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BARBOSA, Raoni Borges; KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro Koury.

A abordagem de
Thomas Scheff sobre a Vergonha na Sociologia das Emoções: uma breve apresentaçãlo.
RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 12, n. 35, pp. 632-635, Agosto de 2013.
ISSN 1676-8965.
APRESENTAÇÃO
http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html

A abordagem de Thomas
Scheff sobre a Vergonha
na Sociologia das
Emoções
Uma breve apresentação

Raoni Borges Barbosa


Mauro Guilherme Pinheiro Koury

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Thomas Scheff é um dos pioneiros da Sociologia das Emoções
nos Estados Unidos, nos anos de 1970. Seus últimos trabalhos o
destacam como autor profícuo e cuidadoso leitor de Elias, Simmel e
Goffman.
Professor emérito da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara,
Scheff tem se esforçado no desenvolvimento de uma definição
científica da vergonha como uma emoção específica e central em
uma sociabilidade dada. Aqui pretendemos apresentar dois textos
do autor traduzidos para esta edição da RBSE – Revista Brasileira
de Sociologia da Emoção.
Em ‘Desvendando o processo civilizador: vergonha e integração
na obra de Elias’, Scheff busca apresentar a sua compreensão do
método e dos conceitos centrais na obra eliasiana. Para tanto, o
autor se esforça em não somente apreciar criticamente textos como
O Processo Civilizador (1978, 1982), Os Estabelecidos e os
Outsiders (1965), O que é Sociologia? (1972), Envolvimento e
Alienação (1956), Os Alemães (1996), mas também em trazer para
a discussão a contribuição de eliasianos como Mennell (1989) e de
autores destacados na sociologia das emoções como Goffman
(1958, 1967), Sennet (1980) e Lynd (1958).
Scheff organiza este artigo a partir da tese de que os conceitos
de interdependência e de vergonha são os fundamentos do
pensamento sociológico eliasiano. Com base nestes conceitos se faz
possível a compreensão da ampla teoria dos processos civilizadores
proposta por Elias. A noção de processo civilizador é entendida por

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Scheff como uma rubrica ou síntese que abarca os quatro processos
que caracterizam a sócio e a psicogênese ocidental (a
Racionalização; a Psicologização – Interdependência; o avanço do
limiar da vergonha e da repulsa; e o avanço do autocontrole), mas
não como um conceito, haja vista a pesada carga axiológica do
termo Civilização e o alto grau de dispersão e abstração do mesmo.
O conceito de interdependência, por outro lado, pode ser definido
tecnicamente de forma mais restrita como um relacionamento
balanceado Eu – Nós, apontando, assim para a dinâmica processual
descrita por Elias como processo civilizador, em que o aumento da
capacidade de antecipação, da psicologização e da identificação
mútua por parte do indivíduo social identificaria a emergência da
modernidade. É na modernidade que modos e estilos de vida plurais
se fazem possível mediante o esgarçamento dos vínculos sociais
tradicionais (de natureza engolfada, dependente) e o individualismo
enquanto ideologia do homo clausus, independente de vínculos
sociais, se afirma. O conceito eliasiano de interdependência
enquanto ilustração da estruturação sempre tensa e ininterrupta da
balança Eu-Nós que marca a sociabilidade moderna é capaz de
desfazer, segundo Scheff, os desentendimentos acerca das relações
humanas pautadas tanto em regimes de dependência, quanto de
independência ou de interpendência, perfazendo, assim, um esboço
teórico a ser desenvolvido. 633
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O conceito eliasiano de vergonha, histórica e empiricamente
fundamentado, é criticamente apresentado por Scheff como um
elemento chave para o entendimento da modernidade: Elias teria
descoberto o significado social da vergonha e seu avanço
exponencial na sociabilidade moderna, em que a vergonha da
vergonha se consolida como momento central nas trocas materiais
e simbólicas entre os atores sociais. Aqui o autor discorre sobre
como Elias superou as teses de Freud e de Benedict de que a
vergonha seria uma emoção infantil e regressiva e de que teria sido
progressivamente substituída pela culpa. Scheff diferencia a
vergonha desgraça da vergonha cotidiana, bem como define esta
emoção no âmbito de uma família de emoções, positivas (pudor,
modéstia, timidez e outras) e negativas (embaraço, humilhação,
depressão, baixa autoestima e outras), apontando, ainda, para o
efeito da vergonha sobre outras emoções, como medo, raiva, fúria
e etc. Scheff enfatiza que, segundo Elias, a vergonha constitui um
medo social em relação a uma ameaça de rompimento de um
vínculo social determinado. Neste sentido, a vergonha, uma vez
internalizada em um processo de longa duração, embasaria um
giroscópio moral automático, nas palavras do próprio Scheff: a
vergonha compulsiva passa a modelar o inconsciente individual. A
descoberta da vergonha como emoção central na modernidade,
como também de seu silenciamento e invisibilidade, não foram
compreendidos pelo público leitor de Elias, que teria, assim, se
envergonhado das suas próprias descobertas. Goffman e Sennet

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padeceram do mesmo mal, segundo Scheff. Para o autor, os
estudos de Lewis sobre a vergonha desconhecida nas interações
humanas significou um novo impulso na abordagem científica desta
emoção.
Scheff entende o método de pesquisa eliasiano desenvolvido em
O Processo Civilizador (1978 1982) como uma análise parte/todo
em três momentos: no primeiro, se analisa as partes mínimas do
fenômeno em estudo, no caso a manifestação verbal e não verbal
do discurso; em seguida, parte-se para a comparação destas partes
mínimas, de modo que padrões sejam identificados; por fim, se
interpreta os padrões identificados da forma mais ampla possível.
Trata-se, destarte, de um procedimento analítico que avança da
micro à macroanálise. Para Scheff, a obra eliasiana é capaz de gerar
uma teoria micro-macro da modernidade com base no método
parte/todo.
A título de conclusão, o autor retoma os conceitos de vergonha e
de interdependência como os pilares da teoria eliasiana, reforçando
a tese de que ambos são negados e reprimidos em uma
sociabilidade perpassada pela ideologia do individualismo. A extensa
e complexa cadeia de interdependência em que se situa o indivíduo
moderno, na qual operam a regulação e o controle social a partir da
vergonha internalizada em um processo de longuíssima duração,
fazem desses fenômenos tabus sociais. 634
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É Justamente com base nesta reflexão que Scheff organiza seu
artigo ‘Vergonha no Self e na Sociedade’. O autor argumenta, em
um balanço de literatura extenso que abarca autores como Colley,
Freud, Lewis, Tomkins, Bendict, Elias, Lynd, Goffman, Sennet e
outros mais, que a vergonha configura um tabu na modernidade,
não obstante seja esta a emoção cotidiana central na construção da
sociabilidade. Scheff retoma a história da vergonha, proposta por
Elias em O Processo Civilizador (1978, 1982) para refletir sobre o
avanço do limiar da vergonha na civilização ocidental e a repressão
desta emoção no espaço societal, e, ato contínuo, demonstrar como
Self e Sociedade, como faz Elias, evoluem em codependência.
Scheff enfatiza que as interações sociais modelam o Self, donde
resulta a necessidade de um conceito, uma teoria e um método
adequados que situe a vergonha como emoção social fundamental.
A vergonha definida como uma ampla família de emoções positivas
e negativas abarca mais funções sociais que outras emoções e as
afeta de forma decisiva, constituindo, assim, parte importante da
consciência. O problema maior da Psicologia Social e da Psiquiatria
estaria na não percepção da dimensão social da vergonha, a partir
da qual se pode observar e analisar o vínculo entre estrutura
emocional e relacional de uma sociabilidade dada. A vergonha
implica um ver a si mesmo do ponto de vista dos outros, como
pontuaram autores como Mead, Katz e o próprio Scheff. Neste
sentido, Scheff apresenta o trabalho de Lewis pautado no método
Gottschalk-Gleser. Lewis, na visão de Scheff, teria descoberto a

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prevalência absurda da vergonha nas interações humanas, frisando,
ainda, que a maioria dos estados de vergonha (sinais de ameaça ao
vínculo social) se situa fora da consciência individual: a vergonha
indiferenciada e a vergonha ignorada. A negação da vergonha torna
esta emoção compulsiva, de modo que se faz socialmente
onipresente, mas invisível. Elias reconhece neste mecanismo a
cadeia causal central da civilização ocidental moderna.
Em ‘Desvendando o processo civilizador: vergonha e integração
na obra de Elias’ e em ‘Vergonha no Self e na Sociedade’, Scheff
busca oferecer uma definição técnica de vergonha, propondo ainda
um método analítico (método parte/todo e procedimento
Gottschalk-Gleser) e uma teoria micro-macro da modernidade. O
autor dialoga, para tanto, com toda uma tradição da sociologia das
emoções, da sociologia clássica e até mesmo da psicologia social e
da psiquiatria, tendo, contudo, a referência eliasiana como a pedra
angular do seu pensamento. Tal se faz evidente na abordagem que
Scheff empreende sobre a noção de processo civilizador, de Elias,
em que o autor reconhece nos conceitos de interdependência e
vergonha, conceitos indissociáveis, os pilares da teoria eliasiana. A
vergonha, como emoção central de uma sociabilidade dada, é
entendida nas cadeias de interdependência que perfazem as
relações humanas.
Scheff reforça a assertiva eliasiana de que a estrutura da 635
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personalidade e a estrutura social evoluem em codependência ao
colocar enfaticamente o vínculo entre estrutura emocional e
estrutura relacional. Desta forma o autor advoga pela integração de
abordagens sociais e psicológicas do social a partir do conceito de
vergonha.
Vale à pena, deste modo, aprofundar a leitura neste autor, - com
vários textos publicados nesta RBSE, desde o seu primeiro número,
- e importante na renovação da Sociologia e das Ciências Sociais
norte americana na década de 1970. E, nestes dois artigos, aqui
traduzidos, a leitura que ele faz sobre Norbert Elias.
Thomas Scheff, infelizmente ainda é um autor não de todo
descoberto pelas Ciências Sociais no Brasil, e, de modo específico,
pela Sociologia e pela Antropologia das Emoções, ainda em
processo de consolidação no país.

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