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Democracia Operária
Antonio Gramsci

21 de junho de 1919

Escrito em: 1919
1ª Edição: L'Ordine Nuovo, 21 de junho de 1919
Tradução: Thiago Chagas Oliveira, em 9/11/2006
HTML de: Pablo de Freitas Lopes para MarxistsInternetArchive, novembro de 2006.

Um problema se impõe hoje, urgentemente, a cada socialista que tenha
vivo  o  sentido  da  responsabilidade  histórica  que  incumbe  às  classes
trabalhadoras e a seu Partido, o qual representa a consciência ativa e crítica
e operante desta classe.

Como dominar as imensas forças sociais que a guerra desencadeou?

Como discipliná­las e dar­lhes uma forma política que contenha em si a
virtude de desenvolver­se normalmente, de integrar­se continuamente, até
tornar­se a ossatura do Estado socialista na qual se encarnará a ditadura do
proletariado?

Como ligar o presente ao futuro, satisfazendo as urgentes necessidades
do presente e trabalhando eficazmente para criar e "antecipar" o futuro?

Este escrito pretende ser um estímulo ao pensar e ao operar; pretende
ser um convite aos melhores e mais conscientes operários para que reflitam
e, cada um na esfera da própria competência e da própria ação, colaborem
na  solução  do  problema,  fazendo  convergir  para  ele  a  atenção  dos  seus
camaradas e de suas associações.

Somente através de um trabalho comum e sólido de esclarecimento, de
persuasão e de educação recíproca nascerá a ação concreta de construção.

O Estado socialista já existe potencialmente nos institutos de vida social
características das classes trabalhadoras exploradas.

Conectar  entre  si  estes  institutos,  coordená­los  e  subordiná­los  numa


hierarquia de competências e de poderes, centralizá­los fortemente, porém,
respeitando as necessárias autonomias e articulações, significa criar aqui e
agora  uma  verdadeira  e  própria  democracia  operária,  em  contraposição
eficiente  e  ativa  ao  Estado  burguês,  preparada  desde  já  para  substituir  o
Estado burguês em todas as suas funções essenciais de gestão e domínio do
patrimônio nacional.

Hoje  em  dia,  o  movimento  operário  é  dirigido  pelo  Partido  Socialista  e


pela Confederação do Trabalho; mas o exercício do poder social do Partido e
da  Confederação  se  realiza,  para  grande  massa  trabalhadora,
indiretamente,  por  força  de  prestígio  e  de  entusiasmo,  por  pressão
autoritária, por inércia.

A  esfera  de  prestígio  do  Partido  se  amplia  cotidianamente,  atinge


estratos  populares  até  agora  inexplorados,  suscita  consenso  e  desejo  de
trabalhar  proficuamente  pelo  advento  do  comunismo  em  grupos  até  agora
ausentes da luta política.

É  necessário  dar  uma  forma  e  uma  disciplina  permanente  a  estas


energias  desordenadas  e  caóticas,  absorvê­las,  articulá­las  e  potencializá­
las,  fazer  da  classe  proletária  e  semi­proletária  uma  sociedade  organizada
que  se  eduque,  que  obtenha  experiência,  que  adquira  uma  consciência
responsável dos deveres que incumbem as classes que conquistam o poder.

O  Partido  Socialista  e  os  sindicatos  profissionais  não  podem  absorver


toda a classe trabalhadora; isto só seria possível através de um trabalho de
anos e dezenas de anos.

Eles  não  se  identificam  imediatamente  com  o  Estado  proletário;  nas


repúblicas  comunistas  até  agora  existentes  eles  continuam  a  subsistir
independentemente  do  Estado,  como  instituições  de  propulsão  (o  Partido)
ou de controle e de realizações parciais (os sindicatos).

O Partido deve continuar a ser o órgão de educação comunista, o fogo
da fé, o depositário da doutrina, o poder supremo que harmoniza e conduz
às  metas  as  forças  organizadas  e  disciplinadas  das  classes  operárias  e
camponesas.

Precisamente  para  desenvolver  rigidamente  este  ofício,  o  Partido  não


pode escancarar as portas às invasões de novos aderentes, não habituados
ao exercício da responsabilidade e da disciplina.

Mas a vida social da classe trabalhadora é rica de instituições, articula­
se em múltiplas atividades.

De  fato,  é  necessário  que  estes  institutos  e  estas  atividades


desenvolvam­se;  organizem­se  de  modo  complexo,  una­se  num  sistema
vasto e agilmente articulado que absorva e discipline inteiramente a classe
trabalhadora.

A  oficina  com  suas  comissões  internas,  os  círculos  socialistas,  as


comunidades  camponesas  são  os  centros  de  vida  proletária  nos  quais  é
necessário trabalhar diretamente.

As  comissões  internas  são  órgãos  de  democracia  operária  que  é


necessário  libertar  das  limitações  impostas  pelos  empreendedores,  e  nos
quais é necessário infundir vida nova e energia.

Hoje, as comissões internas limitam o poder do capitalista na fábrica e
desenvolvem funções de arbitragem e disciplina.

Desenvolvidas  e  enriquecidas,  deverão  ser  amanhã  órgãos  do  poder


proletário  que  substituirá  o  capitalista  em  todas  suas  funções  úteis  de
direção e de administração.

Já  aqui  e  agora  os  operários  devem  deveriam  proceder  à  eleição  de


vastas  assembléias  de  delegados,  escolher  entre  os  melhores  e  mais
conscientes camaradas, sobre a palavra de ordem: "Todo o poder da fábrica
aos  comitês  de  fábrica",  coordenada  com  outra:  "Todo  o  poder  do  Estado
aos Conselhos operários e camponeses".

Um vasto campo de propaganda concreta revolucionária se abriria para
os comunistas organizados no Partido e nos círculos de bairro.

Os  círculos,  em  conformidade  com  as  seções  urbanas,  deveriam  fazer
um recenseamento das forças operárias da zona, bem como transformar­se
na  sede  dos  conselhos  de  bairro  dos  delegados  de  fábrica,  o  gânglio  que
articula e centraliza todas as energias proletárias do bairro.

Os  sistemas  eleitorais  poderiam  variar  de  acordo  com  o  tamanho  das
oficinas;  porém,  dever­se­ia  tentar  eleger  um  delegado  para  cada  quinze
operários  divididos  por  categoria  (como  se  faz  nas  oficinas  inglesas),
chegando, por eleições graduais, a um comitê de delegados de fábrica que
inclua  representantes  de  todo  o  complexo  do  trabalho  (operário,
empregados, técnicos).

No comitê de bairro, deveria tentar­se incorporar delegados também de
outras  categorias  de  trabalhadores  que  habitam  o  bairro:  garçons,
motoristas,  condutores  de  bonde,  ferroviários,  lixeiros,  empregados
domésticos, comerciários, etc.

O  comitê  de  bairro  deveria  ser  a  emanação  de  toda  a  classe


trabalhadora  que  habita  o  bairro,  emanação  legítima  e  influente,  capaz  de
fazer  respeitar  uma  disciplina,  investida  de  poder,  espontaneamente
delegado, bem como capaz de ordenar o fechamento imediato e integral de
cada trabalho em todo o bairro.

Os  comitês  de  bairro  se  ampliariam  em  comissariados  urbanos,


controlados  e  disciplinados  pelo  Partido  socialista  e  pelas  federações
profissionais.

Tal  sistema  de  democracia  operária  (integrados  com  organizações


equivalentes de camponeses) daria uma forma e uma disciplina permanente
às  massas,  seria  uma  magnífica  escola  de  experiência  política  e
administrativa, enquadraria as massas até o último homem, habituando­as
à  tenacidade  e  à  perseverança,  habituando­as  a  considerar­se  como  um
exército  em  campo  que  tem  a  necessidade  de  uma  firme  coesão  se  não
quer ser destruído e escravizado.

Cada fábrica construiria um ou mais regimento deste exército, com seus
cabos, com seus serviços de ligação, com sua oficialidade, com seu estado
maior,  constituindo  poderes  delegados  por  livres  eleições,  isto  é,  não
impostos autoritariamente.

Mediante a realização de comícios, realizados no interior da fábrica, com
a  obra  contínua  de  propaganda  e  de  persuasão  desenvolvida  pelos
elementos  mais  conscientes,  obter­se­ia  uma  transformação  radical  da
psicologia  operária,  far­se­ia  a  massa  melhor  preparada  e  capaz  do
exercício  de  poder,  difundir­se­ia  uma  consciência  dos  deveres  e  dos
direitos  do  companheiro  e  do  trabalhador,  que  seria  concreta  e  eficiente
porque gerada espontaneamente pela experiência viva e histórica.

Já  havíamos  dito:  estes  rápidos  apontamentos  se  propõem  somente  a


estimular o pensamento e a ação.

Cada aspecto do problema mereceria um vasto e profundo tratamento,
complementações, integrações suplementares e coordenadas.

Mas  a  solução  concreta  e  integral  dos  problemas  de  vida  socialista  só


pode  ser  obtida  com  a  prática  comunista:  as  discussões  em  comum,  que
modificam simpaticamente as consciências de modo a unificá­las e dotá­las
de entusiasmo operante.

Dizer  a  verdade,  chegar  em  comum  a  verdade,  é  cumprir  ação


comunista e revolucionária.

A  fórmula  "ditadura  do  proletariado"  deve  deixar  de  ser  somente  uma
fórmula, uma ocasião para ostentar fraseologia revolucionária.

Quem quer os fins, deve também querer os meios.

A  ditadura  do  proletariado  é  a  instauração  de  um  novo  Estado,


tipicamente  proletário,  no  qual  confluem  as  experiências  institucionais  da
classe  oprimida,  no  qual  a  vida  social  da  classe  operária  e  camponesa
transforma­se num sistema difundido e fortemente organizado.
Este  Estado  não  se  improvisa:  os  comunistas  bolcheviques  russos
trabalharam por oito meses a fim de difundir e fazer concreta a palavra de
ordem:  todo  os  poder  aos  sovietes;  e  os  sovietes  eram  conhecidos  pelos
operários russos desde 1905.

Os  comunistas  italianos  devem  fazer  da  experiência  russa  um  tesouro,
desta forma, economizar  tempo e  trabalho: a  obra de  reconstrução exigirá
para  si  tanto  tempo  e  tanto  trabalho  que  cada  dia  e  cada  ato  devem  para
ela ser destinado.

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Inclusão 18/11/2006

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