos que contam boas histórias.
5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Paulo e Margareth, que mais uma vez me cobriram com
carinho e proteção. Obrigada, pai, pelas inúmeras vezes que me levou a Votuporanga aos
sábados de manhã enquanto eu descansava no banco de trás do carro. Obrigada, mãe, por todo
o cuidado que teve comigo no momento em que eu mais precisei. O seu carinho e proteção
foram essenciais para a minha recuperação. Ao meu irmão, à minha cunhada Daniela e aos
meus sobrinhos, Eduardo e Giovana.
Ao Daniel Araújo (in memoriam) que nos deixou muito cedo. Del, fazer esse
trabalho sem a sua companhia foi mais difícil. Embora você não esteja mais entre nós no plano
material, o seu sorriso e a sua vontade de viver permanecem intensos na memória e no coração
de todos os que tiveram a honra de conhecê-lo. Saudades.
Ao professor e amigo, Plínio Volponi, por todos os conselhos, boas conversas,
pela companhia, pelo carinho. Obrigada por ser um exemplo para minha vida acadêmica.
À minha orientadora, professora Silvia Brandão Cuenca Stipp, por ter
aceitado orientar este trabalho. Sem dúvidas, suas contribuições foram essenciais para a
produção deste estudo. Motivo de minha admiração e respeito.
Aos amigos da pós-graduação Luis Fernando Moreto, Thais Rodrigues e Lúcia
Helena pela companhia durante essa jornada de dois anos. Em especial, à Mayra Barbosa Souza
pela amizade e companheirismo.
Aos professores e funcionários da pós-graduação da UNIFEV. Aos
professores, Edson Garcia Bogas e Santiago Naliato Garcia, pela valiosa contribuição à minha
vida acadêmica.
À equipe da Pró Mídia Comunicação: Déia, Henri, Fernando, Sibele, Ana,
Naiara, Jonatas e Alison por torcerem pelas minhas conquistas e suportarem as olheiras e o mau
humor de cada dia após extensas noites de estudo.
À diretora da Pública, Natália Viana, por ter aceito ser entrevistada e contribuir
com esta pesquisa.
Muito Obrigada!
6

“Contar os dramas anônimos como


se cada Zé fosse um Ulisses, não por
favor ou exercício da escrita, mas
porque cada Zé é um Ulisses.
E cada pequena vida uma Odisséia”.
Eliane Brum
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RESUMO

No Brasil, verifica-se a multiplicação de veículos de mídia independente que vêm com o


objetivo de trazer uma nova abordagem para a cobertura jornalística. Além da busca por temas
diferenciados, esses veículos dedicam-se à experimentação de práticas alternativas do
jornalismo e novas narrativas. Sem as amarras ideológicas características da mídia tradicional,
o jornalismo independente praticado na Internet vem optando pela prática da reportagem em
profundidade, com a utilização de elementos do jornalismo literário como recurso de imersão.
Este trabalho busca lançar um olhar sob o uso da convergência entre as narrativas jornalística e
literária nas reportagens do capítulo Carajás, da série Amazônia Pública, produzida pela Pública
– agência de reportagem e jornalismo investigativo. Estas reportagens tratam sobre os impactos
trazidos pela Companhia Vale do Rio Doce ao munícipio de Marabá, PA devido à extração do
minério de ferro. A pesquisa traz um estudo de caso e análises das reportagens, além de uma
reflexão da prática do jornalismo independente na Internet e as novas narrativas praticadas por
esses veículos como o uso de um texto mais humanizado e investigativo.

Palavras-chave: Internet. Jornalismo independente. Novas narrativas. Jornalismo literário.


Amazônia Pública.
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ABSTRACT

In Brazil, it is observed the multiplication of independent media vehicles that come with the
goal of bringing a new approach to journalistic coverage. Besides the search for differentiated
themes, these vehicles are dedicated to experimentation of alternative practices of journalism
and new narratives. Without the ideological moorings of traditional media features, independent
journalism practiced on the Internet comes opting for the practice of in-depth reporting, with
the use of elements of the literary journalism as immersion resource. This work aims to look
under the use of convergence between the journalistic and literary narratives in the stories of
the chapter Carajás, of the series Amazônia Pública (Public Amazon) produced by Pública -
reporting and investigative journalism agency. These reports deal with the impacts brought by
Vale do Rio Doce Company to the city of Marabá, PA due to the extraction of iron ore. The
research brings a case study and analysis of the reports, as well as a reflection of the practice of
independent journalism on the Internet and the new narratives practiced by such vehicles as the
use of a humanized and investigative text.

Keywords: Internet. Independent journalism. New narratives. Literary journalism. Amazônia


Pública.
9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Página do CMI Brasil........................................................................................... 28


Figura 2 – Página da Pública – agência de jornalismo investigativo .................................... 31
Figura 3 – Página do site da Catarse ..................................................................................... 32
Figura 4 – Capa da edição de janeiro/1967 da revista Realidade .......................................... 41
10

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Veículos de mídia independente que compõem a Aliados .....................................29


Tabela 2 – Quadro Evolutivo do Jornalismo ............................................................................37
11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1 DA PRENSA AO JORNALISMO 3.0 ................................................................................. 15
1.1 O jornalismo 3.0 ............................................................................................................... 21
2 JORNALISMO INDEPENDENTE ................................................................................ 25
2.1 Laboratórios de novas práticas de jornalismo investigativo ............................................ 27
3 A PÚBLICA: QUANDO O JORNALISMO EM PROFUNDIDADE É VIÁVEL NA
INTERNET ............................................................................................................................. 30
3.1 Amazônia Pública: um dossiê das mazelas trazidas à floresta pelo progresso ................. 33
4 JORNALISMO LITERÁRIO OU NARRATIVO: DOS JORNAIS AO HIPERTEXTO... 36
4.1 Do papel às páginas do hipertexto: o jornalismo literário na Internet ............................... 43
5 O JORNALISMO LITERÁRIO NA SÉRIE AMAZÔNIA PÚBLICA ............................... 45
5.1 Análise das reportagens do capítulo Carajás ..................................................................... 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 56
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 58
APÊNDICE ............................................................................................................................. 61
ANEXOS
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INTRODUÇÃO

Com o surgimento das novas tecnologias e transformações estruturais e


ideológicas no campo da comunicação, muitos jornalistas e consumidores buscam novas
alternativas no modo de consumir informação. Nesse contexto, a Internet ocupa um lugar de
destaque, pois por meio dela que, atualmente, a sociedade vive o que se conhece como
Convergência Midiática. No conceito de “Cultura da Convergência”, abordado por Jenkins
(2012), as mídias atuais exploram maior interatividade e participação do público, enquanto as
tradicionais o coloca em condição de passividade, ou seja, apenas receptor do conteúdo emitido
pelos meios de comunicação.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a


passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre
produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos
agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto
de regras, que nenhum de nós entende por completo. (JENKINS, 2012, p. 30 – grifos
do autor).

Essa nova atuação do público no contexto midiático resultou em algumas


mudanças no jornalismo. Além de consumir informação, ele pode pautar e também colaborar
com o conteúdo. Para Jardim (2008), esse novo paradigma nomeado de jornalismo colaborativo
ou participativo “corresponde, portanto, aos papéis desempenhados por aqueles responsáveis
por fazer com que as partes do processo comunicacional dialoguem, tais quais os emissores, as
mensagens e os receptores.” (JARDIM, 2008, p. 402).
O cenário de convergência e participação também propiciou outras abordagens
e linguagens para o jornalismo. As novas tecnologias da informação permitem que o receptor
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decida o que é ou não notícia, como será narrada e em qual plataforma. Desse modo, o papel
dos gatekeepers1 é posto em xeque quando o assunto é jornalismo colaborativo.
Para Lévy (2011), essas mudanças consistem em uma revolução digital que
está intimamente ligada ao processo de convergência midiática.

A fusão das telecomunicações, da informática, da imprensa, da edição, da televisão,


do cinema e dos jogos eletrônicos em uma indústria unificada da multimídia é o
aspecto da revolução digital que os jornalistas mais enfatizam. Mas não é o único,
nem talvez o mais importante. Além de certas repercussões comerciais, parece-nos
urgente destacar os grandes aspectos civilizatórios ligados ao surgimento da
multimídia: novas estruturas de comunicação, de regulação e de cooperação,
linguagens e técnicas intelectuais inéditas, modificação das relações de tempo e
espaço etc. (LÉVY, 2011, p. 13 – grifos do autor).

Todavia, mesmo que a revolução digital seja conhecida por profissionais da


comunicação, a mídia corporativa - pertencente aos grandes conglomerados midiáticos - ainda
mantém-se tímida em relação à maior participação do receptor em suas mensagens. Nesse
cenário, novos veículos de mídia independente vêm surgindo – mesmo que timidamente no
Brasil – a fim de trazer novas histórias, linguagens e abordagens diferenciadas da mídia
convencional.
No Brasil, em 2012, surgiu a Pública – agência de jornalismo investigativo,
site de jornalismo colaborativo independente com foco em reportagens investigativas. Além de
disponibilizar conteúdo em seu endereço na Internet, a Pública também permite que o conteúdo
seja reproduzido em outros veículos de comunicação por meio da licença creative commons2.
Sem fins lucrativos, as reportagens são financiadas por leitores por meio do sistema de catarse3.
O mesmo ano de fundação da Pública foi data para a publicação da primeira
série com 17 reportagens financiadas. Nomeada por Amazônia Pública, a agência trouxe para
as páginas da Internet um lado mais aprofundado sobre as riquezas e mazelas da Amazônia,
com olhares e narrativas diferentes das abordagens da mídia convencional.
Partindo do pressuposto por Pena (2008, p.13), para quem o conceito de
jornalismo literário é mais amplo: “Significa potencializar os recursos do jornalismo,
ultrapassar os limites do acontecimento cotidiano, proporcionar visões amplas da realidade,

1
Hohlfeldt apud Wolf: Gatekeepers (porteiro) – filtros ideológicos da informação. Teoria do Newsmaking.
2
Creative commons: licença que permite o compartilhamento e cópia de obras criativas com menos restrições. (Fonte:
Wikipédia).
3
Catarse: primeira plataforma de financiamento coletivo do Brasil. (Fonte: www.catarse.org.br).
14

exercer plenamente a cidadania”, esta monografia consiste em um estudo sobre a construção da


reportagem na série Amazônia Pública, considerando-a uma releitura do jornalismo literário.
A proposta deste trabalho busca debater uma lacuna que existe nas pesquisas
acadêmicas quanto à aplicação do jornalismo literário em plataformas digitais. Diante desse
contexto, o objeto de estudo apresenta um viés de abertura para novas narrativas jornalísticas
que preenchem lacunas deixadas pela imprensa tradicional.
A pesquisa foi realizada por meio de um Estudo de Caso do corpus de seis
reportagens do capítulo Carajás, que compõem a série de reportagens Amazônia Pública. Esse
objeto de estudo foi escolhido devido à temática das reportagens que abordam o impacto trazido
pela Vale S/A a região de Marabá - PA, por meio da extração do minério de ferro. Uma das
maiores empresas do país, a Vale é tida como um sinônimo de desenvolvimento. No entanto, a
situação encontrada pela Pública revela um cenário bem diferente do que é veiculado pela
empresa. Utilizando-se dos recursos do jornalismo literário, a equipe de reportagens aprofunda
a narrativa e insere o leitor no texto, trazendo uma história contextualizada com começo, meio
e fim.
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1 DA PRENSA AO JORNALISMO 3.0

A todo o momento o homem inventa e aprimora o que já existe na sociedade.


Seja em âmbito teórico ou tecnológico, o ser humano sempre está em busca do novo.
Pode-se considerar que os primeiros passos para essa evolução foram dados
no século XV quando Johan Gutenberg inventou a prensa gráfica. Antes desse feito, o acesso à
informação e à cultura era limitado e de alto custo, muitas vezes disponível apenas para
instituições religiosas e a um pequeno grupo da sociedade. Mesmo com grande dependência
mecânica, a prensa contribuiu de forma significativa para a difusão de informações,
principalmente quando os primeiros jornais começaram a ser impressos no século XVIII. Era o
início do que conhecemos como imprensa.
A busca do homem pelo aprimoramento de técnicas resultou no surgimento
das tecnologias. O jornal, que até então era utilizado como um importante veículo de
informação, foi adaptado para os novos meios que começaram a surgir, entre eles: o rádio,
depois a televisão, o cinema e a fotografia.
Os meios de comunicação procuram evoluir continuamente, como o
aprimoramento dos códigos e linguagens.

Assim como cresce e se desenvolve uma grande árvore, a comunicação evoluiu de


uma pequena semente – a associação inicial entre um signo e um objeto – para formar
linguagens e inventar meios que vencessem o tempo e a distância, ramificando-se em
sistemas e instituições até cobrir o mundo com seus ramos. E não contente em cobrir
o mundo, a grande árvore já começou a lançar seus brotos à procura das estrelas.
(BORDENAVE, 2003, p. 23).

Quando Bordenave (2003) disse que “a grande árvore já começou a lançar seus
brotos à procura das estrelas”, ele se referia aos satélites, que foram um marco na história da
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comunicação, principalmente para as transmissões televisivas e radiofônicas. Mais tarde, com


o advento da Internet, depois de atingir as estrelas, a comunicação ganhou maiores dimensões
como a de uma galáxia.

A internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação


de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global. Assim como a
difusão da máquina impressora no Ocidente criou o que McLuhan chamou de
“Galáxia de Gutenberg”, ingressamos agora num novo mundo de comunicação: a
Galáxia da Internet. (CASTELLS, 2003, p. 8).

No entanto, antes de atingir grandes altitudes, a Internet começou


discretamente em meados dos anos de 1969, quando era apenas um projeto de controle e
monitoramento militar que incluía quatro universidades dos Estados Unidos com o objetivo de
proteger informações. O mundo ainda vivia os abalos da Segunda Guerra Mundial quando a
rede militar Arpanet foi criada.

Quando, mais tarde, a tecnologia digital permitiu o empacotamento de todos os tipos


de mensagens, inclusive de som, imagens e dados, criou-se uma rede que era capaz
de comunicar seus nós sem usar centros de controles. A universalidade da linguagem
digital e a pura lógica das redes do sistema de comunicação geraram as condições
tecnológicas para a comunicação global horizontal. (CASTELLS, 2003, p. 82).

Segundo Castells (2003), a criação da Arpanet foi o resultado de uma grande


união científica, militar e tecnológica desenvolvida pela ARPA (Agência de Projetos de
Pesquisa Avançada) pertencente ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
Depois de ser implantada nas universidades, não demorou muito para que a
Arpanet começasse a ser usada pela comunidade acadêmica para fins científicos e troca de
mensagens. No ano de 1983, aconteceu a divisão entre a Arpanet, que ficou encarregada das
pesquisas científicas e a MilNet, para fins militares.
Entretanto, mesmo com essa divisão, foram criadas outras redes vinculadas à
Arpanet para atender universitários, entre elas, primeiro a CSNET e, depois, a BITNET.
Embora fossem redes distintas, todas usavam a Arpanet como a estrutura principal. (Castells,
2003).
17

A criação de mais redes possibilitou a integração de mais unidades que


trocavam e recebiam mensagens. Para Malini e Antoun (2013), 1984 pode ser considerado o
ano de criação do ciberespaço.

1984 é o ano em que a rede global de computadores é nomeada de Protocolo Internet.


Antes, no dia 1º de janeiro de 1983, os militares deixam a Arpanet para criar a MilNet.
A Internet – criada originalmente como uma máquina de combate – era um dispositivo
de monitoramento e controle. Mas foi tomada de assalto por micropartículas
estranhas, fazendo da rede um meio de vida e uma máquina de cooperação social, por
intermédio da multiplicação de grupos de discussão da Usenet e nas BBSs (de quem
as atuais redes sociais se originam), tornando a então Arpanet um dispositivo de
produção de relações, de afetos, de cooperação e de trocas de conhecimentos
micropolíticos, e não apenas um meio de transporte de informações científicas,
financeiras e militares. (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 17).

Antes de ser desativada em 1990, a Arpanet foi sucedida por várias redes
privatizadas, entre elas a Usenet, criada a partir de um fórum online para discussões sobre
assuntos de informática e as BBSs que, hoje, conhecemos como redes sociais.
No mesmo ano, com a criação da www (world wide web), a Internet começou
a ser popularizada na sociedade. Para esse feito, o hipertexto, ou seja, a linguagem da rede foi
um dos principais responsáveis pela explosão pública da Internet.
Entende-se como hipertexto o conjunto dos conteúdos que fazem parte da
Internet. A amplitude de espaço disponibilizado pela rede permite o uso de várias linguagens
em uma única plataforma e a possibilidade de maior interação com o leitor, uma vez que a
informação está a um click do usuário.
Segundo Lévy, “Uma vez impresso, o material conserva certa estabilidade”
(2011, p. 55). Dessa forma, o leitor é conduzido pelos efeitos de sentido que a mídia impressa
deseja causar. Já no hipertexto, o usuário é ativo no processo de leitura, podendo controlar o
nível de exploração e contextualização de conteúdo que ele deseja ter ao procurar determinado
assunto.
Para Cebrián (1998), a criação do hipertexto foi o que propiciou a explosão
pública da Internet.

Em seguida à invenção do hipertexto foi necessário, entretanto, esperar o


aparecimento do primeiro navegador capaz de interpretar a linguagem da rede e
traduzi-la de forma inteligível para o usuário. A partir desse momento, já não eram
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mais precisos procedimentos complicados para que se estabelecesse a comunicação,


ao contrário, bastava clicar um ícone na tela. A organização da informação se fazia
em forma de páginas. Esta maior facilidade de uso propiciou que a Internet saísse do
âmbito acadêmico e se convertesse em um fenômeno popular no mundo inteiro. No
início da década de 1990, a implantação da WWW como uma plataforma de fácil
acesso e utilização simples acelerou um crescimento gigantesco e desordenado desta
“rede de redes”, uma teia de aranha. (CEBRIÁN, 1998, p. 40).

De acordo com Ferrari, “Na internet não nos comportamos como se


estivéssemos lendo um livro, com começo, meio e fim” (2012, p. 44). Sendo assim, a dinâmica
do hipertexto permite que o usuário faça seu próprio roteiro de leitura por meio de links e outros
formatos.
Segundo Primo (2003), a característica de não linearidade do hipertexto
permite que o internauta seja autor do seu processo, uma vez que as ferramentas de
interatividade disponibilizam desde um simples click em infinitos hipertextos até a colaboração
de conteúdo.
Textos, fotos, vídeos, gráficos e sons; a gama de gêneros explorados pelo
hipertexto na Internet ofereceu ao usuário uma grande variedade de formatos. Essas mudanças
influenciaram a prática jornalística, que, a partir das novas tecnologias, passou a viver o que
para Filho (2002), é chamado de Quarto Jornalismo - 1970 até os dias de hoje - o qual começou
marcado pelos impactos sob a forma de produzir informação.
Nesse aspecto, a informatização das redações e a busca pela velocidade
foram fatores determinantes para o que se conheceu como Jornalismo 1.0, marcado pela
migração de formatos tradicionais para sites e portais da Internet. No entanto, nos tempos de
jornalismo 1.0, o modelo comunicacional manteve-se com uma arquitetura que demarcava os
limites e os papéis de cada ator no processo comunicativo, sendo ela: (emissor> mensagem >
canal > receptor).
A princípio, jornais e revistas publicavam na íntegra o conteúdo das edições
impressas na plataforma digital. Sem nenhuma produção específica de conteúdo para a Internet,
a mídia, principalmente a impressa, utilizou a Internet como um canal de migração.
Nesse contexto, a Internet iniciava um processo que mais tarde ficou
conhecido como Convergência Midiática. O jornalismo foi um dos alvos dessa mudança que
segundo Jenkins (2012), não implica no desaparecimento dos meios tradicionais. Portanto, o
autor defende que os aparelhos não são os principais atores da convergência, mas sim os
receptores.
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A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A


convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados,
gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática
opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento. Lembrem-
se disto: a convergência refere-se a um processo, não a um ponto final. (JENKINS,
2012, p. 43).

Dessa forma, o surgimento de uma nova plataforma não implica no


desaparecimento da outra. Além do processo de adaptação, existe a complementação. A
fotografia complementa o texto, que complementa o vídeo e vice-versa.
Com a junção de várias mídias, a Internet passou a agregar diferentes
formatos midiáticos. No contexto da convergência, em um único aparelho, o receptor pode ler
notícias, assistir a vídeos sobre o acontecimento e até mesmo ouvir podcasts4 com conteúdos
produzidos especificamente para a mídia convergente; entre elas, celulares e tablets.
O jornalista Rodrigo Lara Mesquita, em entrevista à revista Journalism
ESPM - edição brasileira da Columbia Journalism Review - relatou que, no ano de 1988, a
redação da Agência Estado já tinha a consciência de que, com as novas tecnologias, a
informação seria descentralizada dos Meios de Comunicação de Massa. A partir desse contexto,
o jornal passou a se reorganizar frente às novidades da década.
Entre as principais mudanças e adaptações dos meios impressos, estiveram as
apostas na exploração do hipertexto e da interatividade.

A hipertextualidade é um grande trunfo da internet e do webjornalismo. Indo além de


textos, inclui gráficos, sons, fotos, narrações ou sequências animadas. Ambos,
hipertexto e hipermídia, consistem em método de organização não-linear de
informações, permitindo ao indivíduo selecionar o material que vai ler/ver/ouvir,
quando e como, ao tempo que estimula aprofundamento de questões emergentes no
decorrer da busca. O acesso dispensa conhecimentos especializados, e o próprio
interessado manipula o sistema, graças às interfaces amigáveis homem x máquina: o
leitor percorre caminhos diferenciados, ainda que diante de um mesmo texto.
(TARGINO, 2009, p. 55).

Em meados do ano de 1997, a Internet surgiu com novos gêneros dentro do


hipertexto, entre eles, os blogs. Era o início de uma etapa conhecida como Jornalismo 2.0,

4
Podcast: Arquivo de áudio digital, geralmente em formato de MP3, publicado por meio da plataforma Podcasting
na Internet. (Fonte: Wikipédia).
20

caracterizada pela produção de conteúdo específico para a plataforma digital, convergência das
mídias e início de maior participação do receptor.
A priori, os blogs foram utilizados como diários online para a publicação de
conteúdos autorais. Para Malini e Antoun, “Entre 97 a 99, o código narrativo predominante nos
blogs era uma espécie de dicas sobre o que há de mais interessante na Internet” (2013, p. 118).
No entanto, não demorou muito para que esse gênero começasse a ser utilizado
no jornalismo. Como estratégia de adaptação ao Jornalismo 2.0, muitos jornais impressos
inseriram em seus portais de notícias blogs de colunistas e links específicos para que os
internautas interajam com o conteúdo. Jornais como O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo
apostaram na utilização de vídeos e podcasts como diferentes atrativos.
No jornalismo 2.0, as barreiras entre emissor e receptor começaram a ser
quebradas com pequenas manifestações colaborativas. Nesse aspecto, o receptor não é visto
apenas como um destinatário de informação, mas sim como usuário. Os blogs e a inserção de
espaços para comentários em sites e portais noticiosos proporcionaram ao leitor maior chance
de interatividade com o conteúdo: blogs com a possibilidade de produção independente de posts
pelos usuários – postagens essas que, em alguns casos, começaram a pautar a mídia; e os
comentários incluíram o receptor no processo, ou seja, “deu voz” ao usuário.
Para Mielniczuk (2001) apud Bardoel e Deuze (2000):

Isto pode acontecer de diversas maneiras, entre elas, pela troca de e-mails entre
leitores e jornalistas; através da disponibilização da opinião dos leitores, como é feito
em sites que abrigam fóruns de discussões; através de chats com jornalistas. Porém,
os autores não contemplam a perspectiva da interatividade da própria notícia, ou seja,
a navegação pelo hipertexto que, conforme Machado (1997), constitui também uma
situação interativa. (MIELNICZUK, 2001, p.3).

Nessa perspectiva, destaca-se também o ombudsman, profissional contratado


pela empresa com a função de receber críticas, reclamações e sugestões dos leitores. No Brasil,
a Folha de S.Paulo foi o primeiro jornal a adotar essa prática.

Ombudsman é uma palavra sueca que significa representante do cidadão. Designa,


nos países escandinavos, o ouvidor-geral -função pública criada para canalizar
problemas e reclamações da população. Na imprensa, o termo é utilizado para
designar o representante dos leitores dentro de um jornal. A função de ombudsman de
imprensa foi criada nos Estados Unidos nos anos 60. Chegou ao Brasil num domingo,
dia 24 de setembro de 89, quando a Folha, numa decisão inédita na história do
21

jornalismo latino-americano, passou a publicar semanalmente a coluna de seu


ombudsman.5

Em relação à produção informativa, o Jornalismo 2.0 pautou-se pela lógica


da velocidade. Nesse aspecto, jornalismo impresso e webjornalismo travaram uma disputa pela
agilidade da informação. Em vez de migrarem a versão impressa para a Internet, os jornais
começaram a investir na plataforma digital por meio da elaboração de conteúdo específico para
a web. Os formatos convergentes explicitados anteriormente (vídeos, podcasts e ferramentas de
interatividade) foram e são amplamente exploradas nesse contexto.

O cenário começa a modificar-se com o surgimento de iniciativas tanto empresariais


quanto editoriais destinadas exclusivamente para a Internet. São sites jornalísticos que
extrapolam a ideia de uma simples versão para a Web de um jornal impresso e passam
a explorar de forma melhor as potencialidades oferecidas pela rede. Tem-se, então, o
webjornalismo. (MIELNICZUK, 2001, p. 2).

Contudo, mesmo com o advento das novas tecnologias, o deadline, ou seja, o


fechamento do jornal é um dos fatores que implica no processo de produção noticiosa. Destarte,
o jornalismo impresso continua a não acompanhar o ritmo temporal da internet. Cabe a ele o
papel de aprofundar os fatos nas edições do dia seguinte. Função que dificilmente é exercida
pela imprensa tradicional devido a vários fatores, entre eles: linha editorial, equipes reduzidas
e dependência comercial.
Diante desse contexto, a tecnologia e as formas independentes do jornalismo
vêm colaborando para que o receptor participe de forma ativa na produção de informação, desde
uma sugestão de pauta à investigação e publicação da notícia e outros conteúdos. Essa nova
vertente é conhecida como Jornalismo Colaborativo ou Cidadão.

1.1 O jornalismo 3.0

Percebe-se que, em grande parte dos casos, o webjornalismo procura moldar-


se às necessidades sociais. Na era da tecnologia, informação é fonte de poder. Marcado por uma

5
Informação on-line disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/cargo.shtml>. Acessado em
01 set. 2014, às 23h36.
22

arquitetura rizomática, ou seja, sem uma hierarquia rígida, os papéis entre emissor e receptor
confundem-se quando falamos em jornalismo colaborativo. Portanto, somos exponencialmente
emissores e receptores ao mesmo tempo.
Porta-voz das novas tecnologias nos estudos contemporâneos da escola
francesa de comunicação, Pierre Lévy, na obra Cibercultura já falava em “morte do emissor”.
De acordo com o autor, “Quando todos são emissores, não há mais emissor. Emissor-receptor,
o internauta está fora da massa. A comunicação sai do estigma da manipulação para entrar na
utopia da mediação.” (SILVA, 2012, p. 176).
Desse modo, o receptor não é mais passivo do controle dos Meios de
Comunicação de Massa como única fonte de informação, cultura e entretenimento. A tecnologia
permite ao usuário liberdade e “poder” para expressar-se, criar e disponibilizar conteúdo.

[...] o antigo “público-receptor” constitui-se agora como fonte emissora ou “homem


mídia”, devido às possibilidades técnicas de que se investe todo e qualquer indivíduo
munido de um computador, modem, linha telefônica ou banda larga. Por um lado, os
blogs ou fontes informativas de natureza individual implicam uma intervenção
pessoal nos discursos socialmente circulantes (ainda que, em princípio, limitados ao
espaço das redes cibernéticas) e acabam influenciando a pauta jornalística
profissional. Os pesquisadores da internet têm produzido um material razoável sobre
o assunto, geralmente apontando o surgimento de novas formas de autentificação das
fontes ou então mostrando como o número de visitas dos internautas a um
determinado site (comprovado pelos “cliques”), em busca de um determinado assunto,
é capaz de estabelecer uma pauta. Em outras palavras, o leitor se investe de chances
de determinar a notícia, intervindo diretamente na competência logotécnica do
especialista (o jornalista profissional) para dar maior relevância ao logotécnico
amador ou, na opinião de muitos, ao “jornalista cidadão”. (SODRÉ, 2012, p.100).

Por meio das plataformas tecnológicas e outros canais de mídia independente,


o receptor toma para si o papel do gatekeeper (porteiro) participando do processo de seleção
dos fatos que serão transformados em acontecimento, ou seja, em notícia. Há no jornalismo
colaborativo um diálogo mútuo entre emissores, receptores e mensagens sem a presença de uma
hierarquia vertical de produção.

O resultado é que, no fim das contas, ninguém mais é dono, artesão ou operador do
lead, do newsmaking ou dos newsvalues. Todos os fatos podem se transformar em
leads e qualquer pessoa pode iniciar um processo de newsmaking. Para completar, é
possível que um grupo de cidadãos comuns passe a julgar e a decidir o que vale e o
que não vale virar notícia. A ciência do jornalismo foi, assim, transcodificada pela
sociedade, que assumiu o compartilhamento genético de sua própria realidade. Nisso,
23

os fatos agora só são verdadeiramente fatos e merecem circular se os indivíduos


tiverem interesse que estes fatos existam e circulem. (MARSHALL, 2013).6

O processo de newsmaking ao qual o autor se refere trata-se dos filtros


utilizados pelos jornalistas. Segundo Hohlfeldth (2001):

A hipótese do newsmaking dá especial ênfase à produção de informações, ou melhor,


à potencial transformação dos acontecimentos cotidianos em notícia. Deste modo, é
especialmente sobre o emissor, no caso o profissional da informação, visto enquanto
intermediário entre o acontecimento e sua narratividade, que é a notícia, que está
centrada a atenção destes estudos, que incluem sobremodo o relacionamento entre
fontes primeiras e jornalistas, bem como as diferentes etapas de produção
informacional, seja ao nível da captação da informação, seja em seu tratamento e
edição e, enfim, em sua distribuição. (HOHLFELDT, 2001, p. 204).

Nestes diferentes níveis de produção informacional, o gatekeeper atua como


filtros que interferem de forma ativa no processo noticioso, dos fatos à publicação deles. Essa
função, geralmente, é direcionada aos editores e jornalistas.
Quando se fala em jornalismo colaborativo, há uma indefinição sobre quem
ocupa o papel do gatekeeper. Levando em conta o pressuposto de mediação definido por Lévy,
essa prática jornalística privilegia a interlocução, ou seja, emissores, receptores dialogam com
a mensagem de forma ativa.
Além de participação no processo de escolha dos fatos, o jornalismo
colaborativo manifesta-se por meio de e-mails enviados às redações, comentários, sugestões.
Há, também, veículos que estimulam a colaboração do receptor. Temos como exemplo o jornal
O Estado de S.Paulo com o projeto Foto Repórter, no qual os leitores podem ter a oportunidade
de publicar material fotográfico no periódico, portal e nas redes sociais.

Com a internet, entretanto, emerge uma outra lógica – e aqui está a diferença
significativa -, que desloca para o receptor grande parte do poder pautar os
acontecimentos. Na verdade, o novo medium transforma o antigo receptor passivo
(assim como já também antigo receptor ativo) em usuário ativo, ao pôr à sua
disposição uma caixa de “ferramentas” editoriais, que inclui páginas, portais, correio
eletrônico, lista de discussão (na terminologia corrente: blogs, podcasts, softwares

6
Artigo publicado em
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed744_jornalismo_cidadao_assume_controle_do_lead>. Acessado
em:12 jul. 2014, às 1h15.
24

sociais, wikis, etc), possibilitando a programação de conteúdos que, até agora, tem
sido a transmissão audiovisual e conversas em tempo real por meio de canais
específicos, além de mensageiros instantâneos. (SODRÉ, 2012, p.101).

Não só esses canais são utilizados. O Jornalismo 3.0 possibilitou a


democratização da mídia, fator que pode ser verificado nos veículos de mídia independente.
Com a difusão de portais de jornalismo colaborativo, os meios de comunicação independentes
atuam como um laboratório de novas práticas jornalísticas que envolvem um novo olhar, desde
a escolha da pauta a ser produzida ao modo como o texto é escrito. Há, portanto, certa
“liberdade” no tratamento dos fatos.

[...] nesse novo cenário de mídia, publicar significa que existem muito mais meios de
comunicação social e que o “assunto do momento” não é apenas produto da rotina
produtiva das instituições da notícia (imprensa), mas gerado pela mistura de veículos
formais, coletivos informais e indivíduos, que fazem provocar a emergência não
somente de novas formas de espalhar, de modo colaborativo, as notícias, mas,
sobretudo de contá-las. (MALINI; ANTOUN, 2013, p.216).

Neste cenário, a Internet é vista como uma eficaz alternativa de fuga às


amarras da mídia coorporativa. Nesses veículos de comunicação, convencionou-se a prática de
novas narrativas.
25

2 JORNALISMO INDEPENDENTE

“O "post" é voz que vos libertará


Descendentes tantos insurgirão
A arma, o réu, o véu que cairá
Cravos e tulipas bombardeiam
Um jardim novo se levantará
O jasmim urge de um solo sem medo”.
Amanhã... Será? (O Teatro Mágico)

É inegável a transformação que a Internet causou na sociedade, seja nos


âmbitos sociais, econômicos e políticos. A tecnologia não proporciona apenas agilidade, mas
também é utilizada como um veículo no qual a coletividade pode manifestar-se e organizar-se.
As Redes Sociais foram os principais meios de organização dos movimentos
de manifestações da Primavera Árabe iniciados em 2010. Recentemente, no Brasil, a Internet
também foi usada como a principal propagadora das Jornadas de Julho de 2013. Além da
divulgação da agenda de protestos, a rede tornou-se um canal para a cobertura das
manifestações. Tomaram notoriedade os chamados “veículos de mídia livre ou independente”,
que, durante os protestos, trouxeram uma ampla cobertura jornalística realizada no centro das
manifestações contra o aumento do preço das passagens de ônibus.
Nesse contexto, destacou-se a Mídia Ninja (Narrativas Independentes,
Jornalismo e Ação), na qual a cobertura consolidava-se por meio de vídeos feitos por
dispositivos móveis e divulgados em tempo real na Internet, principalmente no Facebook.
Apesar de existir desde 2011, a Mídia Ninja só ficou amplamente conhecida com as
manifestações de 2013, quando também foi uma das agendas de assuntos da grande imprensa.
Embora seja um assunto recente na sociedade, desde os primeiros anos da
Internet já existiam manifestações sobre o que conhecemos por mídia livre. Segundo Malini e
Antoun (2013), em 1984 as comunidades hackers já discutiam sobre as possibilidades do
26

midialivrismo e o ciberativismo midiático. Os autores destacam duas visões diferenciadas sobre


esses aspectos:

[...] o midialivrismo de massa reúne experiências de movimentos sociais organizados


que produzem mídias comunitárias e populares, de dentro do paradigma da
radiodifusão, se afirmando como práticas da sociedade civil alternativas e
antagonistas em relação ao modo de se fazer comunicação dos conglomerados
empresarias transnacionais e nacionais de mídia (que controlam a opinião pública
desde o nível local até o internacional.
Já o midialivrismo ciberativista reúne experiências singulares de construção de
dispositivos digitais, tecnologias e processos compartilhados de comunicação, a partir
de um processo de colaboração social em rede e de tecnologias informáticas, cujo
principal resultado é a produção de um mundo sem intermediários da cultura, baseada
na produção livre e incessante do comum, sem quaisquer níveis de hierarquia que
reproduza exclusivamente a dinâmica de comunicação um-todos. (MALINI;
ANTOUN, 2013, pp. 21-22).

Por midialivrismo de massa, temos como exemplos os veículos de


comunicação comunitários, rádios, TVs e jornais. Esses canais comunicativos utilizam os meios
tradicionais. Todavia, são pautados pelos interesses das comunidades ou de grupos. Já o
midialivrismo ciberativista é o exemplo do que a Mídia Ninja pratica. Por meio de plataformas
tecnológicas, o conteúdo colaborativo é compartilhado. Apesar de diferenciarem-se em alguns
aspectos, os dois paradigmas têm em comum o objetivo de trazer outra abordagem para a
informação, ou seja, o “outro lado” de uma cobertura midiática.
Grosso modo, pode-se conceituar os veículos de jornalismo ou mídia
independente como aqueles que não estão sob o controle de grandes grupos de comunicação.
Portanto, há menor intervenção de vínculos relacionados a fatores mercadológicos como
interesses de anunciantes, políticos e editoriais recorrentes nos meios de comunicação
tradicionais, ou seja, o que se conhece como “grande mídia”.
Em grande parte compostos por grupos do terceiro setor, os veículos de mídia
independente existem com o paradigma de trazerem uma nova visão sobre os conteúdos
veiculados pelos meios de comunicação corporativos. Nesse aspecto, há maior preocupação
com as camadas mais populares da sociedade e com o aprofundamento dos fatos.
Além dos aspectos conteudistas, a mídia independente é pautada no uso
democrático dos meios de comunicação, no qual o direito ao poder de expressão pode ser
compartilhado com todos. Nesse caso, a informação é produzida e compartilhada por múltiplos
atores em diversos veículos, sejam eles rádio, televisão, jornais, revistas e Internet.
27

Nessa mídia convencionou-se a utilização dos recursos do jornalismo


investigativo como prática de reportagem, em que o caráter informativo pauta-se sob o
aprofundamento de temas relacionados à corrupção, violação dos Direitos Humanos, violência
e crimes ambientais.

2.1 Laboratórios de novas práticas de jornalismo investigativo

Por sua natureza, todo jornalismo deveria ser considerado uma prática
investigativa. Cabe ao jornalista a busca pelas notícias relevantes por meio de levantamento,
apuração e checagem das informações. No entanto, a práxis “investigativa” da atividade
jornalística vem sendo infiltrada por agentes externos das redações, entre eles estão as pautas
vindas de órgãos oficiais, assessorias de imprensa e empresas.
Segundo Hunter (2013, p. 10): “A cobertura investigativa, em contraste,
depende de materiais reunidos ou gerados a partir da própria iniciativa do (a) repórter (e por
isso ela é frequentemente chamada de “cobertura empreendida” - em inglês, “enterprise
reporting”.
No entanto, o trabalho do jornalismo investigativo não se resume apenas às
pautas levantadas pelos repórteres. As denúncias que chegam aos jornalistas também servem
como ponto de partida para uma investigação jornalística. Portanto, como afirma Lopes (2003),
é da natureza do jornalismo investigativo encontrar respostas para as perguntas que ainda não
foram respondidas. Os fatos de interesse público são os principais alvos dos jornalistas
investigativos.
Comumente, as investigações são mediadas por meio das grandes reportagens
que podem ser veiculadas nos veículos eletrônicos, como a televisão, e no impresso, em jornais
e revistas especializadas. Todavia, com a difusão da mídia independente, o jornalismo
investigativo tem ganhado espaço nas teias do hipertexto na Internet.

As redes sociais e as plataformas de compartilhamento de conteúdo ampliaram as


oportunidades de disseminação de conteúdo jornalístico a um nível sem precedentes.
Como resultado, o jornalismo investigativo também tem encontrado novas maneiras
de alcançar o público, em especial ao lidar com questões delicadas, menosprezadas
pelos veículos principais. (MIZUKAMI; REIA; VARON, 2014, p. 84).
28

Encontrando uma alternativa diferenciada, a práxis de investigação nos


veículos de mídia independente procura lançar um olhar sob os que não são lembrados pelos
principais veículos de comunicação. Desse modo, há uma maior valorização pelas reportagens
de rua e a diversificação das fontes. As pautas da mídia independente estão nas favelas, nos
presídios, manicômios, nas periferias, nas florestas devastadas pela intervenção do homem e
em qualquer outro lugar onde exista o anonimato e a necessidade de se esclarecer fatos.
Não só no Brasil a mídia independente vem se destacando. Segundo Targino
(2009), esse novo segmento midiático é um dos atuais fenômenos comunicativos da América.
Neste aspecto, a autora cita a atuação dos Centros de Mídia Independente (CMI).
Os Centros de Mídia Independente são organizações sem fins lucrativos que
têm como finalidade fazer jornalismo alternativo e crítico. O site permite que qualquer pessoa
compartilhe textos, vídeos e imagens, dessa forma tornando o processo de difusão de
informação democrático e descentralizado. “A ênfase da cobertura é sobre os movimentos
sociais, particularmente, sobre os movimentos de ação direta (os “novos movimentos”) e sobre
as políticas às quais se opõem.” (CMI 2014)7.
Eles estão espalhados por todo o continente, ao todo são 91 CMIs, sendo que
73 estão na América do Norte - a maioria nos Estados Unidos, que detém 61 CMIs - e 13 na
América Latina, onde o Chile possui liderança.

Figura 1: Página do CMI Brasil

Fonte: www.midiaindependente.org

Outro exemplo é encontrado na América Latina. Em 2013, foi criada a rede


ALiados composta por dez veículos de Mídia Independente. A aliança foi constituída com o
objetivo de criar debates e estudos sobre as novas possibilidades de financiamento e produção

7
Informação retirada do site <http://www.midiaindependente.org>. Acessado em: 15 ago. 2014, às 23h36.
29

de conteúdo alternativo. Além das discussões, o grupo também é utilizado como um


fortalecimento para esses veículos e da prática do jornalismo investigativo.

Tabela 1: Veículos de Mídia Independente que compõem a ALiados

Veículo País
Pública Brasil
El Puercoespin Argentina
Animal Político México
CIPER Chile
Confidencial Nicarágua
El Faro El Salvador
IDL - Reporteros Peru
LaSillaVaría Colômbia
Plazapública Guatemala
The Clinic Chile

Fonte: ABRAJI- www.abraji.org.br

Representando o Brasil, a Pública é uma agência de reportagem e jornalismo


investigativo que tem como característica a prática da grande reportagem e temas pautados em
eixos temáticos de investigação.
30

3 A PÚBLICA: QUANDO O JORNALISMO EM PROFUNDIDADE É


VIÁVEL NA INTERNET

Por muito tempo, o jornalismo praticado na Internet foi alvo de críticas.


Grande parte do burburinho destinava ao meio características de superficialidade e pouca
confiabilidade. Acreditava-se que muitas das notícias que eram publicadas nos sites e portais
da Internet foram produzidas sem o rigor de apuração dos meios tradicionais.
No entanto, a mesma plataforma que supostamente teria causado a queda de
qualidade do jornalismo, em alguns casos é utilizada como uma fuga às pautas viciadas e às
lacunas deixadas pelo jornalismo impresso, televisivo e radiofônico.
Fazendo parte do rol de veículos de mídia independente, a Pública - agência
de jornalismo investigativo é um exemplo de prática de jornalismo em profundidade na Internet.
Lima (2006) define o jornalismo em profundidade como uma narrativa capaz
de potencializar a capacidade de elucidação do leitor. Partindo desse pressuposto, essa prática
jornalística, muito mais que apenas informar, busca alcançar um nível de compreensão do
receptor. Para isso, muitas vezes, o jornalista aprofunda-se na investigação de algumas histórias,
dando a elas um começo, meio e fim.
Usando a experiência da reportagem como uma herança do período em que
estiveram ao lado de grandes nomes do jornalismo como José Hamilton Ribeiro, as fundadoras
da Pública - agência de jornalismo investigativo Marina Amaral e Natália Viana têm na
bagagem a convivência na redação de uma das melhores revistas de reportagem do Brasil, a
Realidade.
Lançada em 1966, Realidade trouxe grandes contribuições para a imprensa
brasileira, entre elas, o uso da fotografia como complemento ao texto e a prática da grande
reportagem. Mesmo sendo uma publicação voltada para as elites, a revista buscava retratar os
problemas sociais do país.
31

Fundada em 2012, a agência Pública é especializada na produção de


reportagens fundamentadas em quatro eixos de investigação: direitos humanos; Copa do Mundo
2014; megainvestimentos na Amazônia e Ditadura Militar.

Figura 2: Página da Pública – agência de jornalismo investigativo

Fonte: www.apublica.org

Sem fins lucrativos, o veículo sustenta-se por meio de um sistema de


financiamento coletivo conhecido como crowdfunding8, no qual os custos da produção das
reportagens são doados pelos leitores e por instituições como a Fundação Ford, a Omidyar
Network e a Open Society Foundation. O desprendimento às receitas publicitárias tem como
objetivo manter a independência editorial da Pública e democratizar a informação, uma vez que
os temas debatidos têm como visibilidade o interesse público.
Além disso, a agência atua com a licença creative commons, que é um
licenciamento para facilitar o compartilhamento de conteúdos culturais como textos, músicas,
filmes e imagens. Desse modo, é possível que outro veículo de comunicação compartilhe as
reportagens produzidas pela Pública, desde que respeite as regras impostas como créditos ao
jornalista e normas estabelecidas para a edição dos textos.
Um veículo de comunicação independente, além de ouvir as camadas mais
afastadas dos holofotes da grande mídia, contribui para a participação ativa do público. Na

8
Crowdfunding- Sistema de Financiamento Coletivo, no qual o leitor financia um projeto de reportagem doando
qualquer quantia. (Fonte: Wikipédia).
32

Pública, o receptor pode financiar e votar em um projeto a ser investigado. Já os jovens


jornalistas têm uma oportunidade de propor uma investigação e participar dos projetos de
mentorias para jovens jornalistas, concorrer a bolsas de reportagem ou incubar um projeto de
jornalismo independente.
Todo esse processo se dá por meio do site da agência, no qual o leitor pode
candidatar-se a ser um financiador doando qualquer quantia para a manutenção do trabalho da
Pública. Para projetos específicos, há a mediação da ferramenta Catarse, disponível no sítio
http://catarse.me/pt, no qual os interessados oferecem os seus projetos para o financiamento
coletivo seguindo alguns passos conforme explica o descritivo a seguir disponível no site.

Os projetos são enviados ao Catarse por realizadores de diversas áreas sendo que cada
um deles é completamente responsável pelo seu projeto. Eles gastam um bom tempo
preparando um vídeo campanha, bolando recompensas atrativas para oferecer aos
apoiadores, pensando no orçamento do projeto e em como comunicá-lo para o
público. Após essa etapa, o Catarse faz uma breve seleção. Quando o projeto é
aprovado, ele é aberto para a captação e os realizadores compartilham sua ideia para
o mundo. (CATARSE – www.catarse.me.pt).

Os projetos disponibilizados no Catarse não se limitam a uma segmentação


de público. Existem propostas que variam do empreendedorismo aos games. O sistema
disponibiliza o projeto para apreciação e arrecadação de fundos.

Figura 3: Página do site da Catarse

Fonte: http://www.catarse.me/pt
33

Tratando-se de projetos de reportagens sugeridos por repórteres


independentes à Pública é lançado no site da Catarse um formulário para preenchimento. Nos
campos disponíveis, o jornalista tem a oportunidade de dar detalhamento sobre a pauta,
informações como a proposta, execução, entrega e custos da reportagem.
Pelo mesmo sistema de Catarse, a Pública permite que o receptor possa
participar ativamente da produção da reportagem, desde a escolha da pauta até o custeamento
do projeto. No entanto, mesmo nos modelos de jornalismo colaborativo independente, há
hierarquização no trabalho da produção noticiosa.

Há entre eles modelos de regulação baseados na concepção de edição administrada de


forma coletiva. Mas são distintos: ou uma equipe de redatores profissionais realiza a
tarefa de hierarquizar as informações, a partir de critérios estabelecidos pela
comunidade de repórteres-cidadãos; ou há espaços de moderação, onde cada usuário
tem o mesmo poder para sugerir pautas e aprovar as notícias, destinando aos redatores
profissionais somente a tarefa de revisão e publicação final. (MALINI; ANTOUN,
2013, p.116).

Seguindo essas “regras” de hierarquia na produção noticiosa, é muito comum


encontrar nas páginas da Pública reportagens que buscam lançar um olhar para aqueles que
estão no anonimato. Além das fontes oficiais, os repórteres saem in loco para apurar e conhecer
a história de brasileiros que foram ou são prejudicados por empresas e governos. Em entrevista
para este trabalho, a diretora Natália Viana explicou que a Pública busca “ter um olhar de baixo
para cima, ouvindo os movimentos sociais, as comunidades locais, as pessoas que são afetadas
para daí entender a complexidade da situação e depois buscar os opositores, ou seja, empresas
e governos”. (VIANA, 2014).
Um exemplo desse jornalismo que busca um olhar de baixo foi praticado na
produção da série de reportagens Amazônia Pública.

3.1 Amazônia Pública: um dossiê das mazelas trazidas à floresta pelo progresso

Em 2012, a Pública iniciou uma expedição com o objetivo de desbravar os


bastidores dos investimentos na Amazônia. Produzido entre os meses de julho a outubro, o
projeto Amazônia Pública foi composto por nove jornalistas divididos em três equipes de
reportagem que ficaram responsáveis pelas investigações em três partes da Amazônia: no porto
34

de mineração em Marabá (PA), na bacia do Rio Tapajós e em Porto Velho, nas hidrelétricas do
Rio Madeira.
A série de reportagens é dividida em três capítulos - Carajás, Madeira e
Tapajós. Trata em 17 reportagens o contexto de desenvolvimento dos projetos implantados na
Amazônia, envolvendo a atuação de empresas, as negociações políticas e os impactos dos
investimentos no meio ambiente e na vida da sociedade civil.
O capítulo Carajás é voltado para a investigação dos planos da Companhia
Vale do Rio Doce para ampliar a extração do minério de ferro. A reportagem revela os impactos
que a empresa traz para o meio ambiente, como o desmatamento, atropelamento de animais e
as condições sociais da população que se submete ao trabalho escravo nas carvoarias. Este
capítulo também se dedica à contextualização do processo produtivo do metal que traz
desenvolvimento para o país, mas ao mesmo tempo é responsável por danos à natureza e
exploração do trabalho humano.
Com cenário na região de Rondônia e Porto Velho, o capítulo Madeira aborda
os impactos trazidos pela construção de hidrelétricas no Rio Madeira. O projeto faz parte do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Nas reportagens, a
Pública conta as interferências que as obras trouxeram para o meio ambiente, economia e
população. Entre os relatos estão casos de remoção de ribeirinhos e pescadores que dependiam
do rio para o sustento, a falta de infraestrutura de segurança e educação. Na corrida para a
finalização das obras, os trabalhadores também arriscam as suas vidas sofrendo acidentes de
trabalho.
Já o terceiro capítulo Tapajós é dedicado ao relato da luta de comunidades
indígenas contra a construção de duas usinas hidrelétricas pelo Governo Federal. As
reportagens demonstram a falta de diálogo entre a população e os projetos de desenvolvimento
que podem trazer impactos irreversíveis na vida dos moradores que vivem às margens do
Tapajós.
Em síntese, a expedição pelas principais regiões da Amazônia buscou retratar
o cenário do progresso que anda na contramão do desenvolvimento e ouvir as vozes da
população afetada pelos projetos de expansão. Ao ler as reportagens que compõem a série, o
leitor é convidado a fazer parte dos conflitos dos moradores por meio das narrativas construídas
através dos relatos, das pesquisas e da presença in loco e a imersão dos repórteres nas
comunidades visitadas.
35

Nesse aspecto, destaca-se a busca por uma narrativa humanizada, que visa
muito mais do que apresentar fatos. O jornalismo em profundidade praticado na
contemporaneidade busca fazer com que o leitor entenda o acontecimento em sua
complexidade, dotando-o de uma elucidação que aborde as causas, os efeitos e as
consequências.
No entanto, a construção da complexidade se dá a partir da estruturação
textual organizada pelo jornalista, que, a partir de uma narrativa, organiza os retalhos de
informação em um tecido homogêneo.

Um dado incontestável que registro na trajetória das últimas décadas: a arte de narrar
acrescentou sentidos mais sutis à arte de tecer o presente. Uma definição simples é
aquela que entende a narrativa como uma das respostas humanas diante do caos.
Dotada da capacidade de produzir sentidos, ao narrar o mundo, a inteligência humana
organiza o caos em um cosmos. (MEDINA, 1942, p. 47, grifos do autor).

Para transformar o narrar em arte, o jornalismo, muitas vezes, recorre aos


atributos da linguagem literária. Desse modo, o texto objetivo que caracteriza a escrita dos
jornais passa a contar com elementos literários. Ao utilizar esses recursos na narrativa, o
jornalista reconstrói cenários, enriquece o texto com as suas impressões e o humaniza por meio
de relatos dos personagens.
Essa hibridez entre jornalismo e literatura é conhecida e nomeada por alguns
autores como Jornalismo Literário e até mesmo Jornalismo Narrativo. Teoricamente, a
definição desse “jornalismo literário” é dividida: de um lado, o texto jornalístico com elementos
estéticos da literatura; do outro, um gênero híbrido com a função de aprofundar e desbravar os
assuntos alheios à cobertura jornalística praticada pela mídia tradicional. Discussões teóricas à
parte, o jornalismo literário vem sendo utilizado como uma alternativa pelos jornalistas que
buscam oferecer informação aprofundada. Essas manifestações podem ser notadas por meio
dos livros-reportagens e, recentemente, na Internet, em portais de jornalismo independente.
36

4 JORNALISMO LITERÁRIO OU NARRATIVO: DOS JORNAIS AO


HIPERTEXTO

A literatura distingue-se do jornalismo por trabalhar no campo da imaginação,


ou seja, da ficção. Mesmo nas correntes literárias que se apoiaram em trazer recortes da
realidade às obras, o enredo não trata de um fato real.
Já o jornalismo é o oposto, pois a sua matéria é composta pela factualidade.
Para Bulhões (2007, p. 11) “Seria da natureza do jornalismo tomar a existência como algo
observável, palpável, a ser transmitido como produto digno de credibilidade”.
Ambos os gêneros lidam com a linguagem. Para a literatura ela é um fim. No
jornalismo é um meio pelo qual a mensagem é codificada.

Para o redator, a linguagem é puro instrumento de pensamento, um meio de transmitir


realidades. Para o escritor, ao contrário, a linguagem é um lugar dialético, em que as
coisas se fazem e desfazem. Ou seja, o discurso literário está fundado na possibilidade
de traduzir diferentes matrizes do real. Sendo assim, a liberdade é total, inclusive para
reinventar a própria linguagem. O jornalismo não. A base do discurso jornalístico é a
simplicidade, a clara determinação do que tem a correspondência com o real comum
a todos [...]. (VILLAS BOAS, 1996, p. 59).

[...] Em oposição ao discurso literário, o jornalismo dá ênfase a seu aspecto utilitário,


com uma linguagem voltada para a compreensão do leitor, e também a sua
transparência, como se os fatos pudessem falar por si mesmos. Esse efeito de
objetividade é produzido na medida em que o narrador jamais intervém, apagando as
marcas de sua subjetividade. (COSTA, 2005, p. 299).

Embora sejam distintos, jornalismo e literatura já mantiveram uma relação


bem próxima. Segundo o quadro evolutivo de Filho (2002), os gêneros apresentaram fronteiras
37

híbridas em três fases: de 1631 a 1789, na Pré-História do Jornalismo e de 1789 a 1900, entre
o Primeiro e Segundo Jornalismo.

Tabela 2: Quadro Evolutivo do Jornalismo

Pré-História Artesanal 1961 a 1789 Espetacular, Jornal ainda Empreendedor Elementar


singularmente novo semelhante ao isolado
(desastres, mortes, livro, poucas
seres deformados, páginas.
reis, etc.).
Primeiro Político- 1789 a 1830 Razão (verdade, Profissionaliza- Políticos; Economia
literário transparência); ção; surge a escritores; deficitária
Jornalismo
questionamento da redação; diretor críticos;
autoridade; crítica separa-se do cientistas.
da política; editor; artigo de
confiança no fundo; autonomia
progresso. da redação.
Segundo Imprensa de 1830 a 1900 O “furo”; a Rotativas e Jornalistas Economia
massa atualidade; a composição profissionais de
Jornalismo
neutralidade; criam- mecânica por empresa:
se a reportagem, as linotipos (1890); jornal tem
enquetes, as telégrafo e
entrevistas, as telefone; cria-se a
que dar
manchetes; investe- agência Havas; lucro;
se nas capas, logo e mais publicidade aumento
chamadas de 1ª e menor peso de das
página. editores e tiragens:
redatores; títulos 35 para
passam a ser 200 mil.
feitos pelo editor.
Terceiro Imprensa 1900 a 1960 Grandes rubricas Influência da Jornalistas, Grupos
monopolista políticas ou indústria publicitários e monopolis-
Jornalismo
literárias; páginas- publicitária e das relações tas
magazines: esporte, relações públicas; públicas dominam a
cinema, rádio, uso da fotografia. promovem imprensa;
teatro, turismo, “indústria da época de
infantil, feminina. consciência” tiragens-
monstro.
Quarto Informação 1970 até o Impactos visuais; Implantações Redes/Sistem Financia-
Jornalismo eletrônica e presente velocidade; tecnológicas as informati- mentos
interativa transparência. (barateamento da zados em migram
produção; interface; para a TV e
alteração das jornalistas a Internet;
funções do prestadores de crise da
jornalista; toda a serviço. imprensa
sociedade produz escrita.
informação.

Fonte: Filho (2009) - Comunicação e Jornalismo: a saga dos cães perdidos

Nesse período, correspondente aos séculos XVIII e XIX, a literatura marcou


presença fundamental nos jornais franceses por meio dos Folhetins, que eram escritos por
grandes escritores e romancistas. As histórias tinham continuidade a cada nova edição, assim
como as atuais telenovelas. Durante muito tempo, esse gênero foi o principal meio de
38

entretenimento na França e também no Brasil, originando novas narrativas para a fotografia,


cinema e televisão a partir do século XX.

O folhetim será, pois, a matriz primordial das narrativas seriadas de consumo de


massa, o que compreenderá no século XX a fotonovela, o cinema narrativo e a
teledramaturgia. O folhetim produziu uma estratégia típica do entretenimento popular:
a suspensão da narrativa no momento do clímax, no instante em que o vilão aciona o
gatilho. “Continua amanhã, leitor” é a senha para adiarmos indefinidamente nossa
busca por mais uma ração diária de fantasia. (BULHÕES, 2007, p. 32).

Todavia, a relação entre jornalismo e literatura não aconteceu apenas nos


Folhetins. Aos poucos, a literatura também foi se munindo de técnicas jornalísticas para
descrever o contexto da época e o que realmente acontecia na sociedade. Assim como na
Europa, o Brasil foi influenciado pelo novo modo de se fazer literatura.
De acordo com Cereja e Magalhães (1995), a literatura brasileira da década
de 1930 vivia as transformações trazidas pelo Modernismo de 1929. Os efeitos recaíram sobre
a forma de fazer literatura, que a partir desse momento buscou desnudar por meio do Romance
Realista Regional o Brasil que ninguém conhecia.
No Romance Realista, a descrição da realidade é utilizada como um recurso
jornalístico adotado pela literatura como pano de fundo para as obras ficcionais. Um exemplo
disso pode ser encontrado no livro Vidas secas, de Graciliano Ramos, no qual o autor expõe a
realidade dos retirantes nordestinos que fugiam da seca e da miséria, aventurando-se rumo às
grandes cidades.

Na década de 30, enquanto o rádio, o mais moderno meio de comunicação de massa


da época, encurtava as distâncias, aproximando o país de ponta a ponta, nossa prosa
de ficção, com renovada força criadora, nos punha em contato com um Brasil pouco
conhecido. Por meio de autores como Rachel de Queiroz, José Lins do Rego,
Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo e tantos outros, a literatura mostra
o homem como alicerce de cada uma das diversas áreas socioeconômicas do país, mas
quase sempre em luta desigual como ela. (CEREJA; MAGALHÃES, 1995, p. 343).

Desse modo, a convergência entre os dois gêneros ultrapassou as páginas dos


jornais. No Romance Realista, a literatura usou algumas características do jornalismo como
elemento para uma prosa de denúncia social.
39

Num primeiro momento, o jornalismo bebe na fonte da literatura. Num segundo, é


esta que descobre no jornalismo, fonte para reciclar sua prática, enriquecendo-a com
uma variante bifurcada em duas possibilidades: a de representação do real efetivo,
uma espécie de reportagem - com o sabor literário - dos episódios sociais, e a
incorporação de estilo de expressão escrita que vai aos poucos diferenciando o
jornalismo, com suas marcas distintas de precisão, clareza, simplicidade. (LIMA,
2004, p. 178).

Segundo Costa (2005), o século XX foi marcado pela presença de escritores


nas redações. Entre eles, João do Rio (pseudônimo de João Paulo Emílio dos Santos Coelho
Barreto), conhecido pelas suas reportagens investigativas que buscavam desnudar as mazelas e
os subterrâneos da sociedade carioca. Além de João do Rio, escritores como Graciliano Ramos
e Olavo Bilac dividiam o ofício da literatura com o trabalho nas redações.
A segunda metade do século XX foi marcada por inúmeras transformações,
entre elas o desenvolvimento tecnológico e cultural. Nesse contexto, o cinema americano teve
grande influência na vida dos telespectadores, espalhando a cultura de consumo norte-
americana por todo o mundo.
De acordo com Lima (2004), os novos fatores tecnológicos e a
industrialização fariam o jornalismo tornar-se um produto, dessa forma, exigindo
distanciamento da literatura em busca de uma linguagem mais objetiva e precisa. A partir desse
momento, a prática jornalística inclinava-se para o processo de padronização.
Segundo Belo (2006), as mudanças começaram durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) vindas dos correspondentes das agências de notícias internacionais.
Nessa época, o telégrafo era utilizado como o principal meio de transmissão de informações
entre os repórteres de guerra e a redação dos jornais - muitas vezes localizadas no continente
americano. Além de ser uma tecnologia cara, as transmissões via telégrafo também eram muito
precárias, era comum falhas nas mensagens e as informações chegavam nas redações sem
sentido, prejudicando o entendimento. Então, para solucionar esses problemas, estabeleceu-se
que, ao enviar as informações para os jornais, os repórteres deveriam usar as seis principais
perguntas que regem uma notícia: o quê?, quem?, quando?, onde?, como? e por quê?
Em meados de 1950, essas perguntas receberam o nome de lead e vieram
acompanhadas pela técnica de padronização textual conhecida como “pirâmide invertida”, na
qual as informações organizam-se em ordem decrescente de importância. Deste modo, os
elementos principais concentram-se no primeiro parágrafo, logo depois os detalhes ou sublead
e, no fim, os elementos secundários ou fechamento.
40

De acordo com Lima (2014), até o fim do século XIX, o jornalismo não era
considerado um produto destinado às massas populares, mas apenas às elites constituídas por
políticos, intelectuais e a camada mais rica da população. No entanto, a industrialização também
começou a afetar a atividade jornalística. Essas transformações tiveram início nos Estados
Unidos e, depois, foram adotadas pela imprensa brasileira.

Nesse contexto, empresários da comunicação perceberam que tudo isso gerava uma
oportunidade de negócios. A oportunidade estava em produzir jornais, mas em larga
escala, buscando aumentar o número de leitores. Além de continuar a atender às elites,
perceberam que os jornais precisavam fazer o que hoje nós chamaríamos de expandir
mercado. Isto é, chegar também às camadas mais populares. Para tanto, necessitariam
baratear o preço dos jornais ao máximo. Para conseguir isso, precisariam de grandes
tiragens - ou seja, produzir exemplares de uma mesma edição em larga escala -, pois
quanto menos exemplares são produzidos na gráfica, mais cara a produção. E, para
grandes tiragens, seria fundamental chegar ao grande público. Para isso, por sua vez,
seria necessário simplificar a linguagem, de modo que todos entendessem, pois a
massa popular não tinha o mesmo nível de educação escolar que as elites. (LIMA,
2014, p. 34).

Segundo Costa (2005), as primeiras mudanças iniciaram-se com o aumento


do número de páginas dos jornais e a disponibilidade de espaços para anunciantes. Depois, a
diagramação começou a ficar mais sofisticada. Mais tarde, entraram em cena os Manuais de
Redação, que tinham como finalidade padronizar o texto jornalístico, pois, para ser
compreendida por todas as camadas sociais, a linguagem dos jornais deveria ser simples e
objetiva. A transformação do jornalismo em uma empresa resultou também na criação de novos
formatos midiáticos com as revistas ilustradas e a intensificação do uso da fotografia como
complemento ao texto.
No caminho oposto da padronização, em 1960, surgiu nos Estados Unidos
uma corrente chamada de New Journalism. Para Bulhões (2007), essa manifestação não se
tratou de um movimento com o objetivo de acabar com a padronização textual, mas sim de criar
uma fluência de textos jornalísticos equiparados aos grandes romances literários.
Para Wolfe (2005), um dos pioneiros do New Journalism, a nova prática
textual buscava inserir no jornalismo características que só eram encontradas na literatura.

A ideia era dar a descrição objetiva completa, mais alguma coisa que os leitores
sempre tiveram de procurar em romances e contos: especificamente, a vida subjetiva
ou emocional dos personagens. Por isso foi tão irônico quando os velhos guardiães
tanto do jornalismo como da literatura começaram a atacar esse Novo Jornalismo
como “impressionista”. As coisas mais importantes que se tentava em termos de
41

técnica dependiam de uma profundidade de informação que nunca havia sido exigida
do trabalho jornalístico. (WOLFE, 2005, p. 38).

A princípio, as revistas e alguns jornais foram os principais meios de difusão


desses textos ou reportagens especiais. Entre os nomes dessa corrente estão Tom Wolfe, Gay
Talese e Jonh Hersey. Em um novo desdobramento do New Journalism, as narrativas
jornalísticas tomaram feição de romances em obras como A sangue frio, de Truman Capote,
que, a partir de uma nota publicada no jornal, tornou-se uma série de reportagens e um livro.
Ao todo, o trabalho de apuração do jornalista escritor durou quase seis anos.
Na contramão do texto padronizado, as revistas Life (norte-americana) e a
Realidade (brasileira) atuaram como diferenciais. Contrapondo às informações enxutas
adotadas pelos jornais, essas publicações investiram na produção de reportagens especiais.

A importância essencial de Realidade deveu-se à valorização da reportagem como


gênero a um só tempo afirmativo da atitude jornalística e permeável a incursões
próximas de realização literária. Em sua fase mais gloriosa, de 1966 a 1968, Realidade
legou uma maciça produção textual desviante do caminho da padronização.
(BULHÕES, 2007, p. 143).

Figura 4: Capa da edição de janeiro/1967 da Revista Realidade

Fonte: realidaderevista.blogspot.com

Além da realização textual, Realidade lançou mão de recursos como a


fotografia e ilustrações que serviram de complemento ao texto. A revista também foi referência
em reportagens, com destaque para as narrativas humanizadas dos escritores-jornalistas José
Hamilton Ribeiro e João Antônio.
42

Lançada em abril de 1966 pela editora Abril, a publicação nasce com a vocação de
retratar em suas páginas o Brasil real, um país que atravessava um processo de
industrialização e urbanização que, de resto, só serviam para “amplificar problemas e
agruras nunca solucionadas” [...]. Trata-se sobretudo, de uma publicação aberta a toda
sorte de experimentações estéticas de uma turma de profissionais ávida por aplicar no
país as técnicas que invejava de seus pares americanos. (FALCIONE, 1999, p. 75).

Mesmo após ao fim de sua circulação em 1976, Realidade deixou como


legado o jornalismo voltado para as camadas mais vulneráveis da população. Mais tarde, muitos
jornalistas brasileiros seguiram o exemplo da revista e levaram para as páginas dos livros-
reportagens as histórias das pessoas que vivem à margem da sociedade. O jornalismo de livros
marcou a nova reaproximação do jornalismo com a literatura no Brasil.
Segundo Cosson (2001), o regime ditatorial brasileiro (1965-1985) teve
grande influência na produção dos livros-reportagens.

[...] tal relação íntima entre jornalismo e literatura não se fez gratuitamente. Para a
maioria dos críticos da literatura produzida na década de 1970, o “clima” de jornal na
literatura da época foi determinado, num sentido mais geral, pela ditadura militar. De
fato, ainda que vigente desde 1964, a ditadura brasileira só viria a revelar o seu lado
mais repressor na passagem da década de 1960 para a de 1970, com o bem conhecido
Ato Institucional nº 5, o qual transformou definitivamente a “ditablanda” em regime
de terror. (COSSON, 2001, p. 15).

O Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 ditava o que era


publicado ou não na mídia. Dessa forma, todo o conteúdo produzido pelas emissoras de rádio,
televisão, pelos jornais e revistas eram submetidos a uma análise da censura. Como uma
alternativa ao silêncio imposto pelo AI 5, muitos jornalistas investiram na produção de livros
que eternizaram fortes relatos sobre o período que o Brasil vivia. Um exemplo é a obra “O que
é isso companheiro”, do escritor e jornalista Fernando Gabeira.
Com o fim da Ditadura Militar, a nova aproximação entre jornalismo e
literatura se deu por meio da necessidade que muitos jornalistas tinham em trazer uma cobertura
diferenciada da mídia tradicional. Nesse aspecto, os livros-reportagens tornaram-se uma
alternativa para que algumas pautas fossem tratadas com maior profundidade. Destacaram-se,
nessa fase, os jornalistas Zuenir Ventura e Caco Barcellos, que fora das redações retrataram as
favelas e o lado marginal das grandes cidades.
43

Atualmente, a Internet também tem sido utilizada como um meio para a


publicação de reportagens aprofundadas sobre a vida que acontece no anonimato. No Brasil,
um seleto grupo de jornalistas escolheu as páginas do hipertexto para contar essas histórias.

4.1 Do papel às páginas do hipertexto: o jornalismo literário na Internet

Nos últimos anos, o jornalismo impresso vem reduzindo cada vez mais os
espaços para as reportagens. Para que alguns jornais consigam cobrir todas as despesas de sua
produção, foram aumentados os espaços para os anunciantes. Com essa redução, as reportagens
aprofundadas limitam-se às edições de domingo, quando os jornais vêm com um número maior
de páginas.
Mais uma vez, o fator comercial implica na cobertura jornalística. Em tempos
de “crise no impresso” com o fechamento de jornais e demissão massiva de jornalistas, os
jornais ainda permanecem na estratégia de “competir” com a Internet, publicando no dia
seguinte os fatos que ocorreram no dia anterior. Em questões de imediatismo, a Internet acaba
ganhando do impresso.
Como nas fases anteriores do jornalismo, há jornalistas que têm o objetivo de
romper as barreiras impostas pelas empresas jornalísticas, nas quais, a produção noticiosa
muitas vezes está entrelaçada com interesses comerciais. Em muitos casos, esses fatores
interferem no que se torna ou não notícia. Nesse contexto, a Internet tem sido utilizada como
uma nova alternativa para os jornalistas que buscam trazer uma abordagem diferenciada da
mídia tradicional. O diferencial encontra-se principalmente no texto que utiliza recursos da
literatura, responsáveis por dar vida e voz aos socialmente excluídos por meio de uma narrativa
que apresenta cenários, consciências e causam inúmeros efeitos de sentido no leitor.
Este é o caso do texto da jornalista e escritora Eliane Brum, ex-colunista da
revista Época e que atualmente escreve para a edição online do jornal El País. A autora também
já publicou seis livros (Meus desacontecimentos, A menina quebrada, Uma duas, O olho da
rua, A vida que ninguém vê, e O avesso da lenda). Além das obras já publicadas, Eliane mantém
um site www.desacontecimentos.com, onde todas os seus artigos e reportagens podem ser
acessados.
44

O jornalismo de Eliane Brum busca levar ao leitor histórias de pessoas que


vivem longe da cobertura midiática. Entre os seus temas estão os moradores das favelas, os
moradores de rua, as vítimas da violência policial e das obras de desenvolvimento da Amazônia.
Em suas narrativas, a autora faz a hibridização dos gêneros artigo de opinião e reportagem.
Desse modo, apresentando cenários que, por meio de seu relato, ganham movimentos
cinematográficos como se os olhos do leitor estivessem diante da cena.
Além das descrições, o texto de Eliane Brum apresenta uma forte
humanização. Seus artigos com traços de reportagem giram em torno de histórias reais
protagonizadas por pessoas que foram afetadas pelas desigualdades sociais.
Outras manifestações do jornalismo literário na Internet podem ser
encontradas nos blogs. Um exemplo é o projeto independente Vidas Anônimas, formado por
quatro jornalistas que buscam retratar por meio de reportagens em profundidade a vida de
pessoas comuns. As reportagens publicadas no blog Vidas Anônimas apresentam uma narrativa
composta por vários elementos do texto literário, entre eles, descrições e enredo centrado no
relato das personagens.
Contrapondo ao modelo imediatista que dominou a Internet durante muitos
anos, a Pública - agência de reportagem e jornalismo investigativo investe em uma prática
jornalística aprofundada com predominância do jornalismo de investigação. Como recurso para
atrair o leitor e inseri-lo nas histórias, a Pública lança mão de uma produção textual narrativa
que une traços do jornalismo e da literatura. Essas características serão tratadas no próximo
capítulo por meio dos resultados obtidos com as análises das reportagens que compõem o
capítulo Carajás, da série Amazônia Pública.
45

5 O JORNALISMO LITERÁRIO NA SÉRIE AMAZÔNIA PÚBLICA

A produção deste trabalho teve como objetivo refletir sobre o uso do


jornalismo literário pela Pública. Para a realização deste estudo, foram analisados o corpus de
seis reportagens do capítulo Carajás que compõe a série Amazônia Pública, produzida pela
Pública – agência de reportagem e jornalismo investigativo.
Como metodologia de análise foi utilizado o Estudo de Caso, que é um
método qualitativo. Após a escolha do método, partiu-se para o processo de coleta de dados,
iniciado com a observação direta, pesquisa bibliográfica e entrevista realizada por telefone com
a diretora da Pública, Natália Viana, em 12 de agosto de 2014. A entrevista foi gravada com o
auxílio do gravador de voz do celular da pesquisadora e depois transcrita na íntegra (vide
apêndice).
As análises das reportagens tiveram o objetivo de examinar a utilização dos
elementos literários no texto, bem como os procedimentos e componentes que uma reportagem
jornalística em profundidade necessita.

5.1 Análises das reportagens do capítulo Carajás

O capítulo Carajás é composto por seis reportagens que tratam sobre a


exploração do minério de ferro na região leste do Pará, onde se encontra uma das maiores
reservas dessa rocha que dá origem ao ferro utilizado na construção do aço. A investigação da
Pública teve como finalidade abordar os impactos trazidos pela Vale à população e também ao
meio ambiente durante o processo de extração do mineral. Esse capítulo apresenta uma ampla
investigação sobre os projetos de expansão da produção do minério de ferro na região dos
Carajás.
46

A primeira reportagem do capítulo, intitulada “Viagem ao Canaã”, foi


produzida pela jornalista Marina Amaral, que é uma das diretoras da Pública. Nos primeiros
parágrafos do texto, a repórter apresenta as suas observações ao chegar no município de
Marabá, PA. Logo no primeiro parágrafo, Marina constrói um paradoxo que expõe ao receptor
as primeiras transformações causadas pelas obras de desenvolvimento da região.

Marabá é a porta de entrada da Amazônia que aparece nos cadernos de Economia dos
jornais, não nos de Turismo. Essa é a primeira lição para não se decepcionar com a
paisagem do hotel, ao lado do aeroporto, em plena rodovia Transamazônica. Entre
postos de gasolina e serrarias, à margem da estrada, meia dúzia de hotéis oferecem ar
condicionado, internet e um serviço feito por jovens simples metidos em uniformes
“internacionais”, que chocam no verão amazônico. A chuva que nos recebeu na manhã
de 14 de julho, foi a última da temporada, e tardia. (PÚBLICA, 2012).

O paradoxo é construído no trecho em que a jornalista relata que Marabá


aparece nos cadernos de Economia dos jornais e não nos de Turismo. Por muito tempo, o setor
turístico foi um dos carros-chefe da economia do munícipio, devido às características hídricas
compostas por rios e praias, ambos propensos para a pesca e esportes aquáticos. Nesse
fragmento, a autora apresenta a mudança nas atividades econômicas – tendo em vista a presença
de hotéis à beira da estrada e a inversão cultural, já que os uniformes internacionais dos jovens
atendentes não foram feitos para o clima quente da região. O parágrafo encerra-se com as
evidências dos impactos trazidos pela exploração do minério de ferro ao meio ambiente, já que
o ciclo das chuvas foi alterado.
Para que o leitor tenha imersão nos cenários, a jornalista lança mão do texto
narrativo e de um recurso muito característico do jornalismo literário: a construção de cena.
Segundo Lima (2014), esse artifício narrativo proporciona envolvimento ao ponto de causar
experiências sensoriais em quem lê.

O jornalismo literário prefere esse modo de narrar porque seu compromisso implícito
com o leitor é dar-lhe não apenas a informação sobre alguma coisa. É fazer com que
o leitor passe pela experiência sensorial, simbólica, de entrar naquele mundo
específico que a matéria retrata. Enquanto o sumário apela mais para o raciocínio
lógico, a cena procura também despertar a visão, a audição, o olfato, o tato, o paladar
do leitor. (LIMA, 2014, p. 15).
47

Ao ler o fragmento da reportagem de Marina Amaral, os sentidos de visão e


tato do leitor são ativados. É como se os olhos do receptor pudessem ver os hotéis à beira da
estrada e sentir na pele as altas temperaturas da região.
Outro recurso utilizado para dar profundidade ao texto é o uso de dados
relacionados à demografia e economia do município. Na reportagem, esses números apresentam
informações sobre a população, setores econômicos que geram mais empregos e a riqueza que
a Companhia Vale do Rio Doce extrai da região por meio da exportação do minério de ferro,
extraído da Província Mineral de Carajás.
Em meio aos dados volumosos que aparentam significar desenvolvimento para
Marabá, a jornalista lança um novo paradoxo diante do leitor. Na construção de mais uma cena
narrativa, outro elemento do jornalismo literário entra no palco: a humanização.

São 110 milhões de toneladas de minério de ferro extraídas da Floresta Nacional de


Carajás por ano. Segundo propagandeia a Vale, foi com esse metal que se ergueu mais
da metade de Xangai, na China - o principal importador de minério de ferro. E a
companhia pretende dobrar a produção em quatro anos: em julho deste ano, o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu
a licença prévia para o “maior projeto da história da Vale”, a mina S11D, com
investimento de US$ 19,4 bilhões entre abertura de mina e obras de logística para
escoar a produção.
Jonh Lennon, recepcionista do hotel, usa a moto para ir do trabalho à faculdade de
administração, o que diz ser melhor do que usar os ônibus precários para circular pelo
complexo rodoviário assustador que funciona como malha urbana em Marabá - uma
característica de muitas cidades que visitamos na viagem. (PÚBLICA, 2012).

Ao retratar a precariedade do sistema de transporte público em Marabá, a


Pública utiliza como pano de fundo a alternativa que o recepcionista Jonh Lennon encontra para
chegar até à faculdade. O exemplo do recepcionista é uma introdução que a jornalista Marina
Amaral utilizou para dar sequência a uma série de relatos sobre a degradação ambiental, urbana
e social do município. A mesma Marabá que produz riquezas por meio da extração do minério
de ferro é responsável pelo cenário de mazelas e de falta de infraestrutura básica para a
população.
No tradicional modo de reportar, o relato do jornalista por si só estaria
suficiente para informar sobre a falta de água em Marabá - uma das cidades com a maior
concentração hídrica da região e novamente sobre a ausência de transporte público de
qualidade, situação essa que obriga a população a depender de vans, cujos motoristas cometem
desrespeitos em todos os sentidos - em relação às regras de trânsito e, principalmente, com o
48

tratamento oferecido a quem depende do veículo para se locomover. Todavia, a reportagem em


profundidade procura abordar e entender como a população é afetada. Na reportagem “Viagem
a Canaã”, o recurso literário conhecido como história de vida dá voz a moradora Maria
Aparecida Alves de Oliveira – conhecida como Cida, que trabalha como camareira em um dos
hotéis de luxo do município e mais adiante, ao agricultor Antônio Mauricio Gustavo, o
“Tonhão”.

Assim, o jornalismo literário não pode simplesmente repetir o que as matérias


convencionais já contaram. Precisa contextualizar, buscar o porquê das coisas, o que
está por trás daquilo que a gente sabe na superfície, mas não conhece na profundidade.
(LIMA, 2014, p. 28).

Em entrevista, a diretora da Pública, Natália Viana destacou que a


contextualização e a busca dos “porquês” fazem parte dos procedimentos da agência para a
produção de uma reportagem, deste modo, atuando como um diferencial.

A Pública faz um jornalismo que é de baixo para cima. A gente ouve as comunidades,
dá prioridade a ouvir a população que está sendo afetada para entender de fato qual é
a situação que está acontecendo e daí buscar os fatores envolvidos. Fazemos uma
extensa checagem documental, de fatos, buscando ouvir o máximo de fontes. Nós não
fazemos notícias, mas sim uma história com começo, meio e fim com bastante
contexto. Dedicamos muito tempo para a produção de uma reportagem. Para fazer
uma reportagem da Pública, o repórter demora no mínimo um mês para concluí-la.
(VIANA, 2014).

Na busca por essa contextualização, a história de vida de Cida e Tonhão


imergem o leitor em um profundo entendimento sobre os fatos. No caso da camareira, o relato
de sua infância contextualiza o leitor sobre como se deu o processo de urbanização e a
construção da Estrada de Ferro do Carajás. Parte de sua história revela a mudança da família à
procura do pai garimpeiro, a gravidez precoce e o destino de seus cinco filhos que, assim como
muitos jovens, só encontram trabalho em empreiteiras, em empresas terceirizadas de faxina e
na Vale.
Amparada pela contextualização histórica que traça o processo de
desurbanização da Serra Sul pelos militares em 1980 para a construção de uma nova mina da
Vale, a reportagem traz os relatos do agricultor Tonhão, que forçadamente vendeu as suas terras
49

para a Vale. Em meio às histórias de Tonhão, a jornalista Marina Amaral descreve o cenário
“desolador” que se tornou a comunidade do Racha Placa onde o agricultor morava. Novamente,
por meio do recurso de construção de cena, o leitor pode sentir e “ver” a tristeza que o lugar
representa.

À nossa volta, o cenário agora é desolador. Todas as casas que abrigaram escola e
comércio foram demolidas, e os restos pairam fantasmagóricos na paisagem tropical.
“Eles chamam a gente de posseiro, mas tudo isso aqui é terra da União, que eles
ocupam também”, ressalta Tonhão.
Por isso, as 49 famílias que resistiram ao assédio da companhia resolveram lutar. Com
a ajuda de um advogado da Comissão Pastoral da Terra, conseguiram que a empresa
comprasse uma área de 340 alqueires para reassentá-los e garantisse dois anos de
salário mínimo mensal de indenização para as famílias que perderam as roças e há três
anos aguardam a transferência para a nova área.
“É isso que mata a gente, ficar vendo a vila acabar, o mato crescer esbagaçando as
casas, a muriçoca tomar conta enquanto espera mudar”, diz Manelão, um senhor
simpático de olhos puros que não sabe viver sem enxada na mão. “E foi uma perda
para toda a região, as crianças agora têm que andar 14 quilômetros para ir à escola, o
trabalhador rural não tem onde comprar o que precisa”, lamenta. “Eles dizem que nós
estamos interrompendo o progresso. Vamos ver...”. (PÚBLICA, 2012).

As descrições utilizadas após os verbos de elocução concedem mais impacto


ao texto. Segundo Lima (2014, p. 19) “O texto tem força porque constrói uma imagem em nossa
cabeça”. Desse modo é possível “ver” a expressão do senhor Manelão. Além disso, outro
recurso que enriquece a narrativa é a metáfora, neste fragmento, utilizada no trecho “não saber
viver sem a enxada na mão”. Muito mais que uma ferramenta, neste contexto, a enxada carrega
um simbolismo que significa toda uma vida de dedicação a um trabalho.
“Viagem a Canaã” é a base da pirâmide dos procedimentos para a produção do
capítulo Carajás. Seguindo a hierarquia de um jornalismo de baixo para cima, depois de ouvir
a população, a equipe da Pública dá continuidade à investigação com a segunda reportagem do
capítulo: “Dentro da Floresta, a Vale tem pressa”, que trata sobre as obras de expansão da
Vale para a abertura de mais uma mina na Serra Sul, que dobrará a produção do minério de
ferro em quatro anos.
No início da reportagem, o biólogo do Instituto Chico Mendes explica para a
equipe de reportagem como se reconhece uma reserva de minério de ferro e os procedimentos
necessários para que uma mina seja aberta. O desmatamento é uma das etapas desse processo
que causa muitos impactos ambientais na floresta, alterando o clima e os biomas.
Além das explicações fornecidas pelo biólogo, a reportagem traz um amplo
volume de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, que revelam que a Vale foi
50

autuada nove vezes pelo Ibama entre 2005 e 2009 por infrações ambientais em áreas protegidas.
A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, ou Lei de Acesso à Informação “regulamenta o
direito, previsto na Constituição, de qualquer pessoa solicitar e receber dos órgãos e entidades
públicos, de todos os entes e Poderes, informações públicas por eles produzidas ou
custodiadas9”.
A pesquisa em dados e documentos são duas características rotineiramente
utilizadas na produção de uma reportagem de profundidade. Na narrativa, esses recursos
conferem complemento à matéria e, em alguns casos, autenticidade à apuração jornalística.
Dados oficiais demonstrando nove autuações do Ibama à Vale em um período de cinco anos
“atestam” os impactos que a exploração do minério de ferro causam à floresta.
No entanto, os dados e as versões não são suficientes para a produção de uma
reportagem em profundidade. A presença do repórter in loco evita possíveis “manipulações” de
informação por parte das assessorias de imprensa.

Percorremos 140 quilômetros de estradas dentro da Flona no jipe Mitsubishi 4×4 do


ICM-Bio, observando três das quatro minas em operação na Serra Norte, a partir dos
mirantes suspensos sobre as cavas, e passeando pela natureza quase intocada da Serra
Sul. A Vale não estava disposta a mostrar sua área de produção aos jornalistas da
Pública: embora nossa visita tivesse programada com antecedência de um mês, a
assessora de imprensa que nos recebeu disse que a ida às minas estava cancelada por
“falta de escolta” e nos levou para ver as antas, araras, macacos e onças que vivem
nos recintos do Parque Zoobotânico – o zoológico, como é conhecido pela população
de Parauapebas, que abriga 260 animais resgatados pela fiscalização dos órgãos
ambientais.
Atualmente a companhia ocupa menos de 4% do território (13 mil hectares),
principalmente na porção norte da Serra de Carajás, onde ficam as três minas de ferro
– N4E, N4W e N5, abertas em 1984, 1994 e 1998, respectivamente. No ano passado,
as três minas produziram 109,8 milhões de toneladas de minério de ferro, um terço de
toda a produção brasileira, equivalentes a cerca de US$ 13 bilhões.
A operação funciona 24 horas por dia e, na virada dos turnos (são três), as estradas
ficam tomadas pelos ônibus que trazem os operários de Parauapebas. A Vale não
informa o número de trabalhadores das minas – estimados entre 10 mil e 20 mil
(incluindo os que atuam para 35 empresas terceirizadas) pela Justiça do Trabalho de
Parauapebas. Em 2010, por sinal, a companhia foi condenada a pagar aos operários
R$ 100 milhões de reais de indenização por danos morais e R$ 200 milhões por
dumping social pelas horas perdidas no itinerário, que não eram computadas nas
jornadas de oito horas diárias – a companhia recorreu do valor, e um acordo está sendo
negociado.
As estradas com trânsito pesado e as linhas de energia que servem ao complexo
minerador são os impactos ambientais mais visíveis antes de chegar às cavas de onde
se extrai o minério, cercadas por pilhas de estéril (a terra que sobra da extração de
minério) que transformam platôs em buraco Do mirante da N5, uma estrutura de

9
Informação retirada de <http://www.acessoainformacao.gov.br/perguntas-frequentes-2/aspectos-gerais-da-
lei#1>. Acessado em 16 .ago. 2015, às 00h58.
51

madeira suspensa na imensa cratera cor de chocolate – a mais nova e mais produtiva
–, parecem de brinquedo as escavadeiras de 80 toneladas de peso e as pás
carregadeiras que trabalham dentro da cava, assim como os caminhões de 8 metros de
altura com capacidade para transportar 400 toneladas de terra.
No fundo do vale fica a barragem de resíduos da mineração em um dos braços do rio
Parauapebas; embora esses resíduos não sejam tóxicos (como ocorre no caso da
mineração do cobre), assoreiam o rio. A barragem reduz a sedimentação, mas provoca
uma interferência significativa nos cursos d’agua e em seu entorno, principalmente na
época das chuvas. “A mineração tem um grande efeito no sistema hídrico, porque,
além de usar muita água no beneficiamento do minério (que depois será bombeada
para o rio e contida pela barragem), para minerar você tem que drenar as jazidas, que
são um aquífero poderoso”, destaca o gestor da Flona. Comunidades rurais visitadas
pela Pública, como a Vila Bom Jesus e a Vila Planalto, queixam-se de enchentes que
inundam as casas e matam os animais desde a implantação de uma mina de cobre – a
Mina do Sossego – em 2004, do lado de Canãa dos Carajás. (PÚBLICA, 2012 – grifos
do autor).

Esse procedimento conhecido como observação participante permite que o


jornalista conheça e tenha contato com o local dos fatos. No fragmento acima retirado da
reportagem, novamente utilizado, o elemento de descrição fornece ao leitor detalhes essenciais
para a compreensão do texto. Mais um recurso da literatura que confere profundidade à
narrativa.

Uma vez que os fatos passam a interessar, muito mais que opiniões, o jornalismo vai
se imbuindo cada vez mais da atitude de verificação dos acontecimentos em estado
bruto in loco. É preciso ir à cata deles, testemunhá-los, para produzir notícias que
excitem e saciem o apetite das massas urbanas. (BULHÕES, 2007, p. 23).

Deste modo, a presença do repórter no local dos fatos e o seu posterior relato
funcionam como extensões dos olhos do leitor.
As investigações sobre a Vale seguem na terceira reportagem da série: Por
que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo?, na qual a Pública aborda as divergências entre
a imagem que a companhia deseja passar e a que realmente ela representa no país. Em seu 70º
aniversário, a empresa recebeu o prêmio de pior empresa do mundo, proposto pelos
movimentos sociais da Amazônia.
Segundo os relatos da equipe de reportagem da Pública, existe um conflito na
região do Carajás entre os que defendem a Vale como uma realização de desenvolvimento para
o país e pelos movimentos sociais que contestam os impactos causados pela empresa. A
52

pergunta que permeia a reportagem começa a ter a sua resposta formulada por uma breve
contextualização histórica do motivo para os protestos contra a empresa:

A articulação que se opõe à Vale, como se vê, tem tudo a ver com a Estrada de Ferro
Carajás (EFC). Foi em 1984 que o último presidente da ditadura militar, João
Figueiredo, inaugurou a ferrovia, ao presenciar a partida da primeira carga de minério
de ferro no maior trem do mundo – hoje com 330 vagões em média – pela linha que
segue das minas de Carajás, no Pará, até o Porto de Ponta Madeira, em Itaqui (MA),
em 892 quilômetros de trilhos.
Ali, um volume de minério de ferro de alto teor, com valor médio de US$ 380 mil por
dia – valores de 2011, é embarcado nos navios para abastecer os mercados
internacionais. “O minério de ferro de Carajás construiu mais da metade de Xangai”,
celebra mais uma voz anônima, de um brasileiro, no filme premiado. O valor
embarcado diariamente já está devidamente dispensado de uma série de impostos,
graças à Lei Kandir, vigente desde 1996. (PÚBLICA, 2012).

No fragmento acima, a reportagem traz uma intertextualidade com o poema


O maior trem do mundo, do poeta Carlos Drummond de Andrade. Na poesia, Drummond
expressa a sua indignação com a extração do minério de ferro em sua cidade Natal, Itabira, MG,
onde a Vale iniciou as suas atividades em 1942. Segue o poema:

O maior trem do mundo

O maior trem do mundo


Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão

O maior trem do mundo


Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo


Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
(ANDRADE, 1984)

Publicado em 1984 no jornal “O Cometa Itabirano”, o poema contesta a


exploração do minério de ferro em Itabira e a devastação causada pela construção da Estrada
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de Ferro Carajás, que viabiliza as viagens do “maior trem do mundo”. Além dos impactos
ambientais, o trem é responsável por uma série de atropelamentos, pois o maquinista não pode
parar. Com o projeto de expansão da produção do minério de ferro, a extensão da ferrovia será
aumentada juntamente com as viagens desse trem.
Por meio de relatos de moradores e com base em pesquisas documentais, a
reportagem da Pública consegue responder o porquê de a Vale ter sido eleita a pior empresa do
mundo pelos movimentos sociais da Amazônia.
O jornalismo praticado pela agência Pública tem entre as suas características
a busca por denúncias, assim como todo veículo independente pautado no jornalismo
investigativo. Entre os seus eixos de investigação está a categoria Direitos Humanos, que é o
tema da quarta reportagem “Sujos de carvão”, na qual a equipe de repórteres acompanharam a
Polícia Federal na ação de resgate de jovens explorados pelo trabalho escravo em uma carvoaria
em Açailândia, MA.
Para apresentar ao leitor as condições sub-humanas em que os jovens viviam,
a jornalista Marina Amaral recorreu aos relatórios do Ministério do Trabalho que fornecem os
detalhes do dia a dia dos trabalhadores nas carvoarias.

[...]os meninos penduravam as redes sob uma cobertura de palha sem paredes e
dormiam imersos na fumaça dos fornos. Não havia água potável – eles bebiam dos
baldes que usavam para controlar a temperatura dos fornos, o que os obrigava a
realizar turnos de vigília depois de jornadas de trabalho braçal que ultrapassavam 12
horas. As refeições eram preparadas por eles no mesmo local, e não havia alimentos
em condição adequada para o consumo. (PÚBLICA, 2012).

Em meio a um assunto entristecedor, a jornalista aplica delicadeza ao texto


inserindo a sua participação e as suas experiências durante a cobertura do fato como repórter.
Para dar esse sentido de leveza ao texto, Marina mais uma vez recorre ao recurso de
humanização da narrativa, mas com a utilização de diálogos.

Antonio dos Santos Gomes, 21 anos, o Tonho, é o único que parece confiante em falar
sobre o episódio. Jônatah Cruz de Souza, 19 anos, concorda em gravar a entrevista,
mas demora a participar da conversa. O terceiro – um rapaz com problemas de dicção
– não quer sequer revelar o nome.
Combinamos não tirar fotografias. Para quebrar o gelo, pergunto sobre a vida de
Tonho.
54

Ele é o mais velho de sete irmãos, nasceu “perto de Imperatriz”, a 90 quilômetros dali,
e estudou em Açailândia até a 6ª série. Aos 10, passou a ajudar o pai no trabalho braçal
nas fazendas e, aos 12, passou a trabalhar também sozinho, como servente de pedreiro.
No esquema de Valdecio, era ele o mais rápido para “bater tora” – arrancar os troncos,
tocos e roçar a juquira para deixar o pasto limpo para o fazendeiro. Depois enchiam o
caminhão com a madeira cortada por Amadônio, que às vezes os ajudava. Chegavam
ao assentamento no fim da tarde, depois de 10, 11 horas de trabalho. Aí descarregavam
a madeira e enchiam os fornos – eram quatro dias para encher os seis que estavam em
uso.
“Encher forno é ligeiro, bater tora é o mais ruim. Era só madeira nativa, tinha tão
pesada, que precisava de quatro pessoas pra carregar”, conta Tonho.
À noite, eles se revezavam para cuidar dos fornos. “Tem que vigiar, jogar água e, se
começa a pegar fogo, tem que apagar e tirar o carvão com o garfo porque senão perde
tudo”.
Pergunto sobre o calor e a fumaça, e os três dão risada.
“Eu sentia um pouquinho de respirar aquela fumaça preta, a garganta, um calor do
caramba”, diz Jônatah, levemente irônico.
Pergunto se eles sabiam que aquele trabalho era considerado análogo à escravidão.
A resposta de Tonho vem rápida.
“Era normal, a gente ia ganhar R$ 652. Foi o pai dele que me chamou, disse que lá
era bom”, revela, apontando para Jônatah, que olha para o chão por alguns segundos
e confirma a informação, balançando a cabeça.
E quando chegou a fiscalização, o que vocês pensaram? – emendo.
“Nós tava no barraco os três, fazendo a janta”, conta Jônatah. “Ouvimos o carro
chegando. ‘Bora correr, bora correr’, eu disse pra Tonho. ‘Não, fica parado’, ele disse.
Quando o homem veio, perguntou: ‘você sabe quem nós somos?’ E eu: ‘o Ibama’. E
ele, ‘Não, nós somos do Ministério do Trabalho’”.
“Eles consideram isso trabalho escravo, a gente nem sabia”, continua Tonho.“A
mulher do ministério disse que a gente vivia em péssimas condições de…, como se
diz?”
“Ah, na sujeira”, resume Jônata de olho no pai que se aproxima. “Eu não vou mais
pra lá, vou caçar um emprego em uma firma”, declara.
Todos se levantam para saber da decisão da procuradora. Antes, Jônatah diz ao
gravador: “Cada um tinha sua tarefa, o Valdecio era o dono. Meu pai dirigia o
caminhão, dormia no barraco com a gente quando tava queimando muito carvão, e aí
era ele que acordava de madrugada, pra ver se precisava molhar. Era o pai que fazia
isso. Ele é trabalhador”, disse, encarando-me ao final com seus olhos puxados muito
sérios. (PÚBLICA, 2012).

Ao se colocar na cena, a jornalista lança mão de um dos recursos mais


rotineiros do jornalismo literário: o ponto de vista.

A narrativa jornalística é como um aparato ótico que penetra na contemporaneidade


para desnudá-la, mostrá-la ao leitor, como se fosse uma extensão dos próprios dele,
leitor, naquela realidade que está sendo desvendada. Para cumprir tal tarefa, a
narrativa tem de selecionar a perspectiva sob a qual será mostrado o que se pretende.
Em outras palavras, deve optar na escolha dos olhos - e de quem - que servirão como
extensores da visão do leitor. (LIMA, 2009, p. 160).
55

O ponto de vista pode ser aplicado com o narrador em terceira pessoa


(onisciente) ou em primeira pessoa (narrador protagonista). No caso do fragmento acima, a
jornalista se coloca como a protagonista do diálogo com os jovens trabalhadores. Ao utilizar
esse recurso na reportagem, o leitor é inserido no texto como se estivesse diante da conversa.
Além dos documentos e fatos, quase tudo pode ser usado como informação no jornalismo
literário. Um desses elementos são as descrições das expressões dos entrevistados durante as
entrevistas. Ao informar o leitor sobre os gestos ou qualquer outro movimento da fonte, o
repórter consegue dar pistas para quem lê o texto. Quando a jornalista diz que o jovem
“balançava a cabeça” ao responder a pergunta, podemos pensar que ele é tímido ou estava com
vergonha, por exemplo. Segundo Lima (2014), esses recursos têm uma intenção de
aprofundamento.

Como dá para perceber, a cena tem uma natureza visual. Em lugar de contar
indiretamente que aconteceu, mostra. Mais do que simplesmente passar uma
informação, a cena procura colocar o leitor dentro do acontecimento. Busca fazer com
que o leitor viva um pouco, pelo menos, o que o repórter presenciou. Reproduz o
clima de como as coisas aconteceram, tem um dinamismo próprio. O que acontece
tem movimento, as pessoas são retratadas com vivacidade. (LIMA, 2014, p. 15).

Além da imersão causada pelo ponto de vista, o uso do diálogo em vez de


citações proporciona maior fruição e dinamismo para a narrativa. Esses dois elementos
convidam o leitor para dentro da história, como se ele fizesse parte dela.
Após a reportagem que trata sobre a denúncia de trabalho escravo, o capítulo
Carajás traz as duas últimas reportagens “Ferro-gusa: valor desagregado” e “Quem fica com
o valor do vil metal”, ambas apresentam uma reflexão acerca da extração do minério de ferro
na região do Carajás, apoiada pelo uso de dados e estudos de órgãos oficiais.
De caráter mais reflexivo, as narrativas apresentam as empresas que deveriam
trazer desenvolvimento para a região, mas que, na verdade, só causam impactos ambientais e
aumento do trabalho escravo. Nas análises das duas últimas reportagens produzidas pela
jornalista Ana Castro, não foram encontradas características de convergência entre as narrativas
jornalística e literária.
Nas reportagens analisadas, o diálogo entre jornalismo e literatura
proporcionam maior aprofundamento na narrativa e a inserção do leitor no texto. Por meio
desses artifícios narrativos, quem lê é convidado para participar dos fatos
56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O capítulo Carajás apresenta um mergulho jornalístico que teve como objetivo


entender o processo de megainvestimentos por que a Amazônia vem passando através das obras
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por meio de seis reportagens ancoradas em
uma extensa investigação in loco e pesquisa em documentos oficiais, a Pública apresenta ao
leitor um outro lado do desenvolvimento que não aparece nas propagandas do governo federal
e que, raramente, são veiculadas na imprensa tradicional.
Por suas características democráticas, a Internet tem se tornado o principal
meio de manifestação do jornalismo independente, seja por meio de sites, portais e redes
sociais. Ao mesmo tempo que permite maior liberdade para a cobertura jornalística, o
ciberespaço proporciona o surgimento de novas narrativas. Nesse aspecto, as características do
hipertexto contribuem para que o jornalista complemente a reportagem com a disponibilização
de documentos e outros dados. No caso da série Amazônia Pública, outros formatos foram
utilizados para veicular a informação, entre eles, os podcasts e os vídeos. A diretora da Pública
Natália Viana destacou que o uso de mais de uma mídia teve como objetivo proporcionar que
a informação chegasse para todas as pessoas.
Quando a história de cada comunidade é exposta nas reportagens, podemos
observar os impactos trazidos pela empresa Vale S/A ao município de Marabá, seja
culturalmente, quando na primeira reportagem a jornalista fala sobre os uniformes de inverno
do atendente do hotel, passando pela desapropriação das terras que eram ocupadas pelos
agricultores e, por fim, à exploração de jovens que vivem em condições de trabalho escravo.
Graves também podem ser considerados os impactos ambientais que vêm causando alterações
climáticas e reduzindo toda a atividade econômica da região do Carajás em torno das
empreiteiras e da extração mineral.
57

Raramente, uma investigação de tal porte seria veiculada na mídia tradicional,


pois além do tempo necessário para a sua produção, os fatores ideológicos e comercias
existentes nesses veículos poderiam derrubar o desenvolvimento da pauta. Sem as amarras
desses “filtros”, a Pública e os veículos de mídia independente não encontram impedimentos
para a realização dessas investigações. Se não fosse o jornalismo independente, poderíamos não
saber que a extração do minério de ferro que compõe o aço dos eletrodomésticos da geladeira
de nossa casa é responsável pelo dano a várias comunidades da Amazônia.
A Pública poderia apenas informar com base em alguns documentos, nos
relatos da observados pela equipe de reportagem e da entrevista com algumas fontes. No
entanto, os repórteres procuraram traçar diante do leitor uma narrativa envolvente pautada na
humanização.
Para se fazer jornalismo em profundidade, não basta apenas apresentar os fatos
para o leitor. É preciso fazê-lo sentir, ou seja, imergi-lo no texto por meio de contextualização
e do uso de artifícios linguísticos capazes de envolver quem lê o texto na história narrada.
Como foi apresentado ao longo das análises, quando a jornalista utiliza os
recursos de descrição, história de vida, humanização, ponto de vista e diálogos, é como se os
fatos acontecessem diante dos olhos do leitor. Muito mais que simples “adornos” textuais, essas
características potencializam o efeito informativo da reportagem e da função democrática
desses veículos de mídia, uma vez que a voz das comunidades, dos movimentos sociais são
ouvidas e têm as suas angústias e mazelas expostas ao conhecimento.
Com o apoio de público que busca uma nova realização jornalística, os
veículos de mídia independente como a Pública vêm ganhando fôlego no Brasil e em todo o
continente em busca de histórias contextualizadas com começo, meio e fim sobre os assuntos
que envolvem corrupção e em que há desrespeito com os direitos dos cidadãos. Hoje, esses
veículos se apresentam como alternativas às pautas amarradas e viciadas da mídia tradicional.
58

REFERÊNCIAS

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61

APÊNDICE

Transcrição da entrevista com a diretora da Pública, Natália Viana.


Data: 12 de agosto de 2014.

Andresa: Natália, a série Amazônia Pública pode ser considerada o primeiro projeto de
grandes reportagens da agência Pública?
Natália: A gente só faz grandes reportagens. Podemos dizer que foi o primeiro grande projeto
da agência. Foi até então o projeto mais longo e aprofundado de investigação que a gente fez.

Andresa: Quanto tempo esse projeto demorou para ser feito?


Natália: O projeto foi feito em duas etapas: a primeira levou seis meses e a segunda etapa,
mais seis meses. Primeiro foi a parte de pesquisa e publicação on-line e depois a gente fez uma
segunda publicação por meio de um livro, programas de rádio, e-book. Foi um ano no total,
mas as etapas aconteceram em semestres separados.

Andresa: Por que a Amazônia foi escolhida para ser tema de uma reportagem tão
aprofundada?
Natália: A Amazônia é um dos eixos investigativos da agência Pública. A Pública tem quatro
eixos investigativos: ditadura, mega-investimentos na Amazônia, Copa do Mundo e Direitos
Humanos. A Amazônia vem passando por uma fase de muitos investimentos públicos e
privados. São investimentos muito grandes que pretendem mudar a cara da região
economicamente, por meio da expansão e criação de um pólo produtor de matérias primas.
Esse processo não estava sendo muito bem coberto pela mídia, então, por isso, decidimos que
a Amazônia deveria ser tema deste projeto.

Andresa: Na mídia, a informação é trabalhada através de filtros. Existem esses filtros na


Pública?
Natália: Os nossos principais eixos de investigação são ditadura, mega-investimentos na
Amazônia, Copa do Mundo e Direitos Humanos. Nós costumamos a ter um olhar de baixo para
cima, ou seja, ouvindo os movimentos sociais, as pessoas, as comunidades locais, as pessoas
que são afetadas para daí entender a complexidade da situação e buscar os outros atores como
empresas e governos. Esses são alguns de nossos critérios.

Andresa: O que a diferencia das tradicionais práticas de jornalismo?


Natália: A Pública faz um jornalismo que é de baixo para cima. A gente ouve as comunidades,
dá prioridade a ouvir a população que está sendo afetada para entender de fato qual é a
situação que está acontecendo e daí buscar os fatores envolvidos. Fazemos uma extensa
checagem documental, de fatos, buscando ouvir o máximo de fontes. Nós não fazemos notícias,
mas sim uma história com começo, meio e fim com bastante contexto. Dedicamos muito tempo
para a produção de uma reportagem. Para fazer uma reportagem da Pública, o repórter
demora no mínimo um mês para concluí-la.
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Andresa: Ao ler as reportagens da Pública, encontramos o uso de um texto mais livre e


narrativo. Você acredita que esse tipo de narrativa possui um diálogo com a literatura ou
com o jornalismo literário?
Natália: As pessoas falam de jornalismo literário, eu não sei. A gente usa muita narrativa, pois
acreditamos na importância de contar uma história bem contada. Neste sentido,
acompanhamos muito o que se chama de grande reportagem. A Marina do Amaral, que também
é diretora da Pública aprendeu jornalismo ao lado dos fundadores da revista Realidade. A
nossa visão de jornalismo foi a narrativa. Não sei se pode ser considerada ou não jornalismo
literário.

Andresa: Quais os desafios encontrados para fazer uma série de reportagens como essa?
Natália: Os desafios são muitos, mas o maior deles é começar. É difícil organizar o modelo de
produção que privilegia esse modelo de jornalismo. Ele exige muito foco, muito trabalho que
é diferente. O jornalismo investigativo é diferente de um jornalismo de notícias e outras
variedades que existem por aí. Cada reportagem tem o seu desafio. Na Amazônia, por exemplo,
a falta de transparência dos poderes públicos foram os principais desafios. As empresas
também se negaram a dar informações para os jornalistas. Esse é um desafio muito grande.

Andresa: No Brasil, você acredita que há aderência ao sistema de financiamento coletivo?


Natália: Sim, há aderência. A Catarse já apoiou mais de 1,5 milhão de projetos. Acredito que
é um modelo que tende a crescer nos próximos anos.

Andresa: Ao financiar uma reportagem, o que o leitor busca?


Natália: Ele busca contexto e histórias com começo, meio e fim. Com o contexto você consegue
entender todo o processo. Além disso, as reportagens da Pública não ficam velhas.

Andresa: Qual foi o objetivo ao publicar a série Amazônia Pública em várias plataformas?
Natália: Fizemos uma pesquisa muito rica. Essa segunda fase do projeto teve o objetivo de
disponibilizar esse material para os diversos públicos.

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