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direção para objecto (que não é ser entendida aqui no sentido de uma coisa) ou
objectividade imanente. Todo fenômeno mental inclui em si algo como objeto, embora
nem todos o façam da mesma maneira. Na presentação, algo é presentado, no
julgamento, algo é afirmado ou negado, no amor amado, odiado no ódio, no desejo
desejado e assim por diante.
Esta in-existência intencional é uma característica exclusiva dos fenômenos mentais.
Nenhum fenômeno físico exibe nada parecido. Podemos, portanto, definir os
fenômenos mentais, dizendo que eles são aqueles fenômenos que contêm
intencionalmente um objeto dentro de si.
Every mental phenomenon is characterized by what the Scholastics of the Middle Ages
called the intentional (or mental)† inexistence of an object, and what we might call,
though not wholly unambiguously, reference to a content, direction toward an object9
(which is not to be understood here as meaning a thing),10 or immanent objectivity.
Every mental phenomenon includes something as object within itself, although they do
not all do so in the same way. In presentation something is presented, in judgement
something is affirmed or denied, in love loved, in hate hated, in desire desired and so
on.‡
This intentional in-existence is characteristic exclusively of mental phenomena. No
physical phenomenon exhibits anything like it. We can, therefore, define mental
phenomena by saying that they are those phenomena which contain an object
intentionally within themselves.11
A discussão da noção de “inexistência intencional de um objeto” (concedendo,
por enquanto, que essa noção seja “compreensível”) requer algumas informações
preliminares. Em primeiro lugar, “inexistência” não significa, no texto acima, “não
existência”, mas sim “existência em” ou “in-existência”. Em segundo lugar, “intencional”
não significa o mesmo que “voluntário” (embora o voluntário para Brentano, tem a
“marca do intencional”) (como “não intencional” é o mesmo que “involuntário”).
“Intencional”, aí, denota apenas o atributo de “ser sobre algo” ou “estar apontando para
algo” (ou “dizer respeito a algo”, ou ainda “referir-se a algo”) e nada mais.
Com estes esclarecimentos preliminares e não atribuindo a Brentano qualquer
“enriquecimento ontológico” à sua noção de intencionalidade como marca do mental,
parece possível entender que a tese aí defendida por ele é a de que todo fenômeno
mental está caracterizado por nele existir um objeto para o qual ele, o fenômeno mental,
aponta. Todo fenômeno mental é “sobre algo” (intencionalidade do fenômeno) e esse
algo é “parte do fenômeno mental” (inexistência da parte do fenômeno, seu “objeto”).
Todo fenômeno mental se caracteriza, portanto, por:
1. a) conter um elemento que inexiste (existe no (internamente ao) próprio
fenômeno) no próprio “estado mental” (do qual é, portanto, um “elemento in-
existente”);
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só seria possível se a Psicologia fosse sobre algo diverso que a Física. Para complicar
ainda mais a situação, a investigação “científica” propriamente dita, já tinha chegado
até bem próximo à “alma humana” com seus métodos inspirados na física – fisiologistas
estudavam nervos óticos, Wundt fundava seu laboratório (e não precisou do dualismo
de Brentano), entre outros.
Dessa forma, compreende-se que procurando a “marca do mental”, Brentano não
estava apenas tentando identificar um elemento comum em fenômenos familiares, cuja
existência é assumida de maneira não problemática. O exame da tese de Brentano no
contexto geral de sua obra revela que, com essa tese, Brentano pretendia provar uma
“existência especial” (ou a existência de um status especial em confronto com os
fenômenos físicos) desses fenômenos familiares, de modo a justificar a legitimidade (e
as fronteiras) da psicologia como ciência autônoma. Com efeito, somente se existirem
fenômenos dotados de um status especial diverso daqueles tidos como fenômenos
físicos se justificaria a existência de uma ciência diversa da física, mas empregando o
mesmo método (o “cientifico”). Essa seria uma versão enriquecida da tese da
intencionalidade de Brentano, pois incluiria a “tese mínima” e formularia outra posição.
Dessa forma a “tese forte da intencionalidade” de Brentano poderia ser assim enunciada
como a conjunção de duas proposições:
(TF1) Os fenômenos pertencentes ao [universo mental], como quer que ela seja
construído pelo senso comum, apresentam uma propriedade Φ, que nenhum fenômeno
fora desse universo (= tido como “fenômeno físico”) apresenta.
(TF2) A posse da propriedade Φ pelos fenômenos pertencentes ao [universo mental] é
prova do seu “status (ontológico) especial”, com relação aos “fenômenos físicos”.
O problema é que é esse “status especial” que Brentano assume que ele deveria
“provar” e isso ele não prova apenas identificando uma “característica exclusiva” desses
fenômenos, tais quais eles se nos apresentam, na vida cotidiana, pois nessa esfera eles
não se apresentam como “dotados de um status especial em relação aos outros
fenômenos” (nomeadamente os ditos “fenômenos físicos”). Dessa forma, a crítica que
se faz à tese de Brentano pode ser resumida assim: a intencionalidade dos estados
mentais, mesmo que verdadeira, em algum sentido, não prova o status especial daquilo
que se reconhece como “estados mentais”, com relação aos fenômenos físicos, como
pretende (implicitamente) Brentano. É, portanto, uma crítica “anterior” ao próprio
exame da intencionalidade, como características do que quer que venha a ser
considerado como “fenômenos mentais”.
Convém fazer uso de um exemplo imaginário para melhor esclarecer a natureza
dessa crítica a Brentano. Imagine-se o seguinte. João acredita na existência de um
Imperador que governou, secretamente, o Brasil, entre os anos de 1995 a 2005. E João
não está só, pois mora em uma pequena cidade em que todos acreditam na existência
desse Imperador do Brasil, embora ele nunca tenha sido visto. João, contudo, cultivou
uma estranha necessidade (pois nem tinha a dúvida) de provar a existência disso que
todos sabiam existir, o Imperador do Brasil. Como estratégia, João recolhe tudo aquilo
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que se sabe sobre o Imperador do Brasil – que ele é mais alto que o mais alto homem
da cidade, que ele tem vasta cabeleira etc. – e com base nessas informações ele constrói
um retrato do Imperador. Bem, a pintura de João pode até ser fidedigna com o que se
sabe sobre o Imperador, mas a fidedignidade desse retrato não representa
nenhum mérito, não tem nenhuma “força probatória” com relação, especificamente, à
tarefa de provar a existência do próprio Imperador, pois tudo que o retrato fez foi
“documentar a essência”, se tanto, daquilo que se sabe sobre algo que apenas se supõe
existir. Dito de outro modo, aquilo que se sabe sobre o Imperador pressupõe, sem prova,
que o Imperador existe, em razão do que não serve de prova quanto à existência mesma
do Imperador. Com efeito, se for falso – como efetivamente é, nesse caso – que existe
um Imperador do Brasil governando secretamente entre os anos tanto a tanto,
então tudo o que se sabe sobre ele é falso e, obviamente, o retrato é um retrato, ainda
que perfeito como tal, de… “fenômenos imaginários”.
É essa, com as devidas proporções resguardadas, a crítica que se faz à teoria da
intencionalidade de Brentano. Pode até ser que os “fenômenos” que Brentano “pré-
identifica” como “pensamentos, emoções e vontades (ações)”, usando as pré-
concepções do senso comum, efetivamente possuam a propriedade chamada
“intencionalidade”. Mas essa constatação não autoriza a postular, como faz Brentano,
(1) que esses fenômenos são de um tipo (possuem um status próprio) diferenciado e
irredutível aos fenômenos físicos e (2) que essa propriedade da “intencionalidade” é a
“prova dessa irredutibilidade”. SE FOR VERDADE que essas experiências comumente
identificadas como “pensamentos, emoções e vontades” (as quais estão longe de
esgotar o real catálogo que a vida cotidiana e a cultura provêm) consistem em
fenômenos “especiais”, irredutíveis a fenômenos físicos, ENTÃO a teoria de Brentano
é legítima e somente então se põe a necessidade de avaliar se a intencionalidade, tal
como concebida por ele (e as variantes que foram sugeridas, por outros teóricos), ou
por qualquer outro, é ou não característica peculiar desses fenômenos.
[1] Tais “fenômenos” são apenas “nomeados” e reconhecidos sob tais rótulos por todos,
mas não são “definidos” por Brentano, sendo utilizadas as “noções pré-teóricas”
associadas a essa “nomeação” e a esse “reconhecimento” uniformes.
[2] A primeira obra onde as concepções sobre intencionalidade foram expostas por
Brentano e de onde se colhe os dois parágrafos específicos escritos por este autor párea
caracterizar tal noção, é a famosa “Psicologia sobre O Ponto de Vista Empírico”
(doravante, PPE). Em outros escritos posteriores (publicados como adenda a PPE),
Brentano esclareceu alguns pontos de sua enigmática definição de intencionalidade.