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Quem não Trabalha ADELINO DE PINHO

não come

parasita,
deixa o mundo

Os famintos de ontem
Serão os pioneiros
nova aurora
ADELINO DE PINHO

Quem não trabalha


Centro Editor
Juventude do Futuro
Caixa Postal, 195
não come
TODOS OS PEDIDOS
DE LIVROS E FOLHETOS
DEVEM SER FEITOS A CECILIO MARTINS

COOPERATIVA GRAPHICA POPULAR


S. PAULO — 1920
QUEM NÃO TRABALHA NÃO COME

Eis a formula breve e sintética, concisa


precisa, clara e luminosa que define e resume a
moderna concepção social do operariado e que
calou fundamente na consciência de todos os
trabalhadores como a expressão duma verdade
há muito pressentida e procurada, mas que só
agora se concretizou dum modo claro e definiti-
vo pela justiça que encerra, pela verdade que
exprime e pela oportunidade em que caiu em
meio às massas populares, neste momento de fe-
bre e de lutas em que elas se aprestam e pre-
param para dar o assalto definitivo às institui-
ções seculares de domínio e de compressão, que
as esmagam sob o peso de todas as maldades ima-
gináveis e de todas as injustiças e ingratidões
concebíveis.
Foram precisos séculos de dores e desditas,
de escravidão e misérias incontáveis para que esta
verdade simples e elementar de que quem não
trabalha não tem direito à vida, nem às como-
didades provenientes do trabalho e do esforço dos
seus semelhantes, se tornasse compreensível bas-
tante, recebesse luz intensa, suficiente a abrir to-
dos os olhos, a esclarecer todas as inteligências
iluminar todos os entendimentos até os mais
rudes, atrasados e obtusos.
Havia, é certo, um velho aforismo latino e
que foi transplantado para a língua portuguesa
na sua tradução literal de que "quem não trabu-
lares e na linguagem rude e ingénua dos
versículos
biblícos, o que é certo é que o povo na
ca não manduca", mas a inconsciência popular sua secular e pesada ignorância desconhecia com-
era tanta que até as verdades mais evidentes não pletamente o sentido profundo e justo dessas
eram sentidas nem compreendidas, servindo até sentenças como que a indicar que a letra na sua
muitas vezes de arma para os burgueses e as gélida frieza pouco significava quando não havia
classes detentoras da riqueza social, escarnece- uma centelha de espíirito vivificador que fizesse
rem e chasquearem dos próprios trabalhadores germinar e desabrochar pensamentos nos
porque as almas simples e cordatas sempre ser- cérebros rudes, quase animalescos, das rudes e incul-
viram de mofa e irrisão á injustiça e imoralida- tas gerações que nos precederam e às quais de-
de dos ricos e dos bem acomodados. vemos parte desse acervo de riquezas que cons-
Já S. Paulo: o apostolo do cristianismo, a tituem a glória, o relativo bem-estar e conforto,
quem os positivistas consideram com justa ra- património da sociedade presente, competindo-
zão, o fundador daquela religião, afirmava: nos aumentá-lo, alargá-lo e utilizá-lo para que
"Aquele que não quer trabalhar não deve comer" nossos vindouros encontrem mais soma de ven-
e ele vangloriava-se de trabalhar com os tura e de felicidade que nós deploramos não
próprios braços para não ser pesado ao seu seme- poder ainda fruir e gozar.
lhante. Competia-nos a nós, à humanidade presen-
Também a Bíblia, um dos monumentos te, compreender e realizar esse trabalho ingen-
literários mais antigos da humanidade e que é um te de transformar a sociedade, corporificando
vasto repositório de costumes, de tradições, de aqueles pensamentos generosos que espíritos
legendas heróicas e de astúcias sugestivas e pito- seres predestinados foram através dos tempos
rescas dos antigos povos de origem hebraica, elaborando e exprimindo como uma aspiração
na sua primeira parte, o Génesis, a propósito da latente dos grandes sonhadores e visionários que,
expulsão de Adão do paraíso terrestre, por ter descontentes das sociedades de seu tempo,
desobedecido aos preceitos divinos que lhe proi- pressentiam a marcha evolutiva da humanidade, o
biam comer os frutos da árvore da ciência do progressivo aperfeiçoamento dos costumes, a
bem e do mal, põe na boca de Deus as seguintes ânsia
for- insopitavel de melhorar e de atingir
palavras que são como a revelação e a consta- mas sociais em que as dores e os sofrimentos
tação de que sem trabalho produtivo não há vida fossem reduzidos ao mínimo, alargando e am-
possível: "Comerás o pão amassado com o suor pliando cada vez mais o campo do conforto, da
de teu rosto", quer dizer, o homem só tem direi- sociabilidade e da fraternidade entre todos os
to à vida, à existência, só faz jus ao pão que seres, abolindo as castas e as classes, as diferen-
ças de raças, as fronteiras e todos esses mil en-
come, aos alimentos que ingere, ao vestuário que
traves que mentes acanhadas e egoístas, férteis
enverga, ao tecto que o abriga quando pelo es-
forço e pelo suor que derrama num trabalho útil em estratagemas bárbaros têm oposto ao estabe-
lecimento da igualdade e da Solidariedade uni-
a si e aos seus semelhantes conquista o direito a versal.
tudo que existe de confortável, de comodidade e
Quando, pois, a Revolução Russa varreu
de bem-estar geral. como um tufão a velha tirania czaresca, aba-
Apesar,oémdtneslumio.
pou-
expressos na simplicidade dos provérbios
cedor da quase totalidade de seres em proveito
tendo um sistema secular e execrável de despo-
duma ínfima minoria de parasitas sociais que,
tismo religioso, político e económico que man-
como o juiz da fábula, se contentava e contenta
tinha uma população de cento e trinta milhões
em comer a carne, dando os detritos como es-
de criaturas na mais abjecta e asquerosa das
mola aos produtores, tornando esse trabalho re-
servidões que é possível conceber e descrever, e
generado, racional e atrativo, acessível e exten-
que o governo dos sovietes inscreveu no art. 18
sivo a todas as pessoas válidas, fortes e sadias,
de sua Constituição aquele preceito sugestivo e
pro- só excluíndo desse encargo os velhos, falhos de
lapidar: "quem não trabalha não come",
força e como recompensa aos seus passados es-
duziu-se como que um relâmpago na consciên-
forços; as crianças, futuros trabalhadores, como
ceiahumn;stod-erpims
tenras e débeis demais para tarefas em que a
pezinhado, em todas as vítimas desta desen- força e a atenção são necessárias e
gonçada organização social sentiu-se como que indspeávi produção útil e consciente, ao mesmo
à
um aligeiramento da carga, uma diminuição do
tempo que um trabalho precoce prejudica o seu
fardo, uma promessa de liberdade, uma satis- pleno desenvolvimento físico, como também as
fação de justiça, um início promissor de nova
suas faculdades mentais e morais; e os doentes
moral e de nova apreciação de valores, a queda
que, como facilmente se percebe, precisando res-
das velhas fórmulas sociais e das velhas castas
tabelecer-se, indubitavelmente necessitam repou-
que às mesmas aderiam como o caracol adere
so, sossego e paz do corpo e do espírito.
àostra
suaconh,ema se prende ao ro-
E foi assim que a humanidade saiu dessa
chedo, a inauguração duma modalidade social
longa passividade em que durante milhares e mi-
em que o mérito se abitole pelos actos práticos
lhares de anos se conservou mergulhada nesse
e úteis, pelas acções boas e sinceras, pelo de-
engane torpe e indigno de que o mundo perten-
sejo de acertar e de ser útil e não como até
ce a meia dúzia de audazes sem escrúpulos e de
agora pelos pergaminhos, pelas manigâncias
políticas, pelo peso da carteira ou pelo desenfrea- que é impossível estabelecer a igualdade na terra
devido a sempre ter havido pobres para trabalhar
do da exploração, do açambarcamento e da rou-
e ricos para gozar e estragar a vida das socie-
balheira franca ou velada, legal ou ilegalmente
dades. Só agora sentiu a verdade das afirma-
levada a cabo:
ções dos pioneiros modernos do libertarismo
Diante duma verdade tão clara e rudimen-
quando afirmavam que o facto de sempre até
tar e que durante tantos séculos só foi percebi-
agora assim ter sido não era demonstração su-
da e concebida pelos raros eleitos do pensa-
ficiente para que assim continuasse a ser
mento e da ciência, a humanidade pareceu sair
dum sonho, acordando estremunhada e aliviada indefenidamente visto no mundo tudo obedecer às
leis do progresso que tudo transforma, tudo mo-
dum pesadelo funesto e gigantesco que a afligiu difica e tudo metamorfoseia.
desde o principio do mundo, alvoroçada e como-
vida com a ideia generosa e liberal de se come- E aquela desconfiança e descrença que as
massas trabalhadoras mantinham em face às
çar a trilhar novo caminho, palmilhar nova es-
nossas afirmações revolucionárias de
trada, seguindo rumo à libertação completa, transformação como que se evaporaram diante do sol
franca e categórica do género humano resgata-
do do trabalho aviltante, esmagador e embrute- radioso da Revolução russa que com seus jorros
de luz e liberdade nos fornecia um facto con-
creto e tangível de renovação social, uma afir- para o bem e para a felicidade de seu seme-
mação peremptória e concludente de que é pos- lhante numa coordenação de esforços, numa
sível estabelecer um estado social onde todos convergência de desejos, numa unanimidade de
compartilhem do trabalho são e útil, tornando- vistas para alcançar o alvo e a perfeição final,
se também extensivo a todos os gozos, e os frutos sem nada que se pareça com a actual sociedade
desse trabalho, a todos sendo acessíveis os pro- em que todos e cada um tratam de atropelar
dutos do campo e da oficina, da escola e do para não ser atropelados, roubam para não ser
teatro, do subsolo e da atmosfera sem outra me- roubados, tornam-se prepotentes para inspirar
dida além das necessidades dos seres, de acordo receio e medo aos fracos e aos tímidos, ou aos
com as da colectividade. honestos e probidosos.
É que isto vem comprovar aquela frase revolucinárs Por consequência, bem andaram os
justa e verídica que diz valer mais um fato, russos em inscrever em sua Constitui-
uma acção, que mil ditos. ção em letras de ouro já hoje imorredouras
E como a humanidade tem sido tantas ve- àquele dístico simples mas formidável, ameaça
zes enganada pelos falsos pastores que tudo e admoestação à casta parasitária do universo:
prometem e a tudo faltam, este cepticismo das QUEM NÃO TRABALHA NÃO COME!
massas, é até certo ponto justificado ao mesmo
tempo que recomendável. EPOPEIA DO TRABALHO
E visto que na Rússia se inaugurou um
regime em que o trabalhe útil é obrigatório para Nasceu o homem nu e desamparado, de
todos que pretendam ter direito aos gozos do compleição franzina e débil, mais fraco que
trabalho coletivo, e, visto ter resistido já duran- qualquer outro animal, demandando a sua cria-
te 3 anos às investidas ferozes e ignóbeis de ção mais cuidados e um grande lapso de tempo
todos os piratas do mundo, de desejar será que de para o seu desenvolvimento, não possuindo ar-
lá irradie, se propague e espalhe por toda a mas e defesas próprias e naturais que se possam
terra onde hajam seres viventes para que a confrontar com as garras do leão, com as prezas
chamada luta pela vida, luta de competições, de do tigre, com a força do elefante, nem com a
rivalidades, de interesses mesquinhos e egoístas marcha rápida da lebre e do veado. No entan-
se transforme em acordo mútuo de todos, em to, apesar desta inferioridade primitiva e origi-
ccooperação
ompar- harmónica que a todos faça nal, malgrado esta debilidade congénita da raça
tilhar dos perigos e dos seus bons ou maus re- humana que ainda hoje não pode lutar desar-
sultados, do trabalho e de seus beneficies, das mada com várias espécies de animais ferozes, e
sãs iniciativas e de suas úteis vantagens, todos "bicho" homem que há muitos séculos atrás mal
unidos no mesmo Ideal de amor e liberdade, se distinguiria da família dos macacos, nascen-
consumindo segundo as suas necessidades ou do nu, veste-se hoje dos mais quentes e finos
possibilidades de produção, e todos trabalhando panos, calça os mais cómodos e elegantes sapa-
agrupados por especialidades, ofícios e afinida- tos, habita casas relativamente confortáveis, (ele
des, conforme as inclinações e aptidões pessoais que vivia em cima das árvores e nas húmidas
e as exigências da sociedade, todos propendendo cavernas!) viaja em rápidos paquetes, em con-
fortáveis vagões de estradas de ferro puxados
por possantes locomotivas e, agora, com os leves
e elegantes aeroplanos, pode até voar pelo es-
paço azul conquistando os páramos celestes aos relações internacionais, quando as raças primiti-
aligeros seres que até há pouco gozavam de seu vas viviam completamente isoladas e desconhe-
domínio exclusivo e de sua posse indisputada. cidas entre si?
Alimentando-se de frutos silvestres e de Porque condão primoroso o homem primi-
raizes vegetais ou dos animais que podia colher tivo, nosso antepassado de há milhares de anos,
em suas emboscadas, hoje tem uma alimentação que ignorava a linguagem articulada, manifes-
que só não é substanciosa e abundante em vir- tando-se por sons isolados, por gritos interjecti-
tude do comércio açambarcador e negocista re- vos que em pouco o diferençariam do rugido
tirar os géneros do mercado, para os monopolizar animal, conseguiu desenvolver este maquinismo
e vender mais caros e falsificados. complicado, esta engrenagem maravilhosa que
de- Sulca os mares em todas as direções e constitui hoje a nossa linguagem tão aperfeiçoa-
vassa os céus com seus telescópios através as da que permite exprimir toda a delicadeza de
imensidades do infinito, descobrindo as leis que nossos sentimentos, todas as ânsias de nossos
regem a matéria e uma multidão de mundos,
corações, toda a poesia, da música, do amor e
de sóis e de estrelas que maravilham os olhos da paixão ideal?
e arrebatam o espirito. Mas, perguntarão, sendo E a escrita? Como surgiu e se desenvolveu
o homem primitivo tão fraco, tão desprovido de ela de forma a perpetuar através dos tempos
recursos, tão falho de condições favoráveis, as maneiras de sentir e de pensar das gerações
como é que conseguiu elevar-se de animal passadas, os seus costumes, as suas lutas, as
indefeso e frágil que era a rei da criação que suas desditas e os seus hábitos sociais?
hoje se arroga ser? Nascendo rodeado de
E a imprensa? Como expõr a sua evolução
miséria, em meio a dificuldades inumeráveis, e o seu extraordinário aperfeiçoamento desde a
quase invencíveis, como é que hoje se sente ro-
oficina de Gutemberg — em suas primeiras ten-
deado de conforto, relativo é certo, de civiliza-
tativas — até ao advento das linotipes, moder-
ção e de abundância? Que varinha mágica lhe
nas máquinas de compôr que mais parecem ter
permitiu como que operar esta metamorfose ma-
juízo e vontade própria que serem um simples
ravilhosa que transformou a ignorância em aparelho mecânico de ferro?
ciência, a fraqueza em força, a escassez em E na indústria metalúrgica?
fartura, a miséria em abundância, a doença em Transpotem- em pensamento àquelas remotíssimas épocas
saúde? Como explicar esta mudança, à primeira em que os broncos nossos avós, vivendo vida in-
vista quase incrível, em meio de condições tão
teiramente vegetal, sem ferramentas de qual-
desfavoráveis; condições físicas, quer espécie, de mãos rudes e cérebros chatos e
mesológicas, com falta de alimentos, de
obtusos, e depois apreciem a delicadeza, a fi-
vestuário, de habitações, como explicar — repetimos nura, a leveza e a graça dessas peças minúsculas
— este prodigioso desabrochar de indústria, de
quase microscópicas que constituem a engrena-
comércio, de relações mútuas e recíprocas entre
gem dum relógio de senhora, e verão a exten-
todos os povos, esta troca de produtos e de
são do caminho percorrido, a diferenciação ex-
ideias, este entrelaçamento de interesses e de
trema, quase irreconhecível que se tem verifica-
do entre o ponto de partida, naqueles
afstdíimos tempos, e o ponto de chegada em que
temos a felicidade de viver, época de progresso,
teridade quanto vale o esforço conjugado das
de transformação e de civilização relativa e mi- populações movidas por um ideal comum e ele-
litar. vado. Foi pela lida diária, pela tarefa quotidia-
Mas que Maga, que Fada ou Titã terá
na, pela obstinação reiterada de todas as gera-
obtido esta transformação lenta mas radical, de- ções de trabalhadores de todas as épocas que a
morada mas constante do mundo e do seu sociedade atingiu este relativo aperfeiçoamento
aspecto, da humanidade e de tudo que constitui o
físico, mental, moral, industrial, económico e
campo da sua atividade criadora e construtiva.
cientifico de que nos orgulhamos e de que
em qualquer departamento em que se divida:
poucos se beneficiam em detrimento de todos os
mental, moral, industrial, científica? restantes.
— É o trabalho forte e fecundo a alavan - Sim, sem o trabalho penoso e exaustivo,
ca universal que cria mundos, que transporta teimoso, pertinaz que a humanidade a si mesma
montanhas, que rasga istmos, que desseca se impõs e que veio realizando de século em
pântaos, que fura túneis, que constrói viadutos,
século, ainda hoje andaríamos nus e errantes,
pontes e calçadas; que abre caminhos, ruas e
através das florestas ou empoleirados nas árvo-
estradas; que edifica palácios, casas e teatros; res, pulando de galho em galho, em busca dal-
quefndascol,m bratóis.Fo gum raro fruto silvestre que mal chegaria para
trabalho quem roubou o fogo ao céu em figura
iludir a fome que nos assediasse.
de Prometeu; que conseguiu apoderar -se do raio E vejam o desconcerto da natureza!
às nuvens, quem domesticou os animais, tornan-
do-os seus colaboradores; quem devassou os Precisamente o homem que nasceu nu e
adustos e impenetráveis sertões; quem descobriu desarmado, inferior sob tantos aspectos a tantos
a América e a Austrália, quem circundou o glo- outros animais, é que tornando em força as
suas próprias fraquezas conseguiu afastar-se
bo, quem viajou até aos polos. Tudo que há, de
cada vez mais da animalidade em que estava
útil,debogranspiâmdeoEgt:
-grandes
mastodn engolfado até emergir em ser pensante e racio-
aquedutos, os enormes e
tices vapores, as elegantes estátuas, as rendi- nal, através de fases diversas, por etapas suces-
sivas, por aperfeiçoamentos gradativos, vencen-
lhadas catedrais, as mil e uma maravilhas do
mundo, os grandes poemas como os Vedas, a do ângustias sem conta e dificuldades quase
Bíblia, o Avesta, a Odisseia, a Divina Comédia, insuperáveis que lhe eriçavam o pedregoso e
o D. Quixote, os Lusíadas, a Legenda dos interminável caminho. O homem, vendo-se nu e
Séculos,aViãdTempo-sizrqu desagasalhado, observou que outros animais
são produto do trabalho constante, do esforço possuíam espessas coberturas de lã que os de-
persitn,dacçãometquido fendiam contra o frio e sentiu talvez um vago
edqumxcto,eplanud desejo de se apoderar do animal para o despo-
quem realizou, de quem projectou e de quem jar de sua pele lanzuda e com ela se aquecer
ef ctivoues admiráveismonumentosquesão e cobrir. Desarmado de fortes prezas e de po-
tentes garras teve necessidade de recorrer às
oenlvdshpamointelgêc
que gerações e gerações de trabalhadores edi- duras pedras, aos galhos das arvores e aos
ficaram e realizaram, como para mostrar à pos- ossos dos animais que matava para se defender
e atacar as feras que o perseguiam ou que
constituíam o seu alimento predileto. E foi
assim que, achadas as primeiras armas e os
primeiros utensílios ou ferramentas, estava encon- poeta, de historiador e de filósofo, que se
trado e caminho do aperfeiçoamento perene, quisesse dedicar a esboçar a longa tragédia do
à custa de tentativas reiteradas, de invenções re- trabalho útil e criador!
novadas, de ensaios repetidos, de experiências e Eis em apagados e inexpressivos traços
observações empíricas e apenas esboçadas. Mas como que um escorço rápido e impreciso da-
bastou o primeiro sucesso alcançado para lhe quilo que se deve ao trabalho, este Briareu de
revelar a utilidade das coisas e dos seres que múltiplas cabeças e múltiplos braços, colosso
o rodeavam e o levou paulatinamente a pro- velho e sempre moço, Fénix que renasce das
curar novos auxílios e novas lições experimen- próprias cinzas e a quem se deve tudo que so-
tais à mente grosseira e despolida, mas que mos, todas as riquezas que desfrutamos e todas
muitos séculos depois alcançou em seus descen- as comodidades que são apanágio e atributo da
dentes, muitíssimo afastados, um pleno desa- sociedade em que vivemos.
brochamento que muito promete florir e fruti- E, pois que ressalta evidente e demonstrado
ficar. o valor, a utilidade, as vantagens imensas do
Mas quem poderá historiar a longa série trabalho útil e produtivo, compreende-se logo
de sofrimentos padecidos, de lutas travadas, de implicitamente a perniciosidade, a nocividade e
sonhos desfeitos, de iniciativas frustradas, que o dano que causam à coletividade todos os
as gerações de trabalhadores primitivos tiveram parasitas que vivem à margem do trabalho, sem
de vencer, desprovidos de ferramentas, falhos de dele participar, dele afastados e por ele sentin-
modelos, carecendo de materiais indispensáveis a do horror e repugnância. Esses tais que vivem
,toda a iniciativa, tendo, de tudo improvisor gastando-se a si mesmos como a roda do moi-
servidas apenas por uma inteligência grosseira e nho se gasta quando lhe falta o trigo, furtando-
rudimentar, acanhada e raquítica, sem outro se à sorte geral dos seus semelhantes, gozando
estímulo e sem outro guia fora de sua fantasia e dum privilégio que é uma afronta e uma pro-
teimosia? vocação a todos os trabalhadores, vivendo numa
A História do trabalho, dos obstáculos que ociosidade criminosa que os rói, como a ferru-
venceu, das fases porque passou, das lutas que gem rói o ferro, constituem uma categoria de
sustentou, das vitorias que obteve, constituiria indesejáveis — ociosos, indivíduos indolentes,
a mais exacta e verídica História da Evolução imprestáveis e perigosos ao sossego e felicidade
Humana que seria de desejar, mas que está por geral, urgindo acabar por reduzi-los à Sorte
escrever e que certamente nunca se escreverá comum
do trabalho, fazendo-os empunhar uma
porque os seus começos residem mergulhados nas enxada ou um martelo para, desse modo con-
brumas dum passado distante em que não havia quistarem o direito à vida e aos confortos so-
escrita e cujas tradições se perderam com o ciais.
rodar dos séculos e que só por anologia dificil É uma medida necessária e de urgente
mente se poderá reconstruir. aplicação, pois são chegados os tempos de se-
No entanto, que assunto esplêndido para guir novos roteiros e de iniciar novos princípios
tentar uma imaginação opulenta e inspirada de de moral.
Vejam a opinião sensata de Smiles a pro-
pósito dessa gente que só serve para absorver
dosureqmtablhocdeirs
É este que dá vida, impulso e expansão a
que se não justificam e que só escondem uma
"A indo- toda a sorte de iniciativas e o trabalho sem o
preguiça e indolência braço executor do trabalhador seria pura
lência degrada tanto os indivíduos, como as na- abstração, não existiria. Pois, como íamos dizendo,
ções. Ela nunca deixou vestígios seus no mundo,
nem nunca há de deixar; jamais subiu uma numa sociedade racional, que se prezasse de
culta, pelo menos de compassiva, e que não
montanha, nem venceu uma dificuldade que pu-
tomasse como coisas vãs e insignificantes o
desse evitar; sempre falhou em tudo e há de
respeito que se deve ter pelos sentimentos de
falhar, porque, pela própria natureza das
gratidão que despertam os benefícios recebidos,
coisa, nunca pode conseguir nada; é um peso, um
os trabalhadores deveriam gozar de todas as
embaraço, um estorvo; não serve para nada e
atenções
invejála imagináveis, duma situação
anda sempre queixosa, melancólica, miserável." todos os respeitos, das garantias mais liberais e
à
Naturalmente, esta invectiva não é dirigida
afetivas que fosse possível imaginar. No en-
casta dos parasitas dourados, mas quem são os
tanto, o facto verídico, inequívoco, impossível de
verdadeiros, os refinados parasitas, senão todos
ocultar é que o trabalhador, fazendo jus a todos
soburgesqcmdlpaouse
útile oses- respeitos e considerações, é desprezado e
fogem com o corpo ao uso do trabalho
pezinhado; criando todas as riquezas e todos
produtivo? os
Concluamos, pois, este capítulo proclaman - mi- confortos, vive no maior abandono e
séria; tecendo todos os estofos, anda nu; cons-
do a soberania e a indispensabilidade do traba- truindo todas as casas, palácios e edifícios não
lho, gritando a plenos pulmões: "QUEM NÃO
tem um buraco ou uma guarida onde se abri-
TRABALHA NÃO COMEI" gue; cultivando o dourado trigo não tem um
pedaço de pão com que muitas vezes possa
A SORTE DOS TRABALHADORES
aplacar a fome que o devora; edificando as es-
colas não as frequenta; imprimindo os livros
Demonstrado e verificado como é do traba-
não r os lê por falta de meios para os compra
lho que resulta toda a soma de bem-estar, de ou porque é analfabeto; criando tudo que existe
conforto desen-
e benefícios que nos oferece o
de bom, de belo e de grandioso, vive à margem,
volvimento da agricultura, das indústrias e dos
excluído de todos os benefícios, de todos os frutos
ofícios e profissões que concorrem duma forma
que o seu titânico esforço conseguiu produzir e
eficiente e incontestável para o alargamento e acumu lar . .
a melhoria de condições de vida da humanidade,
instrumen- E é assim, no meio dessa esmagadora e
seria de supõr que os agentes dessa negra ingratidão, rodeado de afrontas, ouvindo
to transformador e renovador que é o traba-
e que resulta toda a soma de bem-estar, gozassem d escárnios e insultos, recebendo açoites e morte
lho útil de
afrontosa, passando fome e privações, suplicia-
estima geral de toda a sociedade, fossem vistos com a do e crucificado, pária, sudra, servo da gleba,
maior simpatia, rodeados do máximo conforto
escravo, proletário, sempre perseguido, sempre
e do máximo respeito. Porque quando se fala
chacoteado e vilipendiado, sem pão para a boca
de trabalho, fala-se implicitamente do traba- e sem conforto para o corpo e para o espíirito,
lhador. mergulhado na mais crassa ignorância e na
conservando os outros numa situação muito in-
miséria mais abjeta, que ele vai subindo a la- ferior à dos seus animais de luxo e de recreio.
deira íngreme do calvário, através das afrontas Chegou, porém, o tempo das grandes trans-
mais vis e das injúrias mais acerbas e cruéis, formações e até os cérebros rudes dos rudes
recebendo os epítetos mais deprimentes e igno- trabalhadores se vão polindo e abrindo à luz
miniosos, a caminho duma entressonhada justi- das novas renovações sociais, não havendo hoje
ça que nunca chega e duma aspirada ventura um cérebro único de trabalhador que não es-
com que nunca depara. teja convencido de que tem sido vítima imbele
Não tem nome, nem pátria, nem categoria e indefesa da maldade da exploração desenfrea-
social . E' a multidão anónima, a canalha vil, da e do roubo persistente que os governantes e
a ralé despreziva, a patuleia imoral, a plebe os grandes magnatas da indústria e do comér-
revoltada, o povo sempre iludido. Não tem per- cio têm contra ele exercido.
gaminhos, nem certidão de idade. Quando m or- Do mesmo modo que estão todos conven-
re vai para a vala comum como um cão ou cidos de que a situação actual é insustentável
um burro que serve para estrumar a terra. devendo acabar para dar lugar ao advento dum
Este povo, é certo, carrega o mundo nos estado social livre e progressivo onde todos te-
ombros e bastava uma pequena sacudida para nham o seu lugar ao sol em troco dum traba-
o lançar em panderecos e obrigar a lho proporcional às forças e às aptidões de
reconstiuí-l de forma mais justa e equitativa. Esta cada um.
plebe amorfa tem estado, porém, a dormir e Efectivamente, o trabalhador e a força, a
enquanto não desperte dessa letargia de pensa- atividade, o movimento, a energia e a ação
mento e de inteligência em que está mergulha- constante, inquebrantável, infatigável, que move
da há séculos, nada fará que a liberte de seus tudo e a tudo imprime vida, vigor, utilidade a
exploradores e aproveitadores. Mas há de che- proveito. E a prova disto é dada com uma
gar a hora do ajuste de contas e então ela to- simples greve. Quando há paralização total ou
mará posse de tudo que tem produzido e que quase total do trabalho numa cidade, vejam a
miseravelmente lhe têm surripiado a troco de tristeza e o aspecto melancólico de tudo e de
enganos e de falsas miragens. ctodos.ar- Os semblantes aparecem vincados e
As presumidas classes dirigentes têm vindo regados como a denunciarem o imprevisto que
durante o curso da Historia forjando e inven- ospdrecua.Dfte,nigémsácro
tando os meios mais absurdos, as razões mais ter no outro dia luz que o alumie, pão e alimen-
grotescas, as ciladas mais repugnantes e igno- to que o sustente, veiculo que o transporte,
miniosas para manter essas coortes de rudes leite e carne para os doentes e sossego e felici-
e heróicos trabalhadores num estado abjecto e dade para os sãos.
miserável, em condições calamitosas para que No entanto, obstinam-se em não querer dar
nunca eles pensassem em poder quebrar as gar- carta de alforria ao paciente trabalhador que
galheiras da afrontosa escravidão milenar, fur- tudo sacrifica para que a máquina social se não
tando-se ao despotismo e à tirania dessas castas desconjunte. Mas, digam-nos uma coisa: — se
parasitárias que com a religião e as guerras os trabalhadores morressem todos num dia, o
eli-
embruteciam as gerações de trabalhadores, seriaqdocu,spaeritdocle-
minando os melhores do número dos vivos e
ros e dos sangue-sugas de profissão? Só então lida e fixada na mente do obscuro rabiscador,
eles perceberiam quanta injustiça têm praticado tal a significação profunda de verdade que en-
com esses humildes, laboriosos e pacientes cria- cerra?
dores de todas as riquezas e com os quais têm Não ha dúvida. É necessário começar de
usado tanto rigor, tanta, rispidez, tanta severi- novo. A sociedade burguesa chegou a tais apu-
dade em troca de suas energias, de suas forças ros, foi de tal modo levada à beira dum abismo
e de suas úteis existências. que não lhe resta outra saída. Ou recua para
E já o notável comunista francês Saint-Si- avn-
iniciar marcha nova por estrada nova, ou
mon, um dos precursores do socialismo moder- çaeprcit-snofudabme
no, uma vez, exprimiu d e modo humorístico morte inglória e infamante a espera como co-
essa grande verdade, roamento à obra de insensatez e de maldade
Disse ele mais ou menos: — "Se de repente que até hoje realizou.
morresse o rei já tínhamos o herdeiro garan- Os trabalhadores precisam mudar de situa-
tido; se ao bispo de Paris, aos ministros, aos ção. É já longo o caminho de seu penar e
deputados, aos políticos, aos juízes, aos milita- do seu sofrer para que as classes parasitárias
dispres
en- e a uma multidão de funcionários se convençam e se capacitem de que por bem
sáveis e inúteis os levasse o diabo, além de os ou por mal precisam de abrir mão de suas
podermos substituir facilmente restar-nos-ia regalias injustas e ladravazes em favor dos eter-
ainda o consolo e o recurso de deixar vagos nos produtores e das eternas vítimas do despo-
esses seus lugares. Se, ao contrário, os traba- tismo desenfreado dos magnatas de todos os
sulhadores
- morressem todos num dia, o que tempos.
cederia? Sem pessoal nos estabelecimentos, nos Todos são iguais ao nascer e ao morrer.
mercados e nas feiras; desertos os caminhos de Todos procedem daquelas remotíssimas eras em
ferro, as alfândegas, os portos e os armazéns: que a miséria e a animalidade a todos irmana-
sem ninguém que abastecesse de géneros fres- vam na dor e no sofrimento. Como, pois, expli-
cos as cidades, as vilas e todas as populações, car que a uns só pertença o trabalho e a outros
nesta situação, levantar-se-ia um clamor de es- só caibam os frutos desse trabalho? Muito antes
panto que atroaria o espaço, como trombeta do homem surgir na terra já ele existia. O
apocalíptica, com o grito de: salve-se quem homem é filho da terra e não vice-versa. Só
puder! surgiu quando aquela reuniu as condições
Todos os laços se quebrariam, romper-se- indispensáveis ao desabrochamento da vida ani-
iam todos os vínculos e a novos e velhos, a mal que se foi aperfeiçoando por metamorfoses
padres e a leigos, a militares e a civis, a ho- sucessivas, desde o mosquito ao elefante, desde
mens e a mulheres, á humanidade restante aborletàágui vsrz.
enfim só restaria esta alternativa: ou começar Como, pois, compreender que meia dúzia
de novo ou morrer duma vez!" de piratas se apossassem da terra mãe, livre e
E quem haverá aí capaz de negar a comum, que a todos nos pertence e que todos
exactidão desta imagem cheia de verdade e de cá encontramos quando nascemos, que existiu
pinturesco e que só perde por ter sido sempre, que por ninguém foi criada, em detri-
reconstiuída de memória, pois ha já muitos anos que foi mento da maioria humana que só desejaria fe-
cundá-la com seu sangue, regá-la com seu
suor, para dela tirar messes abundantes, mas tando-o nas gargantas do inferno que sorvem o
que da mesma é arredada e expulsa, porque
condenado.
essa meia dúzia de abutres a monopoliza como E acrescenta! "Para um malandro é épico
arma de predomínio, não a fecundando nem de mais. D. João, na sua qualidade de parasita,
deixando aos outros fecundá-la? morre como deve morrer: de fome. Quem não
E' necessário, pois, mudar de rumo, come- trabalha não tem direito à vida".
çar
monpó- vida nova, acabando com todos os Muito bem exprimido, em verdade, e que
lios e com todos os instrumentos de servilismo essa sentença luminosa sirva de advertência a
e de escravização proletária. Já que todos par- todos os parasitas, a todos os malandros, a to-
ticipam dos frutos do progresso e do trabalho dos os "D. Joões" que por aí flanam e peram-
humano, urge que todos sintam a necessidade, bulam sugando a seiva do trabalho alheio, cor-
o dever, a obrigação moral de concorrer com a rompendo os costumes, a moral e a família dos
sua parcela de esforço, de energia e de ativi- trabalhadores.
dade a favor desse trabalho tão malsinado, tão é Não há por onde escapar. O mundo
caluniado e desprezado que tudo proporciona grande bastante e tem recursos suficientes onde
em troca dumas horas de esforço e de todos empreguem a sua atividade, o seu es-
paciência.
forço, as suas faculdades de vida e de trabalho
Reabilite-se o trabalho fatigante mas pro- útil e necessário. Só para a casta parasitária de
dutivo pelo concurso e adesão de todos os vi- vadios inveterados e crónicos, de zangões da
ventes às suas exigências e regras. Que cada colmeia social que chupam o mel e só deixam
abelha dê o mel e a cera que puder para a os resíduos às abelhas fecundas e laboriosas, é
construção desse favo promissor, o trabalho co- que vai faltar terreno apropriado às suas cos-
mum, redimido e libertado, que há de trazer a tumadas proezas e aos seus perniciosos hábitos
paz, a igualdade, a fartura e a solidariedade de consagrada vadiagem.
como sucessor natural desta sociedade de tra- Apressem-se, pois, em tomar um lugar no
balhadores espoliados e algozes estipendiados. imenso exército de trabalhadores. Se o sol
Quem se furtar ao trabalho é inimigo e como quando nasce é para todos, o mesmo deve acon-
tal será considerado.
tecer com o trabalho que a todos beneficia e
Já o disse o poeta em seu hino de fogo: do qual muitos não participam. Olhem que
"É justo aos parasitas dar batalha. quem não trabalha não come!
A terra só pertence a quem trabalha."
Também o eminente Guerra Junqueiro em NADA DE CONFUSÕES
suas notas ao poema "Morte de D. João" ex-
prime este pensamento quando, referindo-se à Há um preconceito inveterado e consagra-
significação
escandali- moral de seus versos que do que quase todos aceitam e tomam como ouro
zaram tanta gente que se supõe honesta, decla- de boa lei, quando no entanto não passa dum
ra que não seguiu a clássica rotina de poetizar reles pechisbeque, dum engano e embuste que
e engrandecer o seu personagem, devasso, é preciso desmascarar e esclarecer. E' o se-
incorrigível, para no fim da vida castigá-lo, precipi- guinte. Muitos numerosos patifes que acumula-
ram grandes ou médias fortunas gabam-se e
blasonam dos haveres que possuem dizendo que fraternidade e solidariedade. Tudo que nos me-
são o fruto do seu trabalho, de seu esforço, de lhore coletivamente, tudo que nos ilustre, tudo
sua actividade, e, à primeira vista, parece que nos esclareça, tudo que concorra para os
vulgo dar-lhes razão e acreditá-los. Mas, a ci- progressos morais, económicos e científicos da
lada consiste num erro de apreciação. Pergun- humanidade, é trabalho na larga acepção do
to eu: O vendeiro que falsifica os géneros e que termo .
vende artigos deteriorados que nos arrasam o Tudo o que não seja isto é desonra ao
estômago e nos envenenam o organismo poderá, trabalho e como tal não deve ser designado.
ser considerado um trabalhador ? O açambar- Esses abutres que não trepidam em come-
cador que vela a noite inteira pensando no ter as mais torpes e censuráveis ações com os
modo de abarcar a produção, fazê-la rarear no olhos somente fixos na riqueza e no cofre, cuja
mercado ou exportá-la, produzindo a carestia e religião consiste em só adorar e tudo sacrificar ao
condenando nossas infelizes criancinhas a mor- bezerro de ouro, que não recuam diante de ne-
rer de fome, poderá considerar-se um trabalha- nhum delito desde que por ele alarguem os
dor ? O industrial que à força de goma faz os seus domínios de poder e de riqueza, são uns
tecidos parecer muito fortes e se aproveita desse monstros perigosos à sociedade, à tranquilidade
estratagema para vender caro aquilo que não pública e ao sossego das gerações.
presta, pode ser tomado por trabalhador ? Os Agitam-se, movimentam-se, mas melhor
falsificadores das bebidas, os falsificadores da seria para a coletividade que permanecessem
farinha à qual adicionam caolim e outros in- quietos, que se não mexessem, porque desse
gredientes
salame perigosos, os fabricantes de modo os nossos estômagos estariam mais resis-
com carnes podres e impróprias, os que mistu- tentes e a sociedade mais tranquila por que te-
ram areia no açúcar, na pimenta e na canela ria esses inimigos de menos.
em pó, todos estes se poderão considerar traba- Nestas condições, não se deve tomar como
lhadores? trabalho tudo que possa corromper e prejudi-
— Não, absolutamente. A sua actividade car a sociedade, ou tudo aquilo que não tenha
redunda em prejuízo de toda a humanidade, e utilidade e não concorra para o alargamento e
os seus manejos indecorosos e habilidosos vi- aumento da felicidade universal. E' assim que
sando o enriquecimento rápido, da noite para consideramos bons trabalhadores os cultivadores
o dia, não podem ser tomados nem designados do campo — os trabalhadores por excelência — os
por trabalho. pedreiros, os carpinteiros, os serralheiros, os
Chame-se-lhe traficância, roubo, explora- padeiros, os alfaiates, os sapateiros; os traba-
ção, pirataria, envenenamento, ou aquilo que lhadores de transportes marítimos e terrestres:
queiram, mas não de trabalho porque isso seria os trabalhadores do correio e dos telegrafes; os
corromper essa nobre expressão. médicos, os engenheiros e os professores; os
Por Trabalho compreende-se toda a activi- enfermeiros, os coveiros, e os varredores; e, como
con- dade manual ou mental que aumenta os é impossível enumerá-los todos, diremos que
fortos da vida coletiva, alargando os nossos co- são trabalhadores todos os indivíduos que no
nhecimentos e as possibilidades humanas do domínio manual ou intelectual empregam a sua
mais progresso, de mais civilização, de mais activd emsrviçoseciasúteiaseo
rodeado de canteiras, curvado ao trabalho for-
çado, dia e noite absorvido pela ideia fixa e
seus semelhantes. Pelo mesmo modo, não con- alucinante de conquistar o pão que lhe falta,
sideramos trabalhadores todos esses parasitas tendo por leito um mar de miséria e por tra-
que vivem do jogo, da espionagem e da vesseiro um diluvio de dores, vestindo um manto
cafetinagem; nem os soldados que, enquanto ao de espinhos e sangrando os pés nos duros seixos da
serviço da caserna são simples instrumentos de estrada, mãos calosas e cabelo desgrenhado, lá
tirania e de escravização, manejados pelos man- segue o bom obreiro da civilização, esse paciente
dões rendo- que só assim garantem o exercício
agente da transformação e renovação universal,
so de seu domínio e de sua exploração. Para-
escarnecido por uns, desprezado por outros, ex-
sitas, e da pior espécie, consideramos esses
agentes e atravessadores de negócios, plorado por todos, a caminho dum mundo riso-
intermdáios astutos e intrusos entre o produtor e o nho e ideal que as religiões lhe prometeram e
consumidor, a ambos arrancando couro e cami- que nunca lhe deram, mas que ele saberá con-
za, a ambos deixando na miséria ao passo que quistar com a sua indomável energia, com o
eles levam vida regalada no dolce far mente de seu inquebrantável esforço e com a sua nunca
suas imorais transações que nada mais repre- desmentida capacidade para o trabalho.
sentam que esbulhos, roubos legalizados e tole- Sim, meu irmão trabalhador, já conquistas-
rados pelas leis sempre favoráveis aos te este mundo, às forças brutas da natureza.
salafrários de todo o calibre. Transformaste brejos em jardins, florestas
Não, não continuemos a perpetuar com em cidades ou em campos de verdejantes mes-
nosso silêncio esse embuste com que muito ex- ses, ligaste os mares, mudaste o curso aos rios,
plorador pretende justificar o acumulo e a
de lugares pantanosos fizeste risonhas e
posse de riquezas de que se apoderou ilicita-
mente. O caminho de seu triunfo está semeado higiénicas povoações, ganhaste batalhas que só glo-
de dores, de sofrimentos, de lágrimas de pobres rificaram o general, deste caça às feras em
mais e de inocentes crianças que gemeram, pa- seus covis e aos bandidos que das alcantiladas
deceram e morreram para que um Creso qual- serras perturbavam o teu sossego e o fruto de
quer, crasso de ignorância e possuído dum ili- teu trabalho. Pois, agora, precisas conquistar
mitado apetite de riqueza, de gozos e de bam- outra vez este mundo; mas reconquista-o para
bochatas pudesse amontoar fortuna colossal e ti, sem demora, arrancando-o das mãos dos ra-
ter ainda o atrevimento, o descôco e o desplan- pinantes que até hoje o têm desfrutado em teu
te de querer justificar-se e passar por traba-
desproveito e prejuízo. E agarra-o, segura-o
lhador.
bem, com unhas e dentes, para ninguém mais
O trabalhador, o verdadeiro trabalhador, t'o arrebatar. E' teu, pertence-te. Aperta-o bem
que aluga braços, cérebro e coração a seus al-
contra o seio, não o deixes
gozes, a seus sangradores, e que vive do esfor-
queiram dele participar grita-lhes denodada-
ço infatigável do trabalho quotidiano, sabe, por
mente: se quereis viver, trabalhai — Quem não
experiência própria, que nunca lhe sobra um
vintém, mas muitas vezes lhe falta o preciso trabalha não come!
para a miserável e modesta manutenção de seu
lar desguarnecido. Pobre trabalhador! Sempre
TRABALHO MANUAL E INTELECTUAL Por outro lado, os trabalhadores vendo os
mestres, os engenheiros, os funcionários, bem
Um outro preconceito muito enraizado e trajados, sabendo que sempre ganham muito
muito injusto que precisamos desfazer e esvair mais, morando em casas amplas e bonitas, era
é esse de pretender incompatibilizar os traba- conversa com os patrões, frequentando outra
lhadores manuais com os trabalhadores intele- sociedade, naturalmente, tomam-nos como ini-
ctuais e vice-versa, e que leva a tantos mal en- migos, no que geralmente acertam.
tendidos. Mas isto não quer dizer que não chegas-
Efetivamente os intelectuais, professores; sem a um entendimento, na hora das grandes
funcionarias e técnicos de toda a espécie que têm transformações em que as fábricas, as estradas,
conhecimentos especiais sobre os diversos ramos os navios, as terras, as escolas fossem entregues
do saber e das indústrias modernas, pelo facto de àqueles que lhes dão vida e que as fecundam
terem estudado e adquirido uma certa cultura com o seu suor e inteligência e que por isso
e uma certa soma de conhecimentos, e como mesmo são os seus mais legítimos administra-
são os verdadeiros administradores das fábricas dores.
e das estradas do ferro, dos portos e de todas É certo que o trabalho manual, apesar de
as grandes empresas, devido á incompetência e toda a sua utilidade, tem sido considerado com
ignorância que geralmente os donos desses es- repugnância e abandonado aos sem eira nem
tabelecimentos revelam e de que padecem, são beira, àqueles que com pouca inteligência
atraídos pelos burgueses, adulados e bajulados sem meios não podem galgar um emprego pú-
emconta sdichegamut blico, um lugar nas classes médias, na carreira
vezes a esquecer que também são salariados, das armas, da magistratura, da medicina ou do
que é do trabalho diário e ininterrupto que ti- clero, enfim da parasitagem mais ou menos
ram o sustento da família como qualquer outro dourada e ociosa. E até a maneira de designar
operário ou trabalhador. Dá-se também o caso a música, a pintura e a arquitetura por
de algumas vezes serem interessados nos ga- belas-artes, assim como a poesia e a literatura por
nhos da fábrica ou da empresa e, nesse caso, belas-letras indica claramente,
são perigosos porque quanto maior for o lucro o horror, o asco, a aversão que o tra-
insofismavelmente
no fim do ano, maior será, a parte que lhes balho braçal, o trabalho rude, inspira às castas
tocará obrigando-os a ser egoístas e arbitrários. desobriga-
vadias que, julgando-se superiores e
Mas isto é ainda uma cilada dos patrões e das dos rijos trabalhos que as mantêm na ociosi-
dos governantes, que têm todo o empenho em dade, ainda acham justo mimosear com termos
manter os técnicos e os funcionarias de seu injuriosos os intrépidos heróis do trabalho e a
lado, transformando estes em um instrumento missão por excelência civilizadora que exer-
de melhor exploração. cem .
como nesta sociedade todos procuram ir A parasitagem regala-se com os gozos das
atrásdogneh,éaturlqnem belas artes enquanto a massa ignara e escrava
todos respeitem a própria dignidade e saibam morre de dor e, de sofrimento no desempenho
desempenhar o papel lógico que lhes competiria das artes servis que cimentam toda a obra da
representar, não sendo lobos de seus irmãos. civilização humana. E os trabalhadores sendo
Ao estribilho, trabalhai, trabalhai, traba-
lhai, responderam os trabalhadores: — venham
úrteis,rablhundome-xcs cá ajudar!
destrablhoqupndsbrigam Mas, voltando ao assunto de que nos des-
executar, ainda por cima são vexados e despre- viamos, o trabalho manual exige também
zados, como se fosse possível que aquilo que função cerebral; o contrário seria julgar o traba-
causa o seu tormento, constituísse ainda por lhador um simples autómato, o que não é ver-
cima um horrível crime. dade . Só pelo facto de qualquer realização já
Já, na antiga Grécia, Solon em suas disposi- as faculdades mentais entram a agir. E os
ções legislativas estabelecia: "Os rapazes pobres intelectuais nada perderiam se unissem á teoria a
devem, primeiro que tudo, ser industriados na prática, o manejo das ferramentas, etc.
tão E' de lamentar que o operário tenha
agricultura ou em qualquer oficio; os ricos
restrito conhecimentos científicas, mas
demvfrquntaosgieá,clvrmúa.
estudar a filosofia e dar-se á equitação e á també a maioria dos teóricos na prática nada fa-
caça . zem. Por aqui se vê que o trabalho manual e
intelectual, longe de se repelir, atrai-se mu-
Como vêem, à concepção errónea de consi-
tuamente e completam-se um pelo outro . E.
derar o trabalho braçal incompatível com as
esse horror pelo trabalho manual não tem razão
castas ociosas é velha e revelha, e à força de
de ser, antes pelo contrário cada vez precisa
ser repetida tornou-se um caso comum que não
ser mais estimado. As religiões deram-no como
merece reparos.
uma condenação, um castigo, um flagelo de
E a quanto levou esta concepção idiota de Deus mand- contra o homem que faltou aos
considerar o trabalho manual cousa de pouca mentos que lhe vedavam o fruto proibido Mas
monta e desprezível, está-se constatando nas isto foi certamente esperteza dos sacerdotes que
emergências actuais em que todos vêem a sal- dessa maneira se furtaram à diária e pesada
vação no aumento da produção, quando par- labuta com a desculpa de irem suplicar a Deus
tem apelos instantes e veementes das bocas dos o perdão de seus filhos, pecadores por vontade
governantes e dos grandes tubarões da finança do próprio pai. Mas, hoje, sabe-se que rezas e
e da indústria, dirigidos aos operarias, para invocações, missas e cerimónias religiosas nem
que intensifiquem a produção, para que traba- desarmam a Deus que nunca existiu, nem dão
lhem com mais desembaraço, para que prolon- pão às bocas famintas. O Deus todo poderoso
guem o serviço mais horas durante o dia. que é patente a todas e que a todos dá vida, é
A isto respondem os trabalhadores, com o trabalho. Exercê-lo, portanto, melhorá-lo,
carradas de razão, convidando os muito tornai-o mais produtivo, deve ser a tarefa má-
conspícuos pais da pátria e das batatas a desmobi- xima a que todos se dediquem, tornando-o ex-
lizar os exércitos, as polícias e todas as cate- tensivo a todos, como a todos são extensivos os
gorias parasitárias, incluindo todos os seus benefícios.
burges, capitalistas, banqueiros, políticos e gover- O trabalho é a mola real do mundo .
nantes e a ingressarem todos nas oficinas ou Quando todos o exerçam tornar-se-á muito
a irem para os campos aumentar a produção tão mais atractivo e dignificado, podendo ser enor-
desfalcada e diminuta, podendo trabalhar de-
pois as horas que lhes dê na gana.
memente melhorado desde que a inteligência bitação, rodeados dos tenros e inocentes filhi-
entre directamente em seu auxílio. O trabalha- nhos.
dor que seja ao mesmo tempo um pensador Todas as profissões úteis se equivalerão
fará progredir enormemente as descobertas pela soma de utilidade que produzam e com
científicas e económicas, do mesmo modo que que favoreçam a vida humana encarada sob o
o pensador em contacto com o trabalho e com tríplice ponto de vista económico, moral e
as realidades que o cercam, descido desse mundo artístico da coletividade. Nem há que discutir
nebuloso em que costuma encatelar-se, vivifi- preponderâncias possíveis de uma sobre outra,
cará com uma luz nova tudo aquilo que toque. porque de futuro trabalhar-se-á para aumento
Hoje, trabalhadores e intelectuais vivem geral da felicidade universal, não como
excluíndo-se, desconhecidos e estranhos uns aos outros, conrêcia comercial para produzir fortunas na-
sem razão nem motivo justificado. No futuro, babescas adquiridas de modo ilícito e imoral.
porém, caminharão irmanados, igualados pelo O trabalho será organizado em comum, em
trabalho dignificante e transformador, todos as- perfeito pé de igualdade entro todos os seus
sociados na tarefa superior de melhorar a vida, membros.
a inteligência e as faculdades do espirito, la- E' pois tempo de reabilitar esse Leviatan
mentando terem perdido tantos séculos de roti- que nos trouxe do nada da animalidade até ao
na e de ignorância que as conveniências que hoje somos na humanidade, dando-lhe e
burguesas e despóticas conseguiram impedir liber- lugar que lhe compete e a precedência que lhe
tar e progredir. convém na hierarquia das utilidades, pois até hoje
O trabalho depois não será dividido em o trabalho manual tem permanecido no limbo
artes "belas e servis", nem apreciado pelo ga- das coisas pouco limpas e pouco honrosas.
nho que pode proporcionar segundo as diversas Qualquer pessoa faz alarde e honra-se de
profissões, mas só se terão em conta as neces- ser médico, engenheiro, professor, funcionário
sidades dos indivíduos e da coletividade: todos público, oficial do exército, como se qualquer
os trabalhos úteis serão honrados, e os inútels dessas profissões valesse mais do que ser pe-
e prejudiciais serão suprimidos, pois que dreiro, padeiro, sapateiro, agricultor, etc. Não
ninguém tirará vantagem em produzir o que não negamos a utilidade dessas profissões, mas
presta ou o que é pernicioso. também hão lhes reconhecemos nenhuma superio-
ridade sobre os mais modestos ofícios.
Ninguém mais se valerá de seus diplomas
para abusar e escravizar o seu semelhante, to- Os trabalhos sendo úteis equivalem-se todos.
dos se podendo instruir e educar e só exercendo O engenheiro, o pedreiro, o pintor, o carpintei-
a profissão que mais se quadre com as suas in- ro, o arquitecto, são todos unidades úteis e
clinações e aptidões, podendo nas horas de des- imprescindíveis para a construção das casas,
canso
labortó- frequentar a escola, o teatro, o das escolas, das oficinas, sendo que os operários
rio, sempre alargando os seus conhecimentos e corrigem muitas vezes os técnicos. O médico, o
saciando a sua sede de saber, de filosofia e de farmacêutico, o enfermeiro, o coveiro são todos
ciência, ou divertir-se nas doces práticas indispensáveis para o tratamento da saúde dos
fami-
liares, no conchego morno e suave de sua ha- vivos e para facultar sepultura aos mortos.
Lembrem-se da última epidemia.
O grande receio das autoridades era de objetivos, de atividades, de iniciativas úteis e
não haver covas suficientes por falta de covei- proveitosas.
ros.Naqueles apertos a profissão de coveiro Um anexim muito grato ao paladar
era uma das primeiras, das mais úteis e
burguês diz que "a ociosidade é a mãe de todos os
necessárias.
vícios", mas só o aplicavam ao maltrapilho que
A salvação dos vivos dependia do enterrar
os mortos. por falta de quem lhe alugasse os braços se
Assim, pois, essa superioridade com que se via na dura necessidade de prevaricar e cair
inculcam as profissões liberais, de facto não nas malhas da lei.
existe nem se justifica. Todos esses que sobre- Hoje, porém, os fatores do problema estão
saem pelo talento e pelo saber, e que não nos postos nos seus justos termos e o operariado
furtamos em reconhecer-lhes, adquiriram-no à também repete em coro o velho preceito: "ocio-
custa do trabalhador manual. Se este não cons- sidade é a origem de todos os vícios", signifi-
truísse casas, não fizesse vestuários e calçados, cando com isso que todos os burgueses que não
não cultivasse os campos, não concorresse de trabalham em serviços proveitosos, não passam
modo eficiente para a manutenção do burguês duns perigosos viciados que só se regenerarão
e de sua família, este não poderia mandar seus pelo uso sistemático e obrigatório dum traba-
filhos frequentar aulas e cursos onde adquiris- lho útil que discipline as forças e dê
sem conhecimentos e diplomas que os trabalha- às
convergêcia energias e aos esforços comuns. Guerra,
dores não conseguem em virtude mesma de pois, de morte aos ociosos, e a todos os parasitas
serem trabalhadores, isto é, de trabalhar para e vadios que infelicitam as camadas populares
os outros. extorquindo-lhes o produto de seu trabalho ex-
Portanto, cessem todas as diferenças e to- tenuante.
das as prevenções entre os diversos trabalhado- Queremos estabelecer uma sociedade justa
res. e equitativa onde não exista exploração do
Não ha lugar para dissidências e qualquer espécie, onde os instrumentos de tra-
dinjustificáveis.
ivergêncas Ao contrário, o que é de balho, as terras, as fábricas e as oficinas per-
aplaudir é o acordo, a harmonia, a solidarieda- tençam de direito à humanidade trabalhadora e
de
de entre todas as classes homogéneas, isto é, não a meia insaciáveis
dúzia de abutres sempre
entre todos os indivíduos que concorrem com a e insatisfeitos de sangue e de suor das pobres
sua parte de utilidade para o bem comum, vi- abelhas laboriosas.
vendo do seu salário, ao serviço dos patrões ou
do Estado. E é para realizarmos este ideal nobre e
elevado de felicidade, de liberdade e de magna-
Os intelectuais podem ensinar muito aos
manuais e estes por sua vez ensinarão aquilo nimidade social que precisamos do esforço e da
que a prática e a observação lhes têm feito colaboração de todos os trabalhadores
adquirir, tornando-se os primeiros também ma- intelcuais e manuais exortando-os a uma aproxima-
nuais e os segundos também intelectuais, numa ção que se impõe evidenciada pela luz nova que
permuta recíproca de serviços, de interesses, de brotou rusa: da celebrada fórmula revolucionária
quem não trabalha não come!
CONCLUSÃO
Eis-nos chegados ao fim de nossa perlus-
fração, rápida é verdade, através do domínio do impregnados duma moral que está em atraso
trabalho e da fórmula, já hoje com direitos de mais de dois mil anos com os tempos que cor-
"cidadania" que resume a sorte dos que não tra- rem, ficam apopléticos quando se lhes fala
balham e que consiste em negar-se-lhes direito nestas coisas. Mas nem por isso nós deixare-
á vida como parasitas que são da colmeia social mos de clamar bem alto a queda próxima e de-
em que vegetam, já que não vivem. finitiva desta sociedade podre e corrupta, para
Vimos como as letras divinas e profanas, dar lugar a uma outra que tenha por base a
pela boca de Deus na Bíblia, e por São Paulo na justiça e por colunas a solidariedade e o traba-
mesma fonte são concordes em considerar o lho para todos.
zangão social como um cão sarnento sem direito E' uma necessidade patente, positiva, de-
àvida,quemsngrlitoed monstrada. Todos gritam que há falta de
quem todos devem fugir como duma praga, géneros, que é preciso aumentar a produção, que
duma chaga, dum cancro que repugna à vista há escassez de braços. Pois então é fácil re-
açãeo.hTnmrbéizsfoag solver o problema. Que todos os burgueses, pa-
não deixaram de incluir na linguagem popular dres e soldados, que todos os encarcerados,
aquelas expressões simples que se gravam de funcionários e policiais fardados e à paisana ve-
modo indelével em espíritos ingénuos e que se- nham aumentar e reforçar o exército dos tra-
vão transmitindo de geração em geração como balhadores empunhando a pá e a picareta e fa-
filosofia da vida prática. Guerra Junqueiro, lu- zendo produzir todas as terras incultas. E só
minoso poeta, é também de opinião que os ma- assim se desvanecerá a crise de subsistências.
landros,
imprestávi os vadios, os "almofadinhas" Pois se há tanta gente que come sem trabalhar
devem deixar-se morrer à fome pois que só Naturalmente que deverá haver deficit!
assim nos livraremos do flagelo de bocas impro- Comé- Dante, o imortal poeta da "Divina
dutivas e de cérebros desmiolados e desvai- dia", colocou à entrada do Inferno a terrível e
rados. condenatória inscrição: Lasciate ogni speranza,
Mas, mais eloquente de que todas essas afir- voi ch'entrate, exprimindo com isso a conde-
mações teóricas, é o facto práctico na Rússia, nação irremediável a que estava destinado todo
onde um artigo da Constituição dos Sovietes de- aquele que entrasse no terrível suplício, porque
clara que quem não trabalha não come. Lá, nunca mais sairia.
exige-se como condição essencial para ter di- Pois é o que todos os trabalhadores
reito ao alimento regular e diário, que seja tra- devem
ne- aplicar a todos àqueles que se
balhador, que exerça qualquer profissão ou ofí- guem a entrar no círculo do trabalho, da activi-
cio, que concorra com a sua parcela de esforço dade e do esforço profícuo e são. Parafraseando
para o bem da coletividade, só assim restituin- o dito do sublime poeta, a condenação
do à sociedade aquilo que a mesma lhe for- irevogál e impiedosa que os operários devem aplicar
nece. a todos os parasitas, a todos os madraços e ocio-
Claro, os espíritos retrógrados, imbuídos sos que enxameiam pelo mundo, explorando e
das antigas fórmulas dos velhos quadros sociais, sorvendo o suor e o trabalho de toda a huma-
nidade ativa e esforçada deve ser: PERDEI
TODA A ESPERANÇA, Ó VÓS QUE NÃO
TRABALHAIS, PORQUE MORREREIS À
FOME!
Sim, operários, trabalhadores, grava inde-
levelmente em vosso espíirito, burilai fundamen-
te em vossa memória, insculpi eternamente em
vossa inteligência, riscai em todas as paredes,
muros e portas, em todos os palácios e templos,
gritai a todos os ouvidos e a todas as
consiê a, proclamai a todos os ventos, castas e
raças, a insofismável e equitativa verdade a que
a Revolução Russa deu corpo e significado uni-
versal: quem não trabalha não come!
Perdei, pois, ó parasitas, toda a esperança!
Estais severamente condenados: Não comereis
sem trabalhar!
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JUVENTUDE DO FUTURO

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Galdós $500
- 0 que é o maximismo ou Bolchevismo"
— Helio Negro e Edgard Leuenroth $300
"Evangelho dos Livres" — Afonso Sch
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Pereira $209
"A verdade ácerca da Revolução Russa"
—Ed. Metzner . 1$500
"Jesus Cristo era anarquista" Eve-
rardo Dias . . ..... . $200
"0 que querem os anarquistas" — Jorge
Tonar $200
"Cancioneiro Vermelho" . • . . $300
"A Moral Anarquista" -- 1'. Kropotkine $800
"Pelo Comunismo Anarquista" . . . $300
"A Grande Revolução" — Kropotkine 4$500
"A Sociedade Futura" — J. Grave . 2$500
"Da Religião á Anarquia," — Manoel J.
da. Silveira . . . . . . $300
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"Os Emancipados" -- Fabio Luz . . . 3$000
"A Moral" — Álvaro Palmeira . . . 2$000
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