O CO A MEDICINA, Q A PSICANÁLISE E A PSICOSSOMÁTICA. O USUFRUTO DO CORPO
Milton L
psicanálise, cada vez mais, gia, na endocrinologia e na neurociên-
,neste final de século, vem cia, com a descoberta de peptídeos e possibilitando um diálogo com outras neurotransmissores em número cres- áreas do conhecimento, sobretudo com cente, que seduzem ao encontro da tão a medicina, da qual se origina, com a esperada "passagem" do psíquico para pedagogia, o direito, a filosofia e com o o somático. discurso universitário. A partir destes No campo da psicanálise, Freud "casamentos", novas perspectivas, refor- (1974a, 1974b, 1974c) chegou a consid- mulações de conceitos com conseqüên- erar a participação do inconsciente co- cias clínicas têm surgido. mo um determinante não somente nas No que tange às relações da psi- ações psíquicas mas também nas somá- canálise com a medicina, a psicossomá- ticas, sobretudo em artigos destinados à tica psicanalítica surge como uma pos- neurose histérica, neurastenia e neu- sibilidade de perceber o sofrimento vi- roses atuais mas preferiu não se apro- vido pelo homem no seu psicossoma, fundar na questão da psicossomática. unidade não cartesiana do ser vivente. Foi a partir de G.Groddeck (1984), A psicossomática vem se desen- considerado o pai da psicossomática, volvendo numa espécie de interface, que o corpo volta a ter o seu lugar um espaço de discussão entre o discur- como o palco do teatro da vida, onde as so da medicina e o discurso do psíqui- cenas fantasmáticas se atualizam em co, abrangendo pesquisas na imunolo- tragédias. Digo que é um retorno, por-
Prof. Assist. Dr. do Depto. de Clínica Médica da Universidade Estadual de Campinas;
pesquisador do Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Núcleo de Psicanálise do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica da São Paulo; membro da Sociedade Campinense de Psicanálise e da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática. que para a medicina cia antigüidade o ser humano era tomado como uma unidade vivente, e a sede da alma não estava no cére- bro. Tanto Freud, como Groddeck eram clínicos, Freud, um clíni- co da alma, Groddeck, um clínico geral, das doenças crônicas, dos banhos, das massagens e da psicanálise. Acredito que é da clínica que nascem as teorias e jamais o contrário. Isto posto, pretendo nesta oportunidade considerar a psicos- somática do ponto de vista da psicanálise e da psicopatologia, enfocando a questão do Gozo (Genuss, puissance, enjoyment) e da Castração, desenvolvidos sobretudo em Freud e Lacan. Onde fica a sede da alma humana? Quando o Homem ama, tem medo, se apaixona, se admira diante de uma obra de arte, se sente atraído pela visão do belo sexo, leva um susto, se vê diante da morte de alguém querido ou de sua própria; quando sonha, acorda subitamente de um pesadelo... onde registra e o que faz com todos os estímulos que recebe e produz? Basta ater-nos a lembranças como estas, para percebermos que é o corpo quem primeiro registra e primeiro reage aos estí- mulos, sejam exteriores ou interiores. O medo, nos atinge direta- mente no epigastro, o ódio, no fígado e na vesícula biliar; o amor, no coração e nas cordas vocais; a atração sexual, nos órgãos geni- tais....Talvez por isto, na antigüidade, Hipocrates teria formulado a teoria dos humores, onde o melancólico por exemplo, sofreria pela bile negra em excesso, intoxicando o seu corpo. É somente num segundo momento, que o pensamento inter- vém, numa tentativa de reconhecer, pela elaboração simbólica da linguagem, este fragmento de real ameaçador ou inquietante. Portanto, o sujeito humano, em função de sua inserção na cultura, dispõe de uma maquinaria ou de uma "linguisteria", no dizer de Nestor Braunstein (1992), para reconhecer e barrar a invasão do estranho sobre seu corpo. Isto nos leva a pensar sobre o ponto de partida. O filhote homo sapiens, não é ainda humano ao nascer, sua bagagem genéti- ca não lhe assegura a sapiência e sua humanização depende do um outro que vai acolher o seu grito (Nebenmenscb). Nesta fase de extrema fragilidade e desamparo (Hilflosigkeit), a criança nada mais é que um "x" diante do desejo do Outro da linguagem, ela é ape- nas sensações sem nenhum nome: luz, peso, frio, molhado, cocô, xixi, fome, sede, dor; estes, ela só vai associá-los porque alguém irá lhe ensinar. E qual não é o júbilo que constatamos na criança que passa a articular as primeiras palavras para poder traduzir o que sente! Quem teve filhos pequenos ou vive a clínica pediátrica, sabe o quanto a criança utiliza o corpo para se comunicar diante de si- tuações de angústia, de medo ou de euforia mesmo, como as famosas febres emocionais, diarréias, constipações, crises asmáticas e tantas outras, e constata a dissolução destes sintomas a partir do momento em que consiga verbalizá-las tre). F justamente esta falta, este frag- ou exprimi-las em desenhos ou brin- mento de real que se perde, objeto a de cadeiras. Lacan, que nos institui como seres dese- Vale a pena, neste momento lem- jantes, que movimenta a pulsão em brar a Carta 52 de Freud (cf. Kaufmann, demandas que nada mais fazem que I996) e o esquema que ele propõe para reafirmar esta falta. a estruturação do aparelho psíquico: A primeira conceitualizaçâo de gozo em Freud, vamos encon- I II III trá-la em "Os chistes e sua relação com o inconsciente", w Wz Ubw Vh Bete de 1905 (1974c), quando exa- perceptum Id inconsciente pré-consc. Jading $ mina a transmissão do rasgo de (sujeito dividido) espírito entre a primeira e a gozo perdido cifragem decifragem sentido gozo recuperado terceira pessoa. Ele afirma que (das Ding) "... a comunicação a uma outra pessoa proporciona o gozo", e, Deste esquema, que já associa ele- mais abaixo, que pelo efeito desen- mentos da primeira e segunda tópica, cadeado sobre um novo: "...recupera-se apenas nos serviremos para retirar a um fragmento de possibilidade de gozo noção de gozo (Genuss), que é diferen- que faltava em decorrência da falta de te da idéia de prazer, podendo até se- novidade". Assim é afirmado, ao mesmo rem opostos. tempo, que o discurso detém os meios O homem não tem acesso às de gozar na medida em que implica o experiências diretamente obtidas do re- sujeito, mas que o sujeito só poderia al (Wabrnebmung), às cenas primárias estar implicado pelo que excede o dis- onde se viu tramado na história que o curso nessa passagem, de um rasgo. O precedeu ou ao lugar que veio ocupar riso é o signo do sujeito, mas o sujeito no desejo de sua màe. O trabalho do sendo doravante não idêntico a si inconsciente já supõe uma cifragem mesmo, não goza mais, tudo que pode anterior desta percepção. As produções fazer é tentar recuperar "um fragmento do inconsciente, sejam os sonhos, os de possibilidade de gozo". atos falhos, os chistes, as atuações (ac- Ainda em "Mais além do princípio ting out), estão já numa relação de do prazer" (19740, no capítulo sobre a deslocamento e condensação (em La- repetição, vamos encontrar que origi- can diríamos metafórica e metonímica) nalmente, o sujeito, em relação ao que com esta Coisa (das Ding) inacessível, o conduz a algum declínio do gozo, para sempre perdida, em decorrência não poderia se manifestar senão como da inserção do homem na linguagem. repetição, e repetição inconsciente. O No entanto, como Freud propõe, gozo é visado num esforço de reencon- em Mais além do princípio do prazer, é tro, mas, pela virtude do signo, alguma a pulsâo de morte que é fundamental à outra coisa ocorre em seu lugar, uma existência, pois buscamos sempre uma marca, e nessa falha resvala o objeto tentativa de retorno a este elo perdido, sempre já perdido. a este fragmento de real que se perde No mito de "Totem e Tabu", Freud em cada tentativa de dizer a Coisa. (1974e) vai marcar a impossibilidade do Lacan, a partir da leitura de Freud, pos- gozo sexual reservando-o apenas ao pai tula que o homem é um ser de falta, da horda primitiva, que desfruta de "falta para ser" e um "falasser", (Parlê- todas as mulheres. Por isso, esse pai originário (Urvater) obriga todos os fi- constatar que sob a aparência de uma lhos a ligações em que suas tendências demanda de cura, esconde-se muitas sexuais são inibidas quanto ao fim. vezes o desejo de apegar-se à doença, Assim o mito ocorre no lugar onde, no o que leva ao fracasso todo o progres- sistema simbólico, no sistema do so que a técnica oferece ao médico. O sujeito, o gozo sexual não é em lugar que movimenta o inconsciente do algum simbolizado nem simbolizável. paciente ao amor do sintoma senão o Ao correlacionar a curiosidade se- gozo? xual e o desejo de saber, Freud deu um Ainda nesta conferência Lacan diz: passo decisivo. Procurar desmascarar o "...O que eu chamo gozo, no sentido que está envolvido no gozo na medida onde o corpo se experimenta é sempre em que ele, estando excluído, conduz a da ordem da tensão, do forçamento, do freqüentar o Outro da linguagem como gasto até mesmo da exploração. Sem lugar onde algo se sabe. O saber é o dúvida há gozo ao nível onde começa a preço da renúncia ao gozo, e é nesse aparecer a dor e nós sabemos que é sentido que poderíamos entender a cas- neste nível da dor que se pode provar tração. H também o ponto "fraco" que o toda uma dimensão da origem do ser, discurso analítico permite descobrir, que de outra maneira restaria perdida". esse ponto mesmo de junção obscura "Gozar de uma boa saúde", do do objeto a - a saber, aquele onde o su- dizer popular, pode significar exata- jeito pode reencontrar sua essência real mente o contrário do gozo do corpo como falta-a-gozar, algum representante enquanto experiência vivida por ele que tenha tido de designar para si - com mesmo. A medicina está assim dividida o campo do Outro na medida em que entre os alvos do prazer e do gozo, e nele se ordena o saber, esse domínio em geral assume o papel de tecer bar- interdito ao gozo. (Lacan, 1965). reiras ao gozo. Outras vezes, sem per- A linguagem funcionaria como um ceber, o médico e também o psicanalis- diafragma do gozo, que ao mesmo tem- ta, tornam-se o instrumento do gozo. po lhe serve como barreira e como pas- Para mim, o hipocondríaco e o perver- sagem. O inconsciente e suas forma- so poderiam ser exemplos interes- ções são meios de possibilitar o gozo. O santes. inconsciente é um trabalho onde a Resumindo: o gozo é inconsciente, matéria prima é o gozo e o produto o da ordem da tensão, vivido no corpo, o discurso. sujeito só tem notícia pelos seus efeitos Lacan desenvolve o conceito de no corpo. As formações do inconsciente gozo pela via do direito, da filosofia do são uma elaboração e um deciframento direito de Hegel. A teoria do direito se sempre inacabados desta matéria prima, estabelece como regulação das restri- como um diafragma que permite que ções impostas ao gozo dos corpos, ou um certo gozo se vincule a estas for- seja o contrato social. O que é licito mações, denominado por Lacan de go- fazer? Até onde podemos chegar com o zo fálico ou gozo fora do corpo ("hors próprio corpo e com o corpo dos ou- corps"). O gozo do corpo é da ordem tros? Referem-se portanto às barreiras da pulsão de morte, tentativa de reen- ao gozo, do lícito e da licença. contro com a Coisa, fora do campo sim- Em I960, tratando do tema bólico. Como exemplo poderíamos "Psicanálise eMedicina", Lacan (1985a) pensar no gozo do drogadicto, do alu- relembra a experiência tantas vezes re- cinado, do suicida e porque não do petida por nós médicos, obrigados a canceroso, do hipertenso, do diabético? O princípio do prazer e o desejo cossomática? LJma lesão de órgão pode- (Wunsch) se opõem ao gozo. O prazer ria ser pensada como o gozo do órgão? é vivido conscientemente, é da ordem Lacan propõe a lesão de órgão, do relaxamento, da queda da tensão, por ele denominado fenômeno psicos- comparável ao disjuntor que desliga somático como uma impossibilidade de automaticamente quando a tensão elé- articulação simbólica, dentro da cadeia trica está sobrecarregada. Um bom significante que se interromperia diante exemplo desta relação gozo/prazer é o de um real insuportável, um apelo sig- orgasmo. Pode-se criar condições óti- nificante, misto de som e imagem, nào mas de excitação numa relação sexual, necessariamente palavra, mas que leva- a tensão é máxima de gozo até o mo- ria a uma espécie de emassamento ou mento do orgasmo que desarma a exci- fusão do par significante S1/S2 resultan- tação, sendo seguido pela "morte" do do numa inscrição no real do corpo pênis. (Lacan, 1988 a, 1988b). Poderíamos Qual a relação entre o gozo e a pensar que a lesão de órgão ocorre castração? Há entre eles uma oposição quando o sujeito leva muito longe a fundamental e que pode ser o eixo na barreira do gozo. Então o sujeito nào direção do tratamento psicanalítico. O goza mais com as formações do incon- sujeito deve renunciar ao gozo do cor- sciente, com os significantes do sujeito po em troca de um outro gozo, próprio submetido à lei da castração, mas goza aos seres assujeitaclos à Lei. O gozo ori- com o eczema, com a úlcera, com o ginário, gozo da Coisa, gozo anterior à câncer e com a amputação. Lei da Castração é um gozo interdito, A contingência deflagradora do mau-dito, que deverá ser recusado e fenômeno psicossomático poderia rela- substituído por uma promessa de um cionar-se com situações atuais insu- gozo fálico que resulta da aceitação da portáveis ou uma atualização de um nú- castração. "Tu não podes te proporcio- cleo patógeno inconsciente, como sig- nar o que tu perdeste". nificantes datais ligados a perdas afeti- A incorporação cio ser à linguagem vas. Segundo Jean Guir (1992), pode-se é a causa de um exílio definitivo e irre- ainda pensar a lesão de órgão como um versível em relação à Coisa. A Coisa, pedido de reconhecimento, e a "esco- numa definição que lhe dá Lacan no lha" inconsciente do órgão uma respos- seminário "A ética da psicanálise" ta ao desejo de um outro da família a (1986): "...é o que do real padece o sig- quem a criança foi muito ligada ou nificante". A palavra é o mar que ficou seduzida. atrás do navio, o sulco que não pode Penso que a psicossomática é um alcançar a carruagem que a produziu. gozo local, que obedece a uma con- Só podemos reconhecer a carruagem e dição fantasmática que exclui o signifi- o navio pelos traços que eles deixaram cante. Portanto nào haveria uma estru- em sua passagem. A terra, o mar, o cor- tura psicopatológica psicossomática, ou po em uma palavra portam a inscrição um sujeito incapaz de articular simboli- do irrecuperável. A palavra marca-se na camente seus traumas por um excesso carne e faz aí um corpo simbolizado de estresse ou ainda, incapaz de pro- nas trocas com o Outro. Falar, pensar, duzir formações inconscientes, como passar pelos significantes da Lei: tais uma deficiência global estrutural, con- são os efeitos da falta do objeto que forme propõe a Escola Psicossomática colocam assim o lugar da Coisa (Ding). de Paris - P.Marty, MTJzan e outros Pois bem, que dizer então da psi- (Marty, 1993). O que observo na clínica é, ao cuidados e das culpas em relação ao contrário, pacientes que após a eclosão neto, teve um tal efeito de apazigua- cia doença, passam a um empobreci- mento de sua tristeza, que o paciente mento da vida psíquica, volvendo sua passou a ganhar peso, dormir melhor, libido para a lesão, tornando-se um su- pensar no futuro e fazer planos, mesmo jeito-lesão. Parece que o sujeito-lesão se sabendo da gravidade de sua doença. comporta, antes de tudo, como um As metastases estão lá, nos ossos e na "apaixonado". A paixão está muito mais medula óssea, mas parece que desace- para o lado do gozo que do prazer. O leraram. Pelas estatísticas sua esperança apaixonado é absorvido pelo objeto da de vida seria de três a seis meses. paixão, num retorno narcísico que leva- Num outro caso uma paciente de o ao desgaste do corpo, podendo cul- cor parda sofrendo um quadro depres- minar na morte. Daí decorre uma difi- sivo grave e ideações suicidas, percebe culdade técnica que talvez especifique na análise sua impossibilidade identifi- um pouco o atendimento a pacientes catória. Sendo o lado materno da famí- psicossomáticos, ou seja possibilitar um lia da raça negra, e o lado paterno da corte com essa via de gozo e relançar o raça branca, é enviada pela mãe desde discurso do inconsciente. bem pequena para morar com a avó No que se refere a esta "passagem paterna, numa tentativa de aproximar as do psíquico para o somático", vejo-a duas famílias que não aceitavam o casa- como um processo altamente dinâmico mento dos pais. Tentativa malograda, a e biclirecional, cujo resultado final de- rejeição se estabeleceu em seu incon- pende de uma questão de investimento, sciente como uma impossibilidade de Freud talvez chamasse econômica. existir. Após um sonho onde se vê Desta dinâmica resultará o prognóstico, metade branca e metade negra, como o no sentido da reversibilidade, ou quan- símbolo do Yin-Yang, mas que nào se do esta não é mais possível, de um misturavam, e que seu lugar na vicia era sofrimento menor. de embaixatriz dos pais, passou a me- A título de exemplo, gostaria cie lhorar. Mas logo em seguida faz espon- citar um paciente com câncer de prós- taneamente uma hérnia de disco lom- tata metastático, que acompanho há um bar. A associação de coluna com eixo, ano, cujos sintomas iniciaram-se no pe- com manter-se sobre o próprio corpo ríodo de doze meses após a morte do vem à tona. A neuro-cirurgia acabou pai e de um neto a quem era especial- acontecendo, mas a paciente se curou mente ligado, tendo acompanhado as da depressão. cirurgias por uma cardiopatia congênita Este caso me parece um caminho até sua morte. Intensamente melancóli- inverso, o corpo participou do caminho co no início do tratamento, chorava de cura possível para esta paciente. muito e lamentava-se por nào ter morri- Num outro caso que acompanho, um do no lugar do neto querido. Fomos tra- quadro de Miastenia Gravis aparente- balhando sua história de vida, as etapas mente transitório, surgiu num momento cio tratamento, a mutilação da orquiec- importante de ressubjetivaçào do paci- tomia, as sessões de quimioterapia, até ente durante a análise. que um dia trouxe um sonho, onde seu Por último, começo a atender uma neto lhe aparece e "...conversam por pessoa apresentando uma doença de um tempo muito longo, numa conversa autoimunidade. No momento se confi- de adultos". A elaboração deste sonho, gura uma esclerodermia, que se caracte- a partir do qual pode liberar-se cios riza por um endurecimento da pele, mas que teve seu início após uma tire- O que leva cada sujeito humano à oidectomia por doença de Basedow- "opçào" do corpo como lugar de gozo, Graves, também autoimune. Há toda neste ou naquele órgào, mobilizando a uma história de surras de couro de organização arcaica cie seu corpo primi- cabresto na infância, mas o que me tivo ainda irrepresentável e de limites interessa apontar é a contingência de- imprecisos, esconde-se em sua história flagradora. e em algum "recanto" impossível e A paciente estava grávida, no sex- temido de seu inconsciente. A psicos- to mês (impressionante a incidência de somática apresenta-se hoje como um patologias da tireóide na gravidez!). importante campo de pesquisas e que Morava em uma casa de parede-meia integra os legados psicanalíticos herda- com um casal vizinho, acordando várias dos de Freud e seus continuaclores. • noites extremamente assustada, ouvin- do os gritos e ameaças tie morte das brigas deste casal. No prazo de um mês começa a sentir-se muito nervosa, tre- mores nas màos, emagrecimento pro- gressivo. O parto transcorre bem, mas o quadro clínico se agrava. Durante um ano percorrerá os médicos de sua cidade, chegando a receber altas closes de calmantes, sem efeito. Até que um clia, a irmã olha para ela e faz o diag- nóstico: "será que você nào está com a mesma doença da màe? olhe o seu pes- coço!" Nesta mesma sessão a paciente faz a ponte. Nào eram as brigas dos viz- inhos que lhe causavam estresse, mas no que a remetiam ao cenário da infân- cia. Seus pais brigavam muito, e ouvia sua mãe dizer que cortaria o pescoço de seu pai com o machado quando ele estivesse dormindo. A casa de sítio nào tinha forro e a paciente oscilava entre o desespero das brigas dos pais e o pra- zer de ouvi-los nas relações sexuais. Afirmar que o psicossoma é uma unidade, comporta conseqüências mui- to mais profundas cio eme o nosso pen- samento estruturado e contaminado pe- la concepção dualista é capaz de con- ceber. Grocldeck, em 1923, no seu Livro d'Isso4, afirmava que em cada célula estava presente toclo o ser bissexuaclo, cinqüenta anos antes das idéias do cor- po humano como um corpo holográti- co, onde a parte representa o toclo, e antes de se conhecer o DNA. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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