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modelo-divide-opinioes
Modelo de gestão
Pais e estudantes foram convocados para ouvir explicações dos militares sobre gestão da
escola / Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Educar para a autonomia dos cidadãos, garantindo a independência do professor dentro de sala de
aula ou seguir regras e manter a disciplina mais rígida dentro da escola? Este é apenas um dos
questionamentos levantados por especialistas ouvidos pela Nova Escola em uma análise da
implementação de escolas cívico-militares que começou este ano no Distrito Federal.
A ideia dessa nova estrutura de administração de escolas vem ganhando uma forma mais concreta
desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. Em 2 de janeiro o governo federal assinou o decreto nº
9.465, em vigor desde o dia 30 do mesmo mês, que aprova uma nova estrutura organizacional do
Ministério da Educação (MEC) e cria a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (Secim). O
objetivo da nova subsecretaria, de acordo com o MEC, é o de implementar e fortalecer, junto às redes
de ensino públicas, novos modelos de gestão de alto nível, nos padrões empregados nos colégios
militares.
O último levantamento, realizado pela Polícia Militar, mostra que já existem 120 escolas nesse modelo
espalhadas em 17 estados brasileiros. Porém, a maioria se concentra em Goiás, que também é o
estado com a experiência mais reconhecida pelos altos índices de resultados. Quando questionado
sobre o número de estados brasileiros que já possuem escolas cívico-militares, o MEC informou que,
no momento, não tem o dado e está atualizando o levantamento sobre o total de escolas desse regime
no país.
O modelo vem ganhando defesa e, na última semana, foi anunciada sua implementação em quatro
escolas do Distrito Federal em regime de projeto piloto. A Secretaria de Educação do Distrito Federal
tem uma expectativa alta para o sucesso deste projeto, mas não determinou metas no que diz respeito
ao número de escolas que devem adotar este regime nos próximos anos.
E tudo indica que este modelo deve se espalhar pelo país. Nesta terça-feira, durante uma audiência
pública na Comissão de Educação do Senado, em Brasília, o ministro da Educação, Ricardo Vélez
Rodríguez, defendeu a implementação deste modelo nas escolas do país."Os bons resultados são
palpáveis. Não há esse tal de militarismo. Há educação cívica e Educação na prática das normas da lei.
O professor é respeitado, o professor entra em sala de aula, todos ficam de pé", afirmou o ministro ao
Senado.
Vélez Rodríguez disse ainda que o Brasil "tem muito a lucrar com a adoção desse modelo de escolas
cívico-militares". "Não saem caras porque o investimento é mínimo. São escolas municipais que optam
por ter uma administração dada por policiais ou, em outros estados, pelas forças armadas. Não sai
caro para o município. O município encontra aí uma maneira de dar uma melhor destinação às suas
instalações e ter um melhor rendimento acadêmico."
O MEC informou à Nova Escola que o objetivo é ter escolas nesse modelo em todos os estados
brasileiros, mas ainda não determinou prazos ou metas para a implementação. No entanto, o
ministério já determinou que as secretarias de Educação, municipais e estaduais, que aderirem ao
programa, vão indicar as escolas da rede que vão ser transformadas em escolas cívico-militares “a
partir do atendimento de requisitos, tais como: baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), localização em áreas de alta vulnerabilidade social, dentre outros. Para
participar do programa deverá haver a adesão das secretarias de Educação, o aceite da comunidade
escolar e a disponibilidade de militares em cada localidade”.
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Diferente dos Colégios Militares, o modelo cívico-militar busca fazer uma gestão compartilhada entre a
Secretaria de Educação e a de Segurança Pública. Mas, não existe uma regra geral de como isso
funcionaria. Em Goiás, o diretor escolar é um policial militar e, abaixo dele, há um coordenador
pedagógico. Já nas recém-implementadas unidades do Distrito Federal, as escolas têm dois diretores
sendo um militar e um civil. Os regimentos das escolas também podem ser diferentes. No caso de
Goiás, quem o escreveu foi o Comando de Ensino da PM e, após a sua finalização, o texto foi aprovado
pelo Conselho Estadual de Educação. No Distrito Federal ainda não há um regimento oficial.
A disciplina
Guardadas as diferenças entre as escolas, existem padrões comuns a todas. O principal deles é a
divisão em que os militares ficam responsáveis pelas áreas administrativa, patrimonial e disciplinar e o
corpo docente se responsabiliza pela área pedagógica. Este também é o primeiro ponto polêmico da
proposta.
“Não há como separar a disciplina da parte pedagógica. Trabalho regras da disciplina na convivência
com o outro. O pedagogo não deveria delegar essa responsabilidade”, explica a professora especialista
em clima escolar Telma Vinha. Em contrapartida, as secretarias que já possuem o modelo defendem
que as escolas escolhidas estão em locais de vulnerabilidade e violência de modo a se fazer necessária
uma disciplina mais rígida. “Utilizamos dados como o Ideb, o IDH e o mapa da violência externa e
interna à escola para escolhê-las. (Nas escolas escolhidas) Aconteciam coisas como alunos jogarem a
carteira no professor e a parede da sala ser pichada durante a aula”, afirma Mauro Oliveira,
responsável na Secretaria de Educação pela implementação do modelo no Distrito Federal.
Já, no Distrito Federal, que está a apenas duas semanas implementando o modelo, o diretor Márcio
Jesus Farias, da Escola Recanto das Emas, foi questionado sobre quais explicações os militares estavam
dando aos alunos a respeito das novas regras tais como utilizar cabelo curto, no caso dos meninos, e
preso com coque, no caso das meninas, e o chefe de turma anunciar a entrada do professor para que
todos se coloquem de pé até que ele permita que sentem. O diretor respondeu que os militares se
mostravam carinhosos e amistosos, mas que até o momento ele não havia visto nenhum tipo de
explicação para os estudantes que expressasse o porquê dessas regras e sua importância para a
coletividade ou ainda que abrisse um espaço de discussão sobre as mesmas.
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Apesar da garantia de todas as partes consultadas de que o professor tem autonomia dentro de sala
de aula, algumas das regras criadas pelo Comando de Ensino inferem sobre a convivência dentro de
sala de aula. É o que mostra o artigo 9º do regimento. É considerada infração: Perturbar o estudo do(s)
colega(s), com ruídos ou brincadeiras; fazer ou provocar excessivo barulho em qualquer dependência
do colégio; deixar de realizar tarefas atribuídas pelo professor ou coordenadores. Todas regras que,
em geral, são construídas como combinados em cada turma sob orientação do professor.
Além destas há outras normas que, por seu texto, parecem inibir os questionamentos por parte dos
alunos a respeito de quaisquer procedimentos da instituição. Eis algumas: são consideradas infrações
promover ou tomar parte de qualquer manifestação coletiva que venha a macular o nome do CPMG;
dirigir memoriais ou petições a qualquer autoridade, sobre assuntos da alçada do comandante do
CPMG; denegrir o nome do CPMG ou de qualquer de seus membros através de procedimentos
desrespeitosos, seja por meio virtual ou outros; provocar ou tomar parte, uniformizado ou estando no
Colégio, em manifestações de natureza política.
A Moralidade
Telma Vinha afirma que, em meio a todas estas regras impostas em escolas cívico-militares, é preciso
lembrar que a Educação do país está comprometida com a formação de cidadãos críticos e
autônomos.
“As metas colocadas para a Educação brasileira, e que assumimos como nossas, não estão
comprometidas com a formação de indivíduos obedientes, cumpridores acríticos de deveres impostos
por seus superiores”, diz. A pesquisadora defende que não bastam saber quais são as boas leis e as
normas justas, mas também é preciso refletir sobre o porquê de seguir certas regras ou leis e não
outras.
Essa também é a preocupação de Dijaci David de Oliveira, professor da Faculdade de Ciências Sociais
da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Existe uma alta possibilidade de estarmos educando pessoas
que obedecerão pelo medo e isso não resolve os problemas sociais. Eu não roubo porque estou sendo
vigiado e não porque entendo que roubar é algo que faz mal para um coletivo do qual eu também faço
parte, por exemplo”, defende.
O resultado
Além da organização e disciplina, um dos motivos pelos quais a comunidade de pais de alunos tem se
entusiasmado com o novo modelo é o resultado escolar das unidades que já o possuem. Em dois anos
de implementação, o Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás (CEPMG) Major Oscar Alveólos subiu
de 5,0 para 6,1 pontos no Ideb, por exemplo. Em Goiás, o processo para ter uma escola cívico-militar é
a de solicitação por parte das comunidades à Secretaria de Educação e os pedidos têm aumentado. No
Distrito Federal, ainda que as escolas tenham sido inicialmente apontadas pela secretaria de Educação,
todas elas passaram por trâmites de votação em assembleia e a ampla maioria quis a chegada do
modelo.
Há também a questão do maior aporte financeiro. No Distrito Federal, as quatro escolas militarizadas
receberão R$ 200 mil por ano da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Enquanto em Goiás,
apesar de não ter um repasse, há uma contribuição voluntária dos pais dos alunos que varia de R$ 10
a R$ 60 mensais, feita à Associação de Pais e Mestres. Especificamente, esse tipo de contribuição é
questionado e considerado ilegal por parte dos especialistas da área por se tratar de uma instituição
pública que presta um serviço de direito previsto na Constituição Brasileira.
"No fundo, o que os pais querem é uma escola organizada e eles não estão errados nisso. Mas, isso
também pode ser conseguido por meio do desenvolvimento do pensamento crítico, diálogo, mediação
de conflitos e uma série de trabalhos com as competências socioemocionais dos nossos estudantes,
tão essenciais para o cidadão do século 21. Precisamos estar atentos para não colocarmos tais
competências em risco."