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relação
ar PRESENÇA,
EXPERIMENTAÇÃO E INTERAÇÃO
expansão
o piano:
MARIANA CARVALHO
Mariana Pasquero Lima Torres De Carvalho
EXPLORAÇÕES
DE UMA RELAÇÃO
PARTICULAR
E DE EXPANSÃO
COM O PIANO:
São Paulo
2017
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou
eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação da Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
DadosCatalogação
fornecidosnapelo(a) autor(a)
Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Dados inseridos pelo(a) autor(a)
ABSTRACT
This work is a diary wove for about two months, with
the idea of expanding my relation with the piano. It
was made as a particular study process. It was based on
keywords, as an attempt of establishing a net of subjects
that I consider important to the bachelor’s degree in piano
during athe piano graduation, specially around three
concepts: presence, experimentation and interaction.
Among the multiple topics explored I highlight eutony,
free improvisation and feminism.
13 PRÓLOGO
14 SOBRE A PERFORMANCE
INTRODUÇÃO
17 28/09, quinta-feira
[corpo x mente; presença]
12/11, domingo
[fronteiras; membranas]
18 13/11, segunda-feira
[metodologia; diário]
20 04/11, sábado
[mulheres compositoras; repertório]
21 05/10, quinta-feira
[epistemologias feministas; Sonora]
PRESENÇA
25 06/11, segunda-feira
[presença]
27 03/11, sexta-feira
[corpo x mente; feminismo]
28 31/10, terça-feira
[Sofia Gubaidulina]
05/11, domingo
[Valéria Bonafé; imaginário]
26/09, terça-feira
[improvisação; eutonia; binarismo corpo x mente]
30 16/10, segunda-feira
[eutonia; inventário; método de estudo]
34 02/10, segunda-feira
[improvisação livre]
23/10, segunda-feira
[improvisação livre; tempo em estado puro]
35 09/10, segunda-feira
[corpo; silêncio]
EXPERIMENTAÇÃO
37 06/10, sexta-feira
[improvisação; método de estudo]
04/10, quarta-feira
[impro livre; eutonia]
38 21/09, quarta-feira
[método de estudo; eutonia; Ligeti]
40 22/09, sexta-feira
[método de estudo; eutonia; desautomatização]
43 25/09, segunda-feira
[Berio; análise]
46 03/10, terça-feira
[improvisação livre; idioma; desterritorialização; piano]
48 27/09, quarta-feira
[Ligeti; método de estudo; eutonia]
53 11/10, quarta-feira
[Ligeti; método de estudo; análise]
56 10/10, terça-feira
[Marisa Rezende; eutonia; método de estudo]
59 07/11, terça-feira
[Valéria Bonafé; seres imaginários; piano preparado]
INTERAÇÃO
65 28/10, sábado
[nomadismo; trânsito; flexibilidade do tônus]
66 27/10, sexta-feira
[contato; eutonia; impro livre]
68 09/11, quinta-feira
[Orquestra Errante; ensaio; improvisação livre]
69 26/10, quinta-feira
[Coro Profana; escuta]
71 01/11, quarta-feira
[Gubaidulina; feminismo interseccional; lugar de fala]
75 20/09, quarta-feira
[Marisa Rezende; pianismo]
76 08/11, quarta-feira
[Valéria Bonafé, imaginário]
77 10/11, sexta-feira
[estudo em nylon, piano expandido; técnicas estendidas]
EPÍLOGO
80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
10
PRÓLOGO
de sua realização. Optei por manter as datas e as palavras- a/o ou colocar no feminino,
para não subentender um uni-
chave sempre em colchetes ao final do trecho , como mais
3
versalismo masculino.
uma forma de situar a/o leitor(a) 4 e até suscitar outros
modos de ler e/ou interpretações.
13
SOBRE A PERFORMANCE
A performance5 a ser realizada na data de apresentação da
monografia será composta de repertório para piano solo,
improvisação e uma performance-instalação. O processo
de escrita-estudo levou a constantes reavaliações, e como
essa monografia deve ser entregue com 20 dias de antece-
dência, o repertório ainda não está completamente defini-
do. De qualquer maneira, listo abaixo as partes delineadas,
estudadas, discutidas e mencionadas:
IMPROVISAÇÃO LIVRE
com Caio Righi, Flora Holderbaum (?), Mariana Olivei-
ra, Max Schenkman Migue Antar e Natália Francischini
(Orquestra Errante11)
?
com Carolina Castro, Joy Mafaro, Ritamaria, Sarah
Alencar (Coro Profana12)
PERFORMANCE
Mariana Carvalho - estudo em nylon - linhas de fuga (rea-
lizada para o ¿Música? 12 – trânsitos e cancelas13, no NuSom14)
14
5 14
Preferi chamar de perfor- “O NuSom – Núcleo de
mance ao invés de recital. Ver Pesquisas em Sonologia da Uni-
dia 30/10. versidade de São Paulo – Brasil,
6 é um centro de pesquisas dedi-
Tradução minha. Todas
cado à investigação acadêmica
as seguintes traduções são
num ambiente interdisciplinar
minhas, com ajuda de Audrey
que integra disciplinas voltadas
White Gailey do inglês e de
para os estudos do som, para a
Arthur Zito do alemão. Com
reflexão crítica sobre a música
exceção das próximas quatro
e as artes sonoras e para a
traduções, o texto original está
pesquisa no campo das técnicas
transcrito em notas de rodapé.
e tecnologias musicais.”
7
Fragmento de sombra da ex- http://www2.eca.usp.br/nu-
plosão de um piano de cristal. som/sobre_nusom
8
O aprendiz de feiticeiro.
9
Piano de água.
10
Piano de terra.
11
Orquestra Errante, grupo do
Departamento de Música da
USP, dedicado à improvisação
livre e coordenado por Rogério
Costa. Ver dia 09/11.
12
Coro Profana, grupo experi-
mental vocal. Ver dia 26/10.
13
“¿Música? é uma série de
performances que vem sendo
realizada desde 2005 em que
produções sonoras e musicais
são tomadas como ponto de
discussão e reflexão a respeito
da produção musical atual.
Experimentalismo, uso crítico
de tecnologias de produção
sonora, integração entre
elementos visuais, gestuais e
sonoros, emprego de técnicas
de improvisação e exploração
dos espaços de performance
são alguns do elementos que
norteiam as apresentações do
¿Música?. http://www2.eca.
usp.br/nusom/musica12
15
INTRODUÇÃO
28/09, QUINTA-FEIRA
Eu, corpo, escrevo este trabalho. No presente, e em pri-
meira pessoa. Não posso excluir de mim tudo o que me
atravessa neste momento; minhas experiências, repertó-
rio pessoal, ideias e a sensação dos dedos pressionando
o teclado neste momento. É um exercício difícil este de
por em palavras tudo o que é corpo, fazer da escrita não
só um ato mecânico de transmissão do pensamento, mas
uma vivência integrada de um corpo que pensa. Porque o
pensamento é corpo e movimento.
Se pretendo falar enquanto corpo vivo, não posso dei-
xar de me interrogar: quem sou esse corpo que te escreve?
E mais, de que lugar15 escrevo eu nesse instante presente? 15
Me refiro à discussão sobre
Não procuro narcisismos, apenas não posso evitar lugar de fala, que será abordada
posteriormente.
minha subjetividade, já que o mundo passa por mim e meu
jeito de apreendê-lo é também minha maneira de modifi-
cá-lo. Só assim posso me esforçar para dar presença a este
ato de escrita.
[corpo x mente; presença]
12/11, DOMINGO
17
territórios musicais consolidados que tendem a se enrije-
cer e a não se misturar, posturas e dispositivos de controle
que são impostos ao corpo dia após dia, binarismos de
gênero, hierarquias…
Talvez assim neste experimento se possa abrigar as
singularidades e multiplicidades, buscar corpos em movi-
mento, potentes, presentes e abertos às reverberações de
outros corpos.
[fronteiras; membranas]
13/11, SEGUNDA-FEIRA
Ao me debruçar sobre a tarefa de escrever uma monogra-
fia, resolvi olhar para a minha trajetória um tanto peculiar
para uma aluna de bacharelado em instrumento. De fato,
esse curso correu “por muitos lugares diferentes, erodiu
e sedimentou-se, fez desvios, encontrou quedas livres e
outras caídas suaves”, como escrevi no dia 19 de setembro,
dia em que tive a ideia do diário. Com tantas descobertas
e atravessamentos, percebi que não fazia sentido procurar
um objeto externo para analisar, e que seria necessário
elaborar um trabalho que de alguma forma envolvesse as
peculiaridades ou particularidades deste percurso.
17
Me refiro ao Coro Profana, As experiências vividas em grupo durante esse período17 ,
Camerata Profana, NuSom, os momentos de estudo ao piano com ferramentas da eu-
Sonora (ver dia 05/10) e
tonia, a improvisação livre e também o contato com textos
Orquestra Errante.
sobre a pesquisa em artes, a cartografia, as epistemologias
18
Discussão presente no NuSom do particular18, e os estudos feministas, me fizeram buscar
durante este semestre. um método que aproximasse prática e reflexão. Resolvi en-
tão, ao invés de uma análise objetiva e dissociada do sujei-
to, apenas escrever sobre essa trajetória, que é particular e
estou implicada, porque é um processo do qual faço parte.
18
Desta forma, com ajuda do Rogério, meu orientador, recolhi três palavras
que permeiam este percurso, através ou em diálogo com o piano, meu ins-
trumento e ponto de partida. A primeira é presença, ideia que me fascinou e
se relaciona com o grande interesse que desenvolvi pelo corpo. A segunda é
experimentação, que é um caminho para o encontro de outras sonoridades,
corporalidades ou metodologias. Por último, a interação, porque fazer músi-
ca pressupõe a relação entre pessoas, sons, afetos, conceitos, ideias, imagens
- numa rede. Em vista disso, e considerando que os processos subjetivos
experimentais fazem parte do trabalho de pesquisa, busquei
INTRODUÇÃO
19
Assim, eu tentei construir essa monografia aos poucos e
em conjunto com a performance de formatura que virá,
inclusive considerando as mudanças de direções e im-
previstos. O diário foi realizado por um curto período de
tempo, e tentei apenas estabelecer algumas das múltiplas
relações possíveis nessa teia. Muitas das reflexões são ain-
da iniciais, não aprofundadas e outras conexões poderiam
ter sido estabelecidas, analisadas, exploradas:
04/11, SÁBADO
Por que tocar mulheres compositoras?
20
Pergunta que motiva o Onde estão as mulheres na música?20 Por que tocar mu-
surgimento da rede Sonora - lheres compositoras? Por que vasculhar insistentemente a
músicas e feminismos.
procura dessas peças? Por que ter o trabalho de procurar
Tatiana Catanzaro no facebook para conseguir a partitura
de Kristallklavierexplosionsschattensplitter? Por quê não
tocar alguma peça mais fácil de achar por aí, nos livros de
história, na biblioteca, com gravações no youtube? Por
que quem toca mulheres são quase só mulheres? Por que
as mulheres não se interessam muito por composição
21
BARONCELLI, Nilceia Cleide
se Nilceia Baroncelli catalogou 1473 em 1987?21 Por quê
da Silva. Mulheres compositoras.
São Paulo: Roswitha Kempf,
estou no fim do quinto ano do bacharelado em piano na
1987. USP e nunca toquei algo composto por uma mulher para
20
meu curso? Por quê me dou tanto trabalho para fazê-lo
se eu poderia aproveitar as muitas peças de compositores
homens que eu passei tanto tempo estudando? E por quê
tocar peças de mulheres vivas, latino-americanas e até
conhecidas? Por que é importante ter modelos? Por que
sentir-se capaz de compor?
[mulheres compositoras; repertório]
05/10, QUINTA-FEIRA
Minha condição de gênero está sempre presente. Tal como
aponta Susanne Cusick (1994), um dos primeiros rituais
com os quais uma pessoa se depara ao tornar-se feminista
é a auto-identificação. A atenção aos marcadores identitá-
rios faz com que se possa usar a primeira pessoa a partir
dessas múltiplas camadas complexas, particulares ou
comuns que a definem e a atravessam. Nesse sentido, mi-
nha identidade de pianista-improvisadora é tão relevante
22
quanto a de mulher branca22, o que é também dizer que a Eu poderia escolher outros
reflexão em torno das questões de gênero dentro do campo vários marcadores como classe,
nacionalidade ou orientação sexual.
da música se faz necessária.
23
A rede Sonora – músicas e feminismos23, da qual par- www.sonora.me
ticipo desde 2016, ocupa um importante espaço como
grupo feminista dentro do contexto musical e acadêmico
brasileiro.
21
Hoje assisti à mesa temática “Música e feminismos” na Jornada de Es-
tudos Interdisciplinares do IEB, com Isabel Nogueira, Lílian Campesato
e Ligiana Costa - as duas primeiras são colegas da Sonora. Dentre os
muitos assuntos, destaco aqui as “epistemologias feministas como uma
lente para ver o mundo” conforme colocou Isabel Nogueira em sua fala,
a partir de Margareth Rago, pois
22
PRESENÇA
06/11, SEGUNDA-FEIRA
Estar presente é estar aberta à materialidade do mundo,
tal como ele é e acontece, senti-lo, vivê-lo sem necessa-
riamente interpretá-lo ou atribuir-lhe sentido. Envolve a
vivência do momento presente, tempo em estado puro que
não se insere em nenhuma linearidade ou relação causal.
25
A percepção é profundamente presença. (...) A presença se
move em um espaço ordenado para o corpo e, no corpo. (...)
Toda poesia atravessa, e integra mais ou menos imperfeita-
mente, a cadeia epistemológica sensação-percepção-conhe-
cimento-domínio do mundo: a sensorialidade se conquista
no sensível para permitir, em última instância, a busca do
objeto (...) Minha leitura poética (e minha performance de
improvisador) me “coloca no mundo” no sentido mais literal
da expressão. (MORIN, 1991: 80-82 apud COSTA, 2016: 185)
26
03/11, SEXTA-FEIRA
Descobri um texto que trata simultaneamente de assuntos
que me interessam: feminismo, performance e o problema
mente/corpo. No artigo “Teoria feminista, teoria musical e
28
o problema mente/corpo”28, de Susanne Cusick, o dualis- CUSICK, Suzanne. Feminist
mo mente/corpo pode ser entendido como um assunto da theory, music theory and the
mind/body problem. Perspec-
teoria feminista e da musicologia. Nele, a autora afirma
tives of new music, Seattle,
que ignorar os corpos que performam é também ignorar o
1994, p. 8-27. Disponível
feminino, dada a relação que se engendrou entre compo- em: http://www.jstor.org/
sitor (no masculino) e a mente: a criação intelectual é res- stable/833149?seq=1#page_
trita aos homens, enquanto que a corporificação da música scan_tab_contents. Acesso em
(performance) é um lugar destinado ao feminino. Portanto, 21/11/2017.
27
31/10, TERÇA-FEIRA
05/11, DOMINGO
Haokah, a última criatura de “Do livro dos seres imagi-
nários”, de Valéria Bonafé, a partir do livro homônimo de
Jorge Luis Borges (1957):
26/09, TERÇA-FEIRA
32
Ver dia 22/09, capítulo O contato com a eutonia32 me aproximou do universo que
Experimentação. compreende as chamadas disciplinas somáticas - nome
derivado do conceito do soma, definido por Thomas Hanna
- que tratam de um corpo vivo, simultaneamente sujeito e
objeto de ação.
28
O soma por definição já se contrapõe à ideia de corpo
como recipiente, que tenho procurado desconstruir. Não
temos corpo: somos corpo. Isso implica em romper com a
separação entre corpo e mente. O corpo não é um recipien-
te, um constructo que abriga a alma, não é um veículo do
pensamento, mas uma organização complexa na qual suas
diferentes dimensões não são opostas; elas se misturam, e
se interconectam.
29
Durante o trabalho de eutonia, percebi que o problema não
estava em acessar a racionalidade, como eu tenho inutil-
mente tentado combater, mas na escuta do corpo. Não é
necessário resistir ao sentido, como se fosse possível ne-
gá-lo. A superação dessa dicotomia reside justamente em
vivenciar o corpo em sua totalidade. Existe uma polifonia
implícita na escuta do corpo, no contraponto da própria
respiração ou qualquer outro aspecto possível e imaginá-
vel, camadas de uma textura múltipla. A única diferença é
36
Como em Erdenklavier, o foco da escuta, e como agenciá-la.36
ver dia 25/09/2017.
Deitada no chão após experimentar diversos movimentos,
eu continuava num pleno exercício do logos, porém desta
vez acessei ao mesmo tempo aspectos sensoriais e emo-
cionais. Na verdade, eu nem pude distinguir exatamente o
que se processava, mas soube que me senti essas camadas
todas ao mesmo tempo, além do que eu mesma já havia
escrito sobre corpo: organização complexa na qual suas
diferentes dimensões não são opostas; elas se misturam,
37
No dia 09/11, em orientação e se interconectam.37
com Rogério Costa, fiz algumas
[improvisação; eutonia; corpo x mente; escuta]
modificações no texto, per-
cebendo que essa descoberta
eutônica me revelou que a su-
peração desse binarismo se dá
16/10, SEGUNDA-FEIRA
processualmente, e que, muitas “Preste atenção em como você se encontra agora, tudo o
vezes a linguagem tal como ela
que te atravessa. Sinta seu corpo tocando o chão; todas as
é construída acaba por denun-
ciar resquícios dessa separação.
partes que encostam no chão, e as que não tocam. Sinta
Refletindo sobre a maneira pela o contato da pele com o solo, com a roupa, o ar. E agora,
qual improviso, noto que estar sinta toda a parte de trás do corpo. A parte da frente. A
“presa numa racionalidade” distância entre frente e trás, o espaço interno. E tudo que
nunca foi uma questão durante se processa. Como você sente seu pés tocarem o chão. A
a improvisação - o que reafirma
diferença entre um pé e o outro. Tornozelos. As ante-per-
a improvisação como lugar do
corpo, um corpo não dividido.
nas. Ambas as coxas. Toda a perna direita. Toda a perna
esquerda. Os membros superiores. Ombro direito, ante-
braço direito, punho, mão direita. Mão esquerda, punho
esquerdo, antebraço, braço esquerdo, ombro. Todo o braço
esquerdo. Compare com o braço direito. Ambos os braços.
Sinta a cintura escapular, o encaixe da cabeça do úmero
na cavidade glenóide. A distância entre clavículas e escápu-
30
las (frente e trás). Sinta também a sua bacia, o encaixe
das pernas pela cabeça do fêmur. Perceba a relação entre
a cintura pélvica e a cintura escapular. Sinta ao mesmo
tempo todos seus membros. Mãos e pés. Os membros e a
relação com o tronco. As costelas. O movimento das coste-
las durante a respiração. O esterno. O sacro e toda
a coluna, até a cabeça. Sinta seu rosto, a pele do rosto…”
31
FIG 2 Vista posterior dos ossos da mão (dorso) (NETTER, 2000)
32
caráter único e particular como osso que é meu dentro
do meu pé agora, sua forma, volume), ou da consciência
da pele (superfície repleta de camadas, sua elasticidade,
textura, temperatura) percebo uma grande modificação
na sensação das mãos. Algo se processa dos metatarsos
aos metacarpos, na elasticidade da pele que involucra
o tarso e o carpo, que verifico abertura de espaços in-
ternos também da mão - movimentos mais ágeis, maior
destreza, dissociação e independência de cada dedo. Algo
se processa que ocorre uma grande modificação no tônus
de ambas as estruturas.
33
uma mudança na experiência afetiva, entre outros, como
comenta Berta Vishnivetz (1994, p.38). Estimula-se a pele,
por exemplo, a partir do uso de objetos como varas de
bambu, bolas de tênis ou a/o própria/o aluna/o tocando-se
a si mesma/o.
02/10, SEGUNDA-FEIRA
42
“In all its roles and appear- Durante a improvisação, não há a separação dos momen-
ances, improvisation can be tos da produção de som e da escuta. Diferentemente da
considered as the celebration composição, onde teoricamente há todo o tempo que se
of the moment.”
deseja para criar uma peça, a improvisação conta apenas
com o instante presente. Ela faz-se e se desenrola na medi-
da em que se faz o tempo: corpo e som em tempo real, num
jogo de interação que a todo tempo confronta presente,
passado e futuro no âmbito do tocar e da escuta: um tempo
43
COSTA, 2016, capítulo 3. em estado puro43.
34
“matéria em jogo” dinâmico. “O que o músico apreende e
ao mesmo tempo configura nesse processo instável são esses
estados transitórios com graus diferenciados de permanência.”
(COSTA, 2016, p. 74).
09/10, SEGUNDA-FEIRA
Tem dias que pedem o silêncio de palavras. Corpo fala por
si só, absorve e não transforma em linguagem.
[corpo; silêncio]
PRESENÇA
35
EXPERIMENTAÇÃO
06/10, SEXTA-FEIRA
Quando estudo, me capturo oscilando entre composição
e improvisação, performance do tempo diferido e em
tempo real. Os olhos passam da partitura para o teclado,
a composição de repente escapa, e meus dedos tocam algo
que nunca foi escrito. Ou simplesmente o texto tem algo
tão convidativo que meu jeito de assimilar a música escrita
é misturá-la com a improvisação. Escolho uma passagem
notada e a transformo num loop. Sobreponho outro
material na outra mão, uma melodia, outra textura. Testo
minha capacidade de manter o motivo que se repete mini-
malisticamente, fazendo de cada repetição uma repetição
sensível, extraindo padrões e sonoridades desse fragmento
isolado. Entendendo como ele e o corpo aos poucos se
encaixam um ao outro. Ao mesmo tempo, desafio minha
coordenação enquanto tento criar algo novo, aderindo
à sonoridade da passagem ou, às vezes, contrastando
parâmetros - polirritmias, escalas, gestos e configurações
44
corporais. Amiúde, desemboco em outros lugares. Aqui palavra novo não está
Quando menos espero, estou de volta ao texto, e continuo. associada à ideia de ineditismo,
mas à ideia de que cada
[improvisação; método de estudo; piano] situação do tempo presente é
particular e diferente. Como
coloca Chefa Alonso (2008,
04/10, QUARTA-FEIRA p.27), "É impossível estar
tocando algo diferente, estar
O desejo nunca deve ser interpretado, é ele que experimenta inventando a todo momento.
(DELEUZE, 1998: 111 APUD COSTA, 2016 p.62) O novo existe nas relações
específicas de transgressão
A experimentação ocupa um lugar privilegiado na impro- e transformação dos códigos
visação livre. A/O performer criador(a) tem espaço para existentes." ("Es imposible
compor em tempo real: joga com o fluxo e com a imprevisi- estar tocando algo distinto,
estar inventando en todo
EXPERIMENTAÇÃO
37
Pode-se falar que a improvisação livre proporciona o surgimento de
um repertório pessoal de configurações sonoras, ligadas à formação da
identidade e personalidade. Sob o prisma da eutonia essas outras con-
figurações tem seu foco no corpo. Experimentar com o som é também
experimentar com o corpo.
21/09, QUARTA-FEIRA
Cada vez mais percebo o quanto o estudo das estruturas corporais -
38
no caso, a partir da eutonia - torna-se necessário mas não suficiente.
Existe também o domínio da linguagem musical. Olhando para trás e
para o estudo do repertório consagrado, especialmente nos últimos dois
anos (já profundamente transformada pela eutonia), noto que, depois
de algum tempo de formação musical tradicional, eu não me atinha
mais exclusivamente a essas questões musicais que dizem respeito ao
entendimento “básico” de uma peça: leitura rítmica e melódica, algum
entendimento harmônico, percepção intervalar, visão contrapontística,
percepção das polifonias, articulação etc. Desde a leitura da peça, eu já
podia sentir meu corpo e escutar o som que saía ou que eu desejava. -
em algum nível eu já conseguia conciliar a leitura textual, os aspectos
musicais, com os aspectos sonoros, corporais e sensíveis, depois de
exercitar múltiplos focos de atenção.
Parei para fazer uma análise rítmica das duas mãos, separadas e juntas,
tentando mapear algum padrão de acentuação, porque faz um mês que
não consegui ainda terminar essa leitura.
39
Desde que comecei a fazer eutonia, descobri uma pedagogia que não
separa corpo e mente, e que, por conta de uma visão somática, integra
os aspectos psicofísicos, emocionais, sensoriais etc. Prestar atenção no
corpo enquanto toco tornou-se apenas uma questão de prática, de exer-
cício da atenção dirigida, ou vivência dos processos de consciência que a
eutonia se atém.
22/09, SEXTA-FEIRA
Ontem eu refletia sobre minhas maneiras de estudar e como elas são
influenciadas pela eutonia. Eu havia escrito “método de estudo flutuan-
te”, justamente para não associar a ideia de método a uma padronização
de conduta e uma aplicação que não necessariamente se adapta aos
diversos contextos possíveis - o que vai na contramão do que se pode
apreender da eutonia. Talvez faça-se necessário explicar um pouco do
que é a eutonia.
40
Deste modo, utiliza-se da consciência do corpo, através da observação
e sensibilização, para que se aprenda a interferir conscientemente no
tônus. Compreende o autoconhecimento tanto no nível físico (biologia,
anatomia, leis físicas do movimento) quanto no nível psicológico (conta-
to consigo mesmo, cuidado de si, expressão pessoal).
41
A simples enunciação das técnicas de trabalho é insuficien-
te para facilitar o processo de aprendizagem, pois o que
constitui a contribuição inovadora e extremamente origi-
nal, que até se poderia dizer revolucionária da eutonia,
45
"La sola enunciación de é sua pedagogia.45 (VISHNIVETZ, 1994: 17)
las técnicas de trabajo es
insuficiente para facilitar el Sua pedagogia assume a característica de “método inves-
proceso de aprendizaje, pues tigatório e de observação do corpo em que a pessoa é,
lo que constituye el aporte
simultaneamente, o sujeito e o objeto da própria experiên-
innovador y sumamente original,
cia” (DASCAL, 2008, p.51). Estimula-se um estado de atenção
prácticamente podría decir
revolucionario de la eutonía, consciente, no qual constantemente são dadas indicações
es su pedagogía." de pesquisa relativas a algum aspecto corporal – global ou
específico, superficial ou profundo -, para que a todo
tempo a pessoa se observe e perceba o que se processa.
42
25/09, SEGUNDA-FEIRA
EXPERIMENTAÇÃO
As linhas indicam as durações das notas circuladas, cada nota com uma
cor, formando a camada harmônica da polifonia escondida na monodia.
[Berio; análise]
43
44
45
EXPERIMENTAÇÃO
03/10, TERÇA-FEIRA
Improviso ao piano.
46
O idioma e as práticas ligadas a ele estão relacionados com
o conceito de território48, “sendo que existem as referências 48
"Pela ordem: no princípio
extra-musicais, geográficas e históricas que condicionam os usos há o caos: espaços, tempos,
e funções dessa prática e os elementos propriamente musicais linhas de força, intensidades,
pontos, matérias etc.). Sobre
que ali interagem continuamente.” (COSTA, 2016, p. 41).
o caos se delineiam – através
O território é caracterizado pela repetição periódica de
de agenciamentos – os planos
seus componentes, práticas que, com o passar do tempo, de consistência que tornam
se configuram pela repetição. possível a convergência
dessas matérias e linhas de
Nesse instante, não repito muito ao piano.
força e as conexões entre os
Ao não se submeter a um idioma, a improvisação livre pontos e intensidades. Em
algum momento se atinge a
lida a todo tempo com processos de desterritorialização,
‘maturidade’ de um território."
ou seja, com a possibilidade de retornar ao caos, desconfi-
(COSTA, 2016, p. 64)
gurar modos já consolidados e estabelecidos, devolvê-los
ao caos para recombiná-los e reconectá-los. É por isso
que Bailey afirma que a improvisação livre é avessa ao
sistemas vigentes e que se configura como uma espécie de
“anti-idioma” (BAILEY, 1992, p.2). Não nega os idiomas, mas o
processo de sistematização e fixação presentes no processo
de territorialização que a ele se relaciona.
47
27/09, QUARTA-FEIRA
50
Ontem tive aula com o Eduardo50. Mostrei a leitura ainda Eduardo Monteiro, pianista
inicial de Der Zauberlehrling, e dentre as várias coisas e professor de piano do
Departamento de Música da
trabalhadas, uma me capturou profundamente: trabalhar
ECA-USP. Durante os três
a repetição de notas das mãos alternadas, sentindo a
primeiros anos da graduação
alternância de passividade e atividade, no trecho (Fig. 5) fiz aula de instrumento com a
que vai do início até o compasso 54, mas principalmente Luciana Sayure, e há dois anos
até o compasso 40: Eduardo é meu professor.
48
49
EXPERIMENTAÇÃO
50
EXPERIMENTAÇÃO
51
Em outras palavras, ele me pediu para observar atenta-
mente a repetição de uma mesma nota, que é tocada por
dois dedos, um de cada mão. Quando o dedo de uma mão
afunda a tecla (atividade), o outro dedo, da outra mão, está
posicionado relaxadamente sobre a tecla, e abaixa junto
(passividade). Com alguma bagagem eutônica, isso foi o
suficiente para uma completa transformação da maneira
de encarar a repetição das notas - e para me liberar de mo-
vimentos desnecessários, ganhando mais consciência do
escape da tecla, que é o mecanismo responsável por tornar
a repetição rápida de uma nota possível.
52
11/10, QUARTA-FEIRA 52
Estratégia de estudo que
aprendi principalmente com
A cada dia o estudo de Ligeti se desvela, por trás do emara- a professora Luciana Sayure,
nhado de notas sem lógica aparente e ausência de padrões. e que também é usada por
A análise da peça caminha junto com a memorização e outros professores de piano.
com o entendimento sonoro-corporal do texto. Me dei Consiste em manter as alturas
escritas e modificar o ritmo
conta de algumas coisas:
de diversas maneiras, de modo
Do compasso 50 ao 54 (Fig. 6) os intervalos da mão esquer- que as diferentes combinações
da vão descendentemente, seguindo um motivo alterna- facilitem a agilidade dos dedos
em cada passagem e mudança
do entre quartas e terças menores que se repete. A voz
de notas, a partir do contraste
superior desce cromaticamente enquanto a voz inferior
entre partes mais rápidas ou
desce fazendo escapadas. A escolha das notas compreende lentas (fazendo notas pontuadas,
escalas de tons inteiros, se considerarmos uma escala que diminuindo ou dobrando o
as quartas fazem (pulando as terças) e vice-versa. Ouvir andamento). Geralmente se
as escalas de tons inteiros mudou completamente a minha utiliza para estudar passagens
rápidas que tem uma estrutura
escuta da peça.
rítmica regular. Por exemplo,
Por conta da acentuação irregular do trecho central da num estudo todo de semi-
peça (c. 66 a 97) que não se encaixa na lógica de compas- colcheias em compasso em
ƒ... sendo quatro grupos de 4
sos (que estão lá somente para facilitar a leitura), eu havia
semi-colcheias por compasso,
abandonado a ideia de fazer ritmos em grupo52. O estudo agrupa-se pares de grupos,
de atividade e passividade na repetição das notas foi me sendo um par transformado em
levando a descobrir inúmeras possibilidades rítmicas, que colcheias e o outro mantido
enfatizam ou amenizam essas repetições. em semicolcheias - o que !
EXPERIMENTAÇÃO
53
faz com que haja uma parte Tem sido um ótimo estudo. Tenho buscado criar novos
mais lenta (dando tempo
ritmos e padrões, na esperança de sensibilizar as repeti-
de estudar o movimento de
ções e garantir um entendimento múltiplo do texto.
cada dedo) e outra rápida
(treinando agilidade e reflexo), A improvisação também entra bem aqui.
método que realmente facilita
Ainda no mesmo trecho, do compasso 66 ao 81 ambas
na execução de passagens
rápidas. Apesar de haver as mãos alternam linhas melódicas descendentes (mão
combinações e permutaçõesde direita diatonicamente nas teclas brancas e mão esquerda
ritmos em grupo mais usadas, pentatonicamente nas pretas) de 5 (na maioria das vezes)
tenho aproveitado a ideia de
colcheias intercaladas por pausas de colcheia ou semíni-
manter alturas e modificar o
ritmo como uma maneira de ma. Acentuação resultante varia, sendo a cada 2, 3 ou 4
também experimentar outras colcheias. Após fazer a essa análise rítmica (Fig. 7), final-
combinações e possibilidades, mente estou conseguindo escutar a acentuação resultante,
na tentativa de evitar
o ritmo irregular em 2, 3 ou 4:
automatismos e aumentar
a criatividade do estudo - e
consequentemente, o prazer.
54
FIG 7 Análise rítmica de Der Zauberlehrling (György Ligeti), trecho do comp. 66 a 81.
Nas extremidades a acentuação de cada mão, e no centro a resultante.
55
10/10, TERÇA-FEIRA
Ando pesquisando bastante a abertura dos espaços
53
Daniel Matos, pianista e euto- articulares através da eutonia. Segundo Daniel Matos53,
nista brasileiro, com quem faço o trabalho sobre a estrutura óssea e os espaços articulares
aulas particulares há dois anos.
é “fundamental para a organização do movimento no espaço,
para a vivência da organização estrutural e sustentação do
corpo, para a economia de esforço ao mover-se, para a precisão
com que realizamos todas as ações.”. (MATOS, 2017, p.48)
56
FIG 8 Contrastes de Marisa Rezende. Abertura da mão esquerda nos comp. 58 a 60
55
Ressalto aqui, que a eutonia
e seus vieses sensorial e anatô-
A abertura se potencializa quando ganhamos espaço
mico são apenas uma ferramen-
entre os metacarpos, ou desde os carpos, pois há todo um ta possível para se atingir uma
conjunto de partes funcionando (o tônus se distribuindo maior abertura. Uma vez, duran-
te uma aula de piano, o Eduardo
EXPERIMENTAÇÃO
57
Outra forma interessante de trabalhar a abertura é a
relação entre pele e ossos da mão. Manipular e tocar a
pele da mão, sentindo sua elasticidade, estimula a abertu-
ra de vários espaços (fáscias, outros tecidos conjuntivos,
membranas), produzindo efeito sobre a atividade e tensão
muscular. A abertura é pensada desde os metacarpos, como
na foto de uma aula de piano/eutonia com Daniel Matos
(Fig. 10):
FIG 10 Abertura dos metacarpos em aula com Daniel Matos, ao lado de um modelo de esqueleto
58
07/11, TERÇA-FEIRA
59
• discos de cerâmica que produzem um timbre talvez
mais delicado do que os parafusos e aos quais se asse-
melham;
58
E também uma técnica muito • pregadores de roupa desmontados de madeira, um
interessante que John Cage usa entre as cordas 1 e 2 e outro entre as cordas 2 e 3 de
em First Construction in Metal, uma nota (corda lisa, não nos bordões), som afinável de
na qual um(a) pianista realiza
woodblock;
um trinado enquanto um(a) as-
sistente faz um slide com muita
• pedaços de obsidiana polida para massagem, vidro
pressão nas respectivas cordas.
Com a obsidiana é mais fácil
vulcânico sagrado dos povos nativos do México, que
de conseguir essa pressão sem produz slides com mais controle e menos atrito, com
atrito por conta do formato e uma pequena distorção58;
permite um jeito mais confortá-
vel de segurar. • agulhas de tricô e crochê, de metal - esses objetos
59
Me refiro a estudo em nylon, tão tradicionalmente femininos - usadas de maneiras
performance solo. Ver dias 10 sempre diferentes;
e 11/11.
• um par de brincos de metal em formato cônico, com a
60
Compositora e colega da
vantagem de serem segurados pelo “fecho” e poderem
Sonora.
ser balançados sem abafar o som, o que funciona muito
61
Pianista e colega da Sonora.
bem na região aguda;
Já tocou a peça da Val.
62
Cito aqui o artigo “De corpo • o nylon, que me rendeu experimentos suficientes
presente: uma perspectiva de (inclusive combinado de jeitos inesgotáveis com as
gestos em Kristallklavierexplo- agulhas e arco) para resolver fazer uma performance
sionsschattensplitter”, de Joana
-instalação59.
Cunha de Holanda, no qual ela
reflete sobre os elementos que A experimentação me leva constantemente a novas desco-
compuseram sua performance
bertas e predileções. Mesmo nessas técnicas que desenvol-
da peça de Tatiana Catanzaro.
Inclusive fala sobre como se deu vi e constituem um repertório pessoal, existe sempre uma
esse processo em diálogo com variação, a incapacidade de repetição que John Cage escre-
a compositora, e sempre em ve (citação do início deste dia) ou a repetição da diferença
relação a seu corpo.
que também se pode chamar de ritornelo.
“Ao propormos uma abor-
dagem que situa o corpo do Ademais, ontem à noite, na Sonora, tive uma conversa com
intérprete para refletirmos a Valéria Bonafé60 sobre a preparação de sua peça Do Livro
sobre a performance musical,
dos Seres Imaginários. A Eliana Monteiro da Silva61 havia me
temos um resultado que é ao
mesmo tempo uma contribuição emprestado suas partituras (para eu dar uma olhada nos
individualizada, posto que parte dedilhados que ela fez) e também um pote com os objetos
da experiência de um indivíduo, de preparação dados pela compositora. Depois, a Val me
mas que, ao manifestar-se,
disse que eu poderia experimentar outros materiais, de
pode encontrar ressonâncias
em outras práticas e processos acordo com a minha própria experiência62. Inclusive, a bula
criativos. (HOLANDA, 2013, p. 11) é bastante clara em relação à liberdade da performer.
60
FIG 11 Bula do livro Do livro dos seres imaginérios (Valéria Bonafé) 61
Acho que é isso, os seres imaginários do Borges são outros
seres imaginários da Valéria e, no caso, outros seres ima-
ginários compostos pelo meu imaginário de preparações,
todos unidos pela ideia de serem seres imaginários.
62
INTERAÇÃO
28/10, SÁBADO
65
O nomadismo e a filosofia da improvisação livre compar-
tilham o pensamento libertário, baseado numa confiança
natural em direção ao ser humano e às relações espontâneas
que se estabelecem sem necessidade de leis, sem necessidade
de um estado de ordem. A ordem não precisa ser imposta
desde fora, posto que aparece tanto nas relações entre as
65 pessoas como na música que se improvisa.65 (ALONSO,
"El nomadismo y la filosofía
de la improvisación libre com- 2003: 89)
parten el pensamiento liber-
Desta forma, a improvisação demanda uma flexibilidade
tario, basado en una confianza
natural hacia el ser humano y
para poder transitar entre os territórios – ou viajar sem
hacia las relaciones espontá- destino final como no nomadismo –. Para tal, existe uma
neas que se establecen sin ne- relação direta entre a flexibilidade da/o improvisador(a)
cesidad de leyes, sin necesidad para acompanhar o fluxo e lidar com as flutuações (des)
de un estado que ordene. El territorializantes e a flexibilidade do tônus para a eutonia.
orden no necesita ser impues- O equilíbrio do tônus é um equilíbrio que se dá em movi-
to desde el exterior, sino que
mento, de acordo com o que demanda cada atividade em
aparece, tanto en las relaciones
cada momento, situação sempre distinta.
entre las personas, como en la
música que se improvisa."
Um corpo de tônus flexível é um corpo capaz de multiplici-
dades, disposto a se afastar de seu formato conhecido, de
se desterritorializar de seu ‘si mesmo’ usual e hábil para
tomar outros formatos incertos, para experimentar outras
sensibilidades, inclusive desafinadas e que chiam em seus
ouvidos. O que se entende por um corpo flexível não está só
nas articulações e músculos, mas na ordem das dissonân-
66
"Un cuerpo de tono flexible cias.66 (GAINZA, KESSELMAN, 2003: 64)
es un cuerpo capaz de multi-
Os tônus estão presentes nos corpos, nos territórios, nas
plicidades, dispuesto a alejarse
de su formato conocido, de
identidades, nas fronteiras: se dão no trânsito, no entre. A
desterritorializarse de su sí flexibilidade permite agenciar e transitar os diferentes tô-
mismo usual y hábil para tomar nus durante os processos que se dão na livre improvisação.
otros formatos inciertos, para
[nomadismo; trânsito; flexibilidade do tônus]
experimentar otras sensibilida-
des, incluso desafinadas y que
chirríen en sus oídos. Lo que se
entiende por un cuerpo flexible
y no sólo en las articulaciones
y músculos, sino en la escala de
27/10, SEXTA-FEIRA
las disonancias." A noção de músico enquanto meio proposta por Rogério
Costa a partir de Deleuze dá conta do processo vivo que é a
improvisação, envolvendo os processos de identidade, per-
manências, impermanências e os fluxos que se desenrolam
durante essa prática nas relações música/o-ambiente.
66
Do caos nascem os meios e os ritmos [...] Vimos numa outra
ocasião como todas as espécies de meios deslizavam em
relação às outras, umas sobre as outras, cada uma definida
por um componente. Cada meio é vibratório, isto é, um blo-
co de espaço-tempo constituído pela repetição periódica do
componente. Assim, o vivo tem um meio exterior que remete
aos materiais; um meio interior que remete aos componen-
tes e substâncias compostas; um meio intermediário que re-
mete às membranas e limites; um meio anexado que remete
às fontes de energia e às percepções-ações. (DELEUZE, 1997:
118-119, apud COSTA, 2016:49)
67
numa dinâmica grupal existe um jogo entre a explora-
ção individual – o mergulho em si mesmo - e a interação
com os outros – a escuta. O processo eutônico amplia aos
poucos a capacidade de colocar a atenção em ambos, assim
como nas fronteiras ou membranas que existem entre o
indivíduo e o coletivo – camadas permeáveis que se inter
-relacionam e se afetam.
09/11, QUINTA-FEIRA
Hoje teve ensaio da Orquestra Errante. Agora que estou
nesse processo solitário do TCC, percebo que os encontros
para tocar junto são precisos. A experimentação em grupo
é distinta da individual, pois a interação com os outros
provoca percepções e reflexões que só em conjunto se
podem revelar, a partir do jogo que se estabelece entre as
pessoas envolvidas. A improvisação livre é, sem dúvida,
um lugar muito propício para isso.
68
69
tocar, exploração dos mesmos recursos do instrumento, A Casa da Esquina é um es-
finais quase sempre em fade-out, poucos silêncios, textu- paço compartilhado de oficinas,
workshops, ateliês de arte,
ras sempre mais saturadas, sempre repletas de simultanei-
cultura, pedagogia e política na
dades (falta de uníssonos e solos) etc. Falamos muito sobre
região do Jabaquara.
como fazer coisas mais “malucas” com o grupo de vez em
quando, desconfigurar esses lugares comuns. 70
O grupo realizou uma série
de concertos e oficinas no Méxi-
Essa era um pouco a ideia da IC que fiz até agosto des-
co com o apoio do Ibermúsicas.
se ano, que compreendia a condução de ensaios onde
aspectos da eutonia eram trabalhados de modo a estimular 71
De certo modo, o coro que a
outras presenças e sonoridades. Isso se relaciona intima- princípio era Profano foi um re-
mente com alternâncias de atividade (ou lideranças) no flexo da Véspera Profana, mos-
tra de composição criada pelo
grupo, pois podemos propor coisas distintas que resultarão
alunos com o mesmo intuito,
em novas descobertas sonoras. E isso só se dá a partir da
numa tentativa independente
interação. de fazer com que as peças dos
alunos de composição ganhas-
Hoje, por exemplo, aconteceu um solo do Vinicius de dura-
sem vida e que pudessem ser
ção considerável ao final, assim como um grande silêncio
tocadas por alunos do depar-
coletivo no meio. São essas pequenas sutilezas de conexão tamento. No mesmo contexto,
e escuta que nos surpreendem a todo instante. em 2013, surgiu a Camerata
Profana, cujo foco era a música
[Orquestra Errante; ensaio; improvisação livre]
instrumental - coletivo que
participei ativamente até 2016.
Ambos os grupos organizam-se
de maneira não hierárquica,
26/10, QUINTA-FEIRA
sendo também importantes
Hoje assisti à performance do Coro Profana na Casa da Es- lugares de experimentação de
quina69, seguida de uma discussão sobre processos de criação formas de organização.
69
73
A discussão tem a ver com “Vozes Plurais”, de Adriana Cavarero73.
as distinções entre o vocálico
e o semântico, bem como a
Para isso, e no ano que culminou com a viagem ao México,
questão de gênero implicada na mergulhamos dentro do grupo, estudando diversas refe-
voz a partir das musas e do mito rências: textos sobre gênero, feminismos e descolonização,
das sereias de Ulisses (capítu- mitologia latinoamericana, poesia de mulheres, nossos
los 1 e 2 da segunda parte). A próprios escritos, produção musical de mulheres e LGBTs
discussão filosófica é bastante
na cena da música popular etc. Os ensaios foram muitos,
complexa, então pretendo ape-
nas citar um trecho bastante
conduzidos e planejados por diversas pessoas e em vários
marcante e importante para locais: TUSP74; Departamento de Artes Cênicas da ECA;
o processo do Coro Profana: nossas casas; ocupação da FUNARTE logo após o golpe;
“Feminilizados por princípio, Ocupação da Praça Waldir Azevedo; no Centro Cultural
tanto o aspecto vocálico da São Paulo; ocupação do Prédio Central da ECA em junho
palavra quanto principalmente
de 2016; ensaio itinerante pelo campus da USP-Butantã;
o canto comparecem como
elementos antagonistas de uma
ensaio-deriva na Paulista performando na rua; ensaio no
esfera racional masculina cen- Teatro do Morro do Querosene; no Estúdio Mawaca; e até
trada, por sua vez, no elemento uma imersão num sítio fora da cidade.
semântico. Para dizer com
Buscamos sempre experimentar tanto nossos corpos em
uma fórmula: a mulher canta,
o homem pensa.” (CAVARERO, diferentes lugares quanto os materiais vocais, maneiras de
2011, p.20) cantar, modelos de ensaio, jogos coletivos e no limite, as
estruturas de organização, para dar conta das demandas
74
Teatro da USP, na Rua Maria particulares e coletivas, compreendendo a própria ideia de
Antonia.
coro que já nos definia:
70
organização do grupo e seu caráter político. Como se dá a
interação dentro do grupo? Como equalizar as particula-
ridades e potencialidades de cada uma dentro do coletivo?
Como falar dessas vozes plurais e dos discursos hegemôni-
cos que nos rodeiam (e dos quais também fazemos parte)?
Quais são as estruturas de poder, territórios e as figuras de
autoridade que queremos profanar? Quais as fronteiras a
dissolver?
01/11, QUARTA-FEIRA
75
Sigo tentando entender porque escolhi tocar Uma ursa to- Tradução minha do inglês
cando o contrabaixo e a mulher negra75, de Sofia Gubadulina. “A bear playing the double bass
and the black woman”. Como
Há alguns dias adio essa escrita, com o pensamento de que
em português o nome do animal
devo me justificar por escolher essa peça, especialmente
INTERAÇÃO
71
branca e europeia –, número 8 de um álbum para crian-
76
Aqui, não posso deixar de ças76 Musical Toys e, nesse caso, tocada por uma mulher
pensar na Prole do Bebê n.1, de branca. O contato com o feminismo interseccional e as
Heitor Villa-Lobos, que contém
pouquíssimas leituras que fiz sobre feminismo negro via
as peças Branquinha, Moren-
Sonora77 me fazem perceber que o assunto envolve um cui-
inha, Caboclinha, Mulatinha e
Negrinha (nessa ordem).
dado grande, especialmente se eu pretendo neste trabalho
usar (modestamente) as epistemologias feministas como
77
Aqui, me refiro aos grupos de lente para ver o mundo78.
estudos realizados no primeiro
semestre de 2016, referentes
Por esse motivo, considerei algumas vezes desistir da peça,
aos textos “De mãos dadas com com medo de me arriscar a abordar um assunto que de
a minha irmã”, do livro Ensinan- fato ainda me é bastante cru e desconhecido, ainda por
do a Transgredir, de bell hooks, cima considerando meu lugar de fala – não me sinto com
“La conciencia de la mestiza/ propriedade para falar disso, e nem cabe a mim falar de
Rumo a uma nova consciência”
uma luta da qual não protagonizo. No entanto, resolvi
de Gloria Anzaldúa e “Gloria
Anzaldúa, a consciência mestiça
esperar, considerando que a escolha dessa peça passou por
e o feminismo da diferença”, de algum critério não-objetivo antes mesmo de qualquer re-
Claudia de Lima Costa e Eliana flexão a respeito: saltou aos ouvidos dentre o vasto reper-
Ávila. Transmissão e material tório de mulheres escutado e considerado para este TCC.
disponível em www.sonora.me/
grupo-de-estudos. Agora pouco, ao improvisar a partir de um fragmento da
mão esquerda de Haokah, de Do Livro dos Seres Imaginários,
78
Ver dia 05/10, Introdução. de Valéria Bonafé, pequeno trecho (Fig. 12, comp. 10) com
o qual estava tendo dificuldades rítmicas, de repente me vi
dentro de um território idiomático, no meio das precisões
e imprecisões do ritmo. Até tudo se tornar mais jazzístico,
e a mão esquerda flertar com os staccatos e swing que a mão
esquerda (urso) faz na pequena peça da Gubaidulina. En-
tão me ocorreu o que talvez possa ter sido o que me levou
a tocar essa peça: justamente a complexidade de camadas
identitárias e territórios que atuam sob uma mesma coisa,
que me fazem estabelecer cruzamentos de peças, pessoas e
ritmos numa mesma improvisação-estudo.
72
Um urso toca o contrabaixo - mão esquerda junto com
uma mulher negra que canta. Ou melhor, porque não uma
ursa? Walking bass e um boogie-woogie torto escrito por uma
compositora erudita de vanguarda na Rússia comunista; a
peça foi escrita em 1969. A base não respeita exatamente a
quadratura, a mão direita tem acentos deslocados, acordes
fora da aparente tonalidade de La Menor - aliás, cheia de
cromatismos (Fig. 13).
INTERAÇÃO
73
FIG 13 Uma ursa tocando o contrabaixo e a mulher negra,
(Sofia Gubaidulina)
74
De fato, existe uma fricção de territórios ali, de identida-
des e estereótipos. Tenho pensado que estudá-la e tocá-la
é uma maneira de também perceber como lidar com certos
discursos hegemônicos e os lugares situados - nos quais eu
estou inserida. Não tenho nenhuma pretensão de ilustrar
ou representar outro lugar que não o meu. Optei por do-
cumentar essa parte do processo da maneira mais honesta
que consigo.
79
REZENDE, M. Pensando a
20/09, QUARTA-FEIRA
composição. 2005, in: FERRAZ,
Transito entre notas, atos, gestos79. Salto do piano para o S. Notas . atos . gestos. Silvio
Ferraz (Org). - Rio de Janeiro,
computador, passando pelo texto da Marisa Rezende.
7Letras, 2007.
Quem sabe não acho algo que me ajude a mergulhar em
Contrastes, que por hora não passei do solfejo rítmico. A 80
Em ao invés de sobre, como
leitura do texto me ajuda a compreender melhor a escolha ressalta Valéria Bonafé em
da peça. Este mesmo livro, que contém a leitura marcante sua tese de doutorado (2016:
Caderno 1, p.18).
de Composição por metáforas de Denise Garcia, feita para
um grupo de estudos e a série Vozes da Sonora, traz textos 81
" De forma semelhante,
em primeira pessoa sobre processos composicionais. Logo a exploração da ressonância do
no início do texto, Marisa já coloca: "uso-me como figura- piano por usos sutis do pedal
teste, embarcando num certo processo de auto-análise." de sustentação, ou o apreço
(p.77). Salta-me aos olhos a autorreflexão em80 processos pelas muitas nuances de toque
possíveis no instrumento, são
artísticos, que envolve aspectos particulares. Sem grandes
características frequentes da
pretensões, isso se relaciona com o que estou pretendendo minha obra, sugerindo inclusive
fazer com esse diário-TCC. equivalências na busca de sono-
ridades de outros instrumentos
Noto que algumas das questões que ela coloca como
que, com o piano, integrem o
compositora também me atravessam como performer – e conjunto da peça." (REZENDE,
no limite questiono os abismos criados entre esses dois 2005, p.78-79). Aqui, devo
fazeres. São elas sua “herança de pianista”, que influen- também lembrar das similari-
cia diretamente em sua maneira de escolher os sons e o 81 dades entre a composição e
a improvisação, a respeito da
“apreço pela consonância”, que ela relaciona também a um
relação com o instrumento e da
resgate desses arroubos que os grilhões da tradição versus escolha de sons, apenas com a
INTERAÇÃO
os ímpetos de modernidade parecem ocultar nas institui- diferença entre tempo real
ções de ensino. e tempo diferido.
75
O pianismo e essa "relação com o tempo musical marcada por rubatos,
suspensões ou fermatas, e mesmo mudanças de andamentos”(REZEN-
DE, 2005, p.78), presentes em quem costuma executar repertório solo,
me põem a refletir sobre o que é ser pianista neste momento. Ou ainda,
como tocar essa peça fricciona a minha constituição pianística com essa
compositora que começa escrevendo que “Compor significa, entre ou-
tras coisas, fazer escolhas.” e que “Compor significa muitas coisas, entre
elas, poder fazer escolhas”(p.77).
08/11, QUARTA-FEIRA
Kami, a última criatura de Do livro dos seres imaginários, de Valéria
Bonafé, a partir do livro homônimo de Jorge Luis Borges:
[Valéria Bonafé]
76
FIG 14 Esboço de estudo em nylon
10/11, SEXTA-FEIRA
82
estudo em nylon - linhas de fuga82 Performance solo realizada
no ¿Música? 12, trânsitos e
A performance surgiu a partir da imagem de um piano
cancelas. Colaboração: Kooi
(Fig. 14) que se expande no espaço através de linhas que Kawazoe e Missionário José.
saem de sua harpa. Ela une alguns interesses meus: im- Captação de som: Pedro Paulo
provisação, técnicas estendidas ao piano, corporalidade e Santos. Iluminação: Maíra do
feminismo. Nascimento. Audiovisual: Caio
Antonio, Francisco Miguez,
Unido à sonoridade metálica das agulhas de crochê e tricô, Julia Alves Rodrigues e Maurício
o nylon foi uma solução sonora para a ideia das linhas que Battistuci. https://vimeo.
inicialmente eram lã – sempre me fascinaram trabalhos com/243052972
77
Outra imagem presente foi a das Parcas, divindades gregas
que controlavam vida e morte - mais especificamente
Láquesis, que cuida da extensão e do caminho do fio da
vida, o início da vida terrena. Quis criar um corpo pia-
no-espaço-eu que se situa numa fissura do espaço-tempo.
Lugar alheio ao tempo e espaço (por isso uma instalação/
performance distendida) que fosse essencialmente presen-
ça desse corpo configurado, coisa que venho pesquisando
a partir da eutonia.
78
84
A descoberta do breu potencializou a relação corpo-som No fim de 2016, a reitoria
que tenho investigado. Com breu suficiente nas cordas, da USP colocou grades na ECA,
cercando o Prédio Central, a
qualquer fricção da pele ou da roupa (de nylon também)
Prainha e a Vivência. A Prainha
com as cordas produzia som, me possibilitando outras
é uma praça utilizada pelos
configurações corporais. estudantes para convivência,
Apesar dos testes, só durante a performance é que conse- assembleias, festas, festivais,
shows, etc, e onde fica o Canil
gui “estudá-la”, experimentar no improviso. Não senti o
(reconstruído pelos estudantes
tempo passar e talvez por medo de ficar horas ali após em 2013 após sua demolição
o término do concerto, talvez por prudência de pensar no em 2012). A Vivência é o prédio
cansaço acumulado durante quase 8 horas de montagem, onde fica o Centro Acadêmico
optei por acabá-la no tempo previsto. Mas descobri muitas Lupe Cotrim, a Atlética, uma
EPÍLOGO
?/11, DIA DO FIM? 85 85
Transformado em 15/11 de
11/11 de 22/05 de estudo em
Ligar os fios de outras maneiras, expandir o piano. A nylon.
imagem de um piano expandido, esse lugar que é tão
meu e que se expande. Há uma estrutura ali, um ponto de
partida do qual se ramificam novas conexões, linhas de
fuga. Multiplicar as capacidades associativas na presença,
a partir da experimentação e na interação.
79
REFERÊNCIAS 11 & 13th Women’s Worlds
Congress, 2017, Florianópo-
BIBLIOGRÁFICAS lis. Anais Eletrônicos, 2017.
Acioli Lima. Florianópolis, uma conversa sobre criação Alfaguara S.A, 2014.
Vol. 13(3), Set-dez., p. 704- musical. In: Seminário Inter- COSSENS, Kathleen.
719, 2005. nacional Fazendo Gênero A arte da pesquisa em artes:
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Sonic Ideas: Musical Creati- ___. Do livro dos seres
vity (Volume Especial Sonic imaginários: Haokah, para Recital de meio de curso
83
Impresso em dezembro de 2017,
em papel pólen 80g/m2.
A capa foi composta em Desvarial,
variante da fonte Arial, desenvolvida
pelo Laboratório Gráfico Desviante
(São Paulo). Disponível
para download em:
lgdesviante.org/fontes
explor
de uma r
particula
e de e
com o
CADERNO 1
rações
relação
ar PRESENÇA,
EXPERIMENTAÇÃO E INTERAÇÃO
expansão
o piano:
MARIANA CARVALHO
Mariana Pasquero Lima Torres De Carvalho
EXPLORAÇÕES
DE UMA RELAÇÃO
PARTICULAR
E DE EXPANSÃO
COM O PIANO:
Anexo
Diário na íntegra
São Paulo
2017
2
ANEXO
19/09, TERÇA-FEIRA
Fazer um diário de estudo não é novidade para mim. De tempos em tempos
a necessidade de escrita volta, acompanhada de novas inquietações. Não
vejo outra opção senão me debruçar sobre isso rotineiramente, como único
método possível para este contexto.
Não sei, mas gosto dessa metáfora de líquido corrente, energia pulsante
sempre em movimento e transformação.
3
A ideia de perseguir um resultado e um prazo final sempre
me deu certa repugnância. Imagino uma monografia-
diário, uma seleção deste diário – quem sabe com palavras
maiores e outras menores, tentando costurar uma polifonia
1 implícita, escondida como em Erdenklavier1.
De Luciano Berio. Na peça,
há uma melodia com notas pp
Talvez eu queira uma imersão em meu próprio processo
e ff, e algumas delas se mantém
seguradas - criando outras
de estudo. Manter um diário dos rituais de estudo pianís-
camadas de polifonia, algo que tico e das descobertas bibliográficas talvez me mostre o
se revela por trás da simples caminho. O rio corre sempre por onde a gravidade o leva,
monodia. Será abordada adiante. sempre para o relevo mais baixo. O rio não corre para o
mar, mas acontece que ele pode chegar no mar, ou outro
rio. Acontece de eu não saber para onde estou correndo
(e confesso que de fato corro, porque o tempo urge). Sei
porém, por onde corro. E é nesse momento do fluxo que
quero me ater - este instante-já, do aqui e agora. O rio
enquanto manifestação da presença.
20/09, QUARTA-FEIRA
2
REZENDE, M. Pensando a Transito entre notas, atos, gestos2. Salto do piano para o
composição. 2005, in: FERRAZ, computador, passando pelo texto da Marisa Rezende.
S. Notas . atos . gestos. Silvio Quem sabe não acho algo que me ajude a mergulhar em
Ferraz (Org). - Rio de Janeiro,
Contrastes, que por hora não passei do solfejo rítmico. A
7Letras, 2007.
leitura do texto me ajuda a compreender melhor a escolha
da peça. Este mesmo livro, que contém a leitura marcante
de Composição por metáforas de Denise Garcia, feita para
um grupo de estudos e a série Vozes da Sonora, traz textos
em primeira pessoa sobre processos composicionais. Logo
no início do texto, Marisa já coloca: “uso-me como figura-
teste, embarcando num certo processo de auto-análise.”
3 (p.77) Salta-me aos olhos a autorreflexão em3 processos
Em ao invés de sobre, como
ressalta Valéria Bonafé em artísticos, que envolve aspectos particulares. Sem grandes
sua tese de doutorado (2016: pretensões, isso se relaciona com o que estou pretendendo
Caderno 1, p. 18).
fazer com esse diário-TCC.
4
4
diretamente em sua maneira de escolher os sons4 e o “De forma semelhante, a
“apreço pela consonância”, que ela relaciona também exploração da ressonância do
a um resgate desses arroubos que os grilhões da tradição piano por usos sutis do pedal
de sustentação, ou o apreço
versus os ímpetos de modernidade parecem ocultar nas
pelas muitas nuances de toque
instituições de ensino.
possíveis no instrumento, são
O pianismo e essa “relação com o tempo musical marcada características frequentes da
por rubatos, suspensões ou fermatas, e mesmo mudanças minha obra, sugerindo inclusive
equivalências na busca de sono-
de andamentos” (REZENDE, 2005, p.78), presentes em quem
ridades de outros instrumentos
costuma executar repertório solo, me põem a refletir sobre
que, com o piano, integrem o
o que é ser pianista neste momento. Ou ainda, como tocar
conjunto da peça.” (REZENDE,
essa peça fricciona a minha constituição pianística com 2005, p.78-79). Aqui, devo
essa compositora que começa escrevendo que também lembrar das similari-
“Compor significa, entre outras coisas, fazer escolhas.” dades entre a composição e
e que “Compor significa muitas coisas, entre elas, poder a improvisação, a respeito da
fazer escolhas” (p.77). relação com o instrumento e da
escolha de sons, apenas com
Tanto a composição quanto a improvisação implicam na a diferença entre tempo real e
escolha de sons, bem como a performance de uma peça. tempo diferido.
21/09, QUARTA-FEIRA
Cada vez mais percebo o quanto o estudo das estruturas
corporais - no caso, a partir da eutonia - torna-se
necessário mas não suficiente. Existe também o domínio
da linguagem musical. Olhando para trás e para o estudo
do repertório consagrado, especialmente nos últimos
dois anos (já profundamente transformada pela eutonia),
noto que, depois de algum tempo de formação musical
tradicional, eu não me atinha mais exclusivamente a essas
questões musicais que dizem respeito ao entendimento
“básico” de uma peça: leitura rítmica e melódica, algum
entendimento harmônico, percepção intervalar, visão
contrapontística, percepção das polifonias, articulação
etc. Desde a leitura da peça, eu já podia sentir meu corpo
e escutar o som que saía ou que eu desejava - em algum
nível eu já conseguia conciliar a leitura textual, os aspectos
musicais, com os aspectos sonoros, corporais e sensíveis,
depois de exercitar múltiplos focos de atenção.
5
Agora, me debruçando sobre Der Zauberlehrling, estudo nO10 de György
Ligeti, fica evidente que o “método de estudo flutuante” que junta corpo
e som, e que foi de certa forma consolidado nos últimos quase três anos,
deve se transformar.
Parei para fazer uma análise rítmica das duas mãos, separadas e juntas,
tentando mapear algum padrão de acentuação, porque faz um mês que não
consegui ainda terminar essa leitura.
Desde que comecei a fazer eutonia, descobri uma pedagogia que não separa
corpo e mente, e que, por conta de uma visão somática, integra os aspectos
psicofísicos, emocionais, sensoriais etc. Prestar atenção no corpo enquanto
toco tornou-se apenas uma questão de prática, de exercício da atenção dirigida,
ou vivência dos processos de consciência que a eutonia se atém.
6
22/09, SEXTA-FEIRA
Para tal, realiza-se um processo guiado (pelo menos inicialmente) por ins-
truções relativas à pesquisa de si, no qual a/o aluna/o exercita a capacidade
de observação, vivenciando um processo de ampliação da percepção super-
ficial e profunda a partir de suas estruturas corporais: consciência da pele,
das estruturas e direções ósseas, o espaço interno corporal e a distribuição
das tensões ao longo do corpo. Como enuncia Berta Vishnivetz (1994, p.16),
as atividades práticas da eutonia trabalham:
7
· o diagnóstico objetivo do estado do corpo (tensões,
capacidades, bloqueios, flexibilidade);
8
A eutonia é flexível: abriga a diversidade, múltiplos
questionamentos e vivências possíveis, níveis diversos
de profundidade e complexidade, singularidades. Sua
pedagogia evita a mecanização, estimula um corpo
que se pesquisa a partir de sua própria subjetividade
e particularidades, o que é dizer, de outro modo, que
nela estimula-se um corpo que experimenta, corpo
experimental. A auto pesquisa de si a partir da própria
realidade corporal nada mais é do que exploração e
experimentação, como, por exemplo, a/o improvisador(a)
que descobre novos sons no ato de improvisar ou mesmo
ao estudar um estudo de Ligeti.
25/09, SEGUNDA-FEIRA
Análise de Erdenklavier (Luciano Berio). As linhas indicam
as durações das notas circuladas, cada nota com uma cor,
formando a camada harmônica da polifonia escondida na
monodia.
9
10
11
26/09, TERÇA-FEIRA
7 O contato com a eutonia7 me aproximou do universo que
Ver dia 22/09, capítulo
Experimentação. compreende as chamadas disciplinas somáticas - nome
derivado do conceito do soma, definido por Thomas Hanna
- que tratam de um corpo vivo, simultaneamente sujeito
e objeto de ação.
12
sobre a mente (racional?) oferece um desafio, diante das
coisas, a uma cultura que historicamente colocou a mente
10
acima da matéria”.10 (HOGG, 2009, p.2) "This privileging of the body
over the (rational?) mind offers
Inevitável aqui a correspondência da metafísica da presença up a challenge, on the face of
de Derrida com a oposição entre as culturas de presença things, to a culture that had
e as culturas de sentido, que faz Hans Ulrich Gumbrecht, historically placed the mind
em Produção de Presença. Gumbrecht realça a necessidade over matter."
13
27/09, QUARTA-FEIRA
Ontem tive aula com o Eduardo13. Mostrei a leitura ainda inicial de
Der Zauberlehrling, e dentre as várias coisas trabalhadas, uma me capturou
profundamente: trabalhar a repetição de notas das mãos alternadas,
sentindo a alternância de passividade e atividade, no trecho (Fig. 5) que vai
do início até o compasso 54, mas principalmente até o compasso 40:
14
13
Eduardo Monteiro, pianista
e professor de piano do
Departamento de Música da
ECA-USP. Durante os três
primeiros anos da graduação
fiz aula de instrumento com a
Luciana Sayure, e há dois anos
Eduardo é meu professor.
15
FIG 5 Der Zauberlehrling (György Ligeti), do início ao comp. 54.
16
Em outras palavras, ele me pediu para observar
atentamente a repetição de uma mesma nota, que é tocada
por dois dedos, um de cada mão. Quando o dedo de uma
mão afunda a tecla (atividade), o outro dedo, da outra mão,
está posicionado relaxadamente sobre a tecla, e abaixa
junto (passividade). Com alguma bagagem eutônica, isso foi
o suficiente para uma completa transformação da maneira
de encarar a repetição das notas - e para me liberar de
movimentos desnecessários, ganhando mais consciência do
escape da tecla, que é o mecanismo responsável por tornar
a repetição rápida de uma nota possível.
17
28/09, QUINTA-FEIRA
Eu, corpo, escrevo este trabalho. No presente, e em
primeira pessoa. Não posso excluir de mim tudo o que me
atravessa neste momento; minhas experiências, repertório
pessoal, ideias e a sensação dos dedos pressionando o
teclado neste momento. É um exercício difícil este de por
em palavras tudo o que é corpo, fazer da escrita não só
um ato mecânico de transmissão do pensamento, mas
uma vivência integrada de um corpo que pensa. Porque o
pensamento é corpo e movimento.
02/10, SEGUNDA-FEIRA
18
engrenagens e alavancas, carrega em sua constituição o
temperamento ocidental, a história do tonalismo e outras
tantas práticas hegemônicas.
19
extra-musicais, geográficas e históricas que condicionam os usos
e funções dessa prática e os elementos propriamente musicais
que ali interagem continuamente.” (COSTA, 2016, p. 41) O
território é caracterizado pela repetição periódica de seus
componentes, práticas que, com o passar do tempo, se
configuram pela repetição.
04/10, QUARTA-FEIRA
20
compor em tempo real: joga com o fluxo e com a imprevisi-
bilidade, estabelecendo a cada vez relações distintas com o
instrumento, os outros, o lugar, o público. Surgem técnicas
estendidas, novas maneiras de se relacionar com o instru-
20
mento, novas sonoridades, novos estados perceptivos.20 Aqui palavra novo não está
associada à ideia de ineditismo,
Pode-se falar que a improvisação livre proporciona o mas à ideia de que cada situa-
surgimento de um repertório pessoal de configurações ção do tempo presente é parti-
sonoras, ligadas à formação da identidade e personalidade. cular e diferente. Como coloca
Sob o prisma da eutonia essas outras configurações tem Chefa Alonso (2008, p.27),
seu foco no corpo. Experimentar com o som é também “É impossível estar tocando
21
tempo, o ponto de partida, o ponto de origem e o referente,
ou como enuncia Paul Zumthor (2007, p.76), “não somente
o conhecimento se faz pelo corpo, mas ele é, em princípio,
conhecimento do corpo”. Trazer uma perspectiva eutônica
para a improvisação livre é uma maneira de dissolver as
fronteiras entre som e corpo, entendê-los como parte de
um mesmo fenômeno de presença.
05/10, QUINTA-FEIRA
Minha condição de gênero está sempre presente. Tal como
aponta Susanne Cusick (1994), um dos primeiros rituais
com os quais uma pessoa se depara ao tornar-se feminista
é a auto-identificação. A atenção aos marcadores identitá-
rios faz com que se possa usar a primeira pessoa a partir
dessas múltiplas camadas complexas, particulares ou
comuns que a definem e a atravessam. Nesse sentido,
minha identidade de pianista-improvisadora é tão rele-
21
Eu poderia escolher outros vante quanto a de mulher branca,21 o que é também dizer
vários marcadores como classe, que a reflexão em torno das questões de gênero dentro do
nacionalidade ou orientação campo da música se faz necessária.
sexual.
22
A rede Sonora – músicas e feminismos22, da qual participo
www.sonora.me
desde 2016, ocupa um importante espaço como grupo femi-
nista dentro do contexto musical e acadêmico brasileiro.
22
Hoje assisti à mesa temática Música e feminismos na
Jornada de Estudos Interdisciplinares do IEB, com Isabel
Nogueira, Lílian Campesato e Ligiana Costa - as duas pri-
meiras são colegas da Sonora. Dentre os muitos assuntos,
destaco aqui as “epistemologias feministas como uma lente
para ver o mundo” conforme colocou Isabel Nogueira em
sua fala, a partir de Margareth Rago, pois
23
de apoio e fortalecimento etc. O que é e como é ser mulher
na música ou nas artes? Pianista, cantora, compositora?
Performer, improvisadora, musicóloga? Quais os lugares
com os quais uma mulher pode se identificar?
06/10, SEXTA-FEIRA
Quando estudo, me capturo oscilando entre composição e
improvisação, performance do tempo diferido e em tempo
real. Os olhos passam da partitura para o teclado, a com-
posição de repente escapa, e meus dedos tocam algo que
nunca foi escrito. Ou simplesmente o texto tem algo tão
convidativo que meu jeito de assimilar a música escrita é
misturá-la com a improvisação. Escolho uma passagem
notada e a transformo num loop. Sobreponho outro
material na outra mão, uma melodia, outra textura. Testo
minha capacidade de manter o motivo que se repete mini-
malisticamente, fazendo de cada repetição uma repetição
sensível, extraindo padrões e sonoridades desse fragmento
isolado. Entendendo como ele e o corpo aos poucos se
encaixam um ao outro. Ao mesmo tempo, desafio minha
coordenação enquanto tento criar algo novo, aderindo
à sonoridade da passagem ou, às vezes, contrastando
parâmetros - polirritmias, escalas, gestos e configurações
corporais. Amiúde, desemboco em outros lugares. Quando
menos espero, estou de volta ao texto, e continuo.
09/10, SEGUNDA-FEIRA
Tem dias que pedem o silêncio de palavras. Corpo fala por
si só, absorve e não transforma em linguagem.
23
10/10, TERÇA-FEIRA
Daniel Matos, pianista e euto-
nista brasileiro, com quem faço Ando pesquisando bastante a abertura dos espaços articu-
aulas particulares há dois anos. lares atravésda eutonia. Segundo Daniel Matos23,
24
o trabalho sobre a estrutura óssea e os espaços articulares
é “fundamental para a organização do movimento no espaço,
para a vivência da organização estrutural e sustentação do
corpo, para a economia de esforço ao mover-se, para a precisão
com que realizamos todas as ações.”. (MATOS, 2017, p.48)
25
Reparei que, pela primeira vez, eu consegui segurar ao
mesmo tempo um si b e um re b (uma décima) com a mão
esquerda, ainda que em pp e não atacados simultaneamen-
te (comp. 58, tempo 1).
26
26
De Estratégia de estudo que
aprendi principalmente com
a professora Luciana Sayure,
e que também é usada por
outros professores de piano.
Consiste em manter as alturas
escritas e modificar o ritmo
de diversas maneiras, de modo
que as diferentes combinações
facilitem a agilidade dos dedos
em cada passagem e mudança
de notas, a partir do contraste
entre partes mais rápidas ou
lentas (fazendo notas pontuadas,
FIG 10 Abertura dos metacarpos em aula com Daniel Matos,
diminuindo ou dobrando o
ao lado de um modelo de esqueleto
andamento). Geralmente se
utiliza para estudar passagens
[experimentação; Marisa Rezende; eutonia; espaços articu- rápidas que tem uma estrutura
lares; método de estudo] rítmica regular. Por exemplo,
num estudo todo de semi-
colcheias em compasso em
ƒ... sendo quatro grupos de 4
11/10, QUARTA-FEIRA semi-colcheias por compasso,
agrupa-se pares de grupos,
A cada dia o estudo de Ligeti se desvela, por trás do emara-
sendo um par transformado em
nhado de notas sem lógica aparente e ausência de padrões. colcheias e o outro mantido
A análise da peça caminha junto com a memorização e com em semicolcheias - o que
o entendimento sonoro-corporal do texto. faz com que haja uma parte
mais lenta (dando tempo
Me dei conta de algumas coisas: de estudar o movimento de
cada dedo) e outra rápida
Do compasso 50 ao 54 (Fig. 6) os intervalos da mão esquer- (treinando agilidade e reflexo),
da vão descendentemente, seguindo um motivo alternado método que realmente facilita
entre quartas e terças menores que se repete. A voz superior na execução de passagens
desce cromaticamente enquanto a voz inferior desce fazendo rápidas. Apesar de haver
combinações e permutaçõesde
escapadas. A escolha das notas compreende escalas de tons
ritmos em grupo mais usadas,
inteiros, se considerarmos uma escala que as quartas fazem tenho aproveitado a ideia de
(pulando as terças) e vice-versa. Ouvir as escalas de tons manter alturas e modificar o
inteiros mudou completamente a minha escuta da peça. ritmo como uma maneira de
também experimentar outras
Por conta da acentuação irregular do trecho central da combinações e possibilidades,
na tentativa de evitar
peça (c. 66 a 97) que não se encaixa na lógica de compassos
automatismos e aumentar
(que estão lá somente para facilitar a leitura), eu havia a criatividade do estudo - e
abandonado a ideia de fazer ritmos em grupo26. consequentemente, o prazer.
27
O estudo de atividade e passividade na repetição das notas foi me levando
a descobrir inúmeras possibilidades rítmicas, que enfatizam ou amenizam
essas repetições. Tem sido um ótimo estudo. Tenho buscado criar novos
ritmos e padrões, na esperança de sensibilizar as repetições e garantir um
entendimento múltiplo do texto. A improvisação também entra bem aqui.
28
FIG 7 Análise rítmica de Der Zauberlehrling (György Ligeti), trecho do comp. 66 a 81.
Nas extremidades a acentuação de cada mão, e no centro a resultante.
16/10, SEGUNDA-FEIRA
“Preste atenção em como você se encontra agora, tudo o que
te atravessa. Sinta seu corpo tocando o chão; todas as partes
que encostam no chão, e as que não tocam. Sinta o contato
da pele com o solo, com a roupa, o ar. E agora, sinta toda a
parte de trás do corpo. A parte da frente. A distância entre
frente e trás, o espaço interno. E tudo que se processa. Como
você sente seu pés tocarem o chão. A diferença entre um
pé e o outro. Tornozelos. As ante-pernas. Ambas as coxas.
Toda a perna direita. Toda a perna esquerda. Os membros
superiores. Ombro direito, antebraço direito, punho, mão
direita. Mão esquerda, punho esquerdo, antebraço, braço
esquerdo, ombro. Todo o braço esquerdo. Compare com o
braço direito. Ambos os braços. Sinta a cintura escapular,
o encaixe da cabeça do úmero na cavidade glenóide. A
distância entre clavículas e escápulas (frente e trás). Sinta
também a sua bacia, o encaixe das pernas pela cabeça do
fêmur. Perceba a relação entre a cintura pélvica e a cintura
escapular. Sinta ao mesmo tempo todos seus membros.
Mãos e pés. Os membros e a relação com o tronco. As
costelas. O movimento das costelas durante a respiração.
O esterno. O sacro e toda a coluna, até a cabeça. Sinta seu
rosto, a pele do rosto…”
30
suas reverberações no corpo todo. A partir da atenção diri-
gida desenvolve-se a capacidade de sentir o corpo em sua
totalidade, sendo um dos principais recursos de estímulo
de presença. Sempre feito de maneira distinta, o inventário
evita a mecanização e faz das possíveis repetições, repeti-
ções sensíveis, trabalhando a percepção fina e sutil.
31
28
Preceitos ligados à movimentos mais ágeis, maior destreza, dissociação e inde-
transmissão de forças no pendência de cada dedo. Algo se processa que ocorre uma
esqueleto grande modificação no tônus de ambas as estruturas.
e na relação com o chão.
29
Apesar de o tônus por definição compreender a ativida-
"O movimento eutônico é
de muscular, tensão, ele está intimamente relacionado à
uma experiência que a pessoa
realiza ao mover seu corpo ou
percepção da pele e dos ossos. Direcionar a atenção para
diversos segmentos deste no esses lugares – e não diretamente aos músculos como em
espaço, utilizando os princípios outras práticas – tem grande influência sobre os proces-
da eutonia. Ao incorporar estes sos involuntários e as funções vegetativas, interferindo e
princípios vai se descobrindo regulando o tônus muscular.
e toma contato com a grande
variedade de movimentos que Na eutonia, o estudo anatômico da estrutura óssea se reali-
o ser humano é capaz de fazer za sempre na prática – comparação de esquemas, desenhos
conscientemente e mantendo- e a investigação dos ossos a partir do toque, vivência da
se um estado de presença imagem corporal a partir do esqueleto. A consciência dos
contínua”(VISHNIVETZ, 1994, ossos influi nos espaços articulares, na oxigenação dos
p.103) (“El movimiento eutônico
tecidos, na regulação do tônus, nos reflexos de estiramen-
es una experiencia que la
to, nos alinhamentos posturais, no equilíbrio, na vivência
persona realiza al desplazar su
do peso e sua distribuição, economia de esforço (a partir
cuerpo o diversos segmentos
de éste en el espacio, do transporte e do repousser28, na experiência do espaço
utilizando los principios de la interno, no desenvolvimento do chamado movimento
eutonía. Al incorporar estos eutônico29, além de implicações psicológicas ligadas à
principios se va descubriendo segurança e estrutura emocional, entre outros.
y toma contacto con la gran
variedad de movimientos A percepção da pele, por sua vez, se relaciona com o sen-
que el ser humano es capaz tido do tato. A pele é o órgão que nos separa do mundo ou
de hacer conscientemente y que com ele nos põe em contato, fronteira com o ambiente.
manteniéndose un estado de Desenvolver a consciência superficial e profunda através
‘presencia continua’") da pele modifica a vivência do espaço interno, promo-
ve um aumento da circulação sanguínea (regulação dos
processos respiratórios), uma maior precisão perceptiva
a partir do engrossamento dos mecanorreceptores e a
uma mudança na experiência afetiva, entre outros, como
comenta Berta Vishnivetz (1994, p.38). Estimula-se a pele,
por exemplo, a partir do uso de objetos como varas de
bambu, bolas de tênis ou a/o própria/o aluna/o tocando-se
a si mesma/o.
32
FIG 3 Vista posterior dos ossos
do pé (dorso) (NETTER, 2000)
21/10, SÁBADO
Sonho janela aberta chegar embaixo do prédio olhar para
cima folhas de papel partituras do TCC que escolhi e não
escolhi caindo do 12º andar – recolho-as.
23/10, SEGUNDA-FEIRA
33
num tempo que compreende a escuta do que se desenrola
ou acabou de se desenrolar, a memória, a previsão, ideali-
zação e expectativa do que pode acontecer e o próprio ato
de tocar, em relação com todas as variáveis desse instante
presente: o ambiente, a imprevisibilidade dos outros, o
público etc. Diferentes estados de configurações sonoras e
corporais se estabelecem e novas relações surgem a todo
tempo, “matéria em jogo” dinâmico. “O que o músico apre-
ende e ao mesmo tempo configura nesse processo instável
são esses estados transitórios com graus diferenciados de
permanência.” (COSTA, 2016, p. 74).
24/10, TERÇA-FEIRA
Reavaliação do processo. Outra vez. Quase fim de outubro
e ainda restam peças para serem lidas. Durante a escolha
do repertório, pensei em priorizar mulheres compositoras,
mas incluindo, também, uma ou outra peça realmente es-
timulante de algum compositor. Pensei em Ligeti, Berio ou
32
György Kurtág (1926 -) Kurtág32 (que por enquanto ficou de fora). A escolha do es-
tudo de Ligeti se deu por razões de desafio corporal (optei
por não usar a palavra técnica ou virtuosismo aqui) e por
sentir falta de um material de textura estriada, rápido. 6
Encores, de Luciano Berio, veio quase naturalmente: fiquei
encantada desde a primeira escuta. Dado o pouco tempo,
decidi de início que faria Erdenklavier e Wasserklavier. Em
setembro, percebi que teria de escolher entre uma delas.
34
percebi que a escrita não tradicional (notas circuladas que
ficam seguradas até a repetição das próximas, o tamanho
das notas indicando a dinâmica pp ou ff e o pedal rítmico
dissociado da melodia) me tomaria mais tempo do que o
disponível. Percebi que tenho que desapegar dessa ideia.
A estratégia terá de ser preparar as peças que eu der conta.
Talvez sobre tempo para Wasserklavier, que tem uma leitu-
ra simples (inclusive já iniciada), mas inclui a dificuldade
de fazer arpeggios e appoggiaturas que remetam à imagem
da água, o que envolve uma abertura das mãos considerá-
vel, dificultada pela indicação de que sejam feitos o mais
rápido possível.
25/10, QUARTA-FEIRA
Este TCC me coloca um desafio: dar conta de uma multi-
plicidade de coisas as quais me ative durante a graduação
em piano. Percebi que tocar somente repertório no recital
de formatura não faz sentido: isso foi apenas mais uma das
práticas que tive e tenho. A improvisação livre, a eutonia, o
interesse por performance, o apreço pela música contem-
porânea, o feminismo e o tocar em grupo precisavam estar
presentes de algum modo.
35
35
A Casa da Esquina é um es- tuais instruções de materiais para o início, na tentativa
paço compartilhado de oficinas, de dar uma liga a toda a performance, estabelecendo uma
workshops, ateliês de arte, continuidade. Desta vez não seria diferente, a não ser pelo
cultura, pedagogia e política na
fato de que a performance feita no NuSom foi uma espécie
r8gião do Jabaquara.
de síntese aplicada ao piano do que até então eu havia pes-
36
O grupo realizou uma série de quisado na iniciação científica (as relações entre a eutonia
concertos e oficinas no México e a improvisação livre).
com o apoio do Ibermúsicas.
37
Dito isso, algumas perguntas se colocam: como costurar
De certo modo, o coro que
essas três práticas em aproximadamente 1 hora, conforme
a princípio era Profano foi um
reflexo da Véspera Profana,
se pede? Como compor um percurso no tempo e espaço
mostra de composição criada que faça sentido para o público? Onde realizar essas dife-
pelo alunos com o mesmo intui- rentes atividades?
to, numa tentativa independente
[anexo; performance TCC]
de fazer com que as peças dos
alunos de composição ganhas-
sem vida e que pudessem ser
26/10, QUINTA-FEIRA
tocadas por alunos do depar-
tamento. No mesmo contexto, Hoje assisti à performance do Coro Profana na Casa da
em 2013, surgiu a Camerata Esquina35, seguida de uma discussão sobre processos de
Profana, cujo foco era a música
criação compartilhada. Após nossa apresentação no XXIII
instrumental - coletivo que
Seminário do FLADEM, em julho deste ano,36 me afastei do
participei ativamente até 2016.
Ambos os grupos organizam-se
grupo por falta de tempo nesse semestre de conclusão de
de maneira não hierárquica, curso.
sendo também importantes
O coro surgiu no Departamento de Música da ECA-USP
lugares de experimentação de
em 2014, inicialmente para tocar o repertório dos alunos
formas de organização.
do departamento37, transformando-se num laboratório
38
Falo aqui do TCC do Max vocal em sentido mais amplo. Aos poucos, e depois de dois
Schenkman “Música exercício
processos imersivos de TCC38 que ocorreram, tornou-se
de liberdade” (2015) e do TCC
impossível fazer música fechada e com regência tradicio-
do Danilo Sene “O canto da se-
reia: O agenciamento do desejo
nal. A improvisação tomou conta dos ensaios, assim como
no corpo e no som.” (2016). o trabalho corporal e regências rotativas. Logo, resolvemos
Além disso, o TCC da Ritamaria fazer um espetáculo autoral, feito a partir de um processo
“Voz e processos criativos em de criação compartilhada, cujo maior alicerce está no livro
ambientes de ensino-aprendiza- “Vozes Plurais”, de Adriana Cavarero.39
gem” (2015) também repercutiu
muito em nossas práticas, bem Para isso, e no ano que culminou com a viagem ao México,
como seu trabalho de iniciação mergulhamos dentro do grupo, estudando diversas refe-
científica “Processos de criação rências: textos sobre gênero, feminismos e descolonização,
coletiva a partir da canção mitologia latinoamericana, poesia de mulheres, nossos
brasileira” (2014). próprios escritos, produção musical de mulheres e LGBTs
39 na cena da música popular etc. Os ensaios foram muitos,
A discussão tem a ver com !
36
conduzidos e planejados por diversas pessoas e em vários as distinções entre o vocálico
locais: TUSP40; Departamento de Artes Cênicas da ECA; e o semântico, bem como a
questão de gênero implicada na
nossas casas; ocupação da FUNARTE logo após o golpe;
voz a partir das musas e do mito
Ocupação da Praça Waldir Azevedo; no Centro Cultural
das sereias de Ulisses (capítulos
São Paulo; ocupação do Prédio Central da ECA em junho 1 e 2 da segunda parte). A
de 2016; ensaio itinerante pelo campus da USP-Butantã; discussão filosófica é bastante
ensaio-deriva na Paulista performando na rua; ensaio no complexa, então pretendo ape-
Teatro do Morro do Querosene; no Estúdio Mawaca; e até nas citar um trecho bastante
uma imersão num sítio fora da cidade. marcante e importante para o
processo do Coro Profana: “Fe-
Buscamos sempre experimentar tanto nossos corpos em minilizados por princípio, tanto
diferentes lugares quanto os materiais vocais, maneiras de o aspecto vocálico da palavra
cantar, modelos de ensaio, jogos coletivos e no limite, as quanto principalmente o canto
estruturas de organização, para dar conta das demandas comparecem como elementos
particulares e coletivas, compreendendo a própria ideia de antagonistas de uma esfera
racional masculina centrada, por
coro que já nos definia:
sua vez, no elemento semântico.
O coro é a concretização do coletivo; representa um lugar de Para dizer com uma fórmula:
encontro e um espaço de partilha em que diferentes corpos, a mulher canta, o homem pensa.”
37
processos, porque lida com a interação. Os ensaios são um deparar-se cons-
tante com o outro. A voz, com sua “unicidade inimitável” (CAVARERO, 2011,
p.121), é manifestação de um dos muitos lugares possíveis de fala. E mais: de
escuta. Por isso, traço uma correspondência entre a construção e organiza-
ção de um grupo que procura dissolver estruturas hierárquicas e lidar com
a voz a partir das subjetividades, e o exercício de escuta em deslocamento
proposto por Lílian Campesato e Valéria Bonafé:
27/10, SEXTA-FEIRA
A noção de músico enquanto meio proposta por Rogério Costa a partir de
Deleuze dá conta do processo vivo que é a improvisação, envolvendo os
processos de identidade, permanências, impermanências e os fluxos que se
desenrolam durante essa prática nas relações música/o-ambiente.
Do caos nascem os meios e os ritmos [...] Vimos numa outra ocasião como todas
as espécies de meios deslizavam em relação às outras, umas sobre as outras,
cada uma definida por um componente. Cada meio é vibratório, isto é, um
bloco de espaço-tempo constituído pela repetição periódica do componente. As-
sim, o vivo tem um meio exterior que remete aos materiais; um meio interior
que remete aos componentes e substâncias compostas; um meio intermediário
que remete às membranas e limites; um meio anexado que remete às fontes de
energia e às percepções-ações. (DELEUZE, 1997: 118-119, apud COSTA, 2016:49)
Temos então a/o música/o enquanto meio que transita entre essas camadas,
constitui sua identidade e seu meio interior relacionando-se com um meio
exterior, a partir das relações que estabelece: os fluxos de energia do meio
anexado e a permeabilidade das membranas que o delimitam - meio inter-
mediário.
38
concretude da pele, invólucro que estabelece o limite entre
interno e externo (tato) e também permeia as relações que
ocorrem (contato), irradiações e trocas de energia. “Ao usar
o tato, uma pessoa se mantém dentro de sua própria periferia,
porém, com o contato, a energia sai do limite exterior do próprio
corpo e passa a um objeto ou a outro corpo.” (GAINZA, 1997, p.52)
28/10, SÁBADO
39
O que mais me atrai da improvisação é o frescor, e um
determinado caráter que se relaciona com os limites e que
só se pode obter através da improvisação (...). Me refiro à
sensação de estar sempre à beira do desconhecido, prepa-
rado para dar o salto. Quando se sai para tocar, apesar de
todos os anos de experiência, de sua sensibilidade e de sua
habilidade com o instrumento, sempre se tem que reali-
42
“Lo que más me atrae de la
zar esse salto em direção ao desconhecido.42 (STEVE LACY,
improvisación es la frescura, y
1982:6-7 apud ALONSO, 2003: 87)
un determinado carácter que
tiene que ver con los límites y
Logo, improvisar é estar em movimento e em diálogo com
que sólo se puede obtener a
os territórios, dissolvendo as fronteiras que os separam e
través de la improvisación (…).
Me refiero a la sensación de reinventando outras ainda inexistentes ou desconhecidas
estar siempre en el borde de lo – novas conexões de sentido. Em outras palavras, trabalhar
desconocido, preparado para sem a ideia de um território fixo, como coloca Chefa Alonso
dar el salto. Cuando sales a (2003, p.88). Existe na improvisação livre uma atração pelas
tocar, a pesar de todos los años fronteiras, por tudo que está entre e é constantemente
de experiencia, de tu sensibi-
modificado, e por isso quem improvisa está sempre transi-
lidad y de tu habilidad con el
tando. Em vista disso, a autora coloca o nomadismo como
instrumento, siempre tienes
metáfora para a improvisação, "um nomadismo do sentimen-
que realizar ese salto hacia el
desconocido.” to, relacionado com a busca, sentida como algo essencial,
a curiosidade pelo desconhecido e o questionamento das
43
“un nomadismo del sen- convenções estabelecidas”43 (ALONSO, 2003, p. 88).
timiento, relacionado con la
búsqueda, sentida como algo O nomadismo e a filosofia da improvisação livre compar-
esencial, la curiosidad por lo tilham o pensamento libertário, baseado numa confiança
desconocido y el cuestiona- natural em direção ao ser humano e às relações espontâneas
miento de las convenciones que se estabelecem sem necessidade de leis, sem necessidade
establecidas.” de um estado de ordem. A ordem não precisa ser imposta
desde fora, posto que aparece tanto nas relações entre as
44
"El nomadismo y la filosofía pessoas como na música que se improvisa.44 (ALONSO,
de la improvisación libre com- 2003: 89)
parten el pensamiento liber-
tario, basado en una confianza Desta forma, a improvisação demanda uma flexibilidade
natural hacia el ser humano y para poder transitar entre os territórios – ou viajar sem
hacia las relaciones espontá- destino final como no nomadismo –. Para tal, existe uma
neas que se establecen sin ne- relação direta entre a flexibilidade da/o improvisador(a)
cesidad de leyes, sin necesidad para acompanhar o fluxo e lidar com as flutuações (des)
de un estado que ordene. El territorializantes e a flexibilidade do tônus para a eutonia.
orden no necesita ser impues- O equilíbrio do tônus é um equilíbrio que se dá em movi-
to desde el exterior, sino que
mento, de acordo com o que demanda cada atividade em
aparece, tanto en las relaciones
cada momento, situação sempre distinta.
entre las personas, como en la
música que se improvisa."
40
Um corpo de tônus flexível é um corpo capaz de multiplici-
dades, disposto a se afastar de seu formato conhecido, de se
desterritorializar de seu ‘si mesmo’ usual e hábil para tomar
outros formatos incertos, para experimentar outras sensibi-
lidades, inclusive desafinadas e que chiam em seus ouvi-
dos. O que se entende por um corpo flexível não está só nas
articulações e músculos, mas na ordem das dissonâncias.45 45
"Un cuerpo de tono flexible
(GAINZA, KESSELMAN, 2003: 64) es un cuerpo capaz de multiplici-
dades, dispuesto a alejarse de su
Os tônus estão presentes nos corpos, nos territórios, nas
formato conocido, de desterri-
identidades, nas fronteiras: se dão no trânsito, no entre. A
torializarse de su sí mismo usual y
flexibilidade permite agenciar e transitar os diferentes tô- hábil para tomar otros formatos
nus durante os processos que se dão na livre improvisação. inciertos, para experimentar
otras sensibilidades, incluso
[interação; nomadismo; trânsito; flexibilidade do tônus]
desafinadas y que chirríen en sus
oídos. Lo que se entiende por un
Não sei se adianta ainda...mas sobre Diário de borda, tudo NuSom e Sonora, improvisadora
e doutoranda no Departamento
que sei é o que falei já no whats, que Raquel me falou: se-
de Música da ECA-USP.
ria tudo aquilo que tu anotas das tuas experienciações, das
tuas vivências. Tudo aquilo que passa no teu percurso que
te move, tu anotas, sejam citações, sons, frases, capítulos
importantes resenhados. É aquilo que vc vai colocando
um após outro, num arquivo, pode ser um word ou um
caderno de notas.
41
Mas como deves já estar numa etapa avançada do que seria isso....não sei
como te serve. Eu não tenho uma bibliografia sobre isso. Mas foi como eu fiz
meu TCC com a Raquel Stolf.
Espero ajudar!
Bjão!!”
Por exemplo: pra falar do teu próprio processo criativo, eu com certeza
anotaria tudo sobre os objetos....os catalogaria e os modos que vc os usa...
Cada vez que vc toca, quais coleções vc ativa? Como vc escolhe os materiais?
Vc registra as combinações de objetos? Qual pensamento transita nesse
percurso entre pensar uma improvisação com piano preparado e escolher os
materiais? E a visualidade desses materiais no piano, os lenços, as rosas...a
delicadeza, os estados internos de cada material e ressonância. O que te
move a escolher tal o qual? Isso daria um belo e cheiroso diário de borda de
um piano preparado por Carvalho :) ehehhe E como isso sairia no TCC? Bem
, não sei como vc tá fazendo, mas vc está tocando várias mulheres compo-
sitoras, certo? Não lembro como vc falou do plano do TCC. Se por acaso vc
estiver entrando no repertório dessa mulheres, ou algo assim, vc tmb pode
fazer uma seção com esses teus materiais de improvisação e preparação de
piano. Talvez esteja muito em cima, e vc precise de mais tempo pra fazer
isso, mas depende do que vc já tem registrado, ou documentado.
Pessoalmente sempre vejo no teu trabalho uma força estética desses objetos
preparando o piano, que é ao mesmo tempo radical mas também muuito
delicada, duma percepção tua Mari, de delicadeza, de sutileza, talvez. Desde
a primeira vez que te ouvi e vi tocar, percebi essa sutileza, como sons que
pedem pra ser ouvidos mais baixo e de perto.
42
30/10, SEGUNDA-FEIRA
Mas a partitura não é uma obra para um(a) performer; nem
faz soar a obra; a obra inclui a mobilização de habilidades
previamente estudadas pela/o performer de modo a corpo-
rificar, fazer soar, uma série de relações que só são parcial-
47 "
mente relações entre sons.47 (CUSICK, 1994: 20) But the score is not the
work to a performer; nor is
Já escrevi antes sobre a dificuldade de escolher o repertório the score-made-sound the
e a contínua reavaliação das escolhas que me coloco, tendo work: the work includes the
feito várias reconsiderações. Talvez isso se deva ao foco no performer's mobilizing of
processo, que obscurece um pouco a visualização do resul- previously studied skills so as to
tado. Como existe uma data colocada para a apresentação, embody, to make real, to make
tenho menos de dois meses para tentar fazer uma síntese sounding, a set of relationships
desses dois movimentos (aparentemente?) contraditórios. that are only partly relationships
among sounds"
Desta forma, esse trabalho acaba indo na contramão da pre-
paração de um recital de piano “tradicional”. Inclusive, penso
se cabe aqui a palavra “recital” - pra mim será mais uma
performance de fim de curso, um acontecimento mais abran-
gente, reflexo natural dessa imersão de estudo: improvisação,
a performance solo que criei e algumas peças escritas.
31/10, TERÇA-FEIRA
43
01/11, QUARTA-FEIRA
44
FIG 12 Haokah, de Do livro dos seres imaginários (Valéria Bonafé), comp.10
02/11, QUINTA-FEIRA
Sonhei que era o dia da apresentação do TCC e eu não
havia preparado as peças. É a terceira vez que sonho que a
data chegou e eu não tinha feito tudo o que me propus, mas
eu me conformava porque podia improvisar - o que não sig-
nificava que o fazia com tranquilidade. Desta vez, eu mon-
tava a performance do nylon (muito fácil e rapidamente)
e de repente já era quase hora de começar, mas não tinha
decorado as peças escritas, nem sequer lido algumas delas.
A improvisação livre com as/os colegas estava ajeitada.
45
46
FIG 13 Uma ursa tocando o contrabaixo e a mulher negra,
(Sofia Gubaidulina)
47
Esses sonhos me põem a pensar sobre o jogo de forças
entre processo e resultado. Este diário é claramente uma
tentativa de colocar o processo em evidência, diante de um
fazer musical que geralmente tem como objetivo os resul-
tados. Inserida nesse ambiente, e ainda não imune a essa
lógica, dormindo eu me angustiava que a data chegasse
sem que eu houvesse concluído o que precisava. Apesar
dessa falta de tranquilidade, consigo perceber que há
também uma clareza de que a data final é apenas um corte
transversal para olhar um processo que não começa nem
termina com este TCC.
03/11, SEXTA-FEIRA
Descobri um texto que trata simultaneamente de assuntos
que me interessam: feminismo, performance e o problema
mente/corpo. No artigo “Teoria feminista, teoria musical e
53
CUSICK, Suzanne. Feminist o problema mente/corpo”53, de Susanne Cusick, o dualis-
theory, music theory and the mo mente/corpo pode ser entendido como um assunto da
mind/body problem. Perspec- teoria feminista e da musicologia. Nele, a autora afirma
tives of new music, Seattle,
que ignorar os corpos que performam é também ignorar o
1994, p. 8-27. Disponível em:
feminino, dada a relação que se engendrou entre compo-
http://www.jstor.org/sta-
ble/833149?seq=1#page_scan_
sitor (no masculino) e a mente: a criação intelectual é res-
tab_contents trita aos homens, enquanto que a corporificação da música
(performance) é um lugar destinado ao feminino. Portanto,
54 " tanto os binarismos de gênero como a hierarquização das
Thus, we stand to know
music more intimately if we know funções musicais e a separação corpo-mente operam como
it as a complex conversation of manifestações de relações de poder entre corpos.
(situated) minds and (situated)
bodies. And since gender is the Sendo assim, é possível conhecer a música de forma mais
systems of power relationships íntima se a enxergarmos como uma conversa complexa de
among bodies, we cannot possi- mentes (situadas) e corpos (situados). E como gênero são os
bly know all the gender content sistemas de relações de poder entre os corpos, não é possí-
there might be in a given work vel saber todo o conteúdo de gênero que pode haver em um
without understanding how our determinado trabalho sem entender como nossas conversas
music's complex conversations musicais complexas fazem corpos reais se comportarem.54
require actual bodies to behave." (CUSICK, 1994: 21)
48
Ainda, as normas e imposições de gênero operam na
sociedade podem ser vistas na performance a partir das
ações corporais. Nesse sentido, a performance pode ser
um lugar de desconstrução dessas relações de poder e
binarismo vigentes, uma maneira de reverter o silencia-
mento feminino. "Deste modo, talvez descubramos que muito
do prazer pela música é proporcionado pela oportunidade que
55
ela nos dá de sermos nós mesmos, livres da rigidez de gênero."55 "Thus, it may be that we
(CUSICK, 1994, p.19). Ainda estou assimilando e estabele- will discover that much of the
cendo relações. pleasure in music is afforded by
the opportunity it gives us to
[presença; corpo x mente; feminismo] play ourselves free of gender's
rigidities."
04/11, SÁBADO
Por que tocar mulheres compositoras?
56
Onde estão as mulheres na música?56 Por que tocar mu- Pergunta que motiva o
lheres compositoras? Por que vasculhar insistentemente a surgimento da rede Sonora -
procura dessas peças? Por que ter o trabalho de procurar músicas e feminismos.
Tatiana Catanzaro no facebook para conseguir a partitura
de Kristallklavierexplosionsschattensplitter? Por quê não
tocar alguma peça mais fácil de achar por aí, nos livros de
história, na biblioteca, com gravações no youtube? Por
que quem toca mulheres são quase só mulheres? Por que
as mulheres não se interessam muito por composição
se Nilceia Baroncelli catalogou 1473 em 1987?57 Por quê 57
BARONCELLI, Nilceia Cleide
estou no fim do quinto ano do bacharelado em piano na da Silva. Mulheres compositoras.
USP e nunca toquei algo composto por uma mulher para São Paulo: Roswitha Kempf, 1987.
05/11, DOMINGO
Haokah, a última criatura de “Do livro dos seres imaginá-
rios”, de Valéria Bonafé, a partir do livro homônimo de
Jorge Luis Borges (1957):
49
Entre os índios sioux, Haokah usava os ventos como ba-
quetas para fazer ressoar o tambor do trovão. Seus chifres
demonstravam que também era deus da caça. Chorava
quando estava contente, ria quando estava triste. Sentia o
frio como calor e o calor como frio. (BORGES, 2007: 117)
06/11, SEGUNDA-FEIRA
Estar presente é estar aberta à materialidade do mundo,
tal como ele é e acontece, senti-lo, vivê-lo sem necessa-
riamente interpretá-lo ou atribuir-lhe sentido. Envolve a
vivência do momento presente, tempo em estado puro que
não se insere em nenhuma linearidade ou relação causal.
50
A percepção é profundamente presença. (...) A presença se
move em um espaço ordenado para o corpo e, no corpo. (...)
Toda poesia atravessa, e integra mais ou menos imperfeita-
mente, a cadeia epistemológica sensação-percepção-conhe-
cimento-domínio do mundo: a sensorialidade se conquista
no sensível para permitir, em última instância, a busca do
objeto (...) Minha leitura poética (e minha performance de
improvisador) me “coloca no mundo” no sentido mais literal
da expressão. (MORIN, 1991: 80-82 apud COSTA, 2016: 185)
51
07/11, TERÇA-FEIRA
52
• discos de cerâmica que produzem um timbre talvez
mais delicado do que os parafusos e aos quais se asse-
melham;
53
FIG 11 Bula do livro Do livro dos seres imaginérios (Valéria Bonafé)
54
Acho que é isso, os seres imaginários do Borges são outros
seres imaginários da Valéria e, no caso, outros seres ima-
ginários compostos pelo meu imaginário de preparações,
todos unidos pela ideia de serem seres imaginários.
08/11, QUARTA-FEIRA
Kami, a última criatura de Do livro dos seres imaginários
de Valéria Bonafé, a partir do livro homônimo de Jorge
Luis Borges:
Segundo uma passagem de Sêneca, Tales de Mileto ensinou
que a terra flutua na água, como uma embarcação, e que a
água, agitada pelas tormentas, causa os terremotos. Os his-
toriadores ou mitólogos japoneses do século XVIII propõem
outro sistema sismológico. Em uma página famosa, lemos:
55
A essa altura, lendo a dissertação de mestrado do Mário
del Nunzio, “Fisicalidade: Potências e limites da relação
entre corpo e instrumentos em práticas musicais atuais”,
fiz a descoberta de uma bibliografia de grande interesse:
a tese de doutorado de Franziska Schroeder “Re-situan-
do performance dentro do ambíguo, o limiar, e o limite:
prática de performance entendida através de teorias de
69
"Re-situating Performance corporificação”69.
Within The Ambiguous, The
Opto por não ler isso agora, apenas dei uma olhada no
Liminal, And The Threshold:
Performance Practice Under- índice, com tópicos interessantes e deixo aqui apenas o que
stood Through Theories of o Mário del Nunzio escreve sobre esse trabalho:
Embodiment.". Tradução minha.
Assumo a dificuldade de traduz- Uma pesquisa sobre diferentes instâncias da presença do
ir o termo embodiment. corpo em situações de performance (Schroeder, 2006). Ela
relacionou diferentes tipos de pensamento sobre corporifi-
cação, no mais das vezes associando-os a pensamentos filo-
sóficos de um determinado autor, e, a partir daí, elaborou
sobre diversos modos como o corpo pode fazer-se presente
numa situação performática.” (DEL NUNZIO, 2011: 36)
09/11, QUINTA-FEIRA
Hoje teve ensaio da Orquestra Errante. Agora que estou
nesse processo solitário do TCC, percebo que os encontros
para tocar junto são precisos. A experimentação em grupo
é distinta da individual, pois a interação com os outros
provoca percepções e reflexões que só em conjunto se
podem revelar, a partir do jogo que se estabelece entre as
pessoas envolvidas. A improvisação livre é, sem dúvida,
um lugar muito propício para isso.
56
sutilezas que descaracterizaram um pouco o “som da
Orquestra Errante”. Conversamos bastante a respeito.
Os grupos de improvisação livre que ensaiam regular-
mente acabam por estabelecer modos de relacionar e,
consequentemente, acabam configurando lugares comuns,
mesmo que sempre diferentes.
10/11, SEXTA-FEIRA 71
Performance solo realiza-
estudo em nylon - linhas de fuga71 da no ¿Música? 12, trânsitos e
cancelas. Colaboração: Kooi
A performance surgiu a partir da imagem de um piano
Kawazoe e Missionário José.
(Fig. 14) que se expande no espaço através de linhas que Captação de som: Pedro Paulo
saem de sua harpa. Ela une alguns interesses meus: Santos. Iluminação: Maíra do
improvisação, técnicas estendidas ao piano, corporalidade Nascimento. Audiovisual: Caio
e feminismo. Antonio, Francisco Miguez,
Julia Alves Rodrigues e Maurício
Unido à sonoridade metálica das agulhas de crochê e tricô, Battistuci. https://vimeo.
o nylon foi uma solução sonora para a ideia das linhas que com/243052972
57
inicialmente eram lã – sempre me fascinaram trabalhos
com bordado, crochê e tricô, uma forma de empoderamen-
to dessas atividades “essencialmente femininas” e restritas
ao artesanato. Uma trama sonora no espaço traz novas
conexões – linhas de fuga - e provoca outras maneiras de
transitar, outras corporalidades no ato de tocar piano.
58
e do posicionamento dos fios foi a que foi possível de ser
feita neste momento, totalmente empírica a partir de todas
essas considerações.
59
FIG 14 Esboço de estudo em nylon 12/11, DOMINGO
Pequeno parêntesis sobre linguagem, desconstrução, revisões
e permeabilidade das fronteiras
60
Talvez assim neste experimento se possa abrigar as singu-
laridades e multiplicidades, buscar corpos em movimento,
potentes, presentes e abertos às reverberações de outros
corpos.
13/11,SEGUNDA-FEIRA
Ao me debruçar sobre a tarefa de escrever uma monogra-
fia, resolvi olhar para a minha trajetória um tanto peculiar
para uma aluna de bacharelado em instrumento. De fato,
esse curso correu “por muitos lugares diferentes, erodiu
e sedimentou-se, fez desvios, encontrou quedas livres e
outras caídas suaves”, como escrevi no dia 19 de setembro,
dia em que tive a ideia do diário. Com tantas descobertas
e atravessamentos, percebi que não fazia sentido procurar
um objeto externo para analisar, e que seria necessário
elaborar um trabalho que de alguma forma envolvesse as
peculiaridades ou particularidades deste percurso.
77
As experiências vividas em grupo durante esse período77, Me refiro ao Coro Profana,
os momentos de estudo ao piano com ferramentas da eu- Camerata Profana, NuSom,
Sonora (ver dia 05/10) e
tonia, a improvisação livre e também o contato com textos
Orquestra Errante.
sobre a pesquisa em artes, a cartografia, as epistemologias
do particular78, e os estudos feministas, me fizeram buscar 78
Discussão presente no
um método que aproximasse prática e reflexão. Resolvi en- NuSom durante este semestre.
tão, ao invés de uma análise objetiva e dissociada do sujei-
to, apenas escrever sobre essa trajetória, que é particular e
estou implicada, porque é um processo do qual faço parte.
61
partida. A primeira é presença, ideia que me fascinou e
se relaciona com o grande interesse que desenvolvi pelo
corpo. A segunda é experimentação, que é um caminho
para o encontro de outras sonoridades, corporalidades ou
metodologias. Por último, a interação, porque fazer música
pressupõe a relação entre pessoas, sons, afetos, conceitos,
ideias, imagens - numa rede.
62
Assim, eu tentei construir essa monografia aos poucos
e em conjunto com a performance de formatura que
virá, inclusive considerando as mudanças de direções e
imprevistos. O diário foi realizado por um curto período de
tempo, e tentei apenas estabelecer algumas das múltiplas
relações possíveis nessa teia. Muitas das reflexões são
ainda iniciais, não aprofundadas e outras conexões
poderiam ter sido estabelecidas, analisadas, exploradas:
15/11, QUARTA-FEIRA
63
explor
de uma r
particula
e de e
com o
ANEXO
ANÁLISE FEMINISMO ORQUESTRA ERRANTE
25/09; 11/10; 01/11 05/10; 01/11; 03/11; 04/11 09/11
IMPROVISAÇÃO PROCESSO
CORPO X MENTE 26/09; 06/10; 02/11 19/09; 21/10; 30/10; 02/11
26/09; 28/09; 03/11
REPERTÓRIO
DESTERRITORIALIZAÇÃO INTERAÇÃO 21/10; 24/10; 30/10; 04/11
03/10 20/09; 26/10; 27/10; 28/10; 01/11;
08/11; 09/11; 10/11
RIO
DIÁRIO
19/09
19/09; 13/11 INTRODUÇÃO
28/09; 04/11; 05/10; 08/11; 12/11; 13/11
SOFIA GUBAIDULINA
EPÍLOGO
31/10; 01/11
11/11 INVENTÁRIO
16/10
SONHO
ENSAIO
21/10; 02/11
09/11 LUGAR DE FALA
26/10; 01/11
SONORA
EPISTEMOLOGIAS
05/10
FEMINISTAS MARISA REZENDE
05/10 20/09; 10/10
SILÊNCIO
09/10
ESCUTA MEMBRANAS
26/09; 26/10 27/10; 12/11
TÉCNICAS ESTENDIDAS
07/11; 10/11
ESTUDO EM NYLON MÉTODO DE ESTUDO
10/11; 11/11; Epílogo 21/09; 22/09; 27/09; 06/10; 10/10;
TEMPO EM ESTADO PURO
11/10; 16/10
23/10
EUTONIA
21/09; 22/09; 26/09; 27/09; 04/10;
METODOLOGIA TRÂNSITO
10/10; 16/10; 27/10
19/09; 05/10; 29/10; 13/11; 15/11 28/10
EXPERIMENTAÇÃO NOMADISMO
21/09; 22/09; 25/09; 27/09; 03/10; VOZ
28/10 26/10
04/10; 06/10; 10/10; 11/10; 07/11