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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL VIOLÊNCIA E CONFLITOS SOCIAIS:

ILEGALISMOS E LUGARES MORAIS

Grupo de Trabalho 07 “Desigualdades, Territórios e Riscos Rociais”

TERRITORIALIDADE E APROPRIAÇÃO URBANA NO PROJETO CONSULTÓRIO


DE RUA: DIÁLOGO ENTRE A ECOLOGIA SOCIAL E A PSICOLOGIA AMBIENTAL

Nome: Maria Eniana Araújo Gomes Pacheco

Instituição: Universidade Estadual do Ceará /

Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade


1 INTRODUÇÃO
O estudo da categoria território, na visão de Santos (1998), compreende a
dinâmica urbana concebendo o espaço em sua totalidade. Por isso, atualmente, a
noção de território assume novos arranjos em seus conceitos.
Temos nos processos de territorialidades, espaços públicos que se privatizam
em espaços urbanísticos das grandes cidades brasileiras. Esse cenário provoca
mudanças na articulação das políticas públicas que integram as populações com
necessidades especiais, em destaque para nosso estudo, o morador em situação de
rua, no município de Fortaleza-CE.
Em 2008, no período de abril a junho, no município de Fortaleza, aconteceu
uma pesquisa intitulada “Diagnóstico Sócio-econômico de Crianças, Adolescentes e
Adultos Moradores de Rua na Cidade de Fortaleza” pela Universidade Estadual do
Ceará, produzida pelo Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão Gestão Pública e
Desenvolvimento Urbano (GPDU), coordenada por Geovani Jacó de Freitas e
financiada pela Secretaria Estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS).
(GPDU/UECE, 2008).
Essa pesquisa visou mapear o contingente populacional dos moradores de
rua, traçando seu perfil socioeconômico, regional, e estratificado. Foi diagnosticado
a presença de 504 moradores de ruas, distribuídos em 70 bairros da capital
vivendo em bancos de praças, tomando banho em albergues e usando o chão para
se acomodar. Esse público não tem ponto de apoio e, muitas vezes, nem contato
com a família. (GPDU/UECE, 2008).
Os dados do GPDU contribuíram para o início da prática dos profissionais do
Consultório de Rua que existe, há aproximadamente um ano, enquanto uma equipe
volante de profissionais com foco de atuação na área da saúde, instituída a partir de
uma seleção pública administrada pelo Ministério da Saúde, sob supervisão da
Coordenação Nacional de Saúde Mental. Essa equipe, com recorte ao município de
Fortaleza, é composta, atualmente, por um psicólogo, um técnico de enfermagem,
dois redutores de danos e o motorista.
Vale ainda ressaltar que a visibilidade ao morador em situação de rua, nos
cenários urbanísticos atuais, difere em relação à carências e deficiências vinculadas
ao espaço urbano.
Então, a partir da inserção das equipes de profissionais volantes na área da
saúde, instituídos através do Consultório de Rua, discute-se enquanto reflexão
teórica, os conceitos de territorialidade, enquanto categoria de apropriação dos
espaços.
Buscar-se-á essa discussão através do diálogo entre Ecologia Social e
Psicologia Ambiental nos espaços coletivos, no que diz respeito às drogas na
contemporaneidade.
A relevância desse estudo está ao se refletir a dinâmica biopsicossocial, em
contexto territorial, relacionada às drogas, a partir do debate entre conceitos de
apropriação e identidade social urbana no processo de territorialidade.

2 TERRITORIALIDADE E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA


CONTEMPORANEIDADE
As relações urbanas, segundo Santos (2003), estão cada vez mais
globalizadas. No Brasil, Santos (2003) corroborando com Lefebvre (1969),
reconhece que o processo de urbanização nas sociedades assumiu proporções de
constante expansão em território nacional.
Em estudos sobre o processo de territorialidade em Santos (2006) e Bonfim
(2003), pode-se perceber a apropriação urbana enquanto sinônima de
pertencimento a um lugar.
Santos (2004) concebe espaço a partir da inter relação entre os objetos e as
ações humanas produzidas neste, firmando-o enquanto um produto das relações
sociais. Para ele, espaço é concebido como “[...] um conjunto indissociável, solidário
e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como quadro único na qual a historia se dá” (p.
63).
Sob o mesmo raciocínio que Santos (2004), Bonfim (2003), ao citar Brown
(1987), para dar suporte teórico a sua metodologia de construção dos mapas
afetivos, conceitua territorialidade, na categoria apropriação dos espaços, enquanto
vínculo afetivo humano coligado à lugares particulares. Essa coligação norteia o
processo de constituição da identidade individual, pois o indivíduo transforma-se e é
transformado ao mesmo tempo, quando em relação com o espaço.
Esses segmentos simbólicos funcionais diferenciados do processo de
territorialidade, nos moradores em situação de rua, podem ser observados nos
diferentes grupos que compõem o mesmo território, em arranjos grupais de diversas
estratégias, instrumentais e interações sociais que se destinam a um modo de
sobrevivência.
Haesbaert (2004) discute o aparecimento e desaparecimento dos territórios
devido a sua característica de mobilidade e transitoriedade. Para complementar
essa reflexão, temos Pereira (2000) que considera o conceito de território na
perspectiva da territorialidade enquanto um lugar de construção e “produto da
apropriação, da valorização simbólica de um grupo em relação ao espaço vivido” (p.
52), que para Fontes (2009) vai acontecer no processo da apropriação urbana a
partir do capital social pela cidade.

Ao discutir sobre esse mesmo capital social, numa perspectiva do sujeito


individualizado, Pol (1999), utiliza conceito cunhado por Sansot (1968), para
deflagrar que a exposição do corpo em território demarcado, com o fim de conhecer
e implicar-se ao ambiente, acontece via bases sensório-motriz.
Esse conhecimento e implicação do corpo, no espaço, favorecem ao conceito
de apropriação urbana, em Korosec (1986), lembrado por Pol (1999), para afirmar
ser um processo dinâmico, de interação vivencial do indivíduo com seu meio
externo, “o sentimento de possuir e gerir um espaço, independente da propriedade
legal, por uso habitual ou por identificação” (p. 45).
Enquanto processo dinâmico observa-se que a apropriação urbana exige uma
reelaboração constante, caracterizando movimento e temporalidade próprios. Assim,
Pol (1996) ao discutir o conceito de apropriação do espaço, afirma que na sua
constituição há a existência, de dois estilos circulares que são: um de ação-
transformação e outro de identificação. A ação-transformação, oriunda de atividade
comportamental, modifica o espaço e promove um significado para o sujeito,
compartilhado ou não com a coletividade. Nesse momento, dar-se-ia o processo
formativo da identidade urbana ou de lugar, onde o espaço apropriado favorece na
manutenção do referencial, espacial e simbólico, e na identidade, pessoal e
histórica.

Segundo BONFIM (2003) apropriar-se é “identificar-se e transformar-se a si


mesmo, a coletividade e o entorno. Isto quer dizer que o que cada um de nós é
inclui, de maneira determinante, os lugares que temos sido e os lugares que somos”
(p. 85).
Santos (2003), ao entender a categoria território enquanto uma apropriação
social no âmbito político, econômico e cultural, assume esta ser possuidora de
característica dinâmica cercada por conflitos inerentes a própria condição humana
de relacionar-se socialmente.
Seguindo na discussão sobre territorialidade e apropriação urbana,
observamos que mesmo frente, ao desenvolvimento tecnológico e oportunidades
que as grandes cidades oferecem, no contexto da globalização, a exclusão social
aumenta. Pol (1996), a cerca desse processo, discute que a cidade configura-se
enquanto reflexo de uma estrutura social que pode facilitar ou não no processo de
apropriação do espaço. Quando um lugar promove descontentamento, o alheamento
ao espaço torna-se inevitável.

A cerca da exclusão social das populações sobreviventes à margem da


pobreza em espaços públicos ainda com Pol (1996) têm-se a explicação da
diferença entre a apropriação do público e privado. O espaço privado é apropriado
basicamente por ação-transformação, em primeira instância, e por identificação, em
segunda fase; a apropriação do público nem sempre segue esse processo e há uma
relação maior pela identificação.

A seguir buscar-se-á um diálogo entre a Ecologia Social e Psicologia


Ambiental para os contornos do Consultório de Rua, enquanto clínica ampliada, que
tem como uma de suas estratégias a Redução de Danos, direcionada à promoção,
prevenção e reorientação de seus assistidos a fim de uma melhoria na qualidade de
vida dos usuários de drogas psicoativas.

3 DIÁLOGO ENTRE ECOLOGIA SOCIAL E PSICOLOGIA AMBIENTAL NO


CONSULTÓRIO DE RUA

A problemática das questões ambientais, nos anos 70, é despertada ao se


estabelecer relações entre as transformações nos sistemas naturais e as dinâmicas
das sociedades que os utilizam.
Nos últimos quatrocentos anos evidencia-se uma sociedade seguida por
várias crises, na economia, energia, sócio-educacional, moral, ecológica, espiritual
etc., por produzir pobreza e miséria de um lado e riqueza e acumulação do outro. A
pobreza e a miséria vão ser questões sociais produzidas pela forma como se
organiza a sociedade (BIRMAN, 2001). Nesse cenário o aumento na frequência do
uso de drogas lícitas ou ilícitas no mundo, vem tornando-se sério problema de saúde
pública.
Nessa perspectiva é que nasce a discussão entre Ecologia Social e
Psicologia Ambiental no debate referente à questão das drogas na sociedade atual.
A abordagem das drogas no campo de diferentes saberes e práticas estão
direcionadas enquanto um fenômeno social com relevância pública nos avanços
estratégicos da política, apresentando-se um diálogo entre as diferentes áreas do
conhecimento, nas últimas décadas.
Segundo Rodrigues (2009), leis e políticas públicas que tornaram o uso de
drogas legítimo ou ilegítimo, foram respaldadas pela medicina científica, na
sociedade urbano-industrial ocidental. Nesse período, ascende o modelo
proibicionista visando suprimir a produção e o consumo de determinadas
substâncias psicoativas. Os Estados Unidos iniciaram esse modelo que se
caracteriza por focar na natureza farmacológica das drogas, ilegalidade das
mesmas, repressão e abstinência. A pressão internacional, principalmente pelos
Estados Unidos, consolidou o Proibicionismo como modelo hegemônico no mundo.
Convenções internacionais, como a Convenção Única de Viena (1961) e a
Convenção Sobre Substâncias Psicotrópicas (1971), formalizam esse modelo que
estimula um mercado ilícito entre os indivíduos, pois “[...] as normas proibicionistas,
antes de banir as drogas visadas, acabam por inventar o narcotráfico” (p. 94).
Na organização do comércio pelo lucro, a expansão industrial e a
identificação no progresso com os interesses corporativos naturais para a
sobrevivência humana desencadeiam problemas sociais que possuem uma relação
direta com os problemas ambientais e vice-versa. Influenciado pelo pensamento
marxista, a corrente, de cunho político-ideológico, da Ecologia Social de Murray
Bookchin (2004), percebe como um resultado direto da acumulação capitalista uma
crise ambiental.

A Ecologia Social tem como objeto de estudo, o conjunto das relações entre o
mundo humano e o natural, concebendo as tensões multidimensionais em seus
aspectos socioculturais, político-econômicas e psicosubjetivas que advêm do
modelo civilizatório precário adotado pela humanidade, buscando formas de
enfrentá-lo de modo consciente, crítico e participativo. Tem como alvo de
investigação, as inter-relações desenvolvidas por meio de afetos, vínculos, conflitos,
familiaridades e estranhamentos entre a humanidade e a natureza, em seus
fenômenos geradores e decorrentes dessas. Dentre os seus eixos de investigação
destacam-se: a constituição do espaço e suas transformações decorrentes da ação
humana; os processos de formação de identidade e das diferentes formas de
sociabilidade; a influência do espaço na organização sociocultural e desta última nas
transformações ambientais; as representações sociais referentes aos contextos
socioespaciais; o envolvimento afetivo de pessoas com determinado lugar
geograficamente determinado (topofilia) e suas influencias na construção de suas
identidades; as relações entre subjetividade e espaço; os conflitos entre conceitos
globais versus locais, campo versus cidade, território versus espaço; as ações e
atitudes voltadas para a conscientização ecológica e suas relações com as
atividades políticas e econômicas de uma comunidade qualquer; a implantação de
projetos ou programas de desenvolvimento ecologicamente equilibrados
(BOOKCHIN, 2004). Tais eixos de investigação são também contemplados no
Consultório de Rua através da estratégia de Redução de Danos (RD), em sua
prática de clínica ampliada.

Segundo Bookchin (2004) a crise ambiental é um resultado da organização


hierárquica do poder e da mentalidade autoritária arraigadas nas estruturas da
nossa sociedade, caracterizada através da ideologia ocidental, de dominação da
natureza.
Essa hierárquica do poder e mentalidade autoritária na sociedade moderna,
em Mesquita (2001), é contemplada pelos profissionais do Consultório de Rua,
quando injustiça social, desagregação familiar, isolamento, racismo, marginalização,
pobreza e violência, entre outros, são temáticas contempladas durante as práticas
cotidianas. Nesse processo o sujeito é afetado em sua autonomia e capacidades.
Um dos focos dos profissionais no Consultório de Rua são a atuação para além do
consumo de drogas em territórios onde se fortalecem estigmas, visando diminuir os
danos pela adoção comportamental mais saudável aos usuários de álcool e outras
drogas a partir de intervenções embasadas nas estratégias de redução de danos.
Bucher (1992) aborda a temática das drogas, na saúde, como um
acontecimento de natureza sistêmica, considerando o sujeito em seus aspectos
biopsicossociais. Daí a dependência por uma droga, ser interpretada dentro do
contexto das relações estabelecidas entre atividades simbólicas e o ambiente
sociocultural em que ocorrem, no âmbito da Psicologia Social.
Salienta-se a relevância da Psicologia Social enquanto embasamento para a
Psicologia Ambiental que em Moscovici (1978) é discutido através da teoria das
representações sociais, investigando-se a construção simbólica do cotidiano dos
moradores de uma cidade, por meio da comunicação entre os indivíduos, a partir
dos comportamentos individuais e coletivos observados. Essa construção simbólica
é reforçada pela coletividade.

Segundo Pol (1999) a Psicologia Ambiental constitui-se enquanto área


interdisciplinar no estudo da interação entre as pessoas com seu entorno sócio-
físico. Esse contexto caracteriza-se pela relação entre o meio urbano, os recursos
naturais e o comportamento individual e coletivo humano. Essa área debruça-se
sobre os aspectos psicossociais, evidenciando o entorno enquanto dimensão da
identidade dos indivíduos, em interação com fatores psicossociais e sociofísicos, de
maneira a incluir os vínculos cognitivos e afetivos relacionados ao espaço
construído.

Como âmbitos de estudo da Psicologia Ambiental, segundo Bonfim (2003),


estão os conceitos de apropriação, identidade social, territorialidade, pertinência,
privacidade, aglomeração, condições ambientais e stress, cognição ambiental,
valores ambientais, participação e educação ambiental, dentre outros.

Visando especificar a prática do Consultório de Rua, o apreendemos


enquanto um serviço público de saúde, implicado no processo de territorialidade,
que visa a promoção ao conceber o estado de sanidade do sujeito como
conseqüência do seu estilo de vida cotidiano presente em um ambiente sócio-
cultural a ser considerado.
Esse serviço reconhece as diversidades que advêm das especificidades dos
contextos histórico-socioculturais em que ocorrem os usos. Daí não ser possível
atribuir uma causa universal para os usos, abusos ou dependência de substâncias
psicoativas. (ESPINHEIRA, 2004).
A prática do Consultório de Rua utiliza-se da Redução de Danos que foi
regulamentada pela Lei 11.343/2006 como uma estratégia que visa prevenir ou
reduzir às consequências negativas associadas ao uso de drogas com ações de
prevenção na saúde, sem necessariamente interferir na oferta ou consumo, sendo
orienta pelo respeito à liberdade de escolha. A estratégia de Redução de Danos
insere-se nos espaços institucionais através das políticas centrais de saúde do SUS,
como a Política Nacional da Atenção Básica, a Política Nacional de Saúde Mental, a
Política do Ministério da Saúde de Atenção Integral de Usuários de Álcool e outras
Drogas e a Política Nacional sobre Drogas, realinhada em 2004 (BRASIL, 2006). A
RD procura minimizar os possíveis danos que o consumo de uma SPA pode causar
à saúde na perspectiva biopsicossocial da pessoa, visando à promoção da saúde,
cidadania e direitos humanos, levando em consideração a necessidade real do
indivíduo, não o direcionando à lógica da abstinência e da internação.
Citado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas,
Noto (2004) afirma que o Consultório de Rua foi um dos projetos implantados no
Brasil que se caracterizam pela participação ativa junto à população de rua,
buscando atender às necessidades da população jovem em situação de risco e
usuária de substâncias psicoativas, respeitando seu contexto social. Na sua prática
a presença de uma equipe multidisciplinar procura assegurar a integralidade da
assistência atuando numa perspectiva interdisciplinar no cuidado integral ao
indivíduo.
O Consultório de Rua, faz parte do processo descentralizador do modelo
biomédico no campo da saúde pretendendo ser a porta de entrada do indivíduo em
situação de rua ao Sistema Único de Saúde. Formado por uma equipe
multidisciplinar de Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, Psicólogo e Agente Redutor
de Danos (ARD). As ações de promoção da saúde e atenção primária são
privilegiadas, existindo iniciativas públicas são desdobradas ações em parcerias com
os processos de sociabilidade ancorados no território, com participação dos grupos
comunitários, famílias e redes de vizinhança. Nesse processo, a criação da relação
de confiança e proximidade, na prestação de serviços, interage para a eficácia na
intervenção (MERHY, 2002).
Atualmente, no município de Fortaleza, as políticas públicas à população em
situação de rua estão direcionadas a ampliação da rede de serviços substitutivos em
saúde mental. Entre esses serviços temos o Consultório de Rua que vai ao encontro
de pessoas em situação de rua, nas principais praças e logradouros de nossa
cidade, desde junho de 2010. ( FORTALEZA, 2010).
O Consultório de Rua é um dos projetos submetidos ao Ministério da Saúde,
desde 2009, que tem suas propostas selecionadas pela Coordenação Nacional de
Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Inicialmente foi desenvolvido
experimentalmente em conjunto com outras 13 secretarias municipais envolvendo
equipes volantes para abordagem de usuários de crack e outras substâncias
psicoativas em logradouros públicos. Esse projeto visa o tratamento dos moradores
de rua diante de suas fragilidades biológicas. O Consultório de Rua funciona através
de uma Kombi adaptada, horários fixos, equipe multidisciplinar que procura
assegurar a integralidade da assistência, com intervenções clínicas, psicossociais,
educativas e encaminhamentos devidos, atuando numa perspectiva interdisciplinar
no cuidado integral ao indivíduo.
Temos como característico do Consultório de Rua: a âncora territorial, da
incorporação das sociabilidades do bairro nas práticas de promoção da saúde, que
se destacam por não centrarem na medicina curativa, mas preventiva; e ação
distribuída em práticas interdisciplinares de cuidado e prevenção enquanto
instrumento de promoção da cidadania, com participação da comunidade, seus
moradores e associações atuantes. Este modelo incorpora uma série de variáveis
não presentes na prática tradicional, tornando-o mais complexo. A sua
implementação adequada, depende de fatores como: novas mentalidades, na
prática; diálogos entre equipe de Saúde e comunidade; e práticas integradas de
promoção da saúde, aos usuários de drogas.
A estratégia da redução de danos, enquanto tecnologia de cuidado, favorece
à clínica ampliada, contribuindo à Reforma Psiquiátrica, no campo da drogadição, a
emersão de novos sujeitos de direito (BRASIL, 2006).
Em espaços não institucionalizados, o trabalho de campo, junto à clientela
usuária de álcool e outras drogas, na perspectiva da redução de danos, promovem a
construção de estratégias que partem do saber do usuário de substância psicoativa.
Por isso, o trabalho dos profissionais da saúde redutores de danos tende a valorizar
o saber da população com a qual trabalham no planejamento e nas ações de
intervenção, facilitando discussões coletivas que seguem para além do campo das
disciplinas e de doutores do conhecimento (MESQUITA, 2001).
Corroborando com Fontes (2009) acredita-se ser importante o diálogo entre
promoção da saúde e densidade associativa enfatizando a importância do capital
social da comunidade sobre o seu próprio estado de sanidade mental, onde
territorialmente se diferenciam e demarcam soluções para seus problemas.
Na redução de danos se concebe o sujeito em sua dimensão sócio-histórica,
pertencente a um lócus, na medida em que o mesmo apropria-se ao interagir com
seu entorno, fazendo-se enquanto sujeito de sua própria história (SARACENO,
2001; TURCK, 2002; BONFIM, 2003).
Por fim, os profissionais que se utilizam da redução de danos, na prática,
objetivam acessar e vincular usuários de drogas, em situação de rua, à atividades
que promovam: diminuição da vulnerabilidade associada ao consumo de drogas,
inserção em serviços de saúde, garantia dos direitos humanos e cidadania e a
reinserção social.

4 CONCLUSÃO
Discussões aos contornos de atividades pautadas em processos globais e
fragmentadas, redes e fluxos, concentração populacional em áreas urbanas, entre
outros, mudaram as formas de inter-relação do indivíduo com o ambiente.
Daí, o surgimento de novos arranjos teórico-metodológicos que possibilitam
discutir a subcategoria apropriação urbana como manifestação coletiva e social,
promovedora de processos autônomos entre os indivíduos, frente às transformações
e demarcações de seu lócus, a partir das relações interpessoais no espaço
apropriado.
A esses espaços, o território é concebido, em Geografia da Saúde, por Milton
Santos, enquanto uma denúncia ao fortalecimento do caráter social sobre as
questões geográficas numa óptica renovada.
Sob essa óptica de re-arranjos aos conceitos de territorialidade tem-se a
temática das drogas, compreendida na sua heterogeneidade nos diferentes modos
de consumo, razões, crenças, valores, ritos, estilos de vida e visões de mundo que a
sustentam, favorecendo ao surgimento de profissionais na saúde, redutores de
danos, que contemplam a ecologia social ao desconstruir o lugar do seu saber
particularizado, onde o consumo de drogas acontece.
Por isso que em campo, as relações dialógicas, mediadas pelos profissionais,
valorizam o conhecimento da demanda que é atendida, concebendo sujeitos que
são apreciados em seus aspectos biopsicossociais.
Hoje temos consciência de que o social é parte do ecológico no seu sentido
amplo e verdadeiro. Tudo está interligado. A apropriação dos espaços urbanos está
relacionada com a implicação do indivíduo enquanto transformador de sua realidade
experiencial e espacial em um determinado território ocupado pelo mesmo, onde
existe uma inter-relação diária entre todos os elementos reais e abstratos que
compõem esse meio.
Em relação à população em situação de rua, atores do cenário urbano
moderno das grandes cidades, se requer intervenções que levem em consideração
a sua constituição e formas de sobrevivências desenvolvidas em espaços
específicos.
Nas discussões atuais em relação à temática das drogas, tem-se a sua
problemática vinculada à evolução da sociedade, com seus conflitos e desequilíbrios
no âmbito da Saúde Pública que vale-se das alternativas da estratégia de redução
de danos em meio aos processos territoriais experienciados pelos profissionais do
Consultório de Rua.
A ênfase psicossocial ou sócio-histórica da inter-relação do sujeito individual
com o espaço é discutida na Psicologia Ambiental ao vincular a forma de estar no
mundo, manifestada a partir dos seus comportamentos individuais e coletivos, no
espaço urbano, aos costumes de vida, dinâmicas sociais, implicações vivenciais e
atitudes. Na Ecologia Social esse mesmo sujeito é reconhecido no coletivo, ao se
estudar as relações entre os grupos sociais e o meio em que vivem.
Por isso, a partir do diálogo entre essas duas áreas se observa o sujeito
biopsicossocial em relação intra e inter pessoal com o ambiente onde se encontra
inserido, mediante as diferentes atividades relacionais diárias com objetos ou outros
sujeitos.

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DOCUMENTOS

Relatório da Pesquisa “Diagnóstico Sócio-econômico de Crianças, Adolescentes e


Adultos Moradores de Rua na Cidade de Fortaleza” - NÚCLEO DE ESTUDOS,
PESQUISA E EXTENSÃO GESTÃO PÚBLICA E DESENVOLVIMENTO URBANO
– GPDU/UECE, 2008.

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