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IGREJA LUTERANA

(logotipo Seminário)
SEMINÁRIO CONCÓRDIA

Diretor
Gerson Luis Linden

Professores
Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luís Linden,
Leopoldo Heimann, Norberto Heine (CAAPP), Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo Moisés
Nerbas, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores Eméritos
Ari Lange, Donaldo Schüler, Paulo F. Flor

IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teolo-
gia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São
Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial
Paulo Wille Buss (Editor), Clóvis Jair Prunzel (Editor Homilético)

Assistência Administrativa
Nara Coelho

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana e


Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com ende-
reço e selado.

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Correspondência
Revista Igreja Luterana
Seminário Concórdia
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93001-970 – São Leopoldo/RS
Telefone: (0xx)51 592 9035
e-mail: seminarioconcordia@ulbranet.com.br
www.seminarioconcordia.com.br

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IGREJA LUTERANA

PALAVRA AO LEITOR

No ano de 2004, completaram-se 475 anos desde a primeira publicação dos


dois catecismos de Lutero. O ano de 2005 marca o 475º aniversário da apresenta-
ção da Confissão de Augsburgo e o 425º aniversário da primeira publicação do
Livro de Concórdia. Não poderíamos deixar passar em branco datas tão significa-
tivas na história do luteranismo. Por essa razão, o presente número de nossa revis-
ta é dedicado exclusivamente a estudos em torno dos catecismos de Lutero.
É importante lembrar que Lutero escreveu seus catecismos após constatar a
ignorância espiritual do povo e de muitos de seus pastores durante as visitações na
Saxônia Eleitoral e em Meissen no final de 1528 e início de 1529. Nos séculos que
medeiam entre os dias de Lutero e os nossos próprios, surgiram movimentos,
tanto no mundo quanto na igreja, que não contribuíram para incrementar, entre o
povo, o nível de conhecimento das verdades bíblicas e da doutrina cristã. A confu-
são e, até mesmo, o desconhecimento que, muitas vezes, se manifesta com relação
aos ensinos centrais da fé cristã, justifica sobejamente que o estudo dos catecis-
mos de Lutero nos lares e na igreja seja fortemente recomendado. A presente
edição de Igreja Luterana quer oferecer sua contribuição para estimular a reflexão
e a prática desse estudo.
Em “Reflexões sobre a linguagem e a tradução do Catecismo Menor”, o Dr.
Vilson Scholz brinda os leitores com um texto rico em conteúdo aliado ao seu
habitual estilo fluente. Além de apontar princípios de tradução e exemplos de
traduções feitas pelo próprio Lutero, o autor propõe uma tradução atualizada de
um trecho do Catecismo Menor.
Os auxílios homiléticos incluídos nesta edição não seguem as perícopes
tradicionais em uso nas igrejas, mas se norteiam pela seqüência das doutrinas da
fé conforme expostas nos catecismos de Lutero. Não se pretende sugerir, com
isso, que se pregue sobre o catecismo ao invés de pregar sobre a Escritura. Pelo
contrário, os auxílios tomam por base um texto bíblico e sugerem a incorporação
das explicações dos catecismos na mensagem. Não há uma época definida para
dar início a esta seqüência de sermões, como também não há necessidade de pregá-
los numa seqüência rígida. Não se pretende, por exemplo, que o pregador, após
iniciar essa série, ignore as grandes datas do calendário cristão. Uma possibilida-
de é continuar pregando sobre as perícopes em uso e inserir um sermão sobre o

3
catecismo ocasionalmente, talvez em um culto mensal. Cada pastor e congrega-
ção deverá decidir o que é mais útil e proveitoso em sua situação específica. De
qualquer maneira, temos a convicção de que o ensino contínuo das verdades cris-
tãs expostas nos catecismos de Lutero poderá beneficiar os cristãos de hoje como
já o tem feito em relação a muitos dos que nos precederam.
Agradecemos ao Dr. Vilson Scholz que colaborou na edição dos auxílios
homiléticos em edições anteriores e ao Prof. Clóvis Prunzel que coordenou a pro-
dução dos auxílios deste número.

Paulo W. Buss
Editor

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IGREJA LUTERANA

REFLEXÃO

REFLEXÕES SOBRE A LINGUAGEM E A


TRADUÇÃO DO CATECISMO MENOR
Vilson Scholz*

Existe a história, provavelmente fictícia, mas conhecida de muitos pasto-


res, de um confirmando que, ao ser solicitado a recitar a explicação do décimo
mandamento, segundo o Catecismo Menor, saiu-se com essa: “Devemos temer e
amar a Deus e, portanto, não apertar, desvirar ou alisar a mulher do próximo, os
seus empregados ou o seu gado etc.” O que o menino pensava estar dizendo é isto:
“Devemos temer e amar a Deus e, portanto, não apartar, desviar ou aliciar a mu-
lher do próximo, etc.”1
Anedotas à parte, essa história mostra que existe uma dificuldade lingüísti-
ca relacionada com o Catecismo que, por sua vez, levanta a questão da tradução
do texto de Lutero.

A ORIGEM E O USO ATUAL DO CATECISMO


Antes de entrar na discussão do assunto, é bom lembrar que o Catecismo
Menor nasceu como um manual de instrução cristã. O texto alemão começa as-
sim: “Como o chefe de família deve ensiná-los [os mandamentos] com simplici-
dade a sua casa”. O título latino diz: “Pequeno catecismo para meninos na escola.
De que maneira os mestres-escolas devem ensinar aos seus meninos, de modo
mais simples, os Dez Mandamentos”.2 Mas o Catecismo acabou virando símbo-
lo, isto é, um documento que identifica as igrejas luteranas em todo o mundo. Faz
parte do Livro de Concórdia. É citado como documento identificador na Consti-
tuição de muitas igrejas luteranas. Assim, o Catecismo Menor é tanto documento

* O Dr. Vilson Scholz é professor de Teologia Exegética (Novo Testamento) no Seminário Concórdia e na ULBRA e Consultor
de Traduções da Sociedade Bíblica do Brasil.
1
Este é o texto que aparece no Catecismo em uso na Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Na falta de outro título, será aqui
chamado de Catecismo Sinodal.
2
Livro de Concórdia, p. 366.

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REFLEXÃO
confessional quanto manual de instrução. Na prática, diga-se de passagem, é
pouco usado pelos chefes de família de hoje para ensinar os seus filhos. Também
está longe de constar entre os livros favoritos dos mestres-escolas de nossos dias.
No entanto, continua cumprindo sua função original no contexto do ensino
confirmatório, ou seja, na instrução que antecede o rito da Confirmação e que, em
geral, é ministrada a pré-adolescentes (crianças de onze ou doze anos). Em outras
palavras, o Catecismo virou o livro dos confirmandos.

O CARÁTER CONFESSIONAL E POÉTICO COMO ELEMENTO COMPLICADOR


Fosse o Catecismo Menor apenas um manual de instrução, a pergunta pelo
nível de linguagem, na tradução, teria uma resposta bem mais simples. Mas,
como é também um documento confessional, a coisa se complica. Houve e ainda
há uma preocupação com aquilo que o texto de Lutero de fato quer dizer. Estudi-
osos se dedicam a uma minuciosa exegese do original alemão. Alguns fazem isso
com mais esmero até do que fazem sua exegese bíblica! Tradutores, a exemplo de
Arnaldo Schüler, no Livro de Concórdia, escrevem notas para explicar de que
forma a tradução se relaciona com o original alemão. Tudo isso mostra que mexer
com o texto do Catecismo Menor é coisa séria.
Por outro lado, como ajudar o menino que tropeça naquele “apartar, desviar
ou aliciar a mulher do próximo” do assim chamado Catecismo Sinodal? Recorrer à
tradução mais recente do texto, encontrada no Livro de Concórdia, não ajuda muito.
Ali se encontra o que segue, na explicação do Décimo Mandamento: “Devemos
temer e amar a Deus, de maneira que não desviemos astutamente, arrebatemos ou
alienemos a mulher do próximo, os seus empregados ou o seu gado etc.”3
Desviar, arrebatar ou alienar: esta seqüência de verbos reproduz o original
alemão abspannen, abdringen oder abwendig machen. Mesmo quem não enten-
de nada da língua alemã pode notar que existe, aqui, um elemento de aliteração,
isto é, a repetição do prefixo “ab”. Isto aponta para a dimensão poética do texto de
Lutero. De fato, Lutero escreveu o Catecismo Menor para que fosse memorizado
palavra por palavra. Com isso em mente, deu atenção a detalhes como cadência,
ritmo, aliteração, assonância, etc. Ora, se o texto é poético, isto complica as coi-
sas mais ainda, pois agora, além de termos um texto histórico que é documento
confessional usado como manual de instrução, temos também um texto poético.
Como traduzir um texto desses? Afinal, como disse Robert Frost, “poesia é aqui-
lo que se perde na tradução”.4 De fato, a tradução de Arnaldo Schüler traz dois
verbos iniciados com a letra a (arrebatar e alienar), mas não conseguiu um equiva-
lente para “abspannen” e optou por “desviar astutamente”. O leitor pergunta: Se

3
Livro de Concórdia, p. 369
4
Citado em Rónai, p. 79

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IGREJA LUTERANA
não é possível reproduzir a aliteração na íntegra, por que escolher um verbo com-
plicado como alienar? Aliciar, que aparece no Catecismo Sinodal, parece ainda
mais complicado.

TRADUZIR É MAIS DO QUE SUBSTITUIR PALAVRAS


A considerar o texto das traduções, por vezes fica difícil acreditar que Lutero
tenha escrito o Catecismo Menor para crianças. Além da questão do vocabulário,
existe também o aspecto da sintaxe. Como Andrew Steinmann astutamente ob-
servou, boa tradução é mais do que achar as palavras correspondentes; é também
uma questão de achar a sintaxe correspondente.5 No caso da Bíblia, as palavras
da tradução são portuguesas, mas a sintaxe muitas vezes é grega ou hebraica. Um
exemplo disso é o primeiro versículo da Bíblia. “No princípio criou Deus ” repro-
duz exatamente a sintaxe hebraica. A sintaxe portuguesa, no entanto, requer, a me-
nos que se tenha em vista alguma ênfase, que se diga: “No princípio Deus criou”.
No caso do Catecismo Menor, não há como deixar de notar a abundância de perí-
odos longos. A explicação do Segundo Artigo, que chega a oito linhas no Livro de
Concórdia, é um período só. A explicação do Primeiro Artigo, num total de nove
linhas, até aparece mais desmembrada, na tradução, embora o texto alemão seja
um só período! A pergunta que o leitor faz é a seguinte: era assim que se escrevia
para crianças no tempo de Lutero? Mais: será que Lutero estava consciente de
que um texto para crianças era diferente de um texto para adultos? Dificilmente.
Ao se traduzir, no entanto, cabe a pergunta: é assim que se dizem as coisas em
português brasileiro do século 21? É assim que se escrevem manuais de instrução
para crianças ou adolescentes? É bem possível que esses períodos longos não
comuniquem adequadamente, ao menos não para adolescentes.

LUTERO COMO TRADUTOR E TEÓRICO DA TRADUÇÃO


O leitor pode perceber que já enveredamos pelos caminhos da teoria de
tradução. Nada mais apropriado, num ensaio que reflete sobre a linguagem e o
processo de tradução do Catecismo Menor. E em se tratando de tradução, o pró-
prio Lutero é mestre. Tanto assim que cabe a pergunta: é possível aplicar os
princípios de tradução adotados e enunciados por Lutero na hora de se traduzir o
Catecismo Menor? Será que as traduções do Catecismo Menor são fiéis aos prin-
cípios seguidos por Lutero na tradução da Bíblia? Lutero é modelo na hora de se
traduzir os textos que ele próprio escreveu?
Lutero traduziu o Novo Testamento sozinho, em 1522, e liderou uma equi-
pe que, num espaço de tempo bem maior, traduziu também o Antigo Testamento.

5
Steinmann, p. 388.

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REFLEXÃO
A Bíblia completa foi publicada pela primeira vez em 1534. Essa tradução foi
sendo revisada ao longo dos anos. Lutero também refletiu – e foi forçado a se
pronunciar – sobre sua técnica de tradução. Dois textos aparecem no volume oito
das Obras Selecionadas de Martinho Lutero: “Carta aberta do Dr. M. Lutero a
respeito da Tradução e da Intercessão dos Santos (1530)” e “Sumários sobre os
Salmos e Razões da Tradução (1531-32)”.

TRÊS PRINCÍPIOS EXTRAÍDOS DOS TEXTOS DE LUTERO


É claro que Lutero não sistematizou os princípios que ele seguiu na forma de
teses bem definidas. Outros, lendo seus escritos, fizeram isso. Cameron MacKenzie
fala de três princípios que Lutero defendeu e praticou em sua tradução da Bíblia. Na
verdade, mais do que qualquer outra coisa, trata-se de qualificações do tradutor, que
deve: 1) ser fiel à língua alvo, isto é, a língua para a qual se traduz; 2) traduzir de
forma literal sempre que necessário; 3) ter bom conhecimento de teologia.6

O PRIMEIRO PRINCÍPIO: FIDELIDADE À LÍNGUA ALVO


Fidelidade à língua para a qual se traduz é ser fiel para com o leitor. Na
Carta Aberta a respeito da Tradução, Lutero escreve:
não se deve perguntar às letras na língua latina como se deve
falar em alemão, como fazem esses burros, e sim, é preciso
perguntar à mãe em casa, às crianças na rua, ao popular na
feira, ouvindo como falam, e traduzir do mesmo jeito, então
vão entender e notarão que se está falando alemão com eles.7
Nos Sumários sobre os Salmos e Razões da Tradução, Lutero constata:
muitas vezes reproduzimos o sentido e abandonamos as pala-
vras. Por causa disso, de certo, muitos sabichões vão querer
nos criticar e, talvez, também alguns piedosos vão se escanda-
lizar. Mas qual é o proveito em se manter, sem necessidade, as
palavras com tal rigidez e dureza, quando delas não se entende
nada? Quem quer falar alemão, não deve empregar o estilo
retórico hebraico, mas deve atentar para que, compreendido o
cidadão hebreu, capte o sentido e faça a seguinte pergunta:
Meu caro, como fala o cidadão alemão neste caso? Quando,
pois, se tem as palavras alemãs, que servem aqui, abandone-se
as palavras hebraicas e se expresse livremente o sentido, no
melhor alemão que puder.8

6
MacKenzie, p. 80-83.
7
Lutero, “Carta Aberta”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 211-212.
8
Lutero, “Razões da Tradução”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 227.

8
IGREJA LUTERANA
O EXEMPLO DE JEREMIAS 31.14
Jeremias 31.14, na Bíblia de Lutero, é um exemplo que ilustra a tese que o
Reformador defende. Num contexto de restauração escatológica, Deus anuncia:
“Saciarei de gordura a alma dos sacerdotes”. Este é o texto de Almeida Revista e
Atualizada, e não poderia ser mais literal. Soa estranho, todavia. Como pode
alguém saciar a alma de gordura? Lutero traduziu assim: “Ich will der Priester
Herz voller Freude machen”, que, em língua portuguesa, seria mais ou menos
isto: “Vou encher o coração dos sacerdotes de alegria”, ou, então, “vou alegrar o
coração dos sacerdotes”. Desapareceram a alma e a gordura; entraram o coração
e a alegria. Lutero, por assim dizer, “espiritualizou” a mensagem de salvação, ao
falar de alegria no coração. Agora, compare-se o que fez a Nova Tradução na
Linguagem de Hoje (NTLH): “Alimentarei os sacerdotes com muita comida boa”.
Foi eliminada a referência à alma, mas foi mantida a “materialidade” da salvação:
“muita comida boa”.
As semelhanças entre a tradução de Lutero e o texto da NTLH – e com toda
certeza a NTLH não deve nada a Lutero em termos de uma eventual cópia ou
plágio – mostra o quanto Lutero é avançado para o seu tempo. Por mais que se
queira ver em Lutero um tradutor comprometido do começo ao fim com um mo-
delo de tradução mais formal, Lutero surpreende pela sua modernidade. Ele ante-
cipa em muito o modelo de equivalência funcional adotada por traduções do tipo
NTLH.9 E isto acontece não por acaso, mas é uma decisão consciente de Lutero,
como mostra a citação acima, onde Lutero fala que “é preciso perguntar à mãe em
casa, às crianças na rua, ao popular na feira”.

O EXEMPLO DE LUCAS 1.28


Um outro exemplo, citado pelo próprio Lutero, na Carta Aberta a respeito
da Tradução, é Lucas 1.28. Lutero explica:

9
Toda tradução se localiza em algum ponto numa linha que vai da tradução mais literal possível, num extremo, à tradução de
equivalência funcional, no outro extremo. E embora se costume situar as traduções mais para a esquerda ou mais para a direita,
mais formais ou mais funcionais, não se deveria cair no erro da generalização, pois determinada passagem numa tradução
considerada de equivalência funcional pode muito bem ser um texto típico de uma tradução do tipo formal. Assim, nenhuma
tradução bíblica existente é 100% formal-literal ou 100% funcional-semântica. Uma análise da tradução de expressões idiomá-
ticas em diferentes Bíblias revelou que nenhuma delas reproduz todas essas expressões ao pé da letra. A King James Version
(KJV), que é a grande representante das traduções do tipo formal, traduz 5% das expressões idiomáticas de forma compreen-
sível, isto é, não-literal ou funcional; a New International Version faz isso em 44% dos caso; a Today’s English Version, que é
a irmã mais velha da NTLH, faz isso em 83% dos casos. Van der Watt, “What Happens When One Picks up The Greek Text?”
p. 257. Um exemplo disso é Lc 22.15. Ao pé da letra, o grego diz: “Com desejo desejei”. A Vulgata não se desviou disso:
“desiderio desideravi”. A KJV fez o mesmo: “With desire I have desired” (Com desejo tenho desejado); Lutero traduz o
sentido: “Mich hat herzlich verlangt” (desejo do fundo do coração). Almeida Revista e Corrigida se inscreve no campo
funcional, ao traduzir por “desejei muito”. O mesmo acontece com Almeida Revista e Atualizada, que traz “tenho desejado
ansiosamente”, e com a NTLH, que traduz “como tenho desejado”. Já em Gn 2.17, a situação é diferente. Ao pé da letra o
hebraico diz: “com morte morrereis”. Assim aparece na Septuaginta (“thanato apothaneisthe”) e na Vulgata (“morte morieris”).
A KJV deixou de ser literal, ao traduzir: “thou shalt surely die” (tu certamente morrerás). Lutero pende mais para o literal:
“wirst du des Todes sterben” (“vais morrer de morte”). Almeida tem “certamente morrerás”.

9
REFLEXÃO
“Salve, Maria, cheia de graça, o Senhor seja contigo” ... assim é
que se traduziu até agora, simplesmente seguindo a letra latina
[gratia plena]. Mas diga-me: isso é bom alemão? Quando é que o
alemão fala assim: “estás cheia de graça”? Qual é o patrício que
vai entender o que significa “cheia de graça”? Ele vai pensar num
barril cheio de cerveja, ou num saco cheio de dinheiro; por isso eu
traduzi: “graciosa” [holdselige], de modo que um alemão conse-
guirá associar melhor com o sentido pretendido pelo anjo em sua
saudação. Mas aí os papistas ficam doidos comigo, por ter adul-
terado a saudação angelical. Isso que ainda não consegui acertar
a melhor formulação alemã. E se eu tivesse tomado a melhor
formulação vernácula, traduzindo da seguinte maneira a sauda-
ção: “Deus te abençoe, querida Maria” [Gott grusse dich, liebe
Maria] (pois isso é o que o anjo quer dizer, e assim teria falado, se
quisesse saudar em nossa língua), acredito que eles teriam arran-
cado os cabelos, devido à sua grande devoção para com a querida
Maria, por eu ter arrasado de tal maneira a saudação”.10
Interessante é ver como traduções modernas tratam essa questão. Antes
disso, o texto da Vulgata, com o qual Lutero interagiu: “have gratia plena Dominus
tecum” (ave, cheia de graça, o Senhor é contigo). A King James Version, de 1611,
segue nas pegadas de Lutero: “Hail, thou that art highly favoured, the Lord is
with thee” (Salve, ó tu que és grandemente favorecida, o Senhor é contigo).11
Almeida Revista e Corrigida (ARC) tem “Salve, agraciada; o Senhor é contigo”.
Já Almeida Revista e Atualizada (ARA) mudou para “Alegra-te, muito favorecida!
O Senhor é contigo”. NVI recupera um termo da ARC: “Alegre-se, agraciada! O
Senhor está com você!” Todas estas traduções são, por assim dizer, devedoras de
Lutero. E as traduções católicas, que fazem? A Bíblia de Jerusalém e a Bíblia
Sagrada – Tradução da CNBB vão com a Vulgata, contra Lutero: “Alegra-te, cheia
de graça, o Senhor está contigo!” Fica claro que o elemento dogmático-doutriná-
rio se sobrepõe, neste caso, contrariando o argumento lingüístico de Lutero. Lutero
ainda não foi ouvido de todo. Por outro lado, a New Jerusalem Bible, verte assim:
“Rejoice, you who enjoy God’s favour! The Lord is with you” (Alegra-te, ó tu que
desfrutas do favor de Deus! O Senhor está contigo).
Que significa isso para a tradução do Catecismo de Lutero? Ora, quer-me
parecer que há uma grande preocupação dos tradutores com a fidelidade a Lutero.
Nem sempre se pergunta se é assim que se diz isso em português, ou, então, se é
assim que um confirmando confessaria a sua fé. Será que existe espaço para um
Catecismo Menor na Linguagem de Hoje?

10
Lutero, “Carta Aberta”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 212-213.
11
Notar que a KJV coloca em itálico o texto que aparece na tradução, mas não tem correspondente no original.

10
IGREJA LUTERANA
UM SEGUNDO PRINCÍPIO QUE LUTERO ENSINOU E PRATICOU
Lutero tem um segundo princípio, que poderíamos denominar de “literal
onde necessário”. Aliás, diz-se que o princípio seguido pelos tradutores da Revised
Standard Version (RSV) era este: “Formal onde necessário; dinâmico onde possí-
vel”. Parece que Lutero subscreveria o mesmo princípio. Na Carta Aberta a
respeito da Tradução, ele explica que, em certas passagens, preservou o original
de forma bastante literal.
Por outro lado, não ignorei demasiadamente a letra, mas, com meus auxili-
ares, cuidei meticulosamente que, por exemplo, a menção de uma palavra chave
tivesse reprodução literal, e não procedi com tanta liberalidade [bin nicht so frey
davon gangen], como quando Cristo fala, em João 6[.27]: “Este Deus Pai selou”.
Em alemão, teria sido melhor: “Este Deus o Pai marcou” ou “Deus Pai tem em
mente a este”. Mas preferi comprometer a língua alemã a desistir do termo”.12
Com certeza esse princípio é de grande importância na tradução da Bíblia.
Uma das dificuldades, no caso de traduções do tipo de equivalência funcional,
como a NTLH, é conseguir agrupar passagens bíblicas que tratam do mesmo as-
sunto. Em outras palavras, fica difícil elaborar uma concordância ou chave bíbli-
ca a partir da tradução. Termos que representam o que se pode chamar de “con-
ceitos bíblicos” ficam em grande parte diluídos. No caso do Catecismo, talvez
não houvesse tanta necessidade de reter certas palavras, como acontece com a
Bíblia. Por outro lado, expressões como “devemos temer e amar a Deus” – que
Lutero coloca na explicação de cada um dos dez mandamentos – com certeza
deveriam ser mantidas intactas.

O TERCEIRO PRINCÍPIO
Lutero tem um terceiro princípio: Um bom tradutor também deve ser um
bom teólogo. E, de fato, aparece muita teologia da Bíblia de Lutero. Mais do que
nunca, tradução é interpretação. O exemplo de Lc 1.28 nas Bíblias católicas ilus-
tra isso muito bem. No caso do Catecismo de Lutero, o melhor tradutor é, sem
dúvida, um profundo conhecedor da teologia de Lutero. Só este poderá resistir à
tentação de, por exemplo, no terceiro mandamento, ignorar o texto de Lutero –
“Santificarás o dia do descanso” – e substituí-lo por um texto bíblico que menci-
one o sábado.
Isto levanta a questão dos textos bíblicos que Lutero cita em seu Catecis-
mo, e que não poderá ser tratada a fundo aqui. É uma questão importante, face ao
seguinte dado: 22% do Catecismo Menor são citações diretas das Escrituras, e
31% são exegese das Escrituras.13 Que fazer, neste caso? Normalmente traduz-se

12
Lutero, “Carta Aberta”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 214.
13
Voelz, “Luther’s Use of Scripture in the Small Catechism”, p. 55.

11
REFLEXÃO
a tradução de Lutero. É o que se vê no Livro de Concórdia. Já o Catecismo
Sinodal aproxima as citações bíblicas do texto da tradução de Almeida, especial-
mente na Tábua dos Deveres. Ora, se o Catecismo existe para ser memorizado, e
mais de vinte por cento é texto bíblico, isto pode representar um problema que
angustia muita gente: Se as crianças memorizam um texto que não está em nenhu-
ma Bíblia que eles conhecem, como vão reagir no momento que encontrarem esse
texto na leitura bíblica? Entre memorizar um texto que é a tradução portuguesa de
uma tradução alemã e memorizar o texto de uma tradução portuguesa feita direta-
mente do original, não seria mais sensato memorizar o texto desta última? Seria,
não fosse o problema do caráter confessional do Catecismo. O exemplo mais
claro disso é o texto do terceiro mandamento, mencionado acima: “Santificarás o
dia do descanso”. Este texto não aparece assim em nenhuma passagem específica
da Bíblia; reflete a leitura neo-testamentária do mandamento feita por Lutero.
Aqui não se pode senão traduzir a tradução (interpretada) de Lutero. Qualquer
outra solução seria trair a intenção do Reformador, isto é, significaria infidelidade
ao texto fonte.

INDO DA TEORIA À PRÁTICA


Como, então, traduzir o Catecismo Menor à luz dos princípios apresenta-
dos acima? Não é tarefa fácil, isenta de riscos. Esses riscos aumentam à medida
que o crítico se põe na condição de tradutor. Mas é preciso tentar. E, como a seção
do Catecismo mais destacada neste ensaio foi a explicação do Décimo Manda-
mento, o leitor tem o direito de perguntar como ficaria esse texto numa tradução
mais funcional, isto é, numa linguagem mais atualizada. Por isso, segue um en-
saio de tradução, feito um tanto às pressas e num esforço isolado:
Que significa isso?
Resposta: Devemos temer e amar a Deus.14 Por isso15 , não devemos tirar16
a mulher ou o marido17 dos outros, fazendo ameaças ou promessas18 . Também

14
Esta já consagrada afirmação deveria ficar como está, seguindo-se o princípio número dois, exposto acima. Ela se sustenta por
si só e, na qualidade de fundamentação para o que segue, ganha destaque através da quebra ao final da frase (ponto final).
15
Entendemos que “por isso” exprime o “dass” (= so dass) de Lutero, deixando claro que o temor e o amor de Deus são a fonte
ou motivação do que segue. Ver Livro de Concórdia, p. 367, nota 16.
16
Embora o mandamento trate da cobiça, que é algo mais interior ou volitivo, Lutero tem em vista a prática, o ato concreto de
tirar o cônjuge do outro.
17
O texto bíblico e a explicação de Lutero falam apenas da mulher. À luz das discussões em torno do uso de linguagem inclusiva
em traduções da Bíblia (ver o documento “Revelação Bíblica e Linguagem Inclusiva”, publicado por Concórdia Editora), não
haveria por que não aplicar o mandamento a ambos os sexos.
18
Lutero tem os três verbos que começam com “ab”: “abspannen, abdringen oder abwendig machen”. Ele vai num crescendo,
do simples passar a lábia ao uso de ameaças (chantagem?), chegando ao desvio ou afastamento. Em português, se poderia
inverter a ordem, como foi feito aqui, deixando o verbo mais forte (“tirar”) no começo, e entendendo os dois outros como
formas que se tem para tirar uma pessoa de alguém.

12
IGREJA LUTERANA
não devemos tirar dos outros os seus empregados, nem os seus animais, nem
qualquer outra coisa que pertença a eles19 . Em vez de tirar, devemos incentivar
essas pessoas20 para que fiquem onde estão e façam o que delas se espera.
Este ensaio de tradução procura reter a maioria dos elementos semânticos
presentes no original de Lutero. A forma do texto alemão, que é estranha e até
mesmo inacessível ao leitor moderno, foi, em grande parte, abandonada. O texto
não é de todo fluente, e faltam-lhe características poéticas, como aliterações, etc.
No entanto, acima de tudo a tradução teria que ser testada junto a confirmandos e
recém-confirmados, que poderiam opinar se, para eles, o texto é fluente e compre-
ensível. Só assim a tradução seria de fato fiel ao leitor, como Lutero queria.

BIBLIOGRAFIA
ARAND, Charles P. e James W. Voelz, “Classic Catechism – 1995”.
Concordia Journal 22 (January 1996): 66-75.
LUTERO, Martinho. “Carta aberta do Dr. M. Lutero a respeito da Tradu-
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________. “Sumários sobre os Salmos e Razões da Tradução 1531-32”.
Trad. Eduardo Gross. Obras Selecionadas, vol. 8, 224-233.
MACKENZIE, Cameron. “Receptor-Oriented Gospel Communication in
Bible Translation: A Historical Perspective”. Receptor-Oriented Gospel
Communication (Making the Gospel User-Friendly). Ed. Eugene W.
Bunkowske e Richard French. Fort Wayne: Concordia Theological
Seminary, 1989, p. 78-96.
RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. Rio de Janeiro: Educom, 1976.
STEINMANN, Andrew E. “When the Translation of Catechetical Proof
Texts Don’t Communicate: The Role of Bible Translation in Catechesis”.
Concordia Journal 22 (October 1996): 378-394.

19
Tirar, fazendo ameaças ou promessas é algo que não se aplica ao gado, no texto de Lutero. Afinal, fica difícil imaginar que
alguém possa tirar um boi do seu vizinho, fazendo a promessa verbal de pasto mais saboroso. Dar destaque aos empregados
e ao gado, na tradução, é uma maneira de fugir desse problema. Por outro lado, parte-se do princípio de que Lutero não está
sendo exaustivo, quando menciona o gado, como fica claro no mandamento que ele cita. Isto explica o acréscimo de “qual-
quer outra coisa”. “Animais” em lugar de “gado” é uma atualização cultural que se torna cada vez mais necessária, num
contexto de crescente urbanização.
20
Vale também aqui o que foi dito na nota anterior. Instar ou incentivar é algo que se aplica somente às pessoas mencionadas.
Por isso, o acréscimo: “essas pessoas”.

13
REFLEXÃO
VOELZ, James W. “Luther’s Use of Scripture in the Small Catechism”,
Luther’s Catechisms – 450 Years: Essays Commemorating the Small
and Large Catechisms of Dr. Martin Luther. Ed. David P. Scaer e Robert
D. Preus. Fort Wayne: Concordia Theological Seminary Press, 1979, p.
55-64.
VAN DER WATT, J.G. “What Happens When One Picks up The Greek
Text?” Contemporary Translation Studies and Bible Translation: A South
African Perspective (Acta Theologica 2002). Ed. J.A. Naudé & C.H.J.
van der Merwe. Bloemfontein: University of the Free State, 2002, p.
246-265.
WILT, Timothy. Bible Translation: Frames of Reference. Manchester:
St. Jerome Publishing, 2003.

14
IGREJA LUTERANA

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

PRIMEIRO MANDAMENTO
Colossenses 1.15-20
(Deuteronômio 11.26-32; João 10.31-38)

1. CONTEXTO HISTÓRICO
Todos sabem quem é Deus. Por isso não há muita necessidade de pregar
(falar, ensinar) sobre ele. Certo? Errado!
Sim, é verdade, todos se apegam a algum deus e confiam nele. Mas, em
quem, ou em quê, as pessoas realmente confiam? Talvez, seja em bens, dinheiro,
na sua própria capacidade, inteligência, ou em amigos: no poder e influência que
esses têm. Muitos nem se dão conta de quem, realmente, é seu deus, no qual
confiam e põe sua esperança. Aos domingos, essas pessoas vão à igreja e cultuam
o Deus cristão, mas, durante a semana, despem a religião domingueira e confiam
na sua capacidade de trabalho, no dinheiro, em pessoas influentes, etc. Quando
estas coisas faltam, tais pessoas entram em desespero e agem como se não hou-
vesse Deus.
A decisão sobre quem é o verdadeiro Deus assume importância especial em
nossa época ecumênica. Podemos orar/realizar cultos em conjunto com represen-
tantes de outras religiões? Qual é o deus(es) que é invocado/adorado em tais en-
contros?
Não se pode negar que o ser humano vem se empenhando muito, ao longo
da história, para tentar descobrir quem e como é Deus. A existência das mais
diversas religiões, desde as mais “primitivas” até as mais “evoluídas”, o atesta.
Da mesma forma, filósofos têm se deixado absorver na procura por Deus. De
seus esforços surgiram filosofias deístas (há um deus criador, mas ele está distante
e não interfere no mundo), panteístas (tudo é deus e deus é tudo), e dualistas (há
dois princípios: o do bem e o do mal, que lutam entre si no universo). Mas, toda
essa busca humana por Deus é infrutífera porque, após a queda, o homem natural
tateia no escuro nessa questão.
A única maneira segura e certa para sabermos quem é Deus e qual é a sua
disposição para conosco está em encontrá-lo em sua própria revelação. Ele se
revelou de muitas maneiras e em muitas ocasiões (Hebreus 1.1). Mas, sua revela-

15
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
ção plena e definitiva aconteceu quando o “Verbo se fez carne, e habitou entre
nós” (João 1.14). O Filho não veio apenas para falar de Deus, para apontar para
Deus, mas ele é “o resplendor da glória [de Deus] e a expressão exata do seu Ser”
(Hebreus 1.3).
Mesmo após essa revelação, houve, e ainda há, debates e divisões na igreja
sobre a natureza e o ser de Deus. Surgiram heresias (gnosticismo, marcionismo,
arianismo, etc.) e concílios para definir a posição ortodoxa. As definições e deci-
sões desses concílios são importantes, corretas e úteis para a igreja e os cristãos.
Mas elas não podem, nem querem, estar acima das Escrituras. Vejamos, pois, o
que diz o texto bíblico.

2. TEXTO
Uma heresia havia se infiltrado na igreja de Colossos. Paulo não a descreve
explicitamente. Parece ter sido uma religião do tipo gnóstico que ensinava a auto-
redenção. Entre outras coisas, o novo ensino diminuía a pessoa e obra de Cristo. O
que tornava a heresia mais perigosa é que ela dizia não querer eliminar o evange-
lho, mas completá-lo. Ela proclamava outros poderes, além de Cristo, e os invoca-
va como mediadores entre Deus e o ser humano.
Paulo refuta o falso ensino enfatizando a completa suficiência de Cristo. O
evangelho que os colossenses receberam não é alguma coisa rudimentar que pre-
cisa ser levada à plenitude e perfeição. O mistério de Deus foi plenamente revela-
do em Cristo. Nele “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocul-
tos” (2.2-3). “Nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (2.9). Ele
não é um ser divino entre outras forças espirituais poderosas, mas, “Ele é o cabeça
de todo principado e potestade” (2.10).
V. 15: “a imagem do Deus invisível.” (Confira: 2 Co 4.4; Hb 1.3). Deus é
invisível: “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18). “Ele habita em luz
inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver”
(1Tm 6.16). Mesmo assim, nós queremos ver a Deus (assim como
Moisés, Êx 33.18-23, e Filipe, Jo 14.8).
O Deus-Homem, Jesus Cristo, o reflete e revela (Jo 1.18; 14.9). Ele não é
um deus inferior que faz a intermediação entre nós e o Deus supremo. “Nele
habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (2.9).
“O primogênito.” O primogênito tinha direitos e privilégios especiais nos
tempos bíblicos. Cristo também tem direito sobre a criação: prioridade, preemi-
nência, soberania (vv. 16-18).
V. 16: “Todas as cousas.” Paulo enfatiza sete vezes, nesses seis versículos,
que Cristo é anterior e superior a todas as coisas e que nele reside
toda a plenitude.
16
IGREJA LUTERANA
V. 18: “o primogênito de entre os mortos.” Cristo é o primeiro a ter o corpo
da ressurreição. Com ele, inicia a ressurreição de todos os mortos.
Sua ressurreição e a nossa são parte de um só evento, de uma só
colheita. Ele é “as primícias” dessa colheita.
V. 19: “a plenitude.” Toda a graça e poder de Deus atuam nele. Seu triunfo
sobre a morte (v. 18) é total, sua reconciliação (v. 20) é completa.
Não há nenhuma necessidade de complementar, de alguma maneira,
sua obra (2.9).
As leituras paralelas reforçam e complementam o texto. Deuteronômio ad-
verte que seguir outros deuses significa abdicar da bênção e invocar a maldição.
No evangelho de João, Jesus se identifica, expressamente, com Deus Pai: “O Pai
está em mim, e eu estou no Pai.”

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
1. Qual é a aparência de Deus? É o rosto desfigurado e sem formosura de
Isaías 53, ou é a “beleza do Senhor” do Salmo 27.4? Na verdade, não há
contradição alguma entre essas duas imagens. É no rosto desfigurado
pela dor de Jesus Cristo que se revela a beleza espiritual de Deus. Em
Cristo, resplandece a glória do amor de Deus. Nele a singularidade do
Deus Triúno (referida em Is 64.4) brilha intensamente.
2. “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas.”
Assim, Lutero explica o significado do primeiro mandamento. Ele pró-
prio, porém, teve dificuldades imensas, na sua juventude, em amar a
Deus e confiar nele. Como poderia ele amar um deus-juiz, irado e injus-
to? Lutero adquiriu uma nova imagem de Deus ao compreender que, em
Cristo, Deus nos oferece e dá a justiça, o perdão, a vida e a salvação.
3. A história nos mostra como o ser humano sem Cristo lida com o proble-
ma do Deus que o confronta em sua Lei: ele cria deuses com os quais ele
consegue lidar, por meio de barganha, bajulação, sacrifícios, etc. No
Catecismo Maior, Lutero explica e exemplifica o que é idolatria
disfarçada e grosseira. Assim como em Colossos, as pessoas de hoje
também se apegam a outros intermediários entre Deus e homem, fora de
Cristo. Alguns confiam em santos, outros apelam para o que podem ver
e sentir (“o poder”) e o consideram superior ao que Deus oferece no
“cristianismo elementar” da palavra e dos sacramentos. Ainda outros
dirigem sua invocação a anjos, assim como já se fazia em Colossos (2.18).
4. Independente de outros aspectos que se queira destacar no sermão, o que
não pode faltar é a ênfase de que o Deus revelado é o Deus da graça. Pai,
Filho e Espírito Santo se revelam na sua atuação a favor do ser humano.

17
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
Esta é a Boa Nova. Não temos um deus tirano, opressor, que exige sacri-
fícios infindáveis de nós, mas temos um Deus que nos ama e se sacrifi-
ca por nós. É em Jesus Cristo que vemos plenamente a face do Deus que
é amor, e ele é “o próprio Jeová, pois outro Deus não há” (hino 165.2).

4. PROPOSTA HOMILÉTICA
Você sabe como é Deus? Sabe mesmo?
1. O ser humano natural sempre se volta para ídolos
- que ídolos são esses;
- mais cedo ou mais tarde, eles frustram a esperança neles depositada.
2. O único Deus verdadeiro se revelou em Jesus Cristo
- Ele é plenamente e verdadeiramente Deus, um com o Pai e o Espírito
Santo;
- Ele revela o perfeito e pleno amor de Deus. Nele Deus nos perdoa, e dá
vida e salvação.

FONTES:
CONCORDIA Self-Study Bible. St. Louis: Concordia Publishing House,
1986.
ROEHRS, Walter R. e FRANZMANN, Martin H. Concordia Self-Study
Commentary. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979.

Paulo W. Buss

18
IGREJA LUTERANA

SEGUNDO MANDAMENTO
João 16.17-28
(Isaías 9.1-7; Efésios 5.15-20)

ATÉ AGORA NADA TENDES PEDIDO EM MEU NOME


O texto em estudo tradicionalmente era lido no Quinto Domingo após a
Páscoa. O Domingo chamava-se Rogate, ou Domingo da Oração ou Súplica. No
sermão que Lutero prega sobre esse texto em 1525, na sua introdução menciona
as procissões das cruzes e preces que marcavam essa semana. Reconhecendo va-
lor nas intenções de quem instituiu as procissões, entretanto, Lutero afirma que
foi bom essas terem sido abolidas porque nelas já não acontecia a oração. As
pessoas mais se preocupavam com a forma da oração, a preparação, a postura, as
palavras, sua dignidade e preparo como pedintes que, no fundo, concentravam-se
mais em si próprias do que em Deus.
É de perguntar se esse desvio não se apresenta ainda ou freqüentemente em
nosso orar. Baixar a cabeça, juntar as mãos desta ou daquela maneira, fechar ou não
os olhos, selecionar cuidadosamente assuntos na memória, repetir ou não “Senhor
Deus” a cada frase, podem fazer com que o maior esforço esteja em certificar-se de
que a oração está bem feita na sua forma e escolha de palavras e assuntos.
Lutero diz que nada disso faz a oração ser oração. Pois o fundamento para
que a oração aconteça e seja validada não está na oração em si. O fundamento
primeiro da oração é a promessa de Deus de que estará em constante vigília sobre
nós, antecipando-se às nossas necessidades. A condição e os pré-requisitos que
validam qualquer oração estão nessa promessa. Essa promessa revela quem é Deus
e quais suas intenções para o mundo. Essa promessa tem sua afirmação extrema
na cruz. A cruz faz com que a vida seja vida em Deus. Nada que o ser humano
faça de bom e digno, ou mau e indigno, pode invalidar o fato: Deus está a nosso
favor. Pronunciar o nome de Deus implica reconhecer o que ele é em tudo que faz
(Is 9). Ele atrai sobre si a atenção do pecador, convidando o indigno a buscar nele
refúgio, consolação, paz e esperança. Bem por isso cada suspiro, gemido ou vi-
bração da alma tem acolhimento no coração de Deus ao ponto de ele afirmar que
antes de falarmos já nos atende.

19
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
Ora, diante de tanta prontidão da parte de Deus em relação ao ser humano,
a seqüência óbvia é que o ser humano se incline avidamente em busca dessa oferta
e entregue sua vida aos cuidados que lhe são oferecidos e dados. Essa entrega é a
fé na promessa feita que recebemos por obra do mesmo Deus. Esse é o círculo que
se fecha: ele promete e ele crê em nosso lugar para que então digamos: Senhor, eu
creio. Ajuda-me na minha falta de fé.
No Segundo Mandamento Lutero evidencia que ensinar a orar acima de
tudo é ensinar a confiar e estimular pessoas a confiar suas vidas a Deus em qual-
quer circunstância. Ensinar a orar é convencer o ser humano de que tudo o que ele
sente de desconfiança, medo ou insegurança em relação a Deus não faz sentido
em relação ao Deus que desafia que “até agora nada tendes pedido”. Em outras
palavras, oraram em vão porque suas orações não entregam suas vidas nas mãos
de Deus, apenas pequenas e passageiras preocupações. Entreguem tudo, dúvidas,
culpas e pecados em primeiro lugar para que no coração aconteça o que ele pro-
mete: esquecer e não mais lembrar.
Não tomar o nome em vão é ter a audácia do desesperado de chegar diante
de Deus como que quem vai ao supermercado com um bilhete premiado: lista a
mais completa possível e as grandes e verdadeiras necessidades, como também as
pequenas e – até - irrelevantes e supérfluas. Deus quer que sonhemos e almeje-
mos felicidade. Há felicidade maior do que saber que você e Deus conhecem e
compartilham os seus mais íntimos segredos? O maus, para apagá-los pelo per-
dão, e os bons, transformados em esperança de bênçãos?
Tomar em vão o nome de Deus é, também, aproximar-se dele com a im-
pressão de que a nossa seleção de necessidades e a forma como nos apresentamos
possa fazer alguma diferença para a sua disposição e empenho em estar ao nosso
lado. Tomar em vão o seu nome é olhar para ele como se ele fosse um Deus que
precisa ser abordado de maneira a alterar a sua disposição em favor de cada pes-
soa para premiar méritos e piedades pessoais. Como se fosse normal ele estar
reservado, julgando antes de ouvir e julgando depois de ouvir.
Já não digo que rogarei ao Pai por vós porque o próprio Pai vos ama, é a
grande manchete que ficou gravada para o tempo depois da ascensão. Quem afirma
isso? Aquele que obedeceu ao Pai e se fez juízo em nosso lugar e consumou a
mediação definitivamente. Essa disposição não é recente e não é mera possibilida-
de. É a disposição que foi demonstrada aos nossos pais diante da queda, Adão e Eva.
Ensina-se a orar quando se ensina a confiar em Deus. Quando se relatam os
grandes feitos de Deus a favor da humanidade e dos grandes feitos a favor dos que
estão errantes e necessitam conhecer esse Deus que vem a nós e chama com voz
de acolhimento aos que desesperam de si próprio e do mundo. Uns para que crei-
am. Outros para que voltem a crer. E a todos para que cresçam em compartilhar
essa fé.

20
IGREJA LUTERANA
SUGESTÃO PARA ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL
Objetivo:
Esclarecer e fortalecer o que significa em termos de vida e oração o fato de
que a intermediação com Deus está consumada (23-27).
Introdução:
Os discípulos sentem-se ameaçados diante da possibilidade de ficarem sem
a presença de Jesus. Sentimento que não é estranho a cada ser humano.
Tema:
Confiem TUDO ao Pai é o convite e o desafio de Jesus.
No segundo mandamento Lutero ensina: “O invoquemos em todas as ne-
cessidades, oremos, louvemos e agradeçamos” (LC, 367, 4).
Porque
a) Deus já não julga quem ele chamou
b) A desconfiança em relação à sua disposição por nós e pelos outros não
honra o seu nome e ofende a Deus
c) Nada em nós pode melhorar sua disposição (piedade, forma, falsidade,
oferendas, juras, revoltas)
Considerando isso:
a) A afirmação parte de quem completou a intermediação
b) Inclui cada ser humano
c) É vontade expressa de Deus
Diante disso
a) Recordem com insistência o que Deus fez por nós
b) Sejam atrevidos e insistentes em pedir
c) Louvem sempre, porque tudo que não tivermos tempo de receber agora,
está preparado para nós com generosidade infinita
d) A antecipação dessa alegria nos faça parceiros e irmãos diante desse Pai
Conclusão
Sentir-se indigno de Deus é sentimento que só nos pode afastar de Deus se
a nossa noção de quem Deus é estiver equivocada e for falsa. Jesus é a face pela
qual Deus se revela e quer ser conhecido e amado. Que o desafio de Jesus nos
desperte a agirmos como filhos de Deus abençoados.
Paulo P. Weirich

21
TERCEIRO MANDAMENTO
Atos 2.36-47
(Êxodo 20.8-11; Mateus 11.25-30)

1. CONTEXTO
Era o dia da celebração do Pentecostes do Antigo Testamento. Era também
chamada a “Festa das Semanas”, por ser celebrada sete semanas após a Páscoa. O
nome “Pentecostes” veio do grego e significa “qüinquagésimo” referindo-se ao
fato de ser cinqüenta dias após a Páscoa judaica.
Estavam em Jerusalém judeus piedosos de todas as partes do mundo para a
celebração do Pentecostes. Depois da pregação dos discípulos nas línguas dos
estrangeiros, que lá estavam, e, depois da pregação de Pedro, quase três mil pes-
soas aceitaram a palavra, ou seja, creram que iniciara-se o período após a vinda de
Cristo, o Novo Testamento, reconhecendo-o como o Messias prometido.
À aceitação da palavra seguiu-se também uma união entre os cristãos em
torno da palavra de Deus. Preocupavam-se uns com os outros, viviam em comu-
nhão e ouviam a palavra de Deus.

2. TEXTO
V. 36: Asfalôs, seguramente, fora de dúvidas. Pedro usa este advérbio para
enfatizar a conclusão que ele está para tirar das citações dos textos
do Antigo Testamente que ele acabara de fazer (Chave Lingüística
do NT Grego). As profecias apontam para o cumprimento das pro-
messas de salvação: “este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez
Senhor e Cristo”.
V. 37: A palavra mexeu com os sentimentos dos ouvintes (katenýrgesan ten
kardían – “tiveram traspassado o coração”) e os motivou ao desejo
de vivê-la: “Que faremos irmãos?”
Passagem paralela: “Senhores, que devo fazer para que seja salvo?” (At
16.30).

22
IGREJA LUTERANA
V. 38: A solução é clara: metanoésate – “arrependei-vos” é a mudança de
opinião que deve ser feita a respeito de Jesus. Ele parecia ser o inimi-
go que se insurgira contra o poder estabelecido da religião judaica;
mas ele é o Salvador, o Messias prometido. Por isso é preciso uma
metánoia. O batismo vai conceder perdão dos pecados e o Espírito
Santo vai acompanhá-los nesta nova jornada.
Passagem paralela: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem can-
celados os vossos pecados” (At 3.19).
V. 39: A promessa é para todos, mesmo “os que ainda estão longe”, como é
o nosso caso, no Brasil. É o “Cristo para todos” que sempre precisa-
mos nos empenhar para proclamar.
V. 41: A palavra de Deus não volta vazia. Quase três mil pessoas convence-
ram-se de que o culto do Antigo Testamento passara, pois em Jesus
estava o Messias prometido. Eles haviam concordado com a crucifi-
cação de Jesus (v. 36), mas agora convenceram-se de que as promes-
sas de Deus haviam se cumprido neste mesmo Jesus. E a
evangelização continuou naqueles dias de maneira admirável: At 2.47,
5.14, 8.12, 11.24.
V. 42: Os convertidos perseveravam (proskarterountes – “continuavam fir-
mes”, “ocupavam-se com”, “estavam engajados ativamente”, “devo-
tavam-se a”) naquilo que haviam aprendido dos apóstolos, mantinham
comunhão uns com os outros, distribuíam a Santa Ceia e oravam.
Vv. 43-47: Estes versículos finais da perícope mostram o resultado da fé
dos cristãos da igreja de Jerusalém: as pessoas estavam cheias de
temor, viviam em comunhão e tinham tudo em comum, auxiliavam-
se mutuamente, iam ao templo todos os dias, faziam refeições em
comum e louvavam a Deus. Tudo isso não os isolava do povo em
geral, pelo contrário, contavam com a simpatia de todo o povo.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
Os primeiros cristãos de Jerusalém são um exemplo de fé e de vivência
cristãs. Eles não isolavam sua vida cristã da vida de cada dia. Louvor a Deus e
amor ao próximo andavam juntos no dia-a-dia. A explicação de Lutero do Tercei-
ro Mandamento, no Catecismo Menor, encontra um exemplo claro nesta congre-
gação: “Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não desprezemos a prega-
ção e a sua palavra, porém a consideremos santa, gostemos de a ouvir e estudar”.
No Antigo Testamento Deus havia instituído o sétimo dia como o dia do
descanso, com o propósito de santificá-lo: “Lembra-te do dia de sábado para o
santificar”. Como esta observância do dia era especificamente para os judeus, no

23
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
Novo Testamento ficou o princípio de termos um dia de descanso para o santifi-
car. Os primeiros cristãos escolheram o domingo em memória da ressurreição de
Cristo. Continuamos esta tradição, embora o dia para o culto, para ouvirmos a
palavra de Deus, possa ser qualquer um. Além disso, é preciso lembrar que a vida
cristã acontece todos os dias, mesmo durante ao trabalho rotineiro.
No Catecismo Maior Lutero lembra que guardamos dias santos “primeira-
mente, também por motivos e precisões de ordem corporal. A natureza ensina e
requer para as massas ordinárias, para a criadagem que ao longo da semana cuidou
de seus afazeres e negócios, que se retirem também por um dia, para descanso e
restauração. Em segundo lugar, e acima de tudo, o fazemos para que em tal dia de
descanso – já que de outro modo não se consegue a coisa – se tome lugar e tempo a
fim de participar do culto divino, isto é, reúnam-se as pessoas com o objetivo de
ouvir e tratar a palavra de Deus, e depois louvar a Deus, cantar e rezar”.
O dia do descanso é santo em si mesmo, pois é Deus mesmo que preserva
os nossos dias. No entanto, nós precisamos santificá-lo por sermos pecadores por
natureza. E isto não podemos fazer através de esforços próprios ou de obras meri-
tórias; precisamos, sim, santificá-lo com a própria palavra de Deus, ouvindo-a e
exercitando-a: assim é que o próprio Deus vai santificar o dia do descanso para
nós: “todo o nosso viver e agir, para chamar-se agradável as Deus, ou santo, deve
nortear-se pela palavra de Deus... Inversamente, todo viver e agir alienado da
palavra de Deus é insano aos olhos de Deus, por mais que brilhe e resplandeça”
(Lutero, Catecismo Maior).
O descanso faz parte da vida cristã como de qualquer pessoa, mesmo não
cristã. Mas “a força e o poder deste mandamento não consiste no feriar, porém no
santificar ... E isso ... sucede apenas mediante a palavra de Deus. É com este
propósito que se instituíram e determinaram lugares, tempos, pessoas e toda a
ordem externa do culto, para que também esteja publicamente em operação”
(Lutero, Catecismo Maior).
Por causa da importância da palavra de Deus, pois sem ela nenhum dia é
santificado, “saibamos que Deus insiste em cumprimento rigoroso desse preceito,
e há de castigar a quantos lhe desprezem a palavra e não a queiram ouvir nem
aprender, especialmente se tal acontecer no tempo designado” (Lutero, Catecismo
Maior). Este desprezo pode-se dar de duas maneiras: podemos estar em outro
lugar, fazendo outras coisas no momento do culto ou podemos estar no culto ape-
nas por um mero formalismo, alheios ao que se está passando no culto, com os
pensamentos em outros lugares. “Sabe, portanto, que não se trata apenas de ouvir,
mas é necessário, outrossim, aprender e reter. E não penses que é assunto afeto ao
teu arbítrio ou que não é de grande importância. É mandamento de Deus, que te
pedirá contas de como ouviste, aprendeste e honraste sua palavra” (Lutero, Cate-
cismo Maior).

24
IGREJA LUTERANA
Outro pecado contra o Terceiro Mandamento é a soberba em pensar que já
tenho um bom conhecimento e que, por isso, não tenho mais necessidade da pala-
vra. “Toma nota do que vou dizer: posto conhecesses a palavra perfeitamente e
fosses mestre em tudo, ainda assim estás diariamente sob o império do diabo, que
nem de dia nem de noite cessa de acercar-se de ti à solapa, levando em mira
acender-te no coração descrença e maus pensamentos contra os preceitos já discu-
tidos e os demais. Razão por que é necessário tenhas a palavra de Deus continua-
mente no coração, nos lábios e nos ouvidos. . . . Por outro lado, quando se medita,
ouve e trata a palavra seriamente, ela tem o poder de nunca ficar sem fruto. Sem-
pre desperta novo entendimento, prazer e devoção, e cria coração e pensamentos
puros. Pois não são palavras inoperantes ou mortas, senão eficazes, vivas” (Lutero,
Catecismo Maior).

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

O EXEMPLO DA CONGREGAÇÃO DE JERUSALÉM


1. No amor aos irmãos;
2. Na perseverança na Palavra e Santa Ceia.

Raul Blum

25
QUARTO MANDAMENTO
Marcos 7.5-15
(Provérbios 23.22-25; Efésios 6.1-9)

1. CONTEXTO
Os escribas e fariseus tinham vindo de Jerusalém, a capital, para espionar
as ações de Jesus. Aparentemente, atacam os discípulos de Jesus; o verdadeiro
alvo, contudo, era o próprio Mestre. À primeira vista, parecia que tinham “um
prato cheio” à frente deles para se servirem no intuito de satisfazer seus desejos de
encontrar acusações contra Jesus. Afinal de contas, que homem era aquele que
permitia que os seus seguidores mais próximos não observassem as tradições dos
anciãos? Que autoridade ou dignidade poderia ostentar quem acusava tanta negli-
gência para com as atitudes dos seus?
A leitura da perícope faz brotar uma questão: o que importa diante de Deus? A
precisa observância de mandamentos humanos ou o temor à Palavra dEle? Todo o texto
se movimenta dentro desse contexto e nos desafia a descobrir quem está com a razão.
Quem está com a razão? Esta pergunta continua a nos desafiar hoje, princi-
palmente dentro do contexto onde se insere o relacionamento da criatura humana
com o seu Criador. Quem está com a razão? Aqueles que seguem seus próprios
pensamentos, brotem eles de onde brotarem, não importa, ou aqueles que se quedam
perante a Palavra de Deus?
O Quarto Mandamento do Decálogo traz à discussão e reflexão o temor e
amor aos pais e autoridades. Sempre houve e continuará havendo tomadas de
posições bem diferentes umas das outras sobre a questão. O que dirão os cristãos
a tal respeito? Quem está com a razão?
O texto vem a ser um sinalizador do caminho a percorrer na busca de res-
postas. Qual a resposta que ele apresenta e como chega a ela? Veremos.

2. TEXTO
V. 5: A indignação dos escribas e fariseus fundamenta-se na opinião deles:
não andar em conformidade com a tradição dos anciãos é digno de

26
IGREJA LUTERANA
reprovação. Assim agiram os discípulos de Jesus, quando comeram
sem lavar as mãos. De acordo com a tradição, o lavar as mãos era
indispensável para evitar a ingestão de algo contaminado por impu-
rezas tocadas pelas mãos. Não se tratava de um cuidado meticuloso
com a saúde corporal, porém com a saúde espiritual, assim criam
eles.
Vv. 6-8: quem, de fato, está puro diante de Deus? Para os escribas e fariseus,
a resposta era dada pelos preceitos humanos (as tradições). Com tal
pureza pretendiam honrar a Deus. O que, porém, ouviram de Jesus?
Hipócritas! O julgamento do Filho de Deus a respeito deles foi duro e
completamente inesperado. O caminho percorrido por eles para adorar
a Deus tinha como chegada a hipocrisia. Imaginavam que fossem aquilo
que realmente aparentavam ser: perfeitos adoradores do Senhor. Terrí-
vel engano! Engano no qual já haviam caído pessoas denunciadas pelo
profeta Isaías: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração
está longe de mim. O coração longe de Deus torna em hipocrisia toda
e qualquer pretensa adoração. Esse será sempre o resultado de adora-
ções que se fundamentam em preceitos e determinações humanas.
Querer adorar a Deus com preceitos humanos é inútil e vão. O que
haviam feito com o mandamento de Deus? Fora negligenciado a favor
da adesão a determinações meramente humanas.
Vv. 9-13: a falta de temor a Deus, porque foi substituído por temor aos
homens, conduz a ações contrárias à vontade divina. Existe um cora-
ção sem temor e dele nascem atitudes pecaminosas. Cristo apresenta
como exemplo disso na vida dos escribas e fariseus a má conduta
diante do mandamento divino: Honra a teu pai e a tua mãe. Mesmo
que a justificativa para tanto fosse “piedosa”: é Corbã. Designava-se
de corbã todo e qualquer dinheiro ou dádiva destinada a Deus, que
ficavam excluídos de qualquer outro uso. A partir da tradição, justifi-
cavam deixar pais desamparados sob pretexto de ser corbã aquilo
que poderia vir em socorro de pai e mãe. Mas, afirma Jesus, com tal
procedimento estavam nada menos do que invalidando a palavra de
Deus, tirando dela sua autoridade e aplicação, colocando-a sob a tra-
dição. O divino era invalidado por aqueles que permaneciam com o
humano. Que terrível erro!
Ouvir preceitos humanos, segui-los e aplicá-los, quando se ignora a palavra
de Deus, sempre se constitui em enorme perigo. É o agir que conduz, inevitavel-
mente, à falta de temor a Deus, coisa que se verifica especialmente diante dos
mandamentos do Senhor, também diante do Quarto. Aliás, destaca-se a seriedade
do Quarto Mandamento nas palavras de Jesus. Seu valor e importância não acaba-
ram. O Quarto Mandamento não é invenção dos antigos rabinos, mas um claro
27
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
mandamento de Deus registrado na Lei por Moisés. Deus fala com seriedade so-
bre a honra que se deve aos pais. No entanto, entre o que Deus falou e o seu
cumprimento, havia aquilo que vós (escribas e fariseus) dizeis. Diante daquilo
toda a palavra de Deus perdia sua autoridade.
A iniqüidade nascida do coração sem temor a Deus manifesta-se, entre ou-
tras formas, pela falta de honra, amor e respeito para com os pais e autoridades.
Seguidamente há quem torna a levantar a questão relacionada com crise de auto-
ridade e suas conseqüências no lar, na sociedade e também na igreja, por que não?
Quem está com a razão para apontar a solução aos problemas, angústias, sofri-
mentos e desgraças provenientes de tal crise? Será apenas aquele coração onde há
temor a Deus, coração esse que precisa pulsar tanto no peito dos pais e autorida-
des quanto no dos filhos e subalternos.
Vv. 14,15: Jesus valeu-se do episódio para se dirigir à multidão. Dá-nos a
impressão de ter desejado esclarecer um pouco mais para o povo o
porquê da reprimenda aos escribas e fariseus. Jesus preocupa-se com
aqueles que, provavelmente, mal orientados pelos escribas e fariseus,
estavam no caminho errado. Com muita bondade, o Mestre lhes mostra
o caminho certo.
A fonte de onde brota o mal que pode contaminar o ser humano encontra-se
dentro dele próprio. Por não se tratar de contaminação física, porém espiritual, o
comer com mãos não lavadas não é o perigo. Perigoso é não combater a verdadei-
ra origem do mal.
Quando se fala sobre crise de autoridade e suas conseqüências, cabe apon-
tar para a origem desse mal. Está no coração do ser humano. A falta de temor à
palavra de Deus, a qual muitas vezes é trocada por opiniões humanas, gera atitu-
des que, inevitavelmente, levarão ao desrespeito para com o Quarto Mandamento.

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA
A partir da pergunta: quem está com a razão? será possível desenvolver
uma mensagem conectada ao Quarto Mandamento. Sempre teremos diante de nós
pessoas interessadas em conversar e ouvir a respeito do relacionamento entre pais
e filhos, educação de crianças e respeito diante das autoridades.
O texto revela o terrível equívoco dos escribas e fariseus. Tal atitude repete-
se naqueles que dão guarida a opiniões humanas em seus corações, colocando-as
em lugar do temor à palavra de Deus.
Há, porém, esperança para todos que se equivocam tentando identificar o
que realmente contamina o ser humano. No texto, tanto para escribas e fariseus,
como para a multidão, a esperança estava muito próxima: era o próprio Jesus.
Como o evangelho sempre deve ser o clímax de uma mensagem, não é demais

28
IGREJA LUTERANA
lembrar a necessidade de enfatizar no sermão o aspecto da esperança. Não quere-
mos que nossos ouvintes saiam do culto reconhecendo que a origem do mal está
nos corações, mas sem esperanças de alcançar uma nova vida, com outras atitu-
des. Esta vem com o Senhor Jesus! Ele nos acolhe com perdão para nossos peca-
dos contra o Quarto Mandamento; Ele dá a nova vida, um novo coração, de onde
emanarão novos impulsos que nos levarão à prática da Sua vontade também no
que se refere ao Quarto Mandamento.

Paulo Moisés Nerbas

29
QUINTO MANDAMENTO
Romanos 12. 9-21
(Provérbios 31.1-7; Mateus 25.31-47)

1. CONTEXTO
O texto, começando pelo v. 9, tem ligação com o v. 3, unindo o uso de talen-
tos espirituais às virtudes no amor dirigido ao semelhante. É o tema do Quinto
Mandamento. “Neste mandamento agora saímos de nossa casa e vamos aos vizi-
nhos, para aprender como devemos viver uns com os outros” (Lutero, CM, 180).
Não se pode deixar de evocar o paralelo entre Rm 12 e 1 Co 12ss. onde a noção do
corpo e membros une a realidade de dons espirituais e amor ao próximo. Neste
trecho, à primeira vista árido e legalista, está contido o consolo na exortação, o que
é a verdadeira paráclese. A vida em amor não é atividade e iniciativa do cristão, mas
é reação ao amor recebido em Cristo (cf. Ef 5.2, o “aroma suave” da obra de Cristo
é a verdadeira “aromaterapia” que dá alento à ação livre do cristão, que o “estimula
e impele a [...] em suma, amor”, Lutero, ibid, 195). O teólogo A. Nygrens tentou
transportar as parêneses dos vv. 9ss. para 1 Co. 13: “basta ler em Rm 12.9-21 o
‘amor’ como sujeito permanente para vermos a semelhança dos conteúdos dos tex-
tos” (cf. Nauck, p. 27). Podemos ainda fazer o exercício de colocarmos “Cristo”
como o sujeito permanente! Num mundo (era, século) repleto de inveja, ciúme e
maldade (pode começar pelos vizinhos, cf. Lutero), “o propósito [do texto] é sufo-
car em nós o desejo de nos vingarmos” (Lutero, ibid, 195). A exegese tende a agru-
par os versículos parenéticos em grupos guiados por “idéias motriz”.

2. REFLEXÕES TEXTUAIS E HOMILÉTICAS


Podemos fazer uma divisão em três partes, sendo os vv. 9, 17 e 21 respecti-
vamente início, meio e fim, com o mesmo tema principal ou idéia motriz que
interessa nosso estudo: a) Detestai o mal, apegando-vos ao bem; b) Não torneis a
ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens; c)
Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. O “bem” é, em última
análise e cf. Rm. 12.2, a “boa vontade de Deus”, enquanto que o “mal” é o espírito
“deste século” ou era (quando contradiz a esta vontade), à qual o cristão não deve
aderir.

30
IGREJA LUTERANA
V. 9: Muito do que pode se chamar de “amor” à nossa volta na verdade é
falso, não passa de máscara que esconde profundos movimentos
egocêntricos e os sentimentos que os acompanham, como a inveja
(Lutero, ibid, 180ss.) e a impulsão de dizer e fazer o mal a outrem.
Um cristão não permita em si tal ambigüidade! O verdadeiro amor se
apega ao seu objeto e junto a ele luta contra o mal. O sacrifício de
gratidão a Deus só se concretiza com o oferecer-se ao nosso seme-
lhante em amor serviçal. “O amor não procura os seus interesses” (1.
Co 13.5).
V. 10-11: O amor fraterno inicia na família sangüínea. O amor não nivela as
diferenças, mas destaca-se pela alta honra em que tem o “outro”,
justamente por ele ser o outro! A alteridade é um componente huma-
no e divino. Deus criou outros diversos dele. Jesus deu a vida por
outros. Preferir o outro é contemplá-lo com a honra divina que o
amor de Cristo reflete (cf. Fp 2.3ss.). Isto se manifesta igualmente na
“força de vontade” de agir para o bem: o zelo! Agir para servir, na
comunidade religiosa, familiar, social. O zelo é por ver o outro “bem”.
Neste mandamento peca-se por ação (usando mãos e língua para in-
fligir mal a alguém) e omissão também: “transgride este preceito não
só quem pratica ações más, senão também aquele que, podendo fazer
o bem ao próximo [...] todavia não o faz” (Lutero, ibid, 189).
Vv. 12,13: Conforme Althaus, em ritmo tríplice temos aqui uma profunda
realidade: a atitude fundamental do cristão é a alegria, que se apóia
na esperança. Tal alegria fornece também a força necessária para a
paciência em toda adversidade, e esta paciência, por sua vez, alimen-
ta-se da oração regular e incessante. A comunidade é sempre comu-
nidade de emergência e as tribulações são compartilhadas. Este é o
verdadeiro “serviço aos santos”, do qual fala o v. seguinte. Lutero
(cf. Althaus) diz que não tratamos com santos mortos, mas com san-
tos vivos: nossos irmãos e irmãs são amados e chamados por Deus e,
portanto, santos. Com eles e elas tratamos!
Vv. 15,16: Uma virtude a ser cultivada é o compartilhar do destino do pró-
ximo como se fosse o nosso próprio (cf. Ap 20.34). É o estar aberto
ao outro, e desejar a ele o que nós também gostaríamos de ter ou
viver. A humildade é aqui a virtude de saber colocar-se ao nível do
menor dos irmãos e com ele ter empatia e compaixão. O cristão “deve
encontrar-se lá onde Deus o encontrou em Cristo: na fraqueza e hu-
mildade, ‘na confissão da humanidade do ser humano, em
contraposição a toda [altiva] semelhança de Deus’” (Barth, Kurze
Erklärung des Römerbriefes, p.190 cf. Nauck, ibid, p. 29), que é o

31
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
pecado de Adão, incrustado em todos nós: querer ser como Deus, o
próprio, não o outro. Porque: veja 1 Co 1.27-29. Esta palavra de
Paulo em Coríntios é o “protesto do amor de Deus contra o esquema
deste mundo e em favor do que é a verdadeira nova era”, e neste
protesto somos incluídos pela parênese do Apóstolo Paulo (cf. Nauck,
ibid.).
Vv. 17,18: Aqui começa um novo capítulo no tema: a luta contra o mal e
pelo bem. Ela ocorre na atmosfera do amor, conforme visto, e é o
protesto contra o mal, contra o schema deste mundo e pela morfé do
novo mundo ou era. O “esforço” é a vontade aplicada e realizada,
que brota da mente de Cristo que habita no cristão. A paz deve ser
procurada, e se houver briga, que não seja por culpa maior do cris-
tão! Que mesmo em briga e inimizade se evite a vingança e se procu-
re o bem do outro. Em todo este trecho, que fala do amor do cristão
para o não-cristão, ecoa o tema central (v. 2) e a regra de ouro da
parênese: não se tornem iguais a esta era, a este século, em que vale
a regra do amaldiçoar, mas modifiquem-se em seu ser mais íntimo,
tornem-se bênção! Lutero disse: “Tu [...] sabes que são estas as obras
verdadeiras, santas e divinas, sobre as quais Deus se alegra com to-
dos os anjos. Em contraste com elas, toda santidade humana é mau
cheiro e sujidade” (ibid, 198). Ao mesmo tempo, é a misericórdia de
Deus demonstrada em nosso favor o maior motor e força que nos
habilitam a este esforço de constante transformação em favor do bem
do nosso semelhante e de um mundo onde brilha o amor e a paz.

3. DISPOSIÇÕES HOMILÉTICAS

Primeira opção: tema e partes


Tema: O quinto mandamento e a verdadeira nova era de Deus
O que é da antiga era, e o que Deus não quer
(discorrer sobre nossos problemas humanos interpessoais e sociais, o que
caracteriza a essência do egocentrismo humano)
O que Deus nos dá e nos pede na sua nova era
(discorrer sobre o sacrifício de Cristo em favor de nós outros, e da alegria
em seguirmos a divina parênese em favor de outros)

32
IGREJA LUTERANA
Segunda opção: homilia textual
Tema: Um termômetro espiritual e social
Fervorosos de espírito, v. 11
Ativos no servir, v. 11
Alegres na esperança, v. 12
Pacientes na tribulação, v. 12
Perseverantes na oração, v. 12
Participantes das necessidades, v. 13
Praticando hospitalidade, v. 13
Abençoando, em amor, inimigos, v. 14

BIBLIOGRAFIA
ALTHAUS, Paul. Der Brief an die Römer. Das Neue Testament Deutsch.
Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1959.
LUTERO, Martinho. Catecismo Maior. in: Livro de Concórdia.
MICHEL, Otto. Der Brief an die Römer. Göttingen: Vandenhoeck &
Ruprecht, 1963.
NAUCK, Wolfgang. Drei Meditation zu Römer 12. Neukirchen-Vluyn:
Neukirchner, 1973.
SCHMIDT, E.E. Katechismuspredigten. St. Louis, Mo: CPH, 1905.

Manfred Zeuch
Canoas, RS

33
SEXTO MANDAMENTO
Efésios 5.21-33
(Gênesis 2.15-25; Marcos 10.12)

1. LEITURAS ESCOLHIDAS
Gn 2.15-25 – A criação do homem por parte de Deus acontece antes de
qualquer manifestação de necessidade de evangelho por causa do pecado. Sempre
é importante lembrar que sexo e pecado andam juntos quanto o coração do ho-
mem é curvado em si mesmo, produzindo frutos indignos da santa vontade de
Deus. Portanto, descrever a perfeita obra de Deus registrada neste texto não é
apenas desafio, mas é parâmetro ético para nossas relações ainda hoje.
Mc 10.2-12 – O parâmetro de Gn é colocado na parede através do divórcio.
A normalidade do divórcio na sociedade romana não tinha apoio das leis judaicas.
O questionamento é se hoje estamos mais para Roma ou para Jerusalém na forma
de conduzirmos e orientarmos as relações matrimoniais. Se os romanos tinham
seus princípios de “se a coisa não der certo a gente separa”, por outro lado os
judeus não conseguiam “quebrar a lei”, só em caso se pecado como Moisés pres-
crevera. Mas é bom lembrar o que Jesus diz no Sermão do Monte contra as arti-
manhas construídas pela “lei” para justificar atitudes judaicas semelhantes às ro-
manas. Conferir Mt 5.27-32.

2. EFÉSIOS 5.21-33 E LUTERO


Transcrevo alguns comentários de Lutero a respeito do texto:
Vv.22-27: Neste versículo São Paulo resumiu e associou o estado matrimo-
nial e a ressurreição, juntamente com todas as riquezas de Cristo em
sua igreja. Também apresenta aos cônjuges este único exemplo: Cristo
é o cabeça da igreja, como o marido é o cabeça da mulher e a igreja
cristã é sua noiva ou esposa. Deus oferece elevada honra e glória ao
estado matrimonial ao apresentar e pintá-lo como exemplo e modelo
de sublime e inexprimível graça e amor que ele demonstra e concede
gratuitamente em Cristo, como o mais sublime sinal desta sublime e

34
IGREJA LUTERANA
amável união entre Cristo e a Cristandade e todos os seus membros;
uma união tão íntima que não há outra igual. E assim o apóstolo
deixa suficientemente claro que o matrimônio é um estado divino,
agradável a Deus porque o próprio Deus o instituiu.
Vv. 25-30: Esta é, pois, a grande graça e o dom indizível que Deus deu aos
cristãos, embora o mundo não se dê conta disso. Ele simplesmente
não se denomina nosso Senhor, nem pai, irmão ou amigo, mas adota
o nome que expressa o mais sublime amor e a mais profunda amiza-
de que possa haver no mundo: ele quer ser nosso noivo e assim dese-
ja ser chamado; quer formar conosco um só corpo, uma só carne e
um só osso, palavras que jamais são usadas para descrever qualquer
outra relação de parentesco ou amizade. Assim Cristo quis apresen-
tar-se a nós da forma mais amável e amigável possível, oferecendo e
prometendo o seu imenso amor, para que nos denominemos sua noi-
va com toda confiança possamos e devemos chamá-la de nosso ama-
do noivo, e nos gloriemos nisso.
Vv. 31-33: A forma visível e exterior do casamento ou matrimônio terreno
tem a função de nos ensinar a considerar e meditar no matrimônio
celestial, cuja glória e resplendor ninguém consegue ver. Além disso,
devemos espelhar-nos na união espiritual entre Cristo e a igreja, e
aprender como os cônjuges devem comportar-se no estado matrimo-
nial. Por isso, nem de longe chegaremos a um amor tal como esse,
pois, como se diz, é demasiado sublime e grandioso. E assim como o
casamento terreno é pequeno, também o amor que existe nele é pe-
queno em comparação com o casamento celestial. Também no esta-
do matrimonial compete à mulher não somente amar o marido, mas
também ser obediente e submissa, imitando o exemplo da união Cris-
to-igreja. Semelhantemente o marido deve amar sua esposa de todo
coração, por causa do grande amor que vê em Cristo. Esse, então,
deixará de ser um matrimônio terreno e humano ou racional para ser
um matrimônio cristão, divino, desconhecido dos pagãos. Porque
esses não percebem a grande glória e honra do matrimônio, que se
trata duma imagem da sublime união espiritual de Cristo. Por isso
cabe a nós cristãos honrar e exaltar muito mais esse estado, pois sa-
bemos e conhecemos o esplendor e a glória conferidos a este estado.

3. CATECISMO DE LUTERO
A palavra “adultério” tem origem latina e traduz a idéia do uso de algo para
o qual não foi originalmente criado (a amplitude do termo não o restringe às rela-
ções matrimoniais, mas em todos os âmbitos sociais).

35
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
Para Lutero, a célula mãe da sociedade é a família, visto Deus ter criado a
relação matrimonial antes de qualquer outra instituição. Logo, se a base da socie-
dade está com problemas, toda a sociedade, como em um efeito cascata, sofre.
Ao lermos o texto do Catecismo Maior, percebe-se que Lutero tem uma
preocupação didática. Ele não cita os problemas na área da sexualidade, como o
faz em outros escritos, como por exemplo, no seu “Pequeno Livro de Orações”.
No Catecismo, a intenção de Lutero é combater o mal com o bem, ou melhor,
descreve positivamente a relação matrimonial. Sugiro aqui a leitura sob esta pers-
pectiva do texto do Catecismo Maior, a qual nos ajuda a tratar o assunto com os
nossos de forma bíblica e positiva para o amadurecimento das relações humanas.
Outro aspecto que merece destaque é ler o sexto mandamento no contexto
do quarto e quinto. Ordem social, vida cristã significativa são vistas por Lutero
dentro deste contexto, caracterizando-se assim o lado positivo dos mandamentos
como boa vontade da parte de Deus.

4. PÓS-MODERNIDADE E A SEXUALIDADE
Uma característica essencial para o pensamento pós-moderno é a total au-
sência de uma base social, política, histórica, metafísica, lógica e espiritual. A
tecnologia, que domina o mundo pós-moderno, não consegue conviver com o que
se pode chamar “tradição”, logo os elementos acima enumerados não são mais
importantes. Assim, a mentalidade tecnológica é aplicada também à teologia e à
ética, na qual o problema do pecado, por exemplo, que é base da reflexão teológi-
ca e ética, são diluídos e tudo precisa ser quantificado. A vida não é mais avaliada
quanto ao que é certo ou errado, mas muito mais numa escala que vai de 1 a 10.
Dentro deste pensamento, olhar a relação sexual ou matrimonial, não é mais
observá-la dentro de um contexto do secreto e do particular, mas sim do público e
do visual. Mais do que nunca, o sexo na pós-modernidade tem a ver com o quanto
posso mostrar, mesmo que seja numa pequena casa onde se está confinado e que
pode ser acompanha pelo Big Brother. Se por um lado não podemos fugir da
exposição da sexualidade, por outro podemos e temos sob nossas mãos o “contro-
le remoto” da nossa ética, que é a santa vontade de Deus, ou como Lutero até
sugere, Deus mesmo.

5. RESPONSABILIDADES HOMILÉTICAS
Nadar contra a maré parece ser o desafio da mensagem cristã em todas as
épocas. E aqui estamos diante da necessidade de frearmos os pecados das relações
humanas, que também são obras de Deus. Logo, nós, como anunciadores da santa
vontade de Deus, precisamos achar o melhor caminho para comunicarmos esta
santa vontade ao mundo pós-moderno. Quando Lutero propôs no seu Catecismo a

36
IGREJA LUTERANA
ordem, Mandamentos em primeiro lugar, ele estava muito preocupado com o “so-
cial”, ou melhor, com as relações de vida. Sem dúvida, o Primeiro Artigo do Cre-
do está bem presente no fato de colocar os Mandamentos como início do Catecis-
mo. Sem deixarmos de apontar a Cristo, que nos move a vivermos em amor, pre-
cisamos olhar com todo o carinho para a obra de Deus no Primeiro Artigo, ao qual
este mandamento como os demais nos remetem. Tratar o assunto positivamente,
como Deus o criou, é a sugestão de Gn e Ef, sem deixar de apontar o pecado.
Assim teremos lei e evangelho, de forma que o evangelho possa fazer seu papel
nos corações de nossos ouvintes.

Clóvis Jair Prunzel

37
SÉTIMO MANDAMENTO
Lucas 12.22-34
(Gênesis 14.14-16; 2 Coríntios 8.1-9)

NÃO FURTARÁS.
Que significa isso?
Resposta: Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não tiremos ao
nosso próximo o dinheiro ou os bens, nem nos apoderemos deles por meio de
mercadorias falsificadas ou negócios fraudulentos, porém o ajudemos a melhorar
e conservar os seus bens e o seu ganho.
O texto de Lucas 12.22-34 não trata diretamente da questão do dinheiro e
dos bens do próximo, a ponto de se poder perguntar pela conexão entre o texto
escolhido e o sétimo mandamento. No entanto, o texto trata daquilo que está por
trás do ato de tirar algo ao nosso próximo, a saber, a necessidade ou tentativa de
assegurar a vida por conta própria. Nesse texto Jesus apresenta o remédio ou a
“vacina” contra o mal que leva à quebra do sétimo mandamento.
O texto de Lucas 12.22-34 é em grande parte similar ao paralelo em Mt
6.25-34. No entanto, sua colocação dentro da “narrativa da viagem”, em Lucas,
empresta-lhe um caráter dramático bem peculiar. Jesus fala isso depois de já ter
manifestado, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém (Lc 9.51).
Em outras palavras, é ensino à sombra da cruz.
Quando dois textos são em grande parte semelhantes, mas, não obstante,
apresentam pequenas diferenças, essas diferenças podem ser significativas. Uma
possibilidade homilética é explorar exatamente esses detalhes que são diferentes.
É o que se sugere, no caso de Lucas 12.
Num confronto entre Mateus 6 e Lucas 12, destacam-se as seguintes pecu-
liaridades lucanas: em Lucas fica claro (v.22) que Jesus disse o que disse a seus
discípulos. Falar desse assunto fora do círculo dos discípulos é quase como lançar
pérolas aos porcos.
No v.24, Lucas traz “corvos” em lugar de “aves do céu” (Mt 6.26). É a
única vez que corvos aparecem no NT. O corvo, que não deve ser confundido
38
IGREJA LUTERANA
com o urubu, é uma ave preta que alcança um tamanho superior a 60cm, bastante
comum na terra de Israel. No AT, aparece nas histórias de Noé (Gn 8) e de Elias
(1Rs 17). Na conhecida fábula (de Esopo), o corvo é exemplo negativo; aqui ele é
mestre e doutor, como expressa o seguinte texto de Lutero: “O Senhor nos apresenta
a natureza por exemplo, para dela aprendermos a confiar em Deus e a não andarmos
ansiosos. Pois os passarinhos esvoaçam diante de nossos olhos, para vergonha nos-
sa, de sorte que gostaríamos de tirar o chapéu e dizer: Senhor Doutor, preciso con-
fessar que não domino a arte que você domina. Durante a noite você dorme em seu
ninho, sem qualquer preocupação. De manhã você acorda, alegre e bem animado ...
louva e agradece a Deus. Depois você procura seu alimento, e o encontra. Que
vergonha para mim, velho tolo, que não o faço eu também, eu que tenho tanto
motivo para isso” (Castelo Forte 1983, 11 de setembro).
No mesmo v.24, além de falar da “despensa”, em adição a celeiros, Lucas
tem “Deus” em lugar de “vosso Pai celeste”. Alguém dirá, com razão, talvez, que
Lucas tem uma forma mais aceita no contexto helenístico (o adjetivo “celeste”,
aplicado ao Pai, fica restrito ao Evangelho de Mateus). No entanto, Lucas tam-
bém fala do Pai, no v.30.
O conteúdo do v.26 é quase que exclusivo de Lucas. Trata-se de outro
argumento “do menor ao maior”: se nada podeis fazer numa coisa tão pequena (!)
como encompridar a vida, por que se preocupar com as outras?
No final do v.29, Lucas traz um verbo, traduzido por “entregar-se a inquie-
tações” (ARA) ou “ficar aflito” (NTLH), que não aparece em nenhum outro lugar
no NT. Trata-se do verbo meteorízomai, que, ao pé da letra, significa “ser eleva-
do, ficar suspenso”. À luz do uso desse verbo na Septuaginta (Mq 4.1, por exem-
plo, “se elevará”), seria possível traduzir por “ficar orgulhoso”. Foi o que Lutero
fez (“und fahret nicht hoch her”). No entanto, em alguns contextos extra-bíblicos
o termo aparece no sentido de “ficar preocupado”. Além disso, o contexto de Lc
12.29 parece exigir uma tradução como “estar inquieto” ou “ficar aflito”. Isto
coloca o verbo na mesma categoria semântica de merimnáo (“andar ansioso” ou
“preocupar-se”) e a maioria das traduções se aproxima do que aparece na ARA e
na NTLH.
A grande novidade, em Lucas, são as palavras de Jesus no v.32: “Não temais,
ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino”. No
paralelo de Mt 6.34, fala-se do amanhã que trará os seus cuidados e de que basta
ao dia o seu próprio mal.
O “não temais”, que aparece no v.32, é típico dos textos de Lucas (Lc 1.13,30;
5.10; 8.50; 12.32; At 18.9; 27.24), pois ocorre, alhures, apenas em Mc 5.36; Jo
12.15; Ap 1.17. É uma palavra importante, especialmente à luz do contexto maior
de Lucas 12, em especial dos vv. 4-6, 11,51, onde se fala de várias ameaças à vida.
Quando a vida é ameaçada, a tendência natural é agarrar-se àquilo que se tem.

39
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
O rebanho é descrito como pequenino, por aquele que é o pastor e conhece
as suas ovelhas. Trata-se de uma metáfora que já aparece no AT, para falar que o
povo de Deus é guiado pelo SENHOR (Ez 34.11-24). A referência imediata é ao
grupo dos discípulos de Jesus, que formam o núcleo do novo povo de Deus.
O texto também ensina que o reino de Deus é uma dádiva. Não pode ser
edificado; apenas pode ser buscado, pedido, recebido. Nele se entra e ele vem.
Dá-lo é a expressa vontade divina (o verbo é eudokéo, que, em muitos contextos,
tem Deus por sujeito). E esta é, de fato, uma das premissas que fundamentam o
que Jesus afirma nesse texto: Deus já lhes deu o reino, e essas coisas serão acres-
centadas. A outra premissa é que Deus tem controle sobre sua criação, até nos
mínimos detalhes; ele sustenta as aves, veste as flores, sabe do que necessitamos.
Uma terceira premissa é esta: a vida é mais do que o alimento e as vestes (que, por
via de sinédoque, representam tudo que é material), e a vida não se limita a este
mundo: existe um tesouro inextinguível ou que nunca diminui (anékleipton, outra
palavra que ocorre apenas aqui, em todo o NT), nos céus.
Sem essas premissas, as palavras de Jesus soam estranhas. Sem elas, os
homens de pequena fé (v.28), continuarão a buscar formas próprias de garantir a
vida, que é tão frágil e contingente. E entre essas formas está o furto, que, segun-
do o próprio Lutero, “é vício amplissimamente difundido e muito comum ... de
forma que, se fossem enforcados todos os que são ladrões – embora não queiram
que assim lhes chamem -, o mundo em breve ficaria deserto e haveria insuficiên-
cia de carrascos e forcas”. (Catecismo Maior, 1ª parte: Dos Mandamentos (7º
mandamento), § 224).

Vilson Scholz

40
IGREJA LUTERANA

OITAVO MANDAMENTO
Mateus 18.15-20
(Provérbios 31.8,9 e Tiago 4.1-12)

Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.


Que significa isto?
Resposta: Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não mintamos
com falsidade ao nosso próximo, não o traiamos, caluniemos ou difamemos, po-
rém devemos desculpá-lo, falar bem dele e interpretar tudo da melhor maneira.
Mt 18.15-20 é o texto base para a pregação do oitavo mandamento. Isto
porque o próprio Lutero introduz esse texto na explicação do mandamento, em
seu Catecismo Maior. Ali Lutero diz: “O procedimento correto, porém, seria ater-
se à ordem do evangelho, Mateus 19 [sic], onde Cristo diz: “Se teu irmão pecar
contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só”. Aqui tens preciosa e excelente doutrina de
como governar bem a língua. Dela cumpre tomar boa nota contra o detestável
abuso”. (Catecismo Maior, 1ª parte: Dos Mandamentos, seção 276).
Na explicação do Catecismo Menor, Lutero tira o oitavo mandamento do
seu contexto original, a saber, o testemunho prestado no tribunal, e amplia o seu
horizonte, levando-o para a vida diária. Lutero lê o oitavo mandamento como um
texto que trata da mentira e da difamação do próximo. Tem em vista uma situação
em que se fala do próximo na ausência do mesmo. Esse parece ser o sentido de
“trair”, na explicação do Catecismo Menor, a saber, “revelar os pecados do próxi-
mo”. O antídoto para isso é o ensino de Jesus em Mateus 18.
O texto de Mt 18.15-20 integra o quarto grande discurso de Jesus em Mateus,
o “discurso da igreja”, que se encerra em Mt 19.1 com a clássica fórmula “E
aconteceu que, concluindo Jesus estas palavras ...” O contexto é, pois, eclesial,
como as palavras “irmão” (v.15) e “igreja” (v.17) deixam bem claro. Se isto não
autoriza que se restrinja o conceito de próximo à “pessoa que, comigo, faz parte
da mesma igreja”, por outro lado também dá a entender que, fora do âmbito eclesial,
o procedimento não será exatamente o mesmo. Em outras palavras: vou proteger

41
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
a honra de todos os meus semelhantes; isto, no entanto, não impede que pessoas
autorizadas façam a denúncia do pecado. Lutero deixa isso claro no Catecismo
Maior (1ª parte: Dos mandamentos, seção 273): “Vês ... que é absolutamente proi-
bido falar em maus termos do próximo. Excetuam-se, contudo, os magistrados
civis, os pregadores e os pais”.
O texto em estudo é, em grande parte, exclusividade de Mateus; apenas o
v.15 encontra paralelo em Lc 17.3. A parte inicial (vs.15-17) assume a forma de
uma lei casuística do Antigo Testamento, introduzida pelo “se”. Como explicam
Fee e Stuart (Entendes o que lês?, p. 144), tal lei é “baseada numa condição pos-
sível que pode ou não aplicar-se a uma determinada pessoa num determinado
tempo”. Aquele “se” não está querendo sugerir que o pecado de um irmão é uma
possibilidade remota; antes, seu sentido é este: “sempre que acontecer, o caminho
a seguir é o que está previsto ali”.
Os “três passos” de Mt 18 são bem conhecidos: 1) entre ti e ele só; 2) toma
ainda contigo uma ou duas pessoas; 3) dize-o à igreja. Bem mais difícil é praticar
o que aí aparece; a grande tentação é saltar para o passo número três, isto é, dizê-
lo imediatamente à igreja, ou, então, “a Deus e a todo o mundo”.
A locução “contra ti” aparece entre colchetes na Almeida Revista e Atuali-
zada. Isto quer dizer que, na década de 1950, essa locução não fazia parte do texto
grego adotado pelos revisores de Almeida. Hoje essa situação está parcialmente
alterada, ou seja, o “contra ti” (eis se, no grego) voltou a fazer parte do texto
grego, ainda que entre colchetes. Trata-se de uma decisão crítico-textual muito
difícil, que recebe um grau C (numa escala de A a D), no The Greek New Testament,
4ª edição. O eis se (“contra ti”) está ausente em dois dos grandes manuscritos
gregos (Sinaítico e Vaticano), afora uns poucos outros de menor importância.
Partindo-se do pressuposto de que o “contra ti” foi inserido posteriormente, a
intenção parece ter sido a de restringir a abrangência do pecado que deve me
preocupar: não qualquer pecado, mas só aquele que me diz respeito, por me en-
volver. Também poderia ser visto como uma forma de excluir do procedimento
delineado em Mt 18 aquilo que se denomina pecado manifesto, que precisa ser
denunciado abertamente. Seja como for, a presença do “contra ti” restringe o
alcance daquilo que é dito em Mt 18. Antes de pregar, o pregador precisa decidir
se inclui ou não essa locução.
“Argüir” (v.15) traduz o verbo grego elencho, donde vem o usus elenchticus
da lei de Deus, que é o segundo uso, ou uso teológico. Também se pode traduzir
por “repreender” (Almeida Revista e Corrigida) e “mostrar-lhe o seu erro” (NTLH).
“Dize-o à igreja” (v.17) tem em vista a igreja local que, num sentido teoló-
gico, concentra a ecclesia universalis. Desta se fala mais diretamente em Mt
16.18. Aliás, Mt 16.18 e Mt 18.17 são as únicas duas passagens dos Evangelhos
em que aparece a palavra “igreja”.

42
IGREJA LUTERANA
Por mais que se queira entender aquele “considera-o como gentio e
publicano” (v.17) num sentido positivo (“considera-o outra vez alvo da missão da
igreja”), não se pode apagar a dimensão de “disciplina eclesiástica” que aparece
no mesmo. A NTLH expressa isso muito bem: “trate-a como um pagão ou como
um cobrador de impostos”. O que se tem em vista é a excomunhão, no contexto
do ofício das chaves, que aparece no v.18. Outros textos que tratam disso são 1
Co 5.13, 2 Ts 3.6, e Tt 3.10.
Os vv. 18-19 parecem não ter conexão com os vv. 15-17, além do vínculo
formal, isto é, a continuação do tema dos “dois ou três” (“dois dentre vós”, v.19;
“dois ou três reunidos”, v. 20) que aparece no v.16. No entanto, o contexto conti-
nua sendo eclesial, isto é, o v. 19 trata da oração e o v. 20, do culto. Por isso, é
recomendável ler esses dois versículos como continuação do assunto anterior.
Neste caso, o pedido de que fala o v.19 tem a ver, acima de tudo, com a situação
descrita em 18.15-17. E a presença de Cristo, prometida no v. 20, dá contornos
mais definidos ao contexto em que se processa aquilo que é delineado nos vv.15-
17. Em outras palavras, tudo isso se passa coram Deo, ou, mais propriamente, na
presença de Cristo.
Sempre é oportuno pregar o Oitavo Mandamento. Afinal, como está em
Tiago 3.8, “a língua, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido,
carregado de veneno mortífero”. Se tivéssemos um determinado espaço, sobre
uma linha, para escrever os números de um a dez (para os dez mandamentos),
nossa tendência natural seria de ampliar os números seis e sete a tal ponto que não
mais sobraria espaço para escrever o número oito. Isso ilustra bem o quão pouco
se leva a sério o oitavo mandamento. A explicação de Lutero, no Catecismo Me-
nor, que privilegia o v. 15 de Mateus 18, dá ensejo a que se repare esse equívoco.

Vilson Scholz

43
NONO MANDAMENTO
SALMO 16.5-6
(1 Timóteo 6.6-10; Mateus 6.25-34

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
“São mais desejáveis (dmx) (os ensinos do SENHOR) do que ouro” (Sal-
mo 19.10a). “Não cobiçarás (dmx) a casa do teu próximo” (Êx 20.17a). Por
essa composição já é possível concluir que o SENHOR Deus tem uma palavra
especial referente aos secretos desejos do coração. Uns são positivos e legítimos,
outros prejudicam. Uns são lícitos e benéficos, outros podem ser tijolos de trope-
ço. Desde que a árvore que não poderia se tornar desejável (dm’ x . n < ) ,
acabou se tornando objeto de cobiça, o ser humano perdeu o rumo e o discernimento
do que pode e o que não pode ser aspirado, sem prejuízos para si ou para o próxi-
mo. Por isso, o conselho de Deus é “Não cobiçarás a casa do teu próximo”. Deus
aconselha a cada um controlar seus desejos. Essa medida tem um caráter preven-
tivo e de proteção. Preventivo, pois visa ordenar os desejos dos cristãos, talvez
desmascarar os anseios mais secretos, e de proteção, pois Deus tem o propósito de
resguardar o que Ele concede aos seus filhos.

2. SALMO 16.1-6: CONTEXTO HISTÓRICO


A ocasião específica em que Davi se encontrava ao escrever esse Salmo é
desconhecida. O máximo que se pode fazer é mencionar algumas possibilidades,
mas que podem servir de auxílio para compreendermos melhor esse texto.
A primeira possibilidade é quando a cidade de Ziclague foi saqueada pelos
amalequitas (1 Sm 30). Pelo menos duas coisas abateram Davi: sua família foi
levada cativa e o povo o responsabilizou por essa tragédia, a ponto de quererem
apedrejá-lo. Naquela ocasião, Davi confessou que só o SENHOR o poderia de-
volver a segurança (1 Sm 30.6). No Salmo 16 Davi professa sua fé de que o
SENHOR é o seu único bem (v.2).
Uma outra alternativa é considerar o contexto dos últimos dias do Rei Davi.
Lange toma a sugestão de Delitzsch, que afirma que Davi pode ter estado numa
situação de doença, talvez terminal, e considera essa possibilidade bem consisten-

44
IGREJA LUTERANA
te. As razões seriam pela omissão de qualquer referência a inimigos ou tempos de
tribulação, pela maturidade de sua fé, pela sua calma diante da possível morte,
pela aceitação da vontade de Deus e, sobretudo, pela profecia messiânica nos vv.
9-11. 1 Porém, a profecia de Natã em 2 Sm 7 também pode servir como um
referencial.
Ainda é possível considerar, mesmo que remotamente, baseado especial-
mente no v. 4, que Davi pode ter sofrido a tentação da idolatria (1 Sm 27) na terra
dos filisteus. Seja qual for a opção que tomarmos, a conexão entre as três possibi-
lidades parece dizer algo a respeito do 9.º Mandamento, no sentido de se aceitar
toda e qualquer situação, independente do grau de dificuldade.

3. TEXTO
V.1: O “guarda-me” parece indicar que houve ou há algum tipo de crise ou
perigo envolvido. O pedido repousa na confiança e esperança de que
o refúgio divino é garantia de segurança e proteção (Salmo 7.1).
V.2: Confiança e gratidão aqui se misturam. Davi confessa o SENHOR
como seu supremo bem, talvez o único bem, a essa altura de sua
vida, e nascente de todas as bênçãos. O SENHOR é sua exclusiva
fonte de esperança e satisfação.
V.3: Aqui o salmista parece2 afirmar que, pertencendo à comunhão espiri-
tual com os demais consagrados ao SENHOR aqui na terra, a sua
alegria se completa. Isto também é bênção para ser grato a Deus, a
companhia dos cristãos (Salmo 101).
V.4: Não tem futuro correr atrás de outros deuses. Davi faz questão de afir-
mar sua fé. Talvez num momento de tentação, ele professa que não
vai trocar sua confiança e sentimento de gratidão pela oferta de qual-
quer outro tipo de segurança, por mais atrativa que seja. Davi dispen-
sa auxílio paralelo e passa mais uma vez a declarar sua confiança e
espírito de gratidão. Ele possivelmente está baseado na premissa que
não é possível servir a dois senhores (Mt 6.24). Davi renuncia um,
recusa-se a participar em seus cultos, nem mesmo pronunciar seus
nomes (Os 2.17) e passa a focalizar sua certeza e esperança de auxí-
lio no SENHOR.
Vv.5,6: Em linguagem figurada, Davi afirma que, com o favor do SENHOR,
está garantido o apoio, o futuro e as melhores bênçãos. A imagem da

1
LANGE, John Peter. Commentary on the Holy Scriptures. The Psalter. Zondervan Publishing House, Grand Rapids, Michigan,
p. 121.
2
A tradução desse versículo pode ser objeto de intensa discussão. A julgar por suas diferentes traduções, o mais sensato parece
ser olhar para o contexto e assim determinar algo mais concreto.

45
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
herança reflete Dt 18.2, que ressalta que a herança dos levitas é o
próprio SENHOR. O salmista verbaliza em seu louvor seu contenta-
mento por lhe ter sido reservada a melhor bênção, ainda que sob uma
possível crise. Davi percebe com o olhar da fé a plenitude de vida na
presença de Deus.

4. LUTERO E O NONO MANDAMENTO


Lutero explica os últimos dois mandamentos como se fossem um3 . A dife-
rença de fato é que o Nono Mandamento trata da cobiça a coisas materiais, ou sem
vida.
Ele afirma que Deus acrescentou os últimos dois mandamentos a fim de que
seja revelado também como ato pecaminoso o desejo ilícito de possuir bens alheios.
Essa palavra de Deus visa a coibir a confusão que pode acontecer entre jeitinhos
espertos, com honestidade e legitimidade. Ela visa assegurar que não se confunda
perspicácia com malvadez, habilidades, com projetos interesseiros e logro. E, final-
mente, que não se distorçam direitos, ou não se levem em consideração as necessi-
dades do próximo, em troca de vantagens e prestígio pessoal. Aqui é interessante
notar o detalhe observado por Lutero no Catecismo Menor: “Devemos ajudar ao
nosso próximo e servi-lo para conservar a sua herança ou casa” (CM, p.62). Nem a
ingratidão, nem egoísmo têm lugar na vida do cristão, mas o contentamento e a
gratidão com o que se tem e a disposição para compartilhar.
Para Lutero, Deus quer cortar o mal pela raiz, alertar para os pecados
secretos e especialmente se dirigir para aqueles que supõem não transgredirem os
mandamentos anteriores. Aqui todos caem.

5. REFLEXÕES HOMILÉTICAS
A proposta de leituras bíblicas para esse culto parece indicar para uma im-
portante dimensão na vida cristã ligada ao Nono Mandamento: o contentamento.
Se por um lado a ênfase de Lutero neste mandamento é cortar o mal pela raiz,
abafando os desejos desordenados (1 Tm 6.10-16), por outro, seu cumprimento
aponta para a direção de um coração agradecido pelos bens espirituais, físicos e
materiais, e a confiança de que o Pai celeste supre todas as necessidades na medi-
da e tempo certos.
A opção pelo Salmo 16.1-6 não significa omitir os outros dois textos relaci-
onados. Estes possuem elementos que podem ser incorporados naturalmente na
pregação.

3
LIVRO DE CONCÓRDIA, Catecismo Maior. São Leopoldo e Porto Alegre: Editora Sinodal e Concórdia Editora, 1993,
pp.440-443.

46
IGREJA LUTERANA
A articulação de um sermão sobre este mandamento pode não ser tarefa
fácil. O perigo é pregar demasiadamente o amargo desta palavra. Porém, a suges-
tão é usar as considerações do Salmo 16 e seu contexto, especialmente, e falar
mais positivamente sobre a palavra do Senhor. O desafio é criar uma possibilida-
de de olhar para a Lei de Deus também como uma instrução e não apenas como
reveladora da ira de Deus.
Num tempo em que “ser feliz” tornou-se o grande desejo do ser humano;
num tempo em que esta felicidade está muito mais conectada a bens materiais e
realizações profissionais, que por sua vez instigam a desejos, às vezes desordenados,
parece pertinente refletir sobre a felicidade que nem sempre se conecta com o que
se vê, mas principalmente a bênçãos espirituais do perdão, paz e salvação em
Cristo Jesus.

6. SUGESTÃO DE TEMAS E PARTES


Tema: “A arte de viver contente em toda e qualquer situação” (Fp 4.11)
Introdução – 1 Sm 30.1-6
A experiência trágica na vida de Davi: “Porém Davi se reanimou no SE-
NHOR seu Deus (v. 6b);
1. Salmo 16.1-6, com ênfase na expressão “outro bem não possuo”;
2. Cuidado com o dinheiro (1 Tm 6.6-10), o servir a dois senhores (Mt
6.24) e a confiança no Senhor (Mt 6.25-34);
3. Lutero e o Nono Mandamento: a) Cortar o mal pela raiz; b) Revelar
nossos desejos desordenados e pecaminosos; c) Deus visa proteger da cobiça alheia
os bens que Ele nos concede por sua graça;
4. Nosso pedido: nem riqueza, nem pobreza – Pv 30.7-9;

Conclusão – Hc 3.17-19
Nossa gratidão, ainda que nos faltem muitas coisas, mas com a garantia de
que nada nos separa do amor de Deus em Cristo Jesus (Rm 8.31-19), nosso bem
maior.

Anselmo Ernesto Graff

47
DÉCIMO MANDAMENTO
Lucas 12.1-15
(Deuteronômio 5.21; Filipenses 2.1-4)

1. CONTEXTO
Tendo em vista a finalidade de enfatizar o tema do décimo mandamento,
colocaremos o foco da atenção nos versículos finais (13-15) do texto do Evange-
lho sugerido para esta ocasião. Nos primeiros versículos do capítulo 12 Jesus
passou a dirigir uma série de advertências a seus discípulos (v. 1), iniciando por
referir-se à hipocrisia característica dos fariseus (vv. 1-3). Nos versículos seguin-
tes (vv. 4-12), o Senhor mostra que tal hipocrisia, bem como todo mal, há de se
revelar no fim. Jesus dirige a atenção dos discípulos para o juízo que deve ser
temido (v. 5), que não é o juízo dos homens. Por isso, eles devem ter toda a ousa-
dia em confessar o nome de Cristo em qualquer situação (v. 8), sabendo que, em
última análise, serão nisto conduzidos pelo Espírito Santo (12).
Outras leituras são sugeridas para o culto do dia, tendo em vista o tema do
Décimo Mandamento. São elas: Deuteronômio 5.21 (texto do mandamento) e Filipenses
2.1-4 (a exortação apostólica a que os irmãos tenham o mesmo pensar, aprendendo a
buscar os interesses do próximo, deixando de lado os desejos egoístas).

2. TEXTO
No texto em estudo, Jesus é instado por alguém a servir de “juiz ou partidor”
em um caso de herança. Jesus não somente recusa-se a assumir tal papel, como
utiliza o evento para falar a respeito da avareza. Para tanto, relata a parábola de
um homem rico, cujo campo produziu com abundância, mas para quem faltava
lugar suficiente para guardar a colheita (doce problema, diriam muitos agriculto-
res de hoje, em tempos de seca!).
O pai da igreja, Ambrósio, observou que “o homem rico tem armazéns dis-
poníveis na boca dos necessitados” (Kenneth Bailey, As parábolas de Lucas, 134).
Já Agostinho fez o seguinte comentário, que o “homem armazenava grãos em um
lugar úmido, e precisa mudá-los para um lugar mais alto para que não estraguem;
desta forma, o tesouro, para ser conservado, precisa ser armazenado no céu, e não

48
IGREJA LUTERANA
na terra.” (Bailey, 134,5). Mas o homem tem outra solução: destruir os velhos
celeiros; construir novos; guardar lá sua colheita, para então, sim, viver a vida,
alegrar-se. E Deus então lhe diz: você é um louco; se sua vida é só isto, de que vale
diante da morte? O problema do homem rico realmente não são seus bens, nem a
farta colheita, nem mesmo a construção de novos celeiros. Seu problema é de
perspectiva de vida!
Este era o problema do homem que veio a Jesus e que ouve: Não sou teu
juiz para este tipo de caso; não sou “partidor”. Na verdade, a relação entre os
irmãos já estava “partida”, quebrada! Jesus não veio ao mundo para ser “partidor”
(meristes); ele é o reconciliador (mesites)! Daí vem a afirmação mais geral: “Ten-
de cuidado e guardai-vos de todo tipo de avareza; porque a vida de um homem
não consiste na abundância dos bens que ele possui.” O requerente talvez até
tenha razão na disputa; mas isto não vem ao caso; seu problema é sua perspectiva
de vida! Dividir não irá realmente resolver, porque o problema está no coração; o
problema é de perspectiva diante das coisas. Propriedades estão dividindo os ir-
mãos! O que é mais importante? – esta é a pergunta que Jesus está sugerindo.
Ao final da parábola, mais uma afirmação geral de Jesus: “Assim é o que
entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (v. 21). O problema da
avareza é duplo: ela nos leva a olhar para as coisas e esquecer os irmãos; ela nos
faz desejosos de mais coisas, e descontentes com o que temos, e assim nos leva a
esquecer de Deus.
É preciso considerar a vida sob outra ótica, outra perspectiva! Uma ótica é a
deste mundo – é o entesourar para si mesmo; é buscar seus direitos, mesmo que isso
custe a amizade do irmão; é esquecer que tudo que tenho é empréstimo, inclusive -
e principalmente - a minha vida. A outra perspectiva é da eternidade, de uma vida
consciente de estarmos vivendo um tempo especial, pelo simples fato de sermos
filhos amados de Deus. Na perspectiva da eternidade, sabemos que os bens nos são
emprestados, e existem para o nosso próprio benefício e para o progresso dos que
nos cercam. Com isto glorificamos o verdadeiro dono de todas as coisas.
Lutero mostra que o Décimo Mandamento denuncia ações prejudiciais ao
próximo, feitas sob aparência de direito (Catecismo Maior, I: 296). Por isso, afir-
ma, este mandamento não trata dos que aos olhos do mundo são malfeitores, mas
de pessoas que querem ser consideradas honestas, por não terem transgredido os
mandamentos anteriores (CM, I: 300). Menciona ele o caso de briga por herança,
que lembra a situação do texto de Lucas 12 (CM, I:301). Esta busca de arrebatar
do próximo o que é seu, ainda que com aparência de justiça, é nada mais que
saciar a própria avidez; além disso, é “secreta e pérfida maldade” e injustiça con-
tra o próximo (CM, I: 307).
Ao final de sua exposição, Lutero mostra aquilo que está na base de todas
ações contrárias aos bens do próximo: “Miram (os dois últimos mandamentos),

49
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
assim, especialmente, à inveja e à malfadada ganância. Com isso Deus quer elimi-
nar a causa e a raiz de onde surge tudo aquilo por que se faz dano ao próximo”
(CM, I: 309,310).

3. APLICAÇÃO HOMILÉTICA
A avareza e a cobiça continuam sendo vícios muito comuns. São sintomas
de uma vida que acontece sob a perspectiva errada, em que o foco está no conten-
tamento de si próprio à custa do próximo. Esta perspectiva dirigida para si mesmo
e suas conseqüências devem ser combatidos pela proclamação do juízo divino.
Por outro lado, o melhor remédio contra a cobiça é o contentamento. Por isso, é
preciso estar atentos à graça de Deus, manifesta em Cristo, que supre nossa maior
necessidade. É nisto que consiste verdadeiramente a nossa vida. Além disso, Suas
bênçãos, com as quais bondosamente nos cumula, ao invés de se tornarem arma-
dilhas, são razões concretas para a gratidão e o louvor ao Doador, bem como
oportunidades de serviço àqueles que Deus colocou ao nosso lado.

Gerson Luis Linden

50
IGREJA LUTERANA

CONCLUSÃO DOS MANDAMENTO


Gálatas 3.10-14
(Êxodo 20.4-6; Mateus 5.17-20)

1. CONTEXTO
Com o capítulo 3, o apóstolo Paulo abre um debate doutrinário na sua epís-
tola aos Gálatas. O apóstolo encontrava-se, de certa forma, ansioso e agitado com
a perspectiva de cisma que a pregação dos judaizantes estava causando. Que pre-
gação era essa?
Os judaizantes ensinavam que era possível receber a bênção da justiça e da
salvação eterna através da perfeita obediência da Lei de Deus. Por isso, o apóstolo
inicia esse capítulo de forma vibrante e retórica: “Ó gálatas insensatos! Quem vos
fascinou a vós outros... Quero apenas saber isso de vós: recebestes o Espírito
pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos que, tendo come-
çado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?” (3.1-3).
Sendo assim, fica a pergunta: Afinal, para que serve, então, a Lei?

2. TEXTO
Vv. 10-12: “Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de
maldição;... E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante
de Deus, porque o justo viverá pela fé... Ora, a lei não procede da
fé...”. Todas as pessoas que imaginam poder cumprir perfeitamente a
Lei ficam sujeitas à maldição proclamada pelo Senhor e registrada
por Moisés em Deuteronômio 27.26. O apóstolo entende, por conse-
guinte, que todo esforço humano em guardar a Lei de Deus é com-
pletamente em vão. Nenhuma pessoa é capaz de cumprir as exigên-
cias do justo e santo Deus. Não há pessoa sem pecado. A própria
palavra de Deus exclui a Lei como uma possibilidade de alcançar a
salvação. Deus mesmo estabeleceu que “o justo viverá pela fé”
(Habacuque 2.4). A fé, unicamente, garante a vida eterna. A salvação
é garantida a quem coloca a sua confiança em Jesus como seu Salva-
dor. E isso não é um assunto para pôr em dúvida, discutir ou argu-

51
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
mentar, mas é o centro do Evangelho que precisa ser proclamado e
testemunhado incansavelmente.
V. 13: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio mal-
dição em nosso lugar...”. Jesus entregou-se em nosso lugar. O após-
tolo sublinha que ele não simplesmente recebeu a maldição, mas a
recebeu em nosso lugar. Deus “o fez pecado por nós; para que, nele,
fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5.21).
V. 14: “para que a bênção de Abraão chegasse ao gentios, em Jesus Cristo,
a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido”. Pela mor-
te vicária (em lugar de) de Jesus, as bênçãos prometidas se dirigiram
tanto aos gentios quanto ao judeus. Através da morte redentora de
Cristo, todos os fiéis, tanto judeus quanto gentios, têm livre acesso
ao Pai através do Espírito Santo.
A pergunta continua: Afinal, para que serve, então, a Lei de Deus?
Lutero, no Catecismo Menor, ao final da explicação do significado dos Dez
Mandamentos da Lei de Deus, pergunta: Que diz Deus de todos esses mandamen-
tos? E ele mesmo responde usando a exortação de Deus logo após a proclamação
do primeiro mandamento: “Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a
iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me
aborrecem. Mas faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e
guardam os meus mandamentos” (Êxodo 20.5,6).
Lutero explica que “Deus ameaça castigar todos os que transgridem esses
mandamentos; por isso devemos temer a sua ira e não transgredi-los. Mas ele
promete graça e todo o bem a quantos o guardam. Por isso também devemos
amar a ele, confiar nele e de boa vontade agir de acordo com os seus mandamen-
tos.
Através da Lei, os filhos e as filhas de Deus têm diante de si as grandes
possibilidades para viver e amar a Deus e ao próximo. Nesse sentido, as Confis-
sões Luteranas distinguem três usos da Lei, quais sejam: Freio, que concorre para
a manutenção da boa ordem no mundo. Espelho, que ensina as pessoas a reconhe-
cerem seus pecados. Norma, que mostra ao convertido, ao regenerado, quais são
realmente as boas obras que agradam a Deus e servem ao próximo.
Lutero, no Catecismo Maior, na Conclusão dos Dez Mandamentos, afirma
o seguinte: “Temos, pois, os Dez Mandamentos, modelo de doutrina para o que
devemos fazer, a fim de que toda nossa vida agrade a Deus, e a verdadeira fonte
e canal de que deve manar e por que deve fluir tudo quanto quer ser boa obra.
Fora dos Dez Mandamentos, por conseguinte, nenhuma obra e conduta pode ser
boa e agradável a Deus, por grande e preciosa que seja aos olhos do mundo”.

52
IGREJA LUTERANA
3. PROPOSTA HOMILÉTICA
A MARAVILHOSA BÊNÇÃO REVELADA NA CONCLUSÃO DOS
MANDAMENTOS:
A Lei não justifica, no entanto,
- “ O justo viverá pela fé” e, por isso,
- o cristão, com alegria e gratidão, tem os Dez Mandamentos como modelo
e norma para uma vida agradável a Deus e fonte e canal de boas obras.

Norberto Ernesto Heine

53
ARTIGOS

CRIAÇÃO
Gênesis 1.26,27
(Mateus19.1-6; Efésios 2.1-10)

1. TEXTO
O verbo principal no v. 26 é hf[n, “façamos”. É o jussivo no plural. É
o primeiro e único momento no Antigo Testamento em que este verbo é emprega-
do na primeira pessoa do plural em relação a Deus. As interpretações, evidente-
mente, são variadas e muita tinta e papel se gastou para se buscar um consenso. O
pastor não precisa, do púlpito, expor à congregação as várias tendências
interpretativas de ontem e hoje, mas pode chamar brevemente a atenção para al-
gumas com o objetivo de desmitificá-las visto que várias são adotadas com o
pretexto de que são apoiadas na Escritura. Algumas afirmam que esse plural é um
resquício do paganismo em cujo contexto vivia o autor (não Moisés!) de Gênesis.
Nessa visão vários deuses consultam entre si. Em primeiro lugar, os deuses, no
texto bíblico, nunca são agentes de uma ação e portanto jamais podem criar ou
fazer algo. Além disso, o texto mostra que tudo o que vem após é tratado numa
perspectiva monoteísta. Outros, mais positivos, dizem que Deus é o rei cercado
pela sua corte, que são os anjos. O problema com essa interpretação é que em
nenhum momento Deus busca conselho com anjos para tomar medidas em rela-
ção à Sua criação. Ademais, em nenhum momento, embora alguns assim o crei-
am, seres humanos são criados à imagem de anjos. Portanto, a única interpretação
possível é a trinitária. Pela analogia bíblica, quem cria o ser humano é a própria
Trindade. A forma verbal demonstra que há um ato volitivo em Deus ao criar o ser
humano. Não há uma ordem (“haja!”), mas sim uma vontade (“façamos”). Deus
cria em Cristo. É o que a epístola para hoje (Ef 2.1-10) indica: “Pois somos feitura
dele, criados em Cristo Jesus para boas obras” (v.10).
Os termos “imagem-semelhança” são sinônimos. No v. 27 só aparece “ima-
gem”, envolvendo “imagem-semelhança”. O termo “imagem” tem a ver com re-
presentação, presença. O rei reina pela sua imagem. Ela implica autoridade. O ser
humano foi criado como “vice-rei”. O ser humano tem a presença de Deus, está
em comunhão com o Criador. Esta comunhão posteriormente se perde e o ser
humano se afasta de Deus. Perdendo-se a imagem, perde-se tudo o que ela repre-

54
IGREJA LUTERANA
senta e a desordem se estabelece, seja no sentido vertical especialmente (com o
Criador) e no sentido horizontal (com as demais criaturas). Os cristãos são “pre-
destinados a viver conforme a imagem” de Cristo (Rm 8.29) e um dia serão seme-
lhantes a ele (1Jo 3.2).
O versículo 27 do capítulo 1 é, do ponto de vista lingüístico, um primor. Na
língua original o v. se apresenta como um “trístico de culminância”, ou seja, ele é
formado por três linhas, cada uma delas composta de quatro elementos. Há um
ritmo, uma cadência, uma música neste versículo. O ser humano é uma criatura
especial de Deus, única. Três vezes aparece a palavra “criar” aqui. Há uma ênfase,
de novo, na criação volitiva de Deus. O ser humano não é um apêndice à criação
e nem mesmo uma parte periférica dela. Deus cria homem e mulher com dignida-
de e com amor. São os seres nucleares da criação divina.
Os termos “macho e fêmea” só aparecem ao se falar da criação do ser hu-
mano, não dos animais. É um elemento novo no texto. Os termos antecipam a
importância das relações humanas. A relação Eu – Tu só existe entre os seres
humanos. De maneira específica, “macho e fêmea” enfatiza especialmente a rela-
ção no casamento entre o homem e a mulher. Os termos estão relacionados, sim, à
sexualidade e ao próprio sexo. A relação homem-mulher é o amor ao máximo. O
casamento é uma instituição divina e faz parte do sexto dia da criação. O ser
humano não vive para si, mas na relação com o seu semelhante. Helmut Thielicke
afirma com razão que apenas a pessoa que ama e que não pensa em si mesma é
que, na verdade, encontra a si mesma; e, ao contrário, uma pessoa que só busca a
si mesma e está centrada em si, fica completamente desorientada e confusa na
vida (How the World Began: Man in the First Chapters of the Bible, pp. 90-101).
Jesus afirma no evangelho de hoje (Mt19.1-6): “o Criador, desde o princípio, os
fez homem e mulher... Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. Deus
une as suas criaturas. Deus é Criador e Deus é Pai.
Lutero é bem explícito: “Creio que Deus me criou a mim e a todas as cria-
turas”. Nesta explicação do Primeiro Artigo Lutero estabelece a distinção clara
entre o Criador e a criatura bem como a relação entre ambos, ou seja, a relação de
dependência desta para com Aquele. No Catecismo Menor isto de torna ainda
mais evidente com o uso que Lutero faz da partícula inclusiva “tudo”. Nada me-
nos que nove vezes no Primeiro Artigo ele enfatiza que Deus nos deu “todas as
criaturas”, “todos os membros”, “todos os sentidos”, “todos os bens”, “todo o
necessário”, protege-me contra “todos os perigos” e contra “todo o mal”. E “tudo
isso” faz unicamente por sua bondade e misericórdia. E conclui o Primeiro Artigo
afirmando que “por tudo isso devo dar-lhe graças e louvor, servi-lo e obedecer-
lhe” (Cm II, 1-2).
Para a Igreja Cristã no mundo, como também para Lutero, o Deus Criador
não é outro que não o Deus que também é Pai. “Creio em Deus Pai todo-podero-

55
ARTIGOS
so, Criador do céu e da terra”. No Catecismo Maior, Lutero expande este conceito
de Deus Criador-Deus Pai. Ele pergunta: “Que espécie de ser é Deus? que faz ele?
como se pode louvá-lo ou representá-lo ou descrevê-lo, de modo que seja conhe-
cido?” Lutero mesmo responde, dizendo “É o que ensina este [Primeiro] Artigo e
os seguintes”. Lutero deduz que o “Credo outra coisa não é senão resposta e con-
fissão dos cristãos fundamentadas no primeiro mandamento”. Por essa razão, para
Lutero a confissão sobre quem é o meu Deus pode vir da boca de uma criança:
“Meu filho, que espécie de Deus tens tu? que sabes a respeito dele?” deveria
poder responder: “Eis o meu Deus: em primeiro lugar, o Pai, que fez o céu e a
terra. Fora desse único Deus, a nada considero como Deus, porque outro não há
que pudesse criar céus e terra” (CM I, 10-11).

2. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
1. Ao elaborar este estudo, deparo-me com artigo publicado numa revista
semanal que acaba de ser publicada. O título diz: “Viagem ao coração
do cometa”. O objetivo da “viagem” é fazer com que a cápsula Impactor,
que está em rota de colisão com o cometa Tempel 1 a ca. de 431 milhões
de quilômetros da terra, atinja o “coração” deste cometa pelo mês de
julho, causando no seu núcleo uma explosão equivalente a 4,5 toneladas
de dinamite. Segundo a revista, os cientistas acreditam que a explosão,
que será filmada à distância, revelará resíduos da criação do sistema
solar que “seriam preciosos para conhecer as substâncias que deram
origem a todos os corpos celestes”. Esta é uma maneira quem tem o ser
humano natural de procurar saber a origem das coisas. Para saber algo
mais sobre a criação e sobre si mesmo, o homem estabelece como ins-
trumento a descriação. Sem perguntar sobre as possíveis conseqüências
desse seu ato, o ser humano brinca de Deus.
2. A Escritura mostra a origem de todas as coisas e de forma especial a do
ser humano. A criação não é um acaso. As criaturas são fruto do amor e
da misericórdia de Deus. Somos, como seres humanos, resultado da ação
volitiva de Deus na qual ele se envolve inteiramente nas pessoas da
Trindade.
3. Como criaturas singulares de Deus, fomos feitos à Sua imagem, em per-
feita justiça e santidade. A comunhão com Deus faz parte da nossa cria-
ção. Por egoísmo, buscamos a descriação. O afastamento que provoca-
mos de Deus compromete inteiramente a imagem, comunhão e presen-
ça de Deus em nós. A situação só se restaura quando o Criador, por
misericórdia, se torna também Redentor. Pelo batismo, fomos abençoa-
dos com esta restauração já, enquanto aguardamos a “regeneração” (Lc
19.28) – momento em que seremos semelhantes a Ele.

56
IGREJA LUTERANA
4. Enquanto esperamos a restauração final de todas as coisas criadas, vive-
mos neste mundo em comunhão com as criaturas de Deus. Isto implica
tanto uma comunhão ecológica como antropológica. Mas ela se estabe-
lece especialmente nas relações humanas e sobretudo nas relações ma-
trimoniais. É no exercício das relações humanas que se espelha a ima-
gem de Deus restaurada no batismo. É na convivência pacífica e amoro-
sa com as demais criaturas de Deus que se evidencia o amor de Deus
para conosco em que Ele não olha para si mesmo, mas para aqueles que,
por terem perdido a Sua imagem, andam à busca dEle e da razão das
coisas que Ele criou.
5. À pergunta: “Meu filho, que espécie de Deus tens tu? que sabes a respei-
to dele?” podemos responder com Lutero no Catecismo Maior: “Eis o
meu Deus: em primeiro lugar, o Pai, que fez o céu e a terra. Fora desse
único Deus, a nada considero como Deus, porque outro não há que pu-
desse criar céus e terra”.

Tema: Creio que Deus Pai me criou a mim e a todas as criaturas.

Acir Raymann

57
PROVIDÊNCIA
Mateus 6. 25-34
(Gênesis 1. 26-30; 1 Timóteo 6.6-10)

“. . .e ainda os conserva; além disso me dá comida e bebida,


vestes, calçados, casa e lar, esposa e filhos, campos, gados e
todos os bens. Supre-me abundante e diariamente de todo o
necessário para o corpo e a vida” (LC, Cm, 2, 370)

1. O CUIDADO PELA VIDA


Talvez haja uma seqüência lógica unindo essas palavras de Jesus ao que
vinha sendo dito anteriormente. Senão, vejamos. No capítulo 6 o alvo parece ser
a piedade aparente cultivada na preocupação de ser reconhecido como piedoso
por todos. É a ânsia de sempre buscar aprovação pessoal aos próprios olhos e dos
demais. Jesus denuncia isso como ganância por recompensa humana. O foco
então muda deste culto enganoso e de recompensa enganosa que se confunde ao
culto a Deus para outro tipo de recompensa que o ser humano procura. E deixa
indicativos para uma outra maneira de ver a vida, apontando uma recompensa que
está fora do ser humano, algo totalmente inesperado para a experiência humana.
Quando Jesus opõe “olhos simples”(aplous) a “olhos maus” (ponerós, não
defeito visual – kakós - mas uma doença) e opondo o corpo ao interior humano,
Jesus parece repetir o que em outros momentos também enfatizou: a verdadeira
vida se confunde com simplicidade, uma só coisa, os pequeninos. Para satisfazer
as necessidades físicas, a satisfação pessoal da gratificação diante dessa vida, o
ser humano perde a simplicidade, perde o foco e se desdobra em muitas buscas e
anseios carregados de insegurança e ansiedade, ou seja, um olhar doentio, fora de
foco, sobre a vida como um todo. Então o v. 24 dá o cabeçalho radical para uma
das palavras mais memoráveis de Jesus: “Não podeis servir a Deus e ao Mamon”.
A verdadeira vida é de uma simplicidade absurda, parece ser a manchete
que Jesus tenta deixar para que os olhos vejam. Mas, que olhos?
O que realmente vemos diante de nós naquilo que Jesus descreve a seguir?
(vv. 25-34). Olhai, diz Jesus. Vocês vêem a vida como eu a vejo daqui? O que é a

58
IGREJA LUTERANA
vida? Em função do que vivemos? Nossos olhos procuram ver o quê? Qual o
valor da nossa existência, da vida que pulsa em nós? O que dá satisfação ao
viver? Como se mede a vida para dizer que valeu a pena ter vivido? Olhai os
lírios, olhai as aves, o que vêem?
Merimnáo, ter cuidado de, não é necessariamente um problema. Ter cui-
dado por algo, preocupar-se com algo pertence à vida. Deus cuida dos seus. O
apóstolo Paulo envia Timóteo aos Filipenses porque “a ninguém tenho de igual
sentimento que, sinceramente cuide dos vossos interesses” (2.20). Mas também
diz aos filipenses: “Não andeis ansiosos de coisa alguma” (4.6).
Nesse discurso registrado em Mateus, Jesus emprega a palavra seis vezes
(25, 27, 28, 31, 34 (2 vezes) e sempre com o sentido de que merimnáo precisa de
orientação e foco definido. Este foco é indicado no v. 34: “Não tenham cuidado
do amanhã (merimnêsete eis ten auríon) ... porque o amanhã cuidará de si pró-
prio (aúrion merimnêsei eautês)”. Talvez para que vejamos que só podemos real-
mente carregar a carga do hoje, porque a carga do amanhã já está distribuída.
Carregar a carga de dois dias é demais para o ser humano.
De uma observação aparentemente simples e corriqueira, Jesus des-oculta
o grande mistério da relação de Deus com a sua criatura, feita de cuidado e aten-
ção. O requinte do belo nas flores e a abundância da despensa que os pássaros
desfrutam revelam a presença e o cuidado extremamente amoroso do Criador e
mantenedor. Pode haver dúvida sobre a imensidão do cuidado de que desfruta a
criatura? Vocês vêem esse cuidado? Onde? De que maneira Deus cuidou de ti ao
longo de tua vida? Consegues percebê-lo?
Revelando isso, Jesus busca apagar a insegurança e a desconfiança com
que mesmo aqueles a quem Deus abriu os olhos pela fé ainda, por causa da sua
natureza ainda em pecado, tendem a tratar a si próprios e o mundo ao seu redor.
Tudo lhe pertence para que a seu tempo e hora recebam da generosidade do
Criador. Por isso, merimnáoo - ter cuidado de pessoas e de coisas é também
participar positivamente do Reino de Deus. Olhar para o mundo e as pessoas
próximas e distantes como objetos do cuidado de um filho de Deus parece ser o
pedido de Jesus. A justiça de Deus não exclui flores e pássaros. Usar para bene-
fício próprio as coisas que estão à disposição é participar do Reino. Os pássaros
e as flores à sua maneira própria cuidam de tal maneira de si próprios que essa
maneira de cuidarem faz com que os olhos de quem os observa vejam além
deles e reconheçam aquele que cuida deles. O que fazem? Cuidam do que po-
dem e devem cuidar. O restante, aguardam lindos e alegres pelo que Deus tem
reservado.
Essa é a grande revelação de Jesus que não está explícita, mas que a fé é
chamada a perceber. A justiça de Deus é esta justiça generosa e amorosa que dá a
todos indistintamente como também prescreve a cada um a quantidade e os pra-

59
ARTIGOS
zos. As suas promessas não são palavras ao vento. A sua palavra efetua o que
pronuncia. “Não valeis vós muito mais?” Então, porque a ansiedade?
Somente esse olhar em Deus pode fortalecer o filho de Deus a combater a
insegurança, que gera ansiedade, o cuidado (ponerós) doentio, que resulta em
ganância, cobiça, torpezas, amor ao dinheiro (1Tm 6), raiz de todos os males.
Objetivo: Despertar e fortalecer nos ouvintes uma forma positiva de ver e
valorizar sua vida neste mundo, como oportunidade de fazer da vida um ato de
louvor a Deus cujo amor por nós mais se manifestou na segunda criação ao os
resgatar em Cristo pelo batismo.

Tema: Aprendendo a cuidar da nossa vida


1. Não com a ansiedade de quem tem os olhos doentes
2. Mas, com a tranqüilidade e a paz que a fé descortina.
3. Portanto, pela visão de Deus, cuidemos da vida hoje.

Paulo P. Weirich

60
IGREJA LUTERANA

O CUIDADE DE DEUS
Mateus 5.43-48
(Êxodo 33.12-23; 1 Pedro 1.3-9)

1. LEITURAS BÍBLICAS
Êx 33.12-23: “A minha presença irá contigo e eu te darei descanso”.
1 Pe 1.3-9: “Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a
salvação preparada para revelar-se no último tempo”.
Mt 5.43-48: “Deus faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas
sobre justos e injustos.”
(Salmo sugerido: 121)

2. CONTEXTO
Estamos no meio do Sermão do Monte. Uma linha-mestra neste sermão
aponta para o relacionamento do ser humano com Deus; a outra costura o relacio-
namento do ser humano com o seu semelhante. O amor ao próximo é reflexo do
amor de Deus e é uma forma concreta de mostrar ao mundo que é filho de Deus.
A fé se manifesta nas obras e nas atitudes de vida. Não se pode desassociar a vida
espiritual da vida material e vice-versa. O modelo temos no próprio Deus: ele não
se preocupa só com a nossa alma, mas também com o nosso corpo. Ele não cuida
apenas daqueles que já são seus filhos, mas “faz nascer o seu sol sobre bons e
maus e vir chuvas sobre justos e injustos”.
“E que tens tu que não tenhas recebido?” 1 Co 4-7. O que recebemos de
Deus é para ser repartido com todos, tanto o seu amor em Cristo como as dádivas
terrenas. O cuidado que Deus tem por nós nos move a ter cuidado com o nosso
semelhante.

3. TEXTO E APLICAÇÕES HOMILÉTICAS


V. 43: A primeira parte do v. é citação de Lv 19.18; a segunda parte é acrés-
cimo dos rabinos. Todos os que não eram do “povo de Deus = ju-

61
ARTIGOS
deus” eram considerados inimigos. O amor ao próximo era reserva-
do apenas aos do próprio povo.
Este texto faz uma conclusão geral a respeito do “amor ao próximo” na
seqüência do que foi dito sobre o Quinto Mandamento (Mt 5.21-26), o Sexto
Mandamento (Mt 5.27-32), o Segundo e o Oitavo Mandamentos (Mt 5.33-37),
sobre a “lei do talião” (Mt 5.38-42). Jesus repete semelhante conclusão quando
resume todos os mandamentos da Segunda Tábua no “amarás o teu próximo como
a ti mesmo” (Mt 22.39).
V. 44: Alguns manuscritos acrescentam: “bendizei o que vos maldizem,
fazei o bem aos que vos odeiam”. Temos aqui justamente o contrário
da “lei do talião” que é instigada pela nossa velha natureza:

amar – os inimigos;
bendizer – os que maldizem;
fazer o bem – aos que odeiam;
orar – pelos que nos perseguem.

“Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de
beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te
deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12.20-21).
Quando temos por lema “CRISTO PARA TODOS” estas e outras catego-
rias de pessoas também estão indicadas em todos. A motivação para esta atitude
contrária à natureza humana vem no verso seguinte.
V. 45: “Para que vos torneis” – parece uma condição para entrarmos na
família de Deus, como se nossa filiação dependesse disso. Mas Jesus
está falando para o povo de Deus. O filho reproduz as características
do Pai. A nova natureza criada por Deus não pode agir de maneira
contrária à vontade do Pai; se age, está pecando.
Este texto, concluindo com o v. 48, mostra o quanto somos fracos e pecado-
res. Dependemos inteiramente da graça de Deus em Cristo, do cuidado e da provi-
dência de nosso Pai celeste. Em arrependimento sincero, devemos buscar junto a
ele a força e as condições para vivermos como filhos dele.
“porque ele faz ... “. Aqui está o parâmetro: porque o coração de Deus está
cheio de amor por todas as suas criaturas; porque ele quer salvar a todos, porque
ele cuida também materialmente de todos - nós, seus filhos, não podemos agir de
maneira diferente. Deus nos amou quando ainda éramos inimigos (Rm 5.10). Deus
continua cuidando de todos. Estamos no tempo da graça antes da segunda vinda

62
IGREJA LUTERANA
de Cristo, e todo o bem que Deus nos dá deve ser reconhecido como ação de
graças e como sinal do seu cuidado e da sua presença entre nós.
Explicação do 1º Artigo/Catecismo Menor: “Creio que Deus ... Supre-me
abundante e diariamente de todo o necessário para o corpo e a vida; protege-me
contra todos os perigos e me guarda e me preserva de todo o mal. E tudo isso faz
unicamente por sua paterna e divina bondade e misericórdia, sem nenhum mérito
ou dignidade da minha parte” (Livro de Concórdia, p. 370).
Explicação do 1º Artigo/Catecismo Maior: “Creio que sou criatura de Deus,
isto é, que ele ... põe todas as criaturas a serviço de nosso proveito e das necessi-
dades de nossa vida: o sol, a lua, e as estrelas no céu, o dia e a noite, o ar, o fogo,
a água, a terra e tudo quanto ela carrega e pode produzir: aves, peixes, animais,
cereais e toda a sorte de plantas, e os restantes bens corporais e temporais: bom
governo, paz, segurança. De sorte que se deve aprender por esse artigo que ne-
nhum de nós tem em si mesmo a vida, nem coisa alguma do que acabamos de
enumerar e do que pode ser enumerado, e também que não está em nosso poder
conservar qualquer dessas coisas, por pequena e insignificante que seja, pois tudo
está compreendido na palavra ‘Criador’.
“Confessamos, além disso, que Deus Pai não deu apenas tudo o que possu-
ímos e temos diante dos olhos, mas ainda nos preserva e defende, diariamente, de
todo o mal e infortúnio, e desvia toda sorte de perigos e desastres. E tudo isso
unicamente por amor e bondade, imerecidos por nós, como Pai amoroso, que
cuida de nós, para que nenhum dano nos sobrevenha.
“Por essa razão devemos exercitar-nos diariamente neste artigo, no-lo in-
cutir, e, em tudo o que se nos apresenta diante dos olhos e no que de bom nos
sucede, bem como nos casos em que saímos de necessidades e perigos, cumpre
nos lembremos que é Deus quem nos dá e faz tudo isso, a fim de sentirmos e
vermos nisso seu coração paterno e seu imenso amor para conosco. Isto aquece-
ria o coração e o estimularia a ser grato e a fazer uso de todos esses bens para
honra e louvor de Deus” (Livro de Concórdia, p. 448 e 449, § 14-17, 23).
Vv. 46,47: O referencial do cristão está justamente em não agir apenas con-
forme a média de toda a humanidade, mas acima da média. O
referencial de Deus é ele mesmo e sua perfeição (v. 48) e neste dife-
rencial testemunhamos que somos filhos de Deus!
V. 48: Como filhos de Deus, nada menos do que o ideal mais alto deve nos
satisfazer. Buscamos por ele, mas reconhecemos nossas fraquezas e
incapacidades. Somos obrigados a reconhecer a graça de Deus em
Cristo, que nos torna perfeitos pelo perdão e nos capacita a amar o
próximo como Deus quer, sendo agentes dele inclusive no cuidado
com o próximo.

63
ARTIGOS
4. PROPOSTA HOMILÉTICA
Tema: O Pai que cuida dos seus filhos (como?)
Objetivo: Destacar o cuidado material e espiritual de Deus, a nosso favor,
diretamente pela natureza e indiretamente por nosso intermédio, para que cresça-
mos na confiança dele e no serviço ao nosso próximo.

Moléstia:
- A pretensa auto-suficiência humana;
- O não reconhecimento das bênçãos;
- “Porque, se o crêssemos de coração, também agiríamos de acordo, e não
andaríamos por aí tão orgulhosos, não nos mostraríamos desafiantes e
não nos ufanaríamos, como se tivéssemos de nós mesmos a vida, a ri-
queza, o poder, a honra, etc., de sorte que se tivesse de temer e servir a
nós. É assim que procede o infeliz e pervertido mundo, que está afogado
em sua cegueira e mal-usa todos os bens e dons de Deus unicamente
para a sua soberba, avareza, prazer e diversão, sem atentar uma vez
sequer em Deus, para agradecer-lhe e reconhecê-lo como Senhor e Cri-
ador” (Livro de Concórdia, p. 449, § 21).

Meio:
O Espírito Santo abre os nossos olhos pela fé para reconhecermos Deus
como nosso Pai gracioso em Cristo Jesus. Dele recebemos toda a boa dádiva e ele
tem cuidado de nós.

Introdução:
Moisés não quer seguir sozinho, sem a presença e o cuidado de Deus (Êx
33.15). Toda a peregrinação do povo de Israel é um testemunho forte do Deus que
cuida de seu povo!
I – Deus cuida diretamente : pelas leis da natureza
- V. 45; 4º prece do Pai Nosso;
- O não reconhecimento deste cuidado divino é pecado;
- Deus nos guarda pelo seu poder para a salvação (1 Pe 1.5).

64
IGREJA LUTERANA
II – Deus cuida indiretamente: por nosso intermédio
- V. 43a
- O amor ao próximo é reflexo do amor de Deus;
- O maior amor: deu seu Filho! E “não usará com ele todas as coisas?” (Rm
8.32)
- Pelo amor ao próximo (serviço social) Deus cumpre seu plano de cuidado
dos menos favorecidos;
- Somos os meios de Deus para levar alívio aos necessitados.

Conclusão:
O amor e o cuidado de Deus por nós aquecem o nosso coração em amor
para o nosso semelhante (Livro de Concórdia, p. 449, § 23).

Ilustração que pode ser usada com esta mensagem:


Uma pequena localidade foi atingida por uma enchente. Enquanto as águas
subiam, os moradores fugiam para lugares mais altos. Um morador começou a
subir no telhado da sua casa e os demais insistiam para que ele fugisse para as
terras mais altas. Mas ele disse que não iria, pois confiava em Deus que iria ajudá-
lo. Acomodado sobre o telhado da casa enquanto as águas subiam, passou um
barquinho que recolhia os flagelados. Ele negou a carona do barco, dizendo: Eu
confio em Deus e sei que Deus vai me ajudar. As águas subiram ainda mais e
passou um helicóptero tentando resgatar os últimos flagelados. Ele recusou nova-
mente a ajuda do helicóptero dizendo que confiava em Deus, que iria ajudá-lo. As
águas subiram e o homem morreu afogado. Quando chegou no céu reclamou de
Deus que o tinha desamparado e não tinha ajudado. Deus lhe respondeu: Você
recebeu o convite dos vizinhos para fugir para as terras mais altas. Fui eu que o
estava convidando e você não aceitou. Eu levei um barquinho para salvá-lo e você
recusou. Mandei um helicóptero para salvá-lo e você recusou também. Moral da
história: Deus nos ajuda através das mãos dos nossos semelhantes.

Carlos Walter Winterle

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AGRADECER
2 Coríntios 9.6-15
(1 Crônicas 23.28-31; Lucas 17.11-19)

1. CONTEXTO
O texto encontra-se dentro do capítulo sobre ofertas para auxílio aos cris-
tãos pobres da Judéia. Não se trata apenas de uma descrição histórica de um ato de
generosidade, porém revela o que seriam aquelas ofertas e, por isso, com que
espírito deveriam ser estendidas aos necessitados.
Embora os coríntios já estivessem dispostos a ajudar desde o ano anterior,
conforme informação contida no versículo 2, mesmo assim o apóstolo Paulo aborda
o assunto. Envia Tito com mais dois companheiros à Acaia para preparar a oferta
e, especialmente, para que ela viesse a confirmar o bom testemunho dado pelo
apóstolo e seus companheiros a respeito dos coríntios. As ofertas levantadas deve-
riam ser expressões de generosidade e não de avareza (v.5). Aqui está a chave
para trabalhar bem com o texto da perícope, que se estende do versículo 6 até o
15. Ofertas generosas e não avarentas existem dentro de um cenário que nos leva
a perceber uma série de coisas importantíssimas no relacionamento de criatura
para com criatura e de criatura para com o Criador. Revelar o que existe nesse
cenário parece ser a intenção de Paulo no texto da perícope.

2. TEXTO
Vv. 6-9: Cuidado com o versículo 6 e os demais! Não os entendamos como
uma proposta de barganha com Deus, uma espécie de “toma lá, dá
cá”. Assim compreendidos, criarão motivação errada para ofertar. O
apóstolo quer mover os corações dos coríntios a ofertarem correta-
mente. O coração do qual brota a oferta não é triste por fazê-la nem
obrigado ou contrariado a atender a solicitação requerida. Pelo con-
trário, é alegre. A este Deus ama. Soa isso como lei? Sim, de fato,
assim apresentado e parando por aqui, é realmente lei. Mas a lei não
produz obras agradáveis a Deus. A lei não produz um coração alegre
e generoso. Terá o apóstolo percebido isso?

66
IGREJA LUTERANA
A resposta é positiva. Paulo parece mais preocupado com o coração dos
coríntios, com a disposição deles para a oferta, do que com a oferta em si, pois
esta seria resultado daquilo que está presente no coração.
O texto conduz-nos à resposta da seguinte pergunta: de onde brota a gene-
rosidade do cristão? É fruto de qual árvore? Pelo texto, ela brota do coração
agraciado pela generosidade de Deus. Paulo aponta para a generosidade divina no
versículo 8, dizendo: Deus pode fazer abundar toda a graça para vós (tradução
literal). O cristão vive debaixo desta certeza. Seu Deus é generoso, pode fazer
abundar toda a graça para ele. Da abundância da graça divina resultará suficiência
para o cristão abundar em toda boa obra. Ora, a oferta generosa e não avarenta é
uma boa obra. No versículo 9, Paulo cita o exemplo mencionado no Sl 112.9.
Vv. 10,11: Aqui é possível fazer a ponte para o Primeiro Artigo do Credo
Apostólico, pois há menção da ação de nosso Deus como Criador e
Conservador de nossa vida. Reconhecer isso leva a agradecer por
isso, algo que fazemos diariamente. No entanto, se Deus nos enri-
quece em tudo (v. 11), tal acontece para que se manifeste, de nossa
parte, toda a generosidade. A generosidade divina produz, portanto,
dois movimentos por parte daqueles que são contemplados por ela:
um é vertical, o agradecimento a Deus, o Doador de todas as graças;
o outro, horizontal, fazendo chegar ao próximo, especialmente aque-
le em necessidade, os resultados da generosidade divina para conosco.
Vv. 12-14: A generosidade dos coríntios, assim como de todos os cristãos,
produz ainda outros resultados magníficos. Não apenas estende au-
xílio aos necessitados, mas leva estes a orar. Na oração, primeira-
mente, agradecem e louvam a Deus porque foram assistidos por co-
rações generosos. Aqui está algo fabuloso: ações cristãs provocam
orações de louvor e agradecimento a Deus da parte de quem vem a
ser beneficiado por elas. Poucas alegrias assemelham-se a saber que
alguém poderá orar assim: Senhor, louvo-te e agradeço-te por aquilo
que me deste através do fulano(a), quando este(a) for um de nós!
Os contemplados pelos benefícios da generosidade cristã também oram a
favor daqueles em quem a graça divina produz boas obras abundantemente. Cria-
se, portanto, um vínculo de fraterna comunhão entre ofertantes e beneficiários das
ofertas. Enquanto estes desfrutam do que recebem, aqueles são lembrados nas
orações destes.
No final do versículo 14, o apóstolo torna a mencionar a origem de tudo. É
a superabundante graça de Deus. Para ela também aponta o Primeiro Artigo do
Credo Apostólico. Na explicação dele, escrita por Lutero, são nomeados exem-
plos da ação graciosa do Senhor Criador e Preservador.

67
ARTIGOS
V. 15: Graças a Deus pelo seu dom inefável (indescritível)! A perícope
conclui com ações de graças por parte do apóstolo. O dom indescritível
poderá ser o derramamento da superabundante graça sobre os seus
amados. Trata-se de algo tão extraordinário que não há palavras sufi-
cientes nem capazes de descrevê-lo. Movidos por tal graça, os cris-
tãos não semeiam pouco nem ceifam pouco. A semeadura acontece
lá onde eles têm oportunidade de agir como “pequenos Cristos” jun-
to às demais pessoas, ou seja, na família, na igreja, na sociedade.

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA
A mensagem sobre o Primeiro Artigo do Credo Apostólico concentra-se no
item agradecer. A perícope de 2 Co 9.6-15 está farta de elementos que propiciam
uma bela abordagem do agradecimento. Vejamos: 1) convida a agradecer a Deus
por causa de sua generosidade para conosco, pois há menção da superabundante
graça de Deus junto de suas criaturas; 2) convida a agradecer a Deus não apenas
com palavras, mas também com ações generosas a favor daqueles que podem ser
assistidos pelas riquezas que recebemos da graça divina. O Senhor também as
ama; 3) lembra-nos do que farão os que forem contemplados pela nossa generosi-
dade: agradecerão e louvarão ao Senhor e nos incluirão nas suas orações.
Os que agradecem e semeiam muito são os corações movidos pela graça!
Esta verdade o pregador não poderá jamais esquecer, a fim de anunciar, além da
lei que denuncia, o evangelho que traz a graça divina. O texto presta-se muito bem
para isso.

Paulo Moisés Nerbas

68
IGREJA LUTERANA

CRIAÇÃO
Mateus 1.18-23
(Salmo 100; Colossenses 1.15-20)

1. CONTEXTO HISTÓRICO
O povo judeu está sob o domínio do Império Romano e aguarda ardente-
mente o cumprimento das promessas de Deus: o envio do Messias, o Libertador.
A esperança de um libertador da tirania romana é frustrada e, em lugar desta, Deus
traz mediante o Emanuel libertação e salvação plenas, não somente ao povo de
Israel, mas a toda a humanidade.

2. TEXTO
Vv. 18-20: Destaca-se a palavra mnesteuteíses, traduzida por
“compromissada”, “noiva” ou “prometida em casamento”. No ma-
trimônio, entre o povo de Israel da época, havia três passos: a) Em
primeiro lugar estava o compromisso firmado pelos pais quando os
interessados ainda eram apenas crianças. Muitas vezes os futuros
cônjuges sequer se conheciam; b) Em segundo lugar estava um com-
promisso mais sério, o noivado, firmado um ano antes da data do
casamento. Até essa data (do noivado) a mulher ainda teria o direito
de romper o pacto firmado entre os pais, caso ela não estivesse dis-
posta a levá-lo adiante. O noivado era visto com a mesma seriedade
que o matrimônio e só podia ser rompido mediante pedido de divór-
cio. No entanto, o casal não poderia ainda usufruir de todos os direi-
tos do matrimônio, especialmente não poderia manter relações sexu-
ais. Traição (por parte da mulher) era punida com o apedrejamento.
Eis porque José, “sendo justo”, quis assumir ele mesmo a culpa da
gravidez de Maria, fugindo e deixando-a viver; c) A terceira etapa
era o matrimônio propriamente dito, no qual o casal poderia usar de
todos os direitos de marido e mulher.
Destacamos a seguir as palavras euréte em gastri éxousa ek pneúmatos
agíou, traduzida por: “foi encontrada em (o) ventre de (o) Espírito Santo”, “achou-

69
ARTIGOS
se grávida pelo Espírito Santo” ou “ficou grávida pelo Espírito Santo”. a) Segun-
do a concepção do povo de Israel, o Espírito Santo era a pessoa que trazia a verda-
de de Deus aos homens; comunicava aos profetas o que estes deviam dizer aos
homens acerca da vontade de Deus. Segundo esta concepção, Jesus é a pessoa que
traz a verdade de Deus aos homens, melhor ainda, ele é a própria verdade vinda da
parte de Deus. Não apenas alude à verdade, mas ele mesmo é a verdade, pois ele
mesmo disse: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9); b) Na concepção do povo
de Deus, o Espírito Santo não apenas traz a verdade de Deus aos homens, senão
que também os capacita a reconhecer a verdade. Sendo assim, aquele que foi
gerado pelo Espírito Santo é também aquele que abre os olhos das pessoas para a
verdade. c) O povo de Deus também sempre relacionou o Espírito santo com a
obra da criação. Mediante o Espírito Santo Deus efetuou a sua obra criadora: “O
Espírito pairava por sobre as águas”. Portanto, não deveria causar assombro aos
que aceitam que o Espírito Santo participou ativamente da criação do universo o
fato de ter ele gerado milagrosamente essa nova vida no ventre de Maria; d) O
Espírito santo também é relacionado com a obra da re-criação, referindo-se ao seu
poder na ressurreição dos mortos. Ele é o sopro da vida e, ao que estava morto
(física e espiritualmente), restitui-lhe a vida.
V. 21: Neste versículo destacamos: kaì kaléseis to ònoma autoû Iesóun,
autos gàr swsei tòn laòn autoû, traduzido por: “e chamará o nome
dele Jesus; ele pois salvará o povo dele” ou “e você porá nele o nome
de Jesus, pois ele salvará o seu povo”. Jesus é a forma grega do nome
hebreu Josué, que significa: “IHWH é a salvação”. Muito tempo an-
tes o salmista havia ouvido Deus dizer: “E ele remirá Israel de todos
os seus pecados” (Sl 130.8). O que foi dito pelo anjo a José é que o
menino que estava para nascer seria o Salvador, o Messias, o Cristo
prometido através dos profetas e, ao mesmo tempo, seu nome indica
não apenas o caráter da sua obra, mas a essência de sua pessoa: DEUS
é a Salvação.
Vv. 22-25: Aqui destacam-se as palavras Emmanouél, ó estin
metemeneuómenon met’ emwn o Teós: “Emanuel, o que é sendo tra-
duzido: conosco Deus” ou “Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)”.
Jesus afirmou: “Quem me vê a mim, vê o Pai” – nele vemos o amor,
a compaixão, a misericórdia, a vontade redentora e a pureza de Deus
tal como em nenhum outro lugar do mundo. Com a vinda dele ces-
sam as tentativas de respostas que dão lugar à certeza. Antes da vin-
da de Jesus não se sabia realmente o que era a bondade, a verdadeira
humanidade e a verdadeira obediência à vontade de Deus. Isso tudo
só foi possível porque o homem Jesus é, ao mesmo tempo, o Deus-
Conosco, Emanuel.

70
IGREJA LUTERANA
3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
Sugerimos aqui alguns tópicos que podem ser explorados: a) Jesus Cristo é
o cumprimento das profecias; b) Seu nascimento é sobrenatural (pelo Espírito
Santo) e não corrompido pelo pecado; c) Seu nome aponta não somente para a sua
obra (Salvador), mas também para a essência do seu ser (é Deus); d) É Deus-
Conosco, e não contra nós.
Ainda, para dar ênfase à divindade de Jesus Cristo, destacamos alguns textos.
e) Do Catecismo Maior: “Aqui aprendemos a conhecer a segunda pessoa da Divin-
dade ... Jesus Cristo, nosso Senhor”. “Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Filho de
Deus, tornou-se meu Senhor”. “... o Evangelho todo que pregamos repousa sobre a
compreensão acertada deste artigo, do qual depende toda a nossa salvação e bem-
aventurança, e é tão rico e abrangente, que nunca o aprenderemos de todo” (Catecis-
mo Maior, in: Livro de Concórdia, p. 450-451). f) Do Catecismo Menor: “Creio que
Jesus Cristo, verdadeiro Deus, nascido do Pai desde a eternidade, e também verda-
deiro homem, nascido da Virgem Maria, é meu Senhor ... para que eu lhe pertença e
viva submisso a ele, em seu reino, e o sirva em eterna justiça, inocência e bem-
aventurança, assim como ele ressuscitou da morte, vive e reina eternamente” (Cate-
cismo Menor, in: Livro de Concórdia, p. 471). g) Seria oportuno, ainda, verificar o
conteúdo da segunda parte do Credo Niceno e também o Credo Atanasiano.

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES


Tema: QUEM É JESUS?
Partes: I – É o cumprimento das profecias (v.22);
II – É o gerado do Espírito Santo (v.20);
III – É o Salvador do seu povo (v.21);
VI – É Deus-Conosco (v. 23).

5. BIBLIOGRAFIA
BARCLAY, William. Mateo I. Buenos Aires: La Aurora, 1983.
KOEHLER, E. Sumário da Doutrina Cristã. Porto Alegre: Concórdia, 2002.
LIVRO DE CONCÓRDIA (Arnaldo Schüler, trad.). Porto Alegre / São
Leopoldo: Concórdia / Sinodal, 1980.
NESTLE, Eberhard. Sprachlicher Schlüssel zum Griechischen Neuen
Testament. Basel: Brunnen-Verlag, 1952.
SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear. Barueri: Sociedade Bíbli-
ca do Brasil, 2004.
Paulo Gerhard Pietzsch

71
HUMANIDADE DE CRISTO
Lucas 3.23-38
(Gênesis 3. 14,15; Hebreus 2.10)

1. CONTEXTO
Há nos Evangelhos duas versões de genealogias de Jesus (Mt 1.1-17; Lc
3.23-38). Sem entrar nos detalhes da comparação entre ambas, e tendo a genealogia
em Lucas como referência, é possível observar algumas peculiaridades desta em
relação àquela em Mateus. Diferentemente de Mateus, a genealogia de Lucas é
ascendente (do último para o primeiro). Além disso, ela chega até Adão (quando
Mateus inicia em Abraão) e menciona Deus ao final da lista. Lucas organiza sua
lista em dez grupos de sete nomes; Mateus tem três grupos de catorze gerações.
Este pode ser um recurso de auxílio para a memorização (lembrando a natureza
oral da comunicação no contexto do povo judeu), mas levanta também a possibi-
lidade de uma organização tendo em vista um interesse teológico (escatológico),
muitas vezes evocado pelo uso de certos números (cf. Apocalipse).
Um dos detalhes chamativos é o contexto em que a genealogia é trazida em
cada um dos Evangelhos. Mateus a traz imediatamente antes da narrativa do nas-
cimento de Jesus. Lucas a apresenta bem mais adiante, quando relata o início do
ministério de Cristo. Este fato traz consigo conotações teológicas importantes.
Em Lucas a genealogia está entre o batismo e a tentação de Jesus, dois marcos no
início do seu ministério messiânico. Há quem sugira que com isto o evangelista
quisesse ressaltar o aspecto messiânico na genealogia, ao relatar os nomes dos
antecedentes de Jesus, na linha que vem da criação – e da primeira promessa – até
ele. Por outro lado, sendo que o batismo de Jesus traz consigo uma declaração
direta de Deus apontando para a divindade de Jesus, a genealogia, assim como a
tentação, podem estar aí enfatizando a Sua verdadeira humanidade.

2. TEXTO
Não é possível entrar aqui nos muitos detalhes (nomes) da genealogia. Im-
portante é lembrar que as genealogias antigas não pretendiam ser completas, mas

72
IGREJA LUTERANA
eram normalmente seletivas. Basta notar que a lista de Lucas encontra muita se-
melhança com aquelas em Gn 5.1-32; 11.10-26 e 1 Cr 1.1-24, trazendo, no entan-
to, trinta e seis outros nomes que são desconhecidos nas listas do Antigo Testa-
mento. Da mesma forma, comparando-se os nomes com a lista de Mateus, há
diversas diferenças. Uma das explicações encontradas é que Mateus teria forneci-
do a lista de ascendentes “legais” de Jesus (seria a genealogia de José, legalmente
o pai de Jesus) e que Lucas estaria trazendo a genealogia de Jesus, conforme
Maria. Neste caso, a expressão “como se cuidava, filho de José” seria parentética
e Heli seria, na verdade, pai (ou avô) de Maria. O fato é que as diferenças nos
nomes alertam o leitor para perceber que o foco das genealogias é outro, que não
apenas um relato histórico do nome de antepassados de Jesus.
Lucas, ao mencionar Deus ao final parece enfatizar o que havia sido dito
em 3.22. Outro aspecto a observar é a menção de pessoas antes de Abraão. Se
Mateus enfatizava a filiação de Jesus a Davi e Abraão (1.1), enfatizava sua raiz
verdadeiramente em Israel. Lucas, ao chegar a Adão, parece mostrar a solidarie-
dade de Jesus com a raça humana. Ele não veio, afinal, apenas para redimir Israel,
mas a humanidade. Além disso, com o eco de Paulo (Rm 5.12ss; 1 Co 15.45-49),
Lucas parece mostrar Jesus como o novo Adão, aquele que vem restaurar
escatologicamente a natureza caída junto com o pecado humano.
“Trinta anos” – a informação de Lucas combina com o relato de Nm 4.47,
que mostra que os levitas iniciavam seu serviço nesta idade; esta era a idade em
que o homem era considerado plenamente adulto. A verdadeira humanidade de
Jesus pode ser aqui enfocada. Para o eterno Filho de Deus o tempo não traz ne-
nhuma alteração. Agora, como verdadeiro homem, se coloca debaixo do tempo,
adquire idade, inclusive submetendo-se a iniciar seu ministério terreno apenas
quando atingida aquela idade reconhecida como necessária pelos de sua época.
“Como se cuidava” – ??????????????? os enomízeto (lit.: como era
pensado, como se cria) – de maneira singela, Lucas lembra ao leitor o que já havia
informado, da geração de Jesus sem o envolvimento de homem algum (1.34,35).
Lutero enfatiza, no Catecismo Maior, a necessidade de Jesus ser verdadei-
ramente humano a fim de realizar a obra da redenção (CM 2ª parte 31). Na sua
identificação com a raça humana, Jesus se tornou o Substituto para cada pessoa,
carregando sobre Si os pecados de todos, trazendo verdadeira salvação (cf. Hb
2.10-18).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
Textos como os das genealogias podem parecer, à primeira vista, um tanto
áridos se tomados como base para a pregação. No entanto, podem ser – como este
de Lucas – muito apropriados para proclamar verdades importantes da fé. Ressal-
tamos aqui a verdadeira humanidade de Jesus e sua solidariedade com a humani-

73
ARTIGOS
dade. Ele, que se colocou junto com o povo pecador, na fila do batismo, como se
pecador fosse (Lc 3.21), agora se apresenta como um dentre a humanidade. Sendo
verdadeiramente humano, ele pode salvar aqueles que, pelo pecado, careciam da
glória de serem filhos de Deus. Na sua verdadeira humanidade há um anúncio
concreto do amor de Deus, que excede todo o entendimento.
O pregador também poderá mostrar, à base da genealogia, o caráter
escatológico da obra messiânica de Jesus, como “filho de Adão” ou, nas palavras
de Paulo, o “novo Adão”. Pelo primeiro veio o pecado; por meio de Jesus, verda-
deiro homem, vem a restauração, já antecipada no perdão dos pecados e trazida
aos homens no Batismo; e que será plena na sua volta gloriosa.

4. SUGESTÃO DE TEMA
Jesus - verdadeiro homem, para salvar a toda a humanidade

Gerson Luis Linden

74
IGREJA LUTERANA

SENHORIO DE CRISTO
1 Coríntios 12.1-3
(Daniel 3.19; João 20.24-29)

1. CONTEXTO LITÚRGICO
As leituras adicionais nos ajudam a entender a proposta homilética para
caracterizar a relação de Cristo com o seu “súdito” como um senhorio diferente
que o mundo propõe. Em Daniel 3.19, a relação senhor e súdito é a que se propõe
nas relações humanas: quem tem que obedecer, que o faça. Já em João 24.24-29,
a compreensão de Tomé do senhorio de Cristo se dá de forma anormal: bem-
aventurado Tomé que viu o que acontecerá com Jesus, mas Jesus amplia a sua
relação com o que crê, afirmando que bem-aventurado é aquele que for convenci-
do não pelos sentidos, mas espiritualmente, pela atuação do Espírito Santo.

2. TEXTO
Se quisermos descrever a relação de Paulo com os coríntios, certamente
não poderemos caracterizá-la como a melhor possível. Observando a argumenta-
ção de Paulo na Carta, podemos destacar sob o aspecto das relações problemas de
ordem teológica e moral: para com Deus e para com o próximo. A primeira parte
da carta (capítulos 1 a 11), Paulo “ataca” os problemas de relacionamento causa-
dos por incredulidade. As exortações éticas servem como modelo de comporta-
mento e serviço ao próximo. Na segunda parte (capítulos 12-15), Paulo sugere
uma vida com base na obra do Espírito Santo no cristão. É dentro desta intenção
que precisamos entender a argumentação dos vv. 1-3 de 1 Co 12.
Contrariamente ao servir produzido pelos “ídolos mudos”, aqueles criados
pelo homem e inanimados que conduziram os coríntios aos impulsos e paixão
humanas, Paulo afirma que a identidade do cristão é obra de Deus Espírito Santo.
Se por um lado ninguém pode ter fé sem o obrar do Espírito Santo, que convence
o ser humano da necessidade de Cristo, por outro lado a relação humana não pode
ser frutífera se o egoísmo dominar.

75
ARTIGOS
3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
Quando Paulo sugere aos Filipenses (2.5ss.) que a relação de irmão para
com irmão tem em Cristo como exemplo, ele descreve a obra vicária de Jesus em
nosso lugar. A primeira reflexão homilética que faço é se de fato podemos enten-
der e praticar nosso amor mútuo na mesma proporção e amplitude que Cristo o fez
por nós. Certamente que não. Lutero nos sugere isso ao caracterizar a obra de
Cristo: visto que repousa toda a nossa pregação sobre o que Cristo fez (evange-
lho), nunca o aprenderemos de todo (CM, 33). O exemplo então não é tanto um
exemplo, mas um parâmetro inatingível: o amor de Deus jamais será igualado. O
tema do Senhorio de Cristo, foco central do Segundo Artigo do Credo, é a mostra
do amor sobrenatural proporcionado por Deus através da obra de Cristo em nosso
lugar. Por isso, Lutero pode afirmar que nosso Senhor Jesus Cristo tornou-se nos-
so Senhor porque “ele me redimiu do pecado, do diabo, da morte e de toda desgra-
ça. Pois antes não tinha senhor nem rei, senão que estava cativo sob o poder do
diabo, condenado à morte, enredado em pecado e cegueira” (CM,27) e mais: o
“Filho único e eterno de Deus, em sua insondável bondade, se compadeceu de
nossa calamidade e miséria, e veio do céu a fim de socorrer-nos” (CM,29). Em
suma, diz Lutero, a “a palavrinha ‘Senhor’ significa tanto como Redentor, isto é,
aquele que nos trouxe do diabo a Deus, da morte à vida, do pecado à justiça, e que
nisto nos conserva” (CM,31). Agora, a terceira reflexão homilética: porque amar-
mos se já fomos o suficientemente amados? Essa reflexão nos remete ao Primeiro
Mandamento, no qual identificamos quem é nosso Deus e como esse Deus nos
desafia. Nós não entendemos Deus só no Segundo Artigo, mas também no Pri-
meiro e Terceiro. Agora estamos nos aproximando da proposta de Paulo aos
Coríntios: nossa identidade cristã passa pelo reconhecimento da identidade de
Deus.

4. SUGESTÃO DE TEMA - PROPOSTA HOMILÉTICA


O amor de Deus nos constrange:

1. porque Cristo nos amou


2. porque Deus nos mostra como amar
3. porque podemos amar também

Clóvis Jair Prunzel

76
IGREJA LUTERANA

REDENÇÃO
Hebreus 9.11-15
(Deuteronômio 15.12-15; Lucas 2.25-38)

“Creio que Jesus Cristo ... me remiu a mim ... me resgatou e salvou de todos
os pecados, da morte e do poder do diabo; não com ouro ou prata, mas com seu
santo e precioso sangue ...”
O Segundo Artigo do Credo Cristão é “muito rico e amplo”, como o próprio
Lutero reconhece na abertura de sua breve exposição do mesmo, no Catecismo
Maior. E ao concluir tal exposição, Lutero afirma que este artigo, do qual depen-
de toda a nossa salvação e bem-aventurança, é tão rico e abrangente, “que nunca
o aprenderemos de todo”, ou, então, numa tradução bem literal, “que sempre te-
mos o bastante para aprender a respeito dele” [Catecismo Maior, 2ª parte: Do
Credo (2º artigo), § 33].
A exposição de Lutero destaca uma dimensão da obra de Cristo que, embo-
ra bíblica, nem sempre se faz presente em nossas pregações, a saber, a obra de
Cristo como redenção. Aliás, nossa pregação da obra de Cristo tende a ser estere-
otipada, naquilo que um teórico da pregação comparou a um botão imaginário que
o pregador aciona em determinado momento e que traz uma gravação já bem
conhecida: “Mas Jesus morreu na cruz para pagar os nossos pecados, etc.” Para
muitos ouvintes, e até mesmo pregadores, falar em redenção, expiação, salvação,
perdão, “é tudo a mesma coisa”. Mas não é.
Lutero vê o ser humano como alguém que estava “cativo sob o poder do
diabo” (Catecismo Maior, 2ª parte: Do Credo, § 27) a quem o Filho de Deus,
vindo do céu, veio socorrer. “De sorte que aqueles tiranos e carcereiros estão
afugentados, e seu lugar foi ocupado por Jesus Cristo”. Ele “nos arrancou a nós
homens pobres e perdidos das fauces do inferno, nos conquistou, libertou e nos
trouxe de volta à clemência e graça do Pai ” (§ 29-30). Não há como não perceber
o destaque dado ao tema do Christus Victor, ou seja, o Cristo que nos arranca do
poder do diabo, e não tanto o Cristo vítima, que aplaca a ira de Deus em nosso
lugar. A obra de Cristo foi uma operação de resgate, e não apenas um sacrifício.

77
ARTIGOS
Lutero toma a palavra “SENHOR” como resumo do Segundo Artigo. Diz
assim: “A suma desse artigo é, pois, que a palavrinha ‘Senhor’, da maneira mais
singela, significa tanto como Redentor, isto é, aquele que nos trouxe do diabo a
Deus, da morte à vida, do pecado à justiça, e que nisto nos conserva” (§ 31). Em
outras palavras: Senhor resume o Segundo Artigo, e Senhor é o equivalente a
Redentor. Isto nos traz ao tema “redenção”.
Redenção é um termo aplicado ao processo através do qual alguém ou al-
guma coisa é salva do perigo ou da destruição através do pagamento de um preço.
No mundo do Novo Testamento, isso acontecia especialmente no caso de escra-
vos e prisioneiros. O termo grego que mais vezes aparece no Novo Testamento é
apolýtrosis, num total de dez vezes. Lýtrosis, que também significa “redenção”,
aparece só três vezes (Lc 1.68; 2.38; Hb 9.12), o mesmo ocorrendo com o verbo
lytróo, “redimir” ou “remir” (Lc 24.21; Tt 2.14; 1Pe 1.18). No entanto, há outras
formas de expressar o mesmo conceito. Termos como livrar ou soltar (Lc 13.16),
comprar (1Co 6.20), libertar (Jo 8.36) fazem parte do mesmo campo semântico.
Em Hb 9.11-15, o tema da redenção aparece no v.12 (“eterna redenção”)
e no v.15 (“remissão das transgressões”). No v.12, o termo é lýtrosis; no v.15,
apolýtrosis. O preço pago em resgate é o sangue de Cristo (v.12), o sumo sacerdo-
te que entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, e obteve eterna redenção.
Convém notar que aqui ocorre uma espécie de fusão de metáforas: a linguagem do
resgate (“pelo seu sangue ele obteve redenção”, v.12) aparece em meio à imagem
de um sacrifício (“Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus para purificar a nossa
consciência”, v.14). A imagem sacrificial é tão forte que tende a ofuscar a presen-
ça da linguagem do resgate. O resultado disso é uma compreensão errônea da
expressão “remissão das transgressões” (ARA), que ocorre no v.15. A primeira
impressão é de que a linguagem é sacrificial, ou seja, que Cristo expiou as trans-
gressões, foi castigado por causa das transgressões. No entanto, o termo grego é
apolýtrosis (“redenção”). A expressão completa é “eis apolýtrosin ton ...
parabáseon” (“para redenção das ... transgressões”). Como pode alguém ser res-
gatado de suas transgressões? Em parte isso depende da compreensão da locução
genitiva “das transgressões”. O Dr. Robertson (Word Pictures of the New Testament)
sugere que se tome o genitivo como um ablativo, no sentido de afastamento. Isto
se justifica mais ainda pela conexão com o termo “resgate”. Sendo assim, a morte
de Cristo resgatou aquela gente de suas transgressões, isto é, afastou ou tirou-as
para fora das transgressões. A NTLH diz bem, ao traduzir: “houve uma morte que
livrou (!) as pessoas dos pecados que praticaram”.
Claro, o texto de Hb 9.11-15 é bem mais rico do que a exposição acima dá
a entender. Ensina que Cristo é o sumo sacerdote e a vítima sacrificial ao mesmo
tempo. Ensina indiretamente a santidade do Mediador da nova aliança, que se
ofereceu sem mácula a Deus. Estabelece também, nos vv.13-14, uma relação
tipológica entre a primeira aliança e a nova aliança, com destaque para o “muito
78
IGREJA LUTERANA
mais” da nova aliança (v.14). Abre também uma janela que deixa ver o propósito
de toda essa obra de Cristo, e que lembra o “para que eu lhe pertença e viva
submisso a ele, em seu reino, e o sirva” da explicação de Lutero no Catecismo
Menor. O texto de Hebreus diz: “para servirmos ao Deus vivo”. E antes que se
tire conclusões precipitadas, é bom verificar que o termo grego para “servir” é
latréuo. Literalmente, “para rendermos culto ao Deus vivo”. O autor aos Hebreus
não abre mão de sua metáfora fundamental, que é de natureza cúltica.
Também os demais textos escolhidos para esse domingo trazem o tema da
redenção. Dt 15.15 diz: “Lembrar-te-ás de que foste servo na terra do Egito e de
que o SENHOR, teu Deus, te remiu”. Lc 2.25 relata que Simeão “esperava a
consolação de Israel”, ao passo que Ana “dava graças a Deus e falava a respeito
do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém”.
Em termos homiléticos, o pregador tem o grande privilégio de, com Hb
9.11-15, apresentar a obra de Cristo na cruz como uma operação-resgate, que é
também a ênfase de Lutero na explicação do Segundo Artigo do Credo. O ponto
de partida pode ser a pergunta básica: “Quem sabe o que significa exatamente a
palavra ‘redenção’?” Ou, então, “qual a diferença entre ‘perdão’ e ‘redenção’?”
Ao fazê-lo, o pregador fugirá do lugar comum de sempre anunciar o evangelho
como se fosse aquele “sambinha de uma nota só”. A Escritura é rica em metáforas
que pintam o quadro verbal da obra da redenção. Aliás, há, na Escritura, maior
riqueza de imagens para anunciar o evangelho do que para anunciar a lei. O
pregador que souber explorar essa riqueza trará frescor à sua mensagem e irá
enriquecer, para não dizer “remir”, os seus ouvintes.

Vilson Scholz

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PERDIDO E CONDENADO
2 Samuel 7.18-24
(Colossenses 1.1-14; Lucas 24.13-27)

1. CONTEXTO
Construir um templo para a Arca de Deus, sobre o qual se invocava
o nome do SENHOR (2 Sm 6.2), parece ter sido o grande sonho do rei
Davi (At 7.46; 2 Sm 7.2). O Salmo 132.1-5, expressa um pouco desse
anseio.
Ao consultar o profeta Natã sobre o assunto, Davi recebeu a aprovação
imediata (2 Sm 7.3). Só que esta não foi a vontade do SENHOR. O SENHOR dos
Exércitos negou ao rei guerreiro (1 Cr 22.8; 28.3; 2 Sm 7.5,11b) o privilégio desse
empreendimento. Havia um outro projeto para Davi: Natã lhe comunicou que
Deus lhe prometeu a construção de uma dinastia de reis, cujo domínio continuava
para sempre. Salomão, que construiria o templo, é um deles. Mas a palavra profé-
tica do SENHOR estava indo até “aquele” Filho de Davi (Mt 1.1), que se identifi-
cava como a “raiz e a geração de Davi (Ap 22.16; Lc 1.32-35). Foi esta profecia
feita a Davi que o encorajou a fazer uma oração de agradecimento e cujo conteúdo
é 2 Sm 7.18-24.

2. TEXTO
Sentado diante da Arca, Davi expressa numa oração o que a profecia ouvi-
da gerou em seu coração: louvor e gratidão. Foi uma afirmação de que o homem
faz planos, mas a resposta certa vem dos lábios do SENHOR (Pv 16.1); foi um
louvor à grandeza de Deus, às suas promessas e seus planos. Foi uma lembrança
da disposição graciosa do SENHOR Deus em confirmar suas promessas de liber-
tação (Êx 6.6), sublinhando o fato de que Israel é povo resgatado e único, propri-
edade exclusiva e especial dentre todos os povos (Êx 19.5). A base para essa ação
amorosa de Deus consiste unicamente no seu incondicional amor por esse povo
(Dt 7.6-8).

80
IGREJA LUTERANA
V. 23: O verbo central nesse versículo é redimir hdP4 Ele expressa tanto a
idéia de libertação mediante o pagamento de um resgate, bem como
a incapacidade do libertado efetuar sua própria salvação. Parece que
a reflexão possível aqui é que o SENHOR Deus se apresentou ao
povo de Israel no Egito, como o amigo e parente mais próximo, dis-
posto a livrá-lo de sua opressão e escravidão (Dt 24.18; Sl 78.42; Mq
6.4). Davi lembra isto em sua oração como a obra magna de Deus.
Israel foi redimido das forças físicas e espirituais estranhas. É inte-
ressante observar que essa idéia de libertação também se aplica a
situações individuais. Davi reconhece que o SENHOR o libertou de
angústias (1 Rs 1.29); os Salmos falam da ação de Deus em liberta-
ção de perigos (Sl 26.11; 31.5; 34.22); o profeta Isaías interpretou
como resgate o chamado feito a Abraão (Is 29.22); Jônatas foi resga-
tado das mãos de Saul (1 Sm 14.45), e ainda, no salmo 49.8-9, está
expressa a insuficiência humana para ser resgatado do maior perigo
ou dificuldade, da morte. Baseado nisso, é possível crer que a ampli-
tude da ação divina em resgatar abrange todas as esferas da vida do
ser humano e que nada foge aos olhos do Redentor.

3. CONTEXTO
COLOSSENSES 1.1-14
Pelos versículos iniciais da carta aos Colossenses, já é possível perceber
que havia muitas razões para agradecer. Epafras tinha boas notícias para o apósto-
lo Paulo. A Igreja de Colossos estava firme na fé e no amor. O evangelho de Cristo
cresceu, multiplicou e produziu neles a verdadeira esperança e compreensão da
graça de Deus (Cl 1.1-8). Tudo isto foi razão suficiente para Paulo orar e pedir
para que em tudo isso houvesse progresso e não retrocesso, e que o conhecimento
de Deus aumente, que se progrida nas boas ações, na paciência e na gratidão a
Deus (Cl 1.9-12).
Porém, nem tudo ia bem na igreja de Colossos. Havia também problemas e
a pureza do evangelho de Cristo ameaçada. Pode ser até complicado detectar o
que Epafras havia diagnosticado de errado naquela igreja. Todavia, há alguns ele-
mentos que permitem descobrir a enfermidade. Havia dois perigos: afastar-se da
verdadeira fé e esperança (1.23) e serem enganados (2.4). Esses enganos podem
ter tido três versões: Paulo fala em filosofias e vãs sutilezas, apoio na sabedoria
humana (2.8); problemas com cerimoniais do Antigo Testamento (2.11, 16-17;

4
Um outro termo proeminente no Antigo Testamento e que expressa essa mesma idéia é laG. Ambos são sinônimos (Lv 27.27).
A LXX usa lutro, w 45 vezes para laG e 43 para hdP. Esses verbos são usados em questões familiares (Lv 25.25),
escravidão (Lv 25.48), cúlticas (Êx 13.11-16) e assassinatos (Nm 35.12). Seu uso também está vinculado ao resgate de Israel
do Egito (Dt 15.15), bem como situações complicadas específicas e individuais (2 Sm 4.9).

81
ARTIGOS
3.11) e ascetismo (2.21, 23). A partir disso, pode-se entender que o evangelho de
Cristo estava sendo pervertido, sendo acrescentados elementos suplementares à
sua obra redentora e de reconciliação.
Vv.13,14: Paulo usa um tom de louvor para reafirmar aos colossenses a
suficiência da obra de Cristo e reconduzi-los à verdade. O resgate do
poder das trevas foi pago totalmente, nada ficou para trás, nada pre-
cisa ser acrescentado (Ef 1.7) e a libertação consumada. Não há pon-
tes paralelas, nem suplementares para preencher o vazio escuro entre
o ser humano e Deus. A escuridão foi vencida e convertida em luz, a
autoridade ou poderes estranhos deram lugar ao reino do Filho de
Deus (At 26.18). Os filhos resgatados transferidos para dentro do
reino da graça e do amor. Em Cristo a obra foi completa. Ele é o
Senhor. Nele está a libertação de poderes inimigos e o cancelamento
dos pecados.

LUCAS 24.13-27
O alvo do evangelista nesse texto parece ser a apresentação de mais provas
para a ressurreição de Cristo: aqui foi sua segunda aparição. O ponto alto deste
texto foi a incapacidade de dois discípulos reconhecerem a Cristo como o Messi-
as. Eles viam nele um profeta poderoso em obras e palavras (v.19), mas que frus-
trou suas esperanças de redenção de Israel da opressão romana. A crucificação e a
morte do seu “profeta” foi a rocha que bateu de frente com suas esperanças e
expectativas. O que fica saliente nesse episódio é a verdade da ressurreição de
Cristo e o entendimento adequado das profecias do Antigo Testamento: Cristo
veio para redimir, ele é Redentor prometido, mas cuja libertação não é política (Lc
24.44-47).

4. LUTERO E O SEGUNDO ARTIGO


Para Lutero, o Segundo Artigo compreendido de maneira breve é: “Creio
em Deus Filho, que me redimiu” (Livro de Concórdia, p.447.7). E o fundamento
está nas palavras: “Em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Op. cit., p.450.26).
Jesus Cristo “tornou-se Senhor”, o que significa remissão do pecado, do
diabo, da morte e de toda desgraça. Sem o Senhor Jesus Cristo há escravidão,
sentença de condenação, pecado, culpa e trevas. Com ele há auxílio, consolo,
socorro, liberdade, amparo, proteção, declaração de inocência, vida e bem-
aventurança.
Nesse artigo, “Senhor e Redentor” são sinônimos. Cristo executou o resga-
te com toda sua obra salvífica, para tornar-se o Senhor. Senhor sobre o pecado,
morte, poderes estranhos e diabo. Lutero ainda afirma que o “evangelho todo que
pregamos repousa sobre a compreensão acertada desse artigo, do qual depende

82
IGREJA LUTERANA
toda nossa salvação e bem-aventurança, e é tão rico e abrangente, que nunca apren-
deremos de todo” (Op. cit., p.451.33).

5. CONSIDERAÇÕES HOMILÉTICAS
Por um lado, Lutero percebe tamanha complexidade e profundidade nesse
artigo, que seria interessante desenvolver sermões extensos, pregados ao longo do
ano, sobre cada uma das partes: o nascimento, a paixão, a ressurreição, a ascensão
de Cristo, etc. (op. cit., p.451.32). Por outro lado, ele também aponta para a com-
preensão e ensino breve e simples, baseado na redenção efetuada por Cristo (op.
cit., p.450.26).
A tentativa deste estudo foi concentrar as reflexões em alguns versículos
selecionados e conduzi-los mais especificamente ao tema sugerido: de perdido e
condenado, nas mais variadas situações, a filho resgatado em Cristo.
Num tempo em que a oferta por paz, sentido, libertação da culpa e esperan-
ça está dirigida ao próprio indivíduo, parece pertinente apresentar a redenção
ofertada por Deus através de Jesus Cristo.
Por um lado, é interessante prestar atenção no fato de que pode haver, às
vezes, uma certa resistência em se falar de pecado ou inferno, de perdição ou
condenação, até minimizando a força desses inimigos. Por outro lado, é preciso
cuidar para que não seja apresentada a idéia de que são apenas estes os inimigos
estranhos dos quais Cristo nos liberta.
Por isso, o objetivo desse sermão poderia ser focalizado na apresentação da
bondade de Deus, que se apresenta em Cristo como o irmão ou parente mais pró-
ximo, para nos resgatar de angústias (2 Sm 4.9), de perigos (Salmo 44.26), do
pecado (Ef 1.7; Rm 3.24-24), do medo da morte (Hb 2.14-15) e de todo e qualquer
poder estranho (Cl 2.15). Nele e só nele, está a nossa suficiência.

Anselmo Ernesto Graff

83
CRISTO NOS RESGATOU
Marcos 10.35-45
(Números 18.15-17; 1 Pedro 1.13-19)

1. CONTEXTO ECLESIÁSTICO
O Conselho Luterano Internacional (ILC) julgou próprio considerar 2005
como o “Ano das Confissões Luteranas” (2005 – 1529 = 476 anos dos Catecis-
mos; 2005 – 1530 = 475 anos Confissão de Augsburgo; 2005 – 1580 = 425 anos
da edição do Livro de Concórdia).
As Confissões Luteranas são de grande importância para a igreja, mas
não são iguais às Sagradas Escrituras. Os teólogos do Século XVI fazem a
clara e correta diferença entre ambas, conforme mostra a Fórmula de Concór-
dia: “Dessa maneira se retém a distinção entre a Sagrada Escritura do Antigo
e do Testamento e todos os demais escritos, ficando a Escritura Sagrada como
único juiz, regra e norma (...). Os demais Symbola, todavia, e os outros escri-
tos citados, não são juízes como o é a Escritura Sagrada, porém apenas teste-
munho e exposição da fé, que mostram como em cada tempo a Escritura Sa-
grada foi entendida e explicada na igreja de Deus”... (Livro de Concórdia –
LC – p. 499-501).
Lutero valoriza os Catecismos (Menor e Maior) e os considera “como a
bíblia dos leigos” (Lc, p.500). No Prefácio do Catecismo Maior, Lutero faz
esta interessante afirmação: “Eu também sou doutor e pregador [...], não
obstante, tenho de continuar diariamente a ler e estudar, e ainda assim não me
saio como quisera, e devo permanecer criança e aluno do Catecismo” (LC, p.
388).
A “Igreja Luterana” publicará, neste ano, uma série de estudos sobre as
“partes principais da doutrina cristã” dos Catecismos. O presente estudo é uma
reflexão sobre parte da explicação que Lutero faz do 2º Artigo do Credo Cristão:
Cristo me resgatou!

84
IGREJA LUTERANA
2. TEXTO
Da explicação que Lutero faz do 2º Artigo do Credo, destacamos as pala-
vras que apresentam o sumário do Artigo da Redenção: “Creio que Jesus Cristo ...
me remiu ... me resgatou e me salvou...
Esta doutrina da obra da salvação de Cristo, exposta no Catecismo, tem
ampla fundamentação bíblica. Como amostragem, conferir os seguintes textos:
Mc 10.35-45; 1 Pe 1.13-19; Nm 18. 15-17; 1 Co 6. 20; 1 Co 7. 23; At 20.28; Gl
3.13; 4.5; Mt 13.44; 14.15; Ap 5.9. São textos que falam sobre: remissão, compra,
resgate, redenção, libertação, salvação, preço de sangue. Obs: Para efetiva com-
preensão e proveito deste estudo, é preciso examinar estas passagens bíblicas.
O Projeto da Salvação dos “homens perdidos e condenados”, elaborado por
Deus e consumado através e em Jesus Cristo, é o fundamento, o centro e a meta
primordial da mensagem da igreja cristã. Para descrever o Processo da Salvação
que o Salvador Jesus executou, a Escritura emprega diversos termos que, muito
interligados entre si, revelam detalhes especiais e ênfases peculiares – especial-
mente nos verbetes da língua original do NT.
Destacamos, aqui, os seguintes termos: salvar, remir, redimir, comprar, resga-
tar, livrar – salvação, redenção, compra, resgate, liberdade. São ações salvíficas
que envolvem sacrifícios, pagamentos e preços de altos valores.
Como o pecado nos transformou em “homens perdidos e condenados”, Je-
sus Cristo veio para nos resgatar do pecado, da morte, do poder do diabo, do
inferno e nos ofertar a salvação eterna.
Jesus Cristo nos salvou, nos redimiu, nos libertou, nos comprou e resgatou
por alto preço – “não mediante coisas corruptíveis, como ouro e prata, mas pelo
seu precioso sangue”. Jesus pagou o valor que o próprio Deus estipulou para a
liberdade e salvação: O seu santo e precioso sangue, derramado no Calvário!
Jesus é nosso Senhor, e nós somos propriedades de Jesus.
O Salvador Jesus Cristo que nos remiu, libertou, comprou, resgatou e sal-
vou é “digno de receber o poder, o louvor, a honra, a sabedoria, a riqueza, a força
e a glória pelos séculos dos séculos”.

3. DISPOSIÇÃO
Introdução
Fazer referência a um dos crimes atuais no Brasil: a história de um seqües-
tro e pagamento de resgate.
Relacionar a história da humanidade “seqüestrada” pelo pecado, e o preço
do resgate pago por Cristo: o seu sangue!

85
ARTIGOS
Vincular este ensino à explicação que Lutero faz do 2º Artigo do Credo
Cristão: Cristo me remiu, salvou e me resgatou!

TEMA
CRISTO NOS RESGATOU

I. Porque o pecado nos transformou em pessoas “perdidas e condenadas”.


II. Do pecado, do poder do diabo, do inferno e da morte eterna.
III. Pagando o alto preço do resgate – o seu sangue.
IV. Para que “eu lhe pertença e viva submisso a ele...”

CONCLUSÃO
Em reconhecimento e gratidão, “servi-lo em eterna justiça”, proclamar este
evangelho aos outros, e glorificar o nome de nosso Deus e Salvador enquanto
vivermos.

Leopoldo Heimann

86
IGREJA LUTERANA

CONTRA O PODER DO MAL


Lucas 4.31-41
(Salmo 74.1-12; Apocalipse 5.1-10)

1. CONTEXTO
O salmista Asafe clama ansioso: “Lembra-te (ó Deus) da tua congregação,
que adquiriste desde a antigüidade, que remiste para ser a tribo da tua herança;
lembra-te do monte Sião, no qual tens habitado. Dirige os teus passos para as
perpétuas ruínas, tudo quanto de mal tem feito o inimigo no santuário. Até quan-
do, ó Deus, o adversário nos afrontará? Acaso blasfemará o inimigo incessan-
temente o teu nome?” (Salmo 74.2,3,10).
O apóstolo João registra no Apocalipse cânticos maravilhosos, proclaman-
do a vitória do Cordeiro sobre todos inimigos: “Vi e ouvi uma voz de muitos anjos
ao redor do trono ... proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi
morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e
louvor” (Apocalipse 5.11,12).
A cura de um endemoninhado em Cafarnaum, a cura da sogra de Pedro e
muitas outras curas que constituem o evangelho em consideração, parecem regis-
trar, a princípio, que o mal será vencedor. Porém, não o é. Jesus, nosso Salvador e
Senhor, o Cordeiro de Deus, é que vence com todo poder e autoridade divinas.

2. TEXTO
Vv. 31-34: “E desceu a Cafarnaum ... Achava-se na sinagoga um homem
possesso ... e bradou em alta voz: ... Bem sei quem és: o Santo de
Deus”. O demônio fazia o homem possesso sofrer, física, mental,
psicológica e espiritualmente. Parece que não era violento. De outra
forma, o homem não poderia estar participando do encontro na sina-
goga. O diabo conhece o Senhor (Jesus), sabe de onde ele vem
(Nazareno), sabe estar diante do verdadeiro Filho de Deus. E o diabo
teme ser destruído.

87
ARTIGOS
V. 35: “Mas Jesus o repreendeu, dizendo: Cala-te e sai deste homem. O
demônio, depois de o ter lançado por terra no meio de todos, saiu
dele sem lhe fazer mal”. Jesus não queria proclamação ou confissão
a seu respeito da parte de “espíritos de demônios imundos”. As pes-
soas deveriam aprender a conhecê-lo através da pregação do Evan-
gelho. O demônio obedece, tenta ainda maltratar o homem, mas não
consegue fazer-lhe mal.
Vv. 36,37: “Todos ficaram grandemente admirados ... com autoridade e
poder ... ordena ... e eles saem. E sua fama corria”. As pessoas
estavam estupefatas pelo que viram e ouviram. Era uma coisa intei-
ramente nova nas suas experiências. O milagre era a prova de que
Jesus era de fato o Santo de Deus que viera, entre outros, para livrar
as pessoas do mal, da escravidão de Satanás e para destruir suas obras.
Vv. 38-41: “Deixando ele a sinagoga, foi para a casa de Simão. Ora, a
sogra de Simão estava enferma, com febre muito alta ... (Jesus) re-
preendeu a febre, e esta a deixou ... Ao pôr-do-sol, todos os que ti-
nham enfermos ... traziam; e ele os curava ... Também de muitos
saíam demônios ... pois sabiam ser ele o Cristo”. A cura da sogra de
Pedro foi imediata e completa. E, apesar de isso nem sempre aconte-
cer, a gratidão se manifestou em seguida, na forma de serviço
(diaconia). Jesus tinha compaixão das pessoas e lhes dizia, em suma,
através de suas palavras e atitudes: Vocês são pecadores. Eu sou o
Salvador dos pecadores.
Lutero sintetiza todo esse assunto de forma maravilhosa no seu Catecismo
Maior, quando escreve: “Porque, depois que havíamos sido criados e tínhamos
recebido toda sorte de bens de Deus Pai, veio o diabo e nos levou à desobediên-
cia, ao pecado, à morte e a toda desgraça, de forma que jazíamos debaixo da ira
e do desagrado de Deus, sentenciados à condenação eterna, ... até que este Filho
único e eterno de Deus... se compadeceu de nossa calamidade e miséria, e veio do
céu a fim de socorrer-nos. De sorte que aqueles tiranos e carcereiros estão afu-
gentados e seu lugar foi ocupado por Jesus Cristo ... e nos arrancou ... das fauces
do inferno ... e nos trouxe de volta à clemência e graça do Pai ... para governar-
nos com sua justiça, sabedoria, poder, vida e bem-aventurança”.

PROPOSTA HOMILÉTICA
Jesus é o vencedor contra o poder do mal
- porque é o “Santo de Deus”;
- porque tem “todo poder e autoridade no céu e na terra”;

88
IGREJA LUTERANA
- como filhas e filhos agradecidos, queremos “pertencer e viver submissos
a ele, em seu reino, e o servir em eterna justiça, inocência e bem-
aventurança ... Isso é certissimamente verdade” (Explicação do Segun-
do Artigo- Da Redenção / Catecismo Menor de Lutero).

Norberto Ernesto Heine

89
NOVA VIDA
Deuteronômio 26.16-19
(Apocalipse 1.1-8; Mateus 25. 31-40)

1. CONTEXTO
O contexto é importante para a compreensão de qualquer texto bíblico. Isso
é ainda mais verdadeiro com relação ao nosso texto. Só quando se determina seu
lugar no contexto global da revelação de Deus é que se poderá entendê-lo adequa-
damente.
Tudo o que Deus fez e disse no “Antigo Testamento” (ou: aliança) se desti-
nava a renovar uma relação harmoniosa com ele, culminando no “sangue da nova
aliança” registrada no “Novo Testamento”
A queda em pecado de Adão e Eva alienou a eles e seus descendentes de
Deus e os submeteu à morte. Deus logo proclamou seu plano para restaurar a
comunhão perdida (Gn 3.15). Mais tarde, Deus escolheu Abraão para ser o porta-
dor de suas bênçãos para todas as nações. A base para a reconciliação entre Deus
e os seres humanos foi colocada em termos de uma aliança (Gn 15.18; 17.7).
No monte Sinai, Deus deu mais um passo em direção ao alvo de seu plano
de salvação. Dentre todos os povos, ele escolheu Israel para ser o povo da sua
aliança (Êx 19.5). Esse povo seria seu instrumento para alcançar o objetivo de
reconciliar todas as pessoas através do Mediador da nova aliança.

2. TEXTO
No livro de Deuteronômio, Moisés reitera e expõe os termos básicos da
aliança feita no Sinai. Nosso texto, por isso, é redigido na terminologia própria a
uma aliança ou pacto. Renova-se o voto de Israel de que o Senhor é Deus e de que
eles o obedeceriam (Êx 19.8).
V. 18: “povo seu próprio” – A escolha de Israel para ser o povo de Deus não
se baseava em nenhum mérito ou dignidade do povo, mas apenas na

90
IGREJA LUTERANA
graça de Deus (7.6-16). Ser “povo de Deus” não implica nenhuma
servidão, mas reconhecimento do senhorio de Deus através do servi-
ço livre prestado a ele.
V. 19: “povo santo” – Por causa da aliança, Israel é um povo distinto de
todos os demais povos. Deus é santo: distinto e separado de todos e
tudo. Assim, seu povo também foi consagrado para uma tarefa única,
distinta daquela de qualquer outra nação. Israel compartilha da santi-
dade de Deus na medida em que se dedica a seus santos propósitos.
O povo de Deus da nova aliança é igualmente chamado para ser seu
“povo santo” (1 Pe 2.9; Ef. 1.4; Cl 1.21-23; 1 Pe 1.15; 2 Pe 3.11).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
1. Ao longo da história, surgiu uma gama de posições equivocadas sobre a
vida cristã que vai desde os defensores do ascetismo até aqueles que
acham que o cristão pode se entregar à libertinagem desenfreada. Entre
esses extremos, encontramos os proponentes da visão pietista; daqueles
que julgam que a fé se completa com a obediência; dos que pensam
poder atingir a perfeição nesta vida através de uma santificação progres-
siva; dos antinomistas; dos adeptos da teologia da prosperidade, etc. O
pregador, conhecedor da situação local, deverá diagnosticar qual visão
distorcida da vida cristã ameaça seus ouvintes e deverá oferecer o antí-
doto escriturístico para o caso específico. Se, por exemplo, seus ouvin-
tes vivem em segurança carnal, pensando que “certeza da salvação” equi-
vale a “licença para pecar,” o pastor poderá apontar para um texto como,
por exemplo, Romanos 6.1-23. Ou, caso a “teologia da prosperidade”
inquieta e perturba a mente dos cristãos, o pregador poderá trazer à lem-
branças passagens como a de João 16.33 ou o Salmo 73.
2. Lutero re-descobriu na Escritura que a vida cristã não consiste em procu-
rar agradar a Deus por meio de obras e comportamentos inventados pe-
los homens. Pelo contrário, Deus mesmo já nos colocou em contextos e
situações onde ele espera nosso serviço fiel. Ou seja: Deus quer que o
sirvamos dentro de nossa vocação. Confira a Tábua dos deveres no Ca-
tecismo Menor.
3. É importante lembrar que “vida santa” pressupõe “ensino puro e claro”
da palavra de Deus (cf. a explicação de Lutero para a primeira petição
do Pai Nosso).
4. A santificação, embora distinta da justificação, não pode ser desvinculada
desta. Nunca pregamos “demais” ou “o suficiente” sobre a justificação
de modo que, dali por diante, só precisaríamos falar sobre a santificação.

91
ARTIGOS
Lembremo-nos: é a boa árvore que produz bons frutos, e não o inverso.
O cristão é capacitado a viver a vida cristã quando ele está na graça e
alimenta, constantemente, sua fé com os meios da graça.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA
Jesus me salvou. Para quê?
I. “Para que eu lhe pertença”;
Isto é, agora sou justo e inculpável aos olhos de Deus (2 Co 5.21; Ap 5.9).
II. Para que eu “viva submisso a ele, em seu reino”;
Isto é, que eu agora estou livre da escravidão do pecado e, portanto, livre
para servir a Deus (Rm 6.6; 2 Co 5.15; Cl 2.6; Tt 2.14)
III. Para que eu “o sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança”
Isto é, que eu honre a Deus com toda a minha vida e me alegre nele agora na
terra e para sempre no céu (Lc 1.69, 74-75; Gl 2.20).

FONTES:
ROEHRS, Walter R.; FRANZMANN, Martin H. Concórdia Self-Study
Commentary. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979.
LUTHER´S Small Catechism with explanation. St. Louis: Concordia
Publishing House, 1991.

Paulo W. Buss

92
IGREJA LUTERANA

PROTEÇÃO DE DEUS
Efésios 1.17-23
(Zacarias 9.9,10; João 12.12-17)

Esse texto em Efésios oferece excelente oportunidade de a igreja despertar


a alegria por aquilo que é aquela igreja, reunida em determinado lugar, quando
vista através dos olhos de um pastor como Paulo, que tem “iluminados os olhos do
coração” (v.18) e cujo objetivo teológico e pastoral é, no seu dia-a-dia, fazer com
que esse povo, confiado a ele, participe dessa visão.
Vamos tentar encontrar indicativos para as seguintes perguntas em nossa
pesquisa na carta (mas não necessariamente nessa ordem), para que a partir disso
o texto possa receber tratamento homilético.

1. Por que essa forma de olhar/ver (olhos iluminados) é importante?


2. Como isso pode ser feito?
3. O que pode interferir para que isso aconteça?
4. Em que isso pode finalmente resultar?

A carta pode ser vista como um todo, digamos, um sermão que, sendo carta,
permite releituras e por isso aborda mais assuntos, sem perder o sentido de unida-
de. O que se diz da igreja aplica-se a todos, desde aquele que ensina/prega quanto
aos que são envolvidos nesse ensino e pregação.
A quem se dirige? Parece dirigir-se não tanto à ótica judaizante, mas à ótica
gentílica. Interessante notar que o apóstolo muda entre o nós e vós quando identi-
fica a quem a afirmação se dirige: 2.1 Vos deu vida, mas logo: 2.3: nós andamos
outrora. Paulo parece estar dizendo: Todos somos pecadores. Mas essa carta é
para vós. Quem são esses vós: 2.11: outrora, vós, gentios na carne. 3.1: por amor
de vós, gentios. Até 3.21 Paulo expõe com riqueza de expressão e retórica persu-
asiva a convicção de que os gentios a quem se dirige são co-herdeiros(3.6), termi-

93
ARTIGOS
nando com aquele belíssimo louvor e adoração: 3.14-21, diante da certeza de que
o Reino de Deus inclui os gentios.
Portanto, em resumo, Paulo constrói a sua argumentação:
1. Começa por descrever a maravilhosa realidade que Deus estabeleceu em
Cristo, de resgatar a humanidade.(1.1-23).
2. Passo seguinte: Vós, gentios, estais incondicionalmente incluídos nessa
obra maravilhosa (2.1-3.21).
3. A partir daí Paulo se ocupa daquilo que, tudo indica, motivou a carta.
Como aos gentios não eram impostas as tradições judaicas, parece que
os costumes “de outrora” (2.2) não só não foram abandonados, como
também parece que eram outra vez cultivados em nome da “liberdade” (
4.14, 17-18). E as advertências em alguns pontos estão revestidas de
severidade: (4.20, 21; 5.6,7, 14). Importante observar que o martelo da
severidade não se abate sobre a congregação, mas indica que, sem Cris-
to, a vida (2.1) não merece ser assim chamada. (2.12,13; 4.17-19).
Alguns aspectos ressaltam dessa construção de texto: segundo padrões de
hoje, a imoralidade estava presente na vida de pessoas da congregação. Esta não
só estava sendo tolerada, como em Corinto, como estava sendo claramente esti-
mulada. Pessoas estavam claramente hesitantes (4.14). Havia quem ensinasse
que, tal como os judeus cultivavam ainda seus modos de outrora, desde que não os
impusessem aos gentios, assim também os gentios cultivariam seus modos de
outrora.
A atitude de Paulo permite entrever que, por mais profundamente que al-
guém ou um grupo esteja envolvido em pecado, cabe ao pastor temperar a sua fala
de tal maneira que a graça de Deus não seja obscurecida, mas domine todo o seu
ensino e admoestação. Apesar dos problemas, reafirma a sua alegria pela fé em
Cristo que identifica aquela congregação e lhe dá assento junto a Cristo (1.15).
Então, com os olhos postos em Cristo, reafirma enfaticamente a sua convicção de
que a congregação continuava objeto da graça de Deus em Cristo, sem restrições.
A situação dos gentios de fora não é a mesma dos gentios que conhecem a Cristo.
Essa distinção fica explícita em 4.17-24. A partir dessa afirmativa e convicção,
Paulo atrai a fé daqueles que buscam a salvação. Faz isso por meio de orações,
súplicas e advertências, em linguagem fraterna de amor, para que não se deixem
atrair a uma realidade que se opõe a Cristo.

SUGESTÃO PARA TRATAMENTO DO TEXTO


Objetivo: Diante dos sérios problemas presentes na congregação de Éfeso,
o apóstolo Paulo demonstra como estimular a adesão a um novo modo de vida, a
regras e comportamentos novos. Com essa carta, Paulo pretende deixar “ilumina-

94
IGREJA LUTERANA
dos os olhos dos corações” da congregação a que ele se dirige. Portanto, podemos
fazer desse também o nosso desafio.

Tema: Deus ilumina os olhos dos nossos corações


Como?
1. Ao nos dar pleno conhecimento da nova realidade em Cristo (17)
a. O privilégio e bênçãos de sermos filhos de Deus pelo batismo;
b. O privilégio e bênçãos de sermos uma família na fé.

2. Ao nos dar o poder de Cristo contra as forças do mal (19-20)


a. Diante do relativismo moral da época que constrange a família cristã;
b. Diante das ameaças, desafios e quedas que as famílias enfrentam hoje.

3. Ao nos dar participação da glória preparada em Cristo


a. Deus intensifica a sua oferta e convite para não desistirmos uns dos ou-
tros;
b. Deus nos dá a plenitude de Cristo, especialmente na mesa da comunhão;
c. Deus nos assegura que em nenhum momento a sua graça vai se apagar
em nossa caminhada, individual e comunitária.

Paulo P. Weirich

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RESSUSCITADO
At 10.34-43
(Colossenses 3.1-4; João 20.1-20)

1. CONTEXTO
O centurião Cornélio, que morava em Cesaréia, havia recebido uma visão
de um anjo de Deus dizendo que ele deveria chamar Pedro, que estava em Jope.
Enquanto dois domésticos e um soldado de Cornélio iam até Jope, Pedro teve uma
visão de animais “impuros” que desciam sobre um lençol, vindos do céu. Uma
voz lhe diz: “Levanta-te, Pedro! Mata e come” (At 10.13). Pedro acha que não
deve comer por se tratar de animais impuros. Mas Deus lhe diz que aquilo que ele
mesmo purificou não pode ser considerado impuro. Quando os enviados de
Cornélio chegam à casa onde Pedro estava é que ele vai descobrir o sentido da
visão. Todas as pessoas são iguais diante de Deus; não há distinção de raças, como
os judeus pensavam. Pedro vai com a comitiva que veio buscá-lo, levando ainda
mais algumas pessoas do local. Chegando à casa de Cornélio, Pedro expõe a pala-
vra de Deus e lhes mostra que Jesus, havendo vivido entre os homens, morrendo e
ressuscitando, era o enviado de Deus para lhes trazer remissão dos pecados.
Durante a fala de Pedro, o Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam a
palavra, numa clara demonstração de que Deus viera em Cristo também aos gentios.

2. TEXTO
Vv. 34,35: Pedro começa sua pregação reconhecendo que ele próprio foi con-
vencido de que todos são iguais perante Deus e que não há nação pre-
ferida para a pregação da palavra. Quem faz o que é justo (ergazómenos
dikaiosýnen – “que pratica a justiça”) é aceitável a Deus. “Não é que a
justiça seja aceitável por si mesma, mas na tradição judaica é ela que
leva à aceitabilidade” (Chave Lingüística do NT grego).
Vv. 36-41: Pedro resume a obra de Jesus, preparada por João Batista e
levada até o fim por Jesus, dando sua própria vida, mas ressuscitan-
do triunfalmente no terceiro dia após sua crucificação.

96
IGREJA LUTERANA
V. 42: Nossa missão agora, a partir da obra completada por Jesus, é dar teste-
munho de que ele foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos.
Passagem paralela: “Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e
ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos” (Rm 14.9).
V. 43: Os profetas já davam este testemunho, antes mesmo da vinda de
Jesus. Aquele que crê em Jesus recebe perdão dos pecados.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
A perícope é clara em mostrar que Cristo veio para todas as pessoas e para
todas as nações. Pedro, criado na tradição judaica, tendo ainda a idéia do povo
escolhido de Deus restrito a uma raça, é convencido de que “Deus não faz acepção
de pessoas” (v. 34).
Se alguns pensam que existe, perante Deus, preferência de uma nação ou
raça, a visão que Pedro recebeu torna claro que Deus santificou a todos os povos.
Sendo assim, não somos nós que vamos determinar a quem pregar a palavra, mas
o Cristo para todos é que nos deve impulsionar a irmos pelo mundo todo.
O objetivo da pregação é que Cristo se torne o Senhor sobre todos, garantindo
com a sua própria ressurreição a nossa ressurreição e a conseqüente vida eterna a
todos os que ouvirem e aceitarem a palavra. Lutero explica no Segundo Artigo, con-
forme o Catecismo Maior: “A suma desse artigo é, pois, que a palavrinha “Senhor”, da
maneira mais singela, significa tanto como Redentor, isto é, aquele que nos trouxe do
diabo a Deus, da morte à vida, do pecado à justiça, e que nisto nos conserva”. Para ser
o Senhor de todos, Jesus teve que assumir a forma humana, pregar, sofrer e morrer,
pagando com seu próprio sangue os nossos pecados. “E tudo isso para que se tornasse
meu SENHOR. Pois não fez nada disso para si mesmo, nem o necessitava. Depois
ressurgiu, tragou e devorou a morte, e por fim subiu ao céu e assumiu o domínio à
destra do Pai, de sorte que o diabo e todos os poderes lhe têm de estar submissos e ficar
debaixo dos seus pés, até que, afinal, no último dia, ele nos separe e aparte completa-
mente do mundo malvado, do diabo, da morte, do pecado, etc.”.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA
O CRISTO RESSUSCITADO DEVE SER ANUNCIADO A TODOS
I. Porque “Deus não faz acepção de pessoas”
II. Porque já desde as primeiras profecias está claro que todo aquele que crê
em Cristo recebe remissão dos pecados.

Raul Blum

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A OBRA DE CRISTO HOJE
1 Pedro 1.3-9
(Isaías 66.10-16; Marcos 13.5-11)

1. CONTEXTO
O tema a obra de Cristo hoje desafia-nos a encontrar no texto alguma refe-
rência sobre o valor da obra de Jesus para nós, hoje. Mais precisamente, que men-
sagem chega a nós a partir do que Jesus fez? Ainda podemos ver algo de impor-
tante para nossa vida ou devemos admirar somente como fato histórico a vida e
obra de Jesus Cristo?
Tal preocupação parece ter tido o apóstolo Pedro ao escrever sua primeira
epístola. Seus destinatários são os eleitos e forasteiros da Dispersão no Ponto,
Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1 Pe 1.1). As congregações cristãs naquelas
províncias da Asia Menor tinham sido fundadas por Paulo e seus companheiros e
eram formadas, na maioria, por cristãos de origem gentílica. Sofriam persegui-
ções por causa do nome de Cristo e experimentavam má vontade para com eles da
parte dos seus vizinhos pagãos. Careciam, portanto, de conforto e fortalecimento.
Ao lembrar-lhes os benefícios e o valor da obra de Cristo, cuja fé nele os punha
em situação difícil no ambiente em que viviam, Pedro procura levar-lhes o ampa-
ro devido para que não esmorecessem na confiança no Senhor.
E para os cristãos de hoje, em contextos diferentes, o que representa para
eles a obra de Cristo? Qual o valor dela na vida do pastor, a fim de que, maravilha-
do com ela, possa reparti-la com entusiasmo e felicidade com o seu povo? A pro-
pósito, qual a reação que os ouvintes percebem no seu pastor diante da mensagem
que ele lhes transmite? Será demais os pregadores lembrarem que eles próprios
são os primeiros a quem a mensagem é pregada?

2. TEXTO
V. 3: Este versículo é impressionante, principalmente por três aspectos: 1)
descreve o que Deus sente por nós; 2) descreve o que recebemos de

98
IGREJA LUTERANA
Deus; 3) aponta para a obra de Cristo, que tornou possível a oferta
que Deus nos faz.
1) O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo tem grande misericórdia por
nós. Como se não bastasse misericórdia apenas, o apóstolo Pedro inclui
o adjetivo grande para descrever o que Deus sente por nós. Misericór-
dia significa sentir no coração a miséria de outrem. O miserável não tem
nada a oferecer; portanto, se algo receber de alguém, será sempre por
total iniciativa do benfeitor. É completa iniciativa de Deus o fato de ele
se apiedar de nós. Nada em nós existe capaz de “comprar” alguns peda-
cinhos de misericórdia divina, por mais minúsculos que venham a ser.
Afinal, nunca é demais lembrar que nossa situação natural é de mortos
nos vossos delitos e pecados (Ef 2.1). Qual a capacidade do morto para
alguma coisa? Nenhuma!
2) Da grande (muita) misericórdia de Deus recebemos uma viva esperança
a partir da regeneração que ele efetuou em nós. Trata-se de uma nova
vida (regenerou, gerou de novo). A esperança é viva, não morre e, o
mais importante, é capaz de agir, pois o que tem vida, age. A ação da
viva esperança aparecerá nos versículos seguintes.
3) A esperança viva que recebemos de Deus tornou-se possível a partir da
ressurreição de Cristo dentre os mortos. É a garantia, o penhor da vida
da esperança. Aquele Cristo por causa de quem os cristãos da Ásia Me-
nor sofriam perseguições, com sua ressurreição garante a esperança cristã.
Também a nossa esperança hoje!
Vv 4,5: A viva esperança age. Leva-nos a aguardar a herança que o Pai
oferece aos seus filhos. Quando nos é garantida uma herança, há que
se esperar o momento de tomar posse dela. No caso da herança men-
cionada no texto, ela está guardada nos céus, para ser revelada no
tempo último. O fato de estar guardada nos céus assegura-nos a sua
qualidade. Nada nem ninguém poderá prejudicá-la, o que pode acon-
tecer com heranças terrenas. Por isso ela é incorruptível, imaculada
e imarcessível, jamais será prejudicada a sua qualidade.
A herança aguarda-nos. Para que não a percamos, o Deus de grande miseri-
córdia nos guarda pelo seu poder mediante a fé. Pela fé em Cristo, criada e conser-
vada pelo próprio Deus, somos conservados debaixo do seu poder.
Vv. 6,7: A esperança viva faz mais coisas ainda. Ela nasce da salvação
garantida e provoca júbilo por causa dessa salvação, mesmo que sur-
jam tristezas decorrentes de provações. O ouro depurado pelo fogo
serve de comparação para a “depuração” da fé no fogo das prova-
ções. No entanto, mesmo o ouro se esvanece, o que, todavia, não

99
ARTIGOS
ocorrerá com a fé. No dia derradeiro, o dia da revelação de Jesus
Cristo, a fé não será mais necessária, pois já terá cumprido o seu
papel. O seu lugar será ocupado pelo louvor, a glória e a honra pró-
prios do Senhor, mas estendidos também aos bem-aventurados que
foram guardados pelo poder de Deus na fé em Cristo até o fim.
Vv. 8,9: Aqueles cristãos não tinham visto a Cristo: situação idêntica à nos-
sa. Nele criam, porém, e exultavam na fé com alegria indescritível. É
interessante o destaque que Pedro dá no texto à alegria e ao júbilo.
Podiam, sim senhor, conviver com a tristeza e a dor em razão das
provações. Até porque as provações têm fim marcado. A salvação,
entretanto, é diferente: já existe agora ... sua plenitude, porém, ainda
virá a todos nós.

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA
A proposta é abordar a obra de Cristo hoje a partir do texto e também do
Segundo Artigo do Credo Apostólico. Qual é a sua obra? Por ele, Deus nos rege-
nerou, nos deu nova vida, mais precisamente por meio da ressurreição de Jesus
dentre os mortos. Nele (Jesus) temos, portanto, a nova vida. Esta é a sua obra:
Jesus é a fonte da nova vida. Temos belos hinos no Hinário Luterano que confes-
sam essa verdade magnífica, de esperança e consolo. O pastor quando anuncia
Jesus aos seus ouvintes, não está apenas falando sobre ele e sua obra, mas trazen-
do a nova vida a quem o aceita em fé.
Outro ponto alto do texto é o resultado da nova vida em nós: dá-nos uma
viva esperança. É esperança com vida, e aquilo que tem vida, age. Na mensagem
aos cristãos da Ásia Menor, o apóstolo Pedro, na perícope, fala com confiança e
júbilo a respeito do que realiza a viva esperança. A mensagem do sermão poderá
explorar também tais elementos tão preciosos, consoladores e, por isso, queridos
para todos os filhos de Deus em Cristo.

Paulo Moisés Nerbas

100
IGREJA LUTERANA

CHAMADO PELO EVANGELHO


2 Tessalonicenses 2.13-17
(Isaías 61.1-3; Marcos 13.5-11)

1. CONTEXTO
Três tópicos principais dominam esta segunda carta aos Tessalonicenses: a)
Mesmo em meio às perseguições, os leitores da carta mostram-se firmes. O após-
tolo contrasta nesse seu comentário e elogio (no momento da sua ação de graças)
os perseguidores e os perseguidos por causa de sua fé em Cristo e anima a estes na
esperança da parousia ou revelação da glória do Senhor. b) Em segundo lugar, por
causa de ensinamentos correntes de que o Dia do Senhor já havia chegado e, como
conseqüência, a parousia do Senhor e a reunião de seu povo deveriam estar imi-
nentes, o autor da carta argumenta que este pensamento não era correto e que
certos eventos ainda se sucederiam antes da derradeira vinda de Cristo. Neste
ponto, o autor enfatiza que seus leitores são do povo de Deus e serão salvos se
estiverem firmes no evangelho no qual foram ensinados. c) Em terceiro lugar, o
autor exorta àqueles que estavam vivendo na preguiça e que se aproveitavam dos
mais generosos. Tais pessoas deveriam rever os seus caminhos à base do evange-
lho que lhes foi ensinado. Alguns autores argumentam que as expectativas
escatológicas de alguns teriam sido a causa da inatividade, mas o apóstolo não
menciona nada disso, ele os chama de preguiçosos e exorta-os a que mudem de
comportamento e sirvam ao Senhor e ao próximo.

2. TEXTO
V. 13: O texto destaca a necessidade (ofeilomen = devemos) de agradecer,
fala da constante dívida de gratidão (euxaristein = ação de graças)
pelo fato de serem “irmãos amados” (agapeénoi) pelo Senhor:
a) “escolhidos” (eilato) – a ação é de Deus, foi ele quem escolheu e elegeu;
“como primícias” (aparxen), também traduzido por “desde o Princí-
pio” (ARA) e “como os primeiros...” (NTLH); “para salvação” (eis
soterían), também traduzido por “a serem salvos” (NTLH).

101
ARTIGOS
b) “em santificação” (en agiasmô), “pela santificação” (ARA), “pelo po-
der [do Espírito Santo]” (NTLH); “do Espírito” (pneumatos) e “fé da
verdade” (kai Piatei aleteias), também traduzido por “fé na verdade”
(ARA) e “pela fé que vocês têm na verdade” (NTLH). O que fica evi-
dente é que a ação santificadora do Espírito é, ao mesmo tempo, a dynamis
que leva a pessoa a crer e a força motora que vivifica constantemente
esta fé e a transforma em ações concretas.
A vida cristã começa com o chamado de Deus. Ninguém pode chamar-se
ou eleger-se a si próprio. Nós nem sequer podemos começar a buscar a Deus sem
que Ele nos tenha buscado e encontrado. Toda a iniciativa, portanto, está em Deus;
o fundamento e a causa motora de tudo é o amor de Deus que busca.
V. 14: Aqui destacamos que este Espírito “chamou” (ekálesen) mediante o
evangelho ou “por meio do evangelho” (NTLH). Na explicação do ter-
ceiro artigo do Credo Apostólico, Lutero assim o expressa: “Creio que
por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu
Senhor, nem vir a ele, mas o Espírito Santo me chamou pelo evange-
lho...” (Catecismo Menor), isto é, “porque jamais poderíamos saber algo
a respeito de Cristo ou crer nele e conseguir que seja o nosso Senhor, se
o Espírito Santo não no-lo oferecesse e apresentasse ao coração pela
pregação do evangelho” (Catecismo Maior). O apóstolo Paulo fala em
“nosso evangelho” (euangelion emon) pelo fato de ter ele e seus cola-
boradores anunciado a boa nova aos tessalonicenses, enfatizando que
sem este evangelho não há chamado ou eleição da parte de Deus. A
referência ao “nosso evangelho” também poderia estar sendo utilizada
pelo apóstolo para diferenciar de “outros evangelhos” (falsos) que esta-
vam sendo proclamados!?. E a proclamação deste evangelho deve ser
“para obtenção da glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (eis peripóiesin
dozes tou kyriou emon Iesou Xristou), também traduzido por “para
alcançardes a glória...”(ARA) ou “a fim de que vocês tomem parte da
glória...” (NTLH). Esta é uma idéia fundamental em Paulo. Em Rm
8.17, lemos: “se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos
glorificados”, e em Rm 3.23: “Todos pecaram e carecem da glória de
Deus”. Quando Paulo fala da obtenção da glória de Cristo, ele tem em
mente a transformação escatológica dos filhos de Deus, semelhante à
forma do Cristo glorificado. Tal fato ainda é mencionado por Paulo quando
ele trata da ressurreição, em 1 Co 15.43.
Vv. 15-17: “ficai firmes” (stékete) ou “permanecei firmes” (ARA) – Normal-
mente este imperativo é acompanhado de um objeto que indica o porquê
ou em que eles são exortados a permanecerem firmes; “guardai as tra-
dições” (krateite tas paradóseis) ou “guardem aquelas verdades”
(NTLH). O conteúdo dessas tradições foi exposto pelo apóstolo (e seus
102
IGREJA LUTERANA
colaboradores), tanto na forma de cartas quanto através da exposição
verbal do evangelho (além, naturalmente, do próprio exemplo em ações
concretas). No v. 16, duas coisas são especificadas: primeiro “a conso-
lação eterna” (paráklesin aionian) ou seja, “eterno encorajamento”
face às opressões e rejeições sofridas pelos cristãos por causa de sua fé;
segundo, a “esperança boa” (elpída agatén) – além de chamar, dar con-
solo e encorajamento, este Deus ainda concede boa esperança, não so-
mente para esta vida, mas especialmente para a vida futura, a vida eter-
na. Finalmente, a expressão característica de Paulo, “por graça” (en
xáriti), quer ressaltar que tudo isso acontece mediante a livre e imerecida
graça de Deus, sem qualquer intervenção ou ajuda nossa.
As palavras finais do apóstolo, nesta perícope, ainda recomendam os leito-
res ao Deus que os amou, rogando também que Ele os console nas tribulações e os
“confirme em toda obra e palavra boa”.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
Sugerimos que o leitor verifique mais detalhadamente nos Catecismos Maior
e Menor o que Lutero diz sobre a ação do Espírito Santo que “nos chamou pelo
evangelho”. Verifique-se também os credos Niceno e Atanasiano. Além destas
recomendações, destacamos do texto de 2 Ts 2.13-17 as seguintes aplicações:
a) Fomos escolhidos e eleitos por Deus como primícias para a salvação, e
isto é motivo para júbilo e constante ação de graças (dívida de gratidão).
b) O poder santificador do Espírito Santo que nos chamou mediante a pre-
gação do evangelho é também o poder “motivador” e “sustentador” de
toda a boa obra.
c) Evangelho, para Paulo, sempre está relacionado com a pregação.
d) O Espírito que chamou mediante o evangelho (pregação) a crermos no
evangelho (boa notícia da salvação) nos mantém firmes na verdade.
e) O Deus que chamou pelo evangelho dá consolo e encorajamento para
suportarmos qualquer ônus que o fato de sermos cristão venha a acarre-
tar, e mais, ele não apenas nos dá suporte e alegrias (mesmo em meio às
tribulações), mas também nos firma na esperança da vida eterna (onde
viveremos na glória de Cristo).

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES


Tema: CHAMADOS PELO EVANGELHO
Partes: I – Deus nos escolheu como primícias para a salvação (v.13);

103
ARTIGOS
II – Deus nos santificou mediante o Espírito Santo na fé e na verdade (v.13);
III – Deus nos prometeu a obtenção da glória de Cristo (v.14).

BIBLIOGRAFIA
BARCLAY, William. Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses. Buenos
Aires: La Aurora, 1973.
KOEHLER, E. Sumário da Doutrina Cristã. Porto Alegre: Concórdia, 2002.
LIVRO DE CONCÓRDIA (Arnaldo Schüler, trad.). Porto Alegre / São
Leopoldo: Concórdia / Sinodal, 1980.
NESTLE, Eberhard. Sprachlicher Schlüssel zum Griechischen Neuen
Testament. Basel: Brunnen-Verlag, 1952.
SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear. Barueri: Sociedade Bíbli-
ca do Brasil, 2004.

Paulo Gerhard Pietzsch

104
IGREJA LUTERANA

ILUMINADO COM SEUS DONS


João 1.10-13
(Salmo 119.105-112; 1 Pedro 2.4-9)

1.CONTEXTO
O propósito do quarto Evangelho é manifesto pelo próprio autor, em 20.31:
que os seus leitores, tendo o registro de alguns dos sinais feitos por Jesus, cressem
nele para a vida eterna. Neste texto também está colocada uma das ênfases de
João neste Evangelho: a fé - não uma fé geral, mas a confiança em Jesus como o
agente autorizado pelo Pai para realizar a salvação. O quarto Evangelho também
enfatiza o papel do Espírito Santo como sendo enviado por Jesus para conduzir os
homens à fé e nela conservá-los.
O texto em estudo faz parte de uma perícope que tem como centro da men-
sagem a encarnação do Verbo (o Filho de Deus). Como tal, é um dos textos utili-
zados no Natal. Para a finalidade específica deste estudo, ressaltamos a obra que o
próprio João, trazendo as palavras de Jesus, atribui ao Espírito Santo nos capítulos
14 a 16. Ou seja, Ele é quem nos conduz a Cristo, ensinando e fazendo lembrar o
que Cristo disse (14.26), testemunhando de Cristo (15.26), convencendo-nos da
justiça, que é Cristo (16.10), guiando-nos à verdade (16.13). Ainda que não men-
cionado explicitamente nas palavras do texto em estudo, é o Espírito Santo o
sujeito da ação referida pelo texto, qual seja, nascer de Deus, dando-nos o poder
(dom!) de sermos filhos de Deus.

2. TEXTO
Vv. 10,11: Estes versículos formam uma unidade, referindo-se ao Verbo
que vem ao mundo (encarnação), mas não é recebido pelo mundo
como deveria. Numa frase João envolve tanto a vinda de Jesus
(encarnação e nascimento) como Seu ministério terreno e rejeição
por parte dos homens. A obra de Jesus é vista como um todo. É um
evento realizado por Deus no mundo, diante do qual o mundo se
posiciona criticamente ou, melhor dizendo, violentamente. O que João

105
ARTIGOS
aqui relata sobre “o seu [de Jesus] povo” (NTLH) pode ser estendido
a toda a humanidade em todas as épocas. A natureza humana, pendi-
da ao pecado, tem a tendência de negar lugar ao Verbo de Deus no
mundo.
Lutero mostra, na sua explicação ao Terceiro Artigo, no Catecismo Maior, a
relação entre a obra do Espírito Santo e aquela de Cristo. Chama a atenção para o
fato de que não havendo a proclamação do evangelho, a fé é obscurecida, não se
reconhecendo a “Cristo como Senhor, nem ao Espírito Santo como aquele que
santifica” (CM 2ª parte 43). Em oposição à obra do Espírito Santo de nos levar a
Cristo, estão “homens e espíritos malignos que nos ensinaram a obter a salvação e
alcançar a graça por nossas obras” (44). A ignorância em relação à obra de Cristo
(denunciada por Lutero no CM 2ª parte 38) acaba sendo, de fato, rejeição e ado-
ção de um outro caminho, inventado por homens, para a salvação. Daí a necessi-
dade absoluta da ação do Espírito. Ela não apenas supre a necessidade do ser
humano, incapaz de por si só conhecer a Cristo e receber os seus benefícios. So-
bretudo o Espírito Santo vem denunciar o caminho errado escolhido pelo ser hu-
mano e colocá-lo no caminho único da redenção, Cristo, através do evangelho.
Vv. 12,13: O contraste é estabelecido entre aqueles que seguiram o curso
natural da tendência humana – rejeitando a Cristo, e os que o recebe-
ram, ou seja, nele creram. O texto é melhor entendido se lido a partir
do final. O verbo genna,w é empregado no Aoristo do Indicativo
passivo. As pessoas que receberam a Cristo “foram geradas” (ARA:
“nasceram”; NTLH: “se tornaram filhos”). A ação não é das próprias
pessoas, mas de alguém que as fez nascer, i.e., que as gerou. O texto
indica a referência do nascimento, com a preposição de procedência
- evk qeou/ (de Deus).
O texto é rico na forma de designar estas pessoas: “o receberam”, “filhos de
Deus”, “os que crêem”, “nasceram [foram gerados] não de sangue (lit.: sangues],
nem de vontade de carne, nem de vontade de homem”, “nasceram de Deus”. A
ênfase está no vínculo com o Verbo, sem o mérito da própria pessoa. Trata-se de
um novo nascimento, que mais adiante o próprio Jesus chamará de um nascer “da
água e do Espírito” (Jo 3.5) ou ainda “do Espírito” (Jo 3.6,8). Ainda que não
mencionado explicitamente nos primeiros versículos do Evangelho conforme João,
o Espírito é o que leva pessoas a “receberem” a Jesus, crerem nele, serem filhos de
Deus (cf. Rm 8.14-16).
Ao referir-se à obra do Espírito Santo no Catecismo Menor, Lutero afirma:
“iluminou com seus dons”. No Catecismo Maior não há uma explicação específi-
ca sobre esta cláusula. No entanto, em dado momento Lutero afirma: “...ele tem
uma congregação peculiar no mundo, congregação esta que é a mãe que gera e
carrega a cada cristão mediante a palavra de Deus, que ele [o Espírito] revela e

106
IGREJA LUTERANA
prega. Ilumina e incende os corações, para que a entendam, aceitem, a ela se
prendam e nela permaneçam” (CM 2ª parte 42). O maior dom concedido pelo
Espírito é o crer no Verbo de Deus, algo que está fora do alcance do poder humano
(como bem Lutero enfatiza no início da explicação do 3º Artigo do Credo no
Catecismo Menor). Há outros dons, descritos pelos apóstolos em suas epístolas.
Estes são variáveis e têm sua existência dependente do querer de Deus, tendo em
vista a necessidade da Igreja em cada época e local. Mas o dom da fé em Cristo é
o absolutamente necessário e o dom que todos os crentes recebem, por graça de
Deus.

3. SUGESTÃO DE TEMA
O Espírito Santo nos ilumina com o dom maior – crer em Jesus.

Gerson Luis Linden

107
SANTIFICADO NA FÉ
Salmo 51.1-12
(1 Pedro 1.1-5; João 17.1-17)

1. CONTEXTO HISTÓRICO
O Salmo 51 é um texto que deve ser lido à luz de seu contexto histórico;
não é sem razão que o seu cabeçalho remete ao mesmo. O Salmo 51 é a confissão
de pecado feita por um homem poderoso e influente. Um homem rico e temido
por muitos. Um homem extremamente abençoado por Deus desde a sua infância e
tenra juventude. Um homem que havia se tornado rei de uma nação poderosa e
vencedora. Um homem para o qual aparentemente não havia limites e impossí-
veis. Um homem que, para ter seus desejos e vontades realizados, chegou ao ex-
tremo de trair, mentir e mandar matar. Um homem astuto, que sabia manipular e
tramar as coisas a seu favor. Um homem que, assim agindo, pensava poder se
livrar de seu obscuro passado, cobrindo o mesmo com um verniz de hipocrisia
cheirando a novo. Esse era Davi! Mas ele havia se esquecido que ele era apenas
um homem! Apenas um homem. Um homem como todos outros, nascido em pe-
cado (v.5). Davi era um pecador como tantos outros.
Davi jamais podia imaginar que aquele passeio ao entardecer pelo terraço
de seu palácio iria mudar a sua vida drasticamente. A figura daquela bela mulher
se banhando não passou despercebida pelo rei. Seu nome era Bate-Seba, mulher
de um de seus fiéis soldados, Urias, o heteu. Davi não resistiu. Fazendo uso de seu
poder e influência, envia um de seus mensageiros para chamá-la ao seu palácio.
Esse foi o passo para a sua ruína. Depois que o seu desejo libidinoso havia sido
saciado, Davi pensava que sua vida voltaria ao normal. Mas não! Aquela
“escapadinha” fortuita traria conseqüências desastrosas. Bate-Seba informa o “tran-
qüilo” rei de sua gravidez e que um bebê não planejado estava a caminho. A trama
começa.
Davi manda chamar Urias do campo de batalha, com o intuito de acobertar
a sua “escapadinha”. O plano não funciona. Urias era fiel ao seu rei, ao seus
companheiros de batalha e não coopera com a trama de Davi. Uma atitude drásti-

108
IGREJA LUTERANA
ca terá que ser tomada. Davi pede que Urias seja colocado no pelotão de frente da
batalha: a idéia é que ele morra. A vontade do rei é obedientemente cumprida e
Urias morre, lutando pelo seu rei. Passado o luto de Bate-Seba, Davi a toma por
esposa. Com isso, o rei pensa que tudo está resolvido. Mas Deus estava atento aos
movimentos de Davi e envia o seu profeta Natã para ter uma conversa ao pé do
ouvido com o rei. Davi é pego em suas próprias palavras e não tem como negar o
seu pecado. Natã apenas diz: “tu és o homem.” (cf. 2 Samuel 11.1-12.25). Davi
era o rei, sim, mas apenas um homem. Um pobre e miserável pecador.

2. TEXTO
Qualquer pessoa esmagada pelo sentimento de culpa ou torturada por uma
consciência recém desperta irá encontrar consolo e alento nas palavras deste sal-
mo penitencial, ao se aproximar de Deus. O outro lado também é verdade. Aquele
que ler as palavras deste Salmo, e for insensível às conseqüências do pecado, logo
irá perceber o quão temível é ofender o Santo Deus e estar sob sua ira.
Vv. 1,2: Os versículos iniciais deste Salmo são um grito angustiante em
busca de misericórdia. Tudo o que segue está baseado neste apelo
pela sola gratia. Não há outra alternativa possível aqui. Não há como
negar a realidade do pecado. Vários aspectos da desobediência à von-
tade de Deus são expressos aqui por meio de três sinônimos: trans-
gressões, iniqüidade e pecado. Cada um deles, por sua vez, está as-
sociado com um diferente tipo de ação que denota a sua remoção.
Transgressões são como uma mancha terrível em uma folha em branco; é
como se fosse uma notificação de débito que deve ser apagada da conta corrente,
ou seja, precisa ser eliminada do histórico (cf. Isaías 43.25, Atos 3.19; Colossenses
2.14). Iniqüidade é como uma roupa suja que precisa ser lavada cuidadosamente.
Em tempos idos, sem as máquinas de lavar, isso requeria uma ação drástica. As
roupas eram batidas contra uma pedra à beira de um riacho ou eram pisoteadas
para largar a sujeira. Pecado é uma mancha que “clorofina” e “muito sabão” não
podem remover (cf. Jeremias 2.22); ele apenas se rende à ação branqueadora de
Deus. O sangue de animais aspergido sobre o altar era para simbolizar que o mes-
mo havia sido purificado e santificado das impurezas dos filhos de Israel (cf.
Levítico 16.19). Mas o que o sangue de touros e bodes não tinha o poder intrínse-
co de realizar, se tornou uma realidade no sangue de Jesus. O sangue do Filho de
Deus é o único que pode nos purificar de todo pecado e de toda injustiça (cf.
Hebreus 10.11-12,14; 1 João 1.7,9). O próprio Davi reconhece isso quando afir-
ma, no v.7, que a ação purificadora de Deus em Cristo lhe confere uma alvura
jamais vista, um branco total (cf. Isaías 1.18; Apocalipse 7.13).
V. 4: “Pequei contra ti...” Erros e pecados cometidos contra o nosso próxi-
mo são mais do que injustiça social; eles são, na verdade, uma ofensa

109
ARTIGOS
contra o Criador. Para alcançar suas vítimas, o assassino e adúltero
destrói a cerca de segurança e de bem-estar que o Doador da Lei
criou ao nosso redor para nossa proteção. Davi não só “pulou a cer-
ca”; mas com seus atos, ele a destruiu completamente.
V. 5: “Em pecado me concebeu...” O pecador não pode apresentar a sua
inata propensão para fazer o mal como uma desculpa pelos seus atos
pecaminosos. Ao reconhecer a verdadeira natureza do pecado, o pe-
cador penitente sabe que não é apenas o que ele ocasionalmente faz
de errado que precisa ser confessado a Deus. O ato mau traz à tona o
que o pecador é no mais íntimo e profundo recôndito de seu ser (Jó
14.4; 15.13-16; Salmo 58.3; Eclesiastes 7.20; Jeremias 17.9).
V. 10: “Cria em mim, ó Deus...” Somente Deus pode realizar o que este
verbo descreve, Ele é o sujeito nessa frase. Assim como Ele chamou
os céus e a terra à existência e formou o homem do pó da terra, e
soprou em suas narinas o fôlego de vida, Ele pode criar um coração
puro por meio de Sua palavra. Assim como Deus disse “haja luz...”,
Ele também pode dizer “haja um novo e puro coração.” Em Cristo,
o Verbo que se fez carne, Deus não apenas fala aos nossos corações,
mas Ele habita entre nós, iluminado-nos com sua luz de vida e nos
tornando seus filhos (cf. João 1.1-14). Deus, em sua graça, renova o
nosso espírito quebrantado dentro em nós (cf. Gênesis 1.1,3,27; 2.7;
Jeremias 24.7; 32.39; Ezequiel 36.26,27) e nos recria em Cristo (2
Coríntios 5.17).
V. 11: “O teu Santo Espírito...” O que é dito aqui não é nenhuma coinci-
dência, pois o versículo 11 vem na seqüência do versículo 10. Davi
sabe muito bem que sem a presença do Santo Espírito em sua vida, a
alegria da salvação jamais lhe será restituída. O Espírito Santo não é
somente aquele que chama pelo evangelho, mas é Ele quem também
santifica e conserva o cristão na fé verdadeira por meio deste mesmo
evangelho (cf. C. Menor – Credo, 3º Artigo, 6). A função do Espírito
Santo é nos tornar santos. É o Espírito Santo quem oferece e aplica
este tesouro da salvação – o Evangelho, à vida das pessoas. Ao nos
santificar, o Espírito nos leva a Cristo, a fim de receber estas bên-
çãos, a saber: perdão, vida e salvação, as quais, de outra forma ja-
mais poderíamos obter por nós mesmos. (C. Maior – Credo, 3º Arti-
go, 35-39).
V. 12: “Alegria da tua salvação...” A alegria da salvação é fruto de um
arrependimento sincero. O verdadeiro arrependimento leva à fé. O
pesar por pecados cometidos que não levam à fé, não é arrependi-
mento, mas apenas remorso, o qual geralmente leva o pecador ao

110
IGREJA LUTERANA
desespero. Davi, com a sua história, ilustra muito bem os passos do
arrependimento: a) reconhecimento do pecado (vv.3-4); b) contrição
pelo pecado cometido (v.17); c) desejo de abandonar o pecado e
mudar de vida (v.10); e) profundo desejo pelo perdão (vv.2,7,9). Davi
era um homem de fé, ele tinha conhecimento das promessas de Deus
e sabia que o Senhor agiria em seu favor, oferecendo perdão e salva-
ção (v.12,14). As palavras de Natã a Davi foram muito claras: “tu és
o homem” (Lei); “também o Senhor te perdoou o teu pecado” (Evan-
gelho) (cf. 2 Samuel 12.5-13).
Ao confessar o seu pecado, Davi reconhece a sua total incapacidade de
viver uma vida santa diante de Deus. Ele sabe que apenas pela ação do Santo
Espírito (v.11), por meio do Evangelho (promessa de perdão anunciada por Natã),
seu pecado será perdoado (vv.7,9,12,14). Agora, regenerado e motivado pela ale-
gria da salvação (v.12), Davi passa a viver uma nova vida, bendizendo e louvando
ao seu Senhor com júbilo e alegria (v.15,8).

3. APLICAÇÃO HOMILÉTICA
Como foi ressaltado acima, o contexto histórico do Salmo 51 é extrema-
mente importante e o mesmo não deveria ser ignorado pelo pregador ao elaborar
o seu sermão. A confissão expressa no Salmo 51 deixa claro que Davi não era um
super-herói das histórias bíblicas; ao contrário, mostra que ele era de carne e osso.
Davi é bem real! Ele é um homem como tantos outros, nascido em pecado (v.5),
mas que pela graça de Deus e ação do Espírito Santo é regenerado e restabelecido
à comunhão dos santos (também pecadores) – a igreja, onde a remissão dos peca-
dos é praticada diária e abundantemente.
Como sugestão, incentivo o pregador a elaborar um sermão narrativo, a
exemplo da introdução desse auxílio homilético. Ao recontar o incidente de Davi
com Bate-Seba (interligado com aspectos do Salmo 51), o pregador terá a chance
de enfocar a graça de Deus e a ação do Espírito por meio da Palavra (Lei e Evan-
gelho), deixando claro que há abundante perdão em Cristo para pecadores peni-
tentes como Davi, tu e eu... ah! para todos os crentes!

Ely Prieto

111
IGREJA
Efésios 4.1-16
(Salmo 85; Mateus 16.13-19)

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
“Quem diz o povo ser o Filho do Homem? Simão Pedro disse: Tu és o
Cristo, o filho do Deus vivo. Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Si-
mão, porque não foi carne e sangue que te revelaram, mas meu Pai, que está nos
céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”5 Estas palavras de
Cristo dão base e testemunho sobre a verdadeira igreja6 que é a congregação de
todos os crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os sacramen-
tos são administrados de acordo com o Evangelho. As palavras do Salmo 85, que
ressaltam a misericórdia de Deus, apontam claramente para a base da verdadeira
igreja, o Cristo Vivo.
O texto de Efésios nos leva a questionar: Como está a nossa unidade como
igreja de Cristo em meio à diversidade de dons?

2. CONTEXTO HISTÓRICO
A epístola aos Efésios não foi escrita em resposta a alguma circunstância
específica ou controvérsia, conforme se verifica no caso da maioria das epístolas
paulinas. Ela tem uma qualidade quase meditativa. No tema compartilhado com a
igreja aos Colossenses – Cristo, a cabeça da Igreja, que é Seu corpo – a epístola
aos Efésios encarece a Igreja como o Corpo de Cristo ao passo que Colossenses
ressalta o fato que Cristo é a cabeça. Colossenses adverte contra falsas doutrinas
que subestimam a Cristo, ao passo que Efésios expressa louvor por causa da uni-
dade das bem-aventuranças usufruídas por todos os crentes em Cristo.
Mais do que uma carta, a Epístola aos Efésios é um escrito doutrinário

5
Mateus 16.13,16-18: “Cristo, o fundamento da igreja verdadeira”.
6
CA, Artigo VII.

112
IGREJA LUTERANA
exortativo, que revela no seu autor fundamentais interesses pedagógicos e pastorais.
É uma reflexão sobre a Igreja, vista como Corpo de Cristo (1.22b-23; 4.15), e um
sólido ensinamento sobre a salvação que Deus oferece aos pecadores (2.4-9).

3. TEXTO
V.1: O “andeis de modo digno da vocação” refere-se ao chamado da graça
de Deus, ou seja, de ser filho de Deus.
Vv.2 e 3: O apóstolo Paulo, nestes dois versículos, descreve as característi-
cas desta vocação (chamado para ser filho de Deus): humildade,
mansidão, longanimidade, amor. Estas qualidades têm como objeti-
vo preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. É interessante
perceber que esta unidade não tem que ser criada pelo cristão, pois já
existe, mas ele se esforça em preservá-la.
Vv.4-6: Estes versículos ressaltam a unidade “um só” ou “uma só”. Cabe
salientar que o centro de tudo é um Espírito (Espírito Santo), um
Senhor (Jesus Cristo) e um só Deus e Pai.
Vv.7 a 10: Depois de dar ênfase à unidade, Paulo volta agora à considera-
ção dos cristãos individuais, que juntos constituem essa unidade. A
Igreja é formada por pessoas (pedras vivas), cada qual com sua indi-
vidualidade, que Deus reconhece e usa em Seu serviço. O apóstolo
aponta para cada um de nós como possuidor de um semelhante dom
da graça, o qual difere, entretanto, conforme o individual. As dife-
renças entre esses dons não são determinadas por habilidade ou ca-
pacidade natural, mas segundo a proporção do dom de Cristo (1Co
12.1-11). Os versículos 8 a 10 são uma referência ao Cristo vitorioso
(ascensão), aquele que concede aos homens os dons.
V.11: Aqui temos a menção de alguns dons que fazem parte da diversidade,
mas jamais deixam de fazer parte da unidade.
Vv.12-14: Nestes versículos temos o propósito do uso dos dons menciona-
dos no versículo anterior: Aperfeiçoamento das pessoas para o servi-
ço na igreja; edificação do corpo de Cristo; unidade de fé e pleno
conhecimento do Filho de Deus.
V.15: “cresçamos” refere-se ao crescimento de um corpo. É claro cresci-
mento este ligado àquele que é a cabeça do corpo, Cristo.
V.16: Aqui Paulo tem em vista a estrutura, maravilhosa e complicada, do
corpo humano, firmemente unido por juntas e ligaduras apropriadas.
Da mesma forma o corpo de Cristo, a igreja, bem ajustado e consolida-
do, efetua o seu próprio aumento para a edificação de mesmo em amor.

113
ARTIGOS
4. LUTERO E O TERCEIRO ARTIGO – A IGREJA
Lutero explica o assunto Igreja no Terceiro Artigo, o qual ele intitula como
o da Santificação7 . Ele diz:
“Creio que existe na terra um santo grupinho e congregação composto ape-
nas de santos, sob uma só cabeça, Cristo, grupo congregado pelo Espírito Santo,
em uma só fé, mente e entendimento, com diversidade de dons, mas unânimes no
amor sem seitas e sem cismas. Eu também sou parte e membro dessa congrega-
ção, co-participante e co-desfrutante de todos os bens que possui. Pelo Espírito a
ela fui levado, incorporado através do fato de haver ouvido e ainda ouvir a pala-
vra de Deus, que é o princípio para nela se entrar. Pois antes de havermos chegado
a essa congregação, pertencíamos totalmente ao diabo, como pessoas que nada
sabiam de Deus e de Cristo. Assim, o Espírito Santo permanece com a santa con-
gregação, ou cristandade, até o dia derradeiro. Por ela nos busca e dela se serve
para ensinar e pregar a palavra, mediante a qual realiza e aumenta a santificação,
para que diariamente cresça e se fortaleça na fé e em seus frutos, que ele produz.”

5. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
A proposta das leituras bíblicas para esse culto parece nos acordar para uma
importante dimensão na vida cristã: “viver a unidade da fé em meio à diversidade”.
1. Fomos chamados a sermos filhos de Deus, fazemos parte da igreja de
Cristo. Como diz Lutero: “Pelo Espírito a ela fui levado, incorporado
através do fato de haver ouvido e ainda ouvir a palavra de Deus, que é o
princípio para nela se entrar. Pois antes de havermos chegado a essa
congregação, pertencíamos totalmente ao diabo, como pessoas que nada
sabiam de Deus e de Cristo.”
2. Como filhos de Deus, fomos chamados para, com humildade e mansi-
dão, preservar a unidade do Espírito (vv. 3-5).
3. Mesmo em meio à diversidade de dons, precisamos lembrar que há so-
mente um corpo e um Espírito. Um só Senhor, uma só fé, um só batis-
mo. Um só Deus e Pai de todos.
4. Esta diversidade na unidade deve ser vivida com um simples critério: o
amor. Diz Lutero: “Creio que existe na terra um santo grupinho e congre-
gação composto apenas de santos, sob uma só cabeça, Cristo, grupo con-
gregado pelo Espírito Santo, em uma só fé, mente e entendimento, com
diversidade de dons, mas unânimes no amor sem seitas e sem cismas.”
5. Jamais a diversidade de dons deve ferir a unidade no todo.

7
LIVRO DE CONCÓRDIA, Catecismo Maior. São Leopoldo: Editora Sinodal e Porto Alegre: Concórdia Editora, 1993, pp.451-
457.

114
IGREJA LUTERANA
6. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES
Tema: “Vivendo a unidade do Espírito”
Introdução – Fomos chamados por Deus, para fazermos parte do Corpo de
Cristo, a Igreja. Como está o nosso viver nesta unidade que se chama igreja? Os
nossos diversos dons estão contribuindo para o crescimento desta unidade?
I. Vivendo este chamado com humildade e mansidão (vv. 1 e 2);
II. Mantendo a unidade do Espírito (vv. 3-6);
III. Usando os dons para edificação do corpo de Cristo, a Igreja (vv. 12-14).

CONCLUSÃO
(VV.15-16).
Viver na unidade do Espírito é viver em amor. Mesmo em meio a grande
diversidade que há na igreja, podemos crescer em tudo naquele que é a cabeça,
Cristo.

Adriano Chiarani da Silva

115
PERDÃO
Mateus 18.15-22
(Jeremias 31.31-34; Efésios 1.1-14)

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
O texto de Mt 18.15-20 tem sido lembrado e usado por muitos cristãos,
especialmente em situações de disciplina e excomunhão. Às vezes é tomado como
orientação para solução de conflitos, outras vezes para acusação, quando parece
não ter havido um procedimento adequado na administração de divergências mais
sérias.
Ainda que este texto possa ter essa propriedade, nos últimos tempos tem se
procurado observá-lo de um ângulo maior e interpretá-lo à luz de todo o capítulo
18 de Mateus.8

2. QUEM É O MAIOR NO REINO DOS CÉUS?


Jesus só não responde a essa questão, como surpreende, escolhendo uma
criança para redefinir o conceito de grandeza no reino dos céus. Em termos cultu-
rais e sociais, no mundo greco-romano a criança era considerada de maneira geral
como alguém desinformado, que precisa ser ensinado e até passar por disciplina
mais severa. O costume romano incluía certas situações em que recém-nascidos
“não desejados” poderiam ser abandonados, a fim de que morressem, ou serem
encontrados por alguém para serem criados como escravos. A idéia de criança
como criança, era bem negativa.
No mundo do Antigo Testamento e Judaísmo a criança era vista como sem
entendimento, teimosa e desobediente, o que significava necessidade da divina e
humana disciplina (2 Rs 2.23ss). As crianças na antigüidade não eram vistas como

8
As considerações deste estudo, sobre a estrutura de Mt 18 e outras reflexões exegéticas serão baseadas num artigo escrito pelos
professores do Concordia Seminary de Saint Louis, Jeffrey Gibbs e Jeffrey Kloha. O título original é “Following” Matthew
18: Interpreting Matthew 18:15-20 in its Context (Seguindo Mateus 18: Interpretando Mt 18.15-20 em seu contexto). Concordia
Journal, Volume 29, January 2003, Number 1, pp.6-21.

116
IGREJA LUTERANA
“modelos”, mas como necessitados, sem entendimento e dependentes do cuidado
de outros.
No evangelho de Mateus, o vocábulo específico para criança se refere ao
“necessitado” Jesus, que precisa ser protegido por José e Maria (Mt 2.8-9, 11, 13-
14, 20-21), a crianças alimentadas, (14.21), os que precisam de cura (15.26), aqueles
que recebem a bênção e a oração de Jesus (19.13-14) e os oponentes adultos de
Jesus, que são comparados a crianças imaturas que choram e reclamam (11.16).
A referência para “crianças” em Mateus, seja literal ou para adultos, é sua
condição de necessitados de comida, proteção, oração, exorcismo e revelação di-
vina. Jesus Cristo não usa crianças como “modelos”, no sentido de terem compor-
tamento ou exemplos de atitudes humildes, mas porque são totalmente dependen-
tes de cuidados e inábeis, por elas mesmas, de entrar no reino dos céus.
Por isso, parece improvável que Jesus tenha cogitado de que se tornar “como
uma criança”, ou “humilhar-se como esta”, signifique tornar-se um humilde servo
e assim “ser o maior”. Porém, sua resposta é de que aquele que é “como uma
criança”, isto é, que tem as maiores necessidades, que precisa do maior cuidado,
de maior auxílio e maior orientação, esse é o maior no reino dos céus. Falar de
crianças como humildes é certamente referência mais às suas limitações do que
por alguma virtude espiritual ou intelectual.9
Em relação ao versículo 5, Jesus acrescenta a verdade de que os discípulos
deveriam estar ansiosos para receber e ministrar para as “crianças”, os necessita-
dos irmãos na fé. Eles deveriam saber que ministrar para estes “maiores” no reino
dos céus significa ministrar para o próprio Jesus.

3. A ESTRUTURA DE MATEUS 18.1-35


O discurso de Jesus pode ser dividido em duas partes. Cada uma delas, por
sua vez, pode ser dividida em três: 1.ª Parte: A. 18.1-5; B. 6-10; C. 12-14. A
conexão são os termos “criança/crianças” e “pequeninos” (18.2, 4, 5); 2.ª Parte:
A. 18.15-20; B. 21-22; C. 23-35. A conexão é o termo “irmão” (18.15, 21, 35).
Vv. 1-5: Jesus revela que o “maior” no reino dos céus é aquele com maiores
necessidades e que demanda maiores cuidados. É tão importante o
cuidado por eles, que receber e ministrar para esses pequeninos, que
são os maiores, é ministrar para o próprio Jesus.
Vv. 6-10: A preocupação aqui é que os discípulos só não devem receber e
ministrar a esses “maiores necessitados”, como evitar que eles caiam
em pecado grave ou se afastem da fé.

9
MORRIS, Leon. The Gospel According to Matthew. William B. Eerdamans Publishing Company, 1992, p.460.

117
ARTIGOS
Vv. 12-14: Quando um “necessitado” e “dependente” cristão se extraviar,
outros discípulos devem ir atrás. Não basta evita o escândalo, mas
uma ação responsável com um irmão cristão que começou ou se afas-
tou da fé e vida cristã comum. Esta é a maneira que Deus agiria com
aquele que se afasta.
Vv. 15-2010 : Mesmo que o caso seja um pecado pessoal, o discípulo de
Cristo deve ir atrás e procurar, a fim de ganhá-lo outra vez. Se na
parte anterior Jesus ensinou a procurar por alguém que se desviou,
aqui cada cristão tem a responsabilidade de ir atrás, privadamente,
para buscar a reconciliação e restauração da relação horizontalmente
rompida. A urgência dessa atitude de reconciliação é possível perce-
ber no envolvimento da própria comunidade. Caso não haja sucesso
nessa tentativa, a ruptura da relação horizontal deve ser publicada,
no sentido de que houve ruptura com a comunidade inteira e com o
próprio Deus.
Vv. 21,22: Existe limite para esse procedimento?
Vv. 23-35: Tanto quanto o perdão que os cristãos recebem de Deus, o Pai
celestial, assim deve ser na comunidade que está sob o reinado dos
céus, em Jesus Cristo, que veio para salvar seu povo dos seus peca-
dos (Mt 1.21).

4. REFLEXÕES PRÁTICAS
O ensino de Jesus parece indicar que o pecado cometido é diretamente con-
tra um irmão. O contexto no qual ele ocorre é a comunidade dos irmãos. O pecado
não pode ser apenas algo pessoal. Conectando o verbo “ganhar” com “procurar a
que se extraviou”, parece significativo refletir sobre a natureza do pecado e a
situação de “extraviado” deste irmão. O irmão pecador está em risco de romper
sua relação com os demais cristãos11 .
A seriedade disto está no fato de que toda a comunidade pode ser envolvi-
da. E se o resultado continuar sendo a impenitência, ele perde a condição de mem-
bro da igreja. Há uma conexão inseparável entre a relação vertical e horizontal na
vida do cristão. Também é importante notar que o ofendido reconhece que este
pecado é sintomático de um problema maior e sua intenção é cuidar, em amor, do
bem-estar espiritual do irmão pecador.

10
O problema textual pode estar no v. 15, em relação à omissão ou não do [contra ti]. Se nós o considerarmos do texto, então
Jesus se refere ao que fazer numa situação específica, em que um irmão ofendido busca a reconciliação. Se o omitirmos, então
Jesus está falando do que precisa ser feito em qualquer situação de pecado. Gibbs e Kloha entendem que combinando com a
frase “entre ti e ele só”, parece bem provável que o ensino de Jesus diz respeito mais à primeira alternativa.
11
É interessante notar a relação deste “ganhar” com 1 Pe 3.1 e 1 Co 9.19-22.

118
IGREJA LUTERANA
12
5. LUTERO E O TERCEIRO ARTIGO
O centro é a obra de santificação do Espírito Santo e uma das esferas que o
Espírito realiza essa obra é pelo perdão dos pecados, que leva de volta os perdoa-
dos a Cristo. Um outro aspecto interessante é o papel da congregação, a “mãe que
gera e carrega a cada cristão mediante a palavra de Deus” (Livro de Concórdia,
p.453.42). O papel da congregação é importante, à medida que este grupo existe
pelo Espírito, em uma só fé e entendimento e unânimes no amor. Tudo na cristan-
dade é ordenado para se buscar pleno perdão dos pecados. Na cristandade há um
duplo sentido: Deus nos perdoa, perdoamos e suportamos com auxílio uns aos
outros.
Essas frases selecionadas de Lutero confirmam em muitos aspectos a gran-
de ênfase de Mt 18. A congregação é mãe que cuida de seus filhos frágeis, tudo
deve ser feito na direção de se proclamar o perdão dos pecados, bem como esten-
der esse perdão às ovelhas mais frágeis.

6. PROPOSTA HOMILÉTICA
Segundo Abraham Maslow, psicólogo norte-americano, o ser humano tem
necessidades básicas a serem satisfeitas e que são ordenadas hierarquicamente. O
ser humano tem necessidades fisiológicas, de segurança, amor, auto-estima e auto-
realização.
A sugestão é olhar “hierarquicamente” as necessidades espirituais do cristão
e da comunidade e enfatizar a primeira e essencial, o perdão. O perdão de Deus e
entre os irmãos. A relação entre irmãos na fé é preciosa e deve ser honrada e
protegida. Quando isto é colocado em perigo, não pode haver economia de esfor-
ços para restaurar a relação rompida e ganhar o irmão para a comunidade e para
Deus. O texto de Mt 18.15-20 não estabelece regras para a excomunhão, embora
isto também possa fazer parte, mas a “regra de Cristo” é o cuidado com que os
irmãos na fé devem ter uns para com os outros, especialmente os mais necessita-
dos, os maiores no reino dos céus.

Anselmo Ernesto Graff

12
LIVRO DE CONCÓRDIA, Catecismo Maior. São Leopoldo: Editora Sinodal e Porto Alegre: Concórdia, 1993, pp.451-457.

119
DEUS NOS RESSUSCITARÁ
1 Coríntios 15.20-26
(Isaías 42.1-7; João 6.32-44)

1. CONTEXTO ECLESIÁSTICO
Os dois Catecismos de Lutero foram os veículos principais na rápida pro-
pagação da reforma luterana. Publicados em 1529, foram multiplicados e divul-
gados entre as autoridades governamentais e na igreja do século XVI. Contendo
as “partes principais da doutrina da igreja cristã”, os Catecismos anunciaram a
mensagem da salvação e causaram a “reforma” da igreja de então. Diante deste
maravilhoso sumário da doutrina cristã, os dois Catecismo merecem destaque
entre as Confissões Luteranas – na igreja do século XVI e nas Igrejas Luteranas
de todo o mundo ainda nos dias de hoje.
Lutero dizia que, mesmo sendo mestre e doutor, deveria “permanecer
criança e aluno do Catecismo” (Livro de Concórdia – LC, p. 388). Lutero
suplica aos “irmãos pastores e pregadores” que “nos ajudeis a inculcar o Ca-
tecismo às pessoas, especialmente à juventude” (LC, p. 364). E Lutero justifi-
ca o estudo do Catecismo e a necessidade de seu ensino com as palavras: “É
que o Espírito Santo está presente com esse ler, recitar e meditar, e concede
luz e devoção sempre nova e mais abundante, de tal forma, que a coisa de dia
em dia melhora em sabor e é recebida com apreço cada vez maior” (LC, p.
388).
A explicação que Lutero faz dos três Artigos (Deus Pai - Criação; Deus
Filho - Redenção; Deus Espírito Santo - Santificação) do Credo Cristão é, ao
mesmo tempo, um excepcional documento confessional da igreja cristã e uma
profunda oração do cristão. Aqui, Lutero se revela um escritor preciso, um pastor
consagrado, um teólogo “proeminente, insuspeito, experimentado e erudito...”
(Prefácio LC, p. 5). Vale a pena memorizar e incluir nos cultos públicos da igreja.
Neste estudo, devem ser destacadas as palavras do 3º Artigo do Credo que
fala sobre a ressurreição.

120
IGREJA LUTERANA
2. TEXTO
O 3º Artigo do Credo diz: “Creio no Espírito Santo... na ressurreição da
carne e na vida eterna”. A explicação de Lutero diz: “... e no dia derradeiro me
ressuscitará a mim e a todos os mortos, e em Cristo me dará a mim e a todos os
crentes a vida eterna”.
A doutrina da ressurreição tem farta comprovação bíblica. Como
amostragem, apontamos apenas alguns textos que abordam esta doutrina: Is 26.19;
Dn 12.2; Jó 19. 25, 26; 1 Co 15. 20-26; 15. 51; Jo 6. 32-44; 11.25. Há uma centena
de outros textos. Ao apresentar este estudo, importa ler estes versículos.
No Novo Testamento aparecem, especialmente, três termos que falam da
ressurreição: anástasis, substantivo que significa ressurreição; anísteemi, verbo
que significa ressuscitar; egliroo, verbo que significa levantar-se. Estes verbe-
tes têm sentidos diversos, mas apontam sempre ao tema da ressurreição. Os
principais significados são: ressurreição, ressuscitar, reviver, vivificar, levan-
tar-se, erguer-se, retornar à vida, despertar, acordar, ficar de pé, viver de novo.
Sempre como oposto de estar prostrado, estar deitado, estar morto - estar derro-
tado. Sempre com a conotação de acordar, levantar, estar de pé, viver - ser vito-
rioso!
Algumas reflexões sobre a doutrina da ressurreição:
É doutrina escatológica, ou das “últimas coisas”, como o são a morte, a
segunda vinda de Cristo, o juízo final, o fim do mundo, a criação do novo céu e
nova terra. São eventos que ainda estão no futuro, e um dia vão acontecer.
É uma doutrina que pertence aos artigos fundamentais primários da igreja.
A teologia do Novo Testamento sublinha a ressurreição como centro da mensa-
gem cristã. É tão importante que o próprio Cristo se identifica com a ressurreição:
Eu sou a Ressurreição (Jo 11.25).
É puro evangelho, repleto de esperança, consolo e conforto para o cristão.
A morte temporal não é o fim da vida.
A ressurreição dos mortos acontecerá em meio a uma série de eventos: no
dia do 2º retorno de Cristo, no dia do fim do mundo, no dia do juízo final, no dia
da separação dos crentes e descrentes – vida eterna ou morte eterna (Mt 25.46), no
dia do rompimento dos novos céus e nova terra. A Bíblia atribui o ato da ressurrei-
ção ao Deus Triúno, ora ao Pai, ora ao Filho, ora ao Espírito Santo (Jo 5.21; 6.40;
At 2.24). O Deus todo – Pai, Filho, Espírito Santo – agiu na criação, na salvação,
na santificação e assim será no momento da ressurreição.
Todos os mortos, crentes e descrentes, participarão da ressurreição para
receber a vida no céu ou no inferno. Os que, neste dia, estiverem vivos serão
arrebatados e transformados (1 Co 15. 20-22; 1 Ts 4.13-18).

121
ARTIGOS
A nossa ressurreição está alicerçada na ressurreição de Cristo. A ressurrei-
ção de Cristo é a garantia de nossa ressurreição (1 Co 15).
No dia da ressurreição dos mortos haverá a restauração do corpo, a união
entre o corpo e alma, e os mortos em Cristo, com corpo “glorioso e espiritual”,
entrarão na plenitude da vida celestial e viverão eternamente no novo céu e nova
terra (2 Pe 3.11-13; Ap 21).
Apesar dos negadores da ressurreição (Mt 22.23; At 17.32; 1 Co15.12),
confessamos com os cristãos de todos os tempos: Creio na ressurreição dos mor-
tos e tenho certeza que Deus “me ressuscitará a mim... e me dará, com todos os
crentes, a vida eterna”!

3. DISPOSIÇÃO
Introdução
- Importância da doutrina da ressurreição: Cristo se identifica (Jo 11.25);
- Cristo ressuscitou Lázaro já em decomposição (Jo 11. 1-46);
- No juízo final, Deus vai ressuscitar todos os mortos de todos os tempos;
- É evangelho, esperança, consolo – vida.

Tema e partes
CREIO NA RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

I. Porque o Espírito Santo “me chamou, iluminou, santificou e me conser-


vou na fé”;
II. Porque a promessa de Deus é fiel;
III. Porque Cristo venceu pecado, morte e Satanás para me ressuscitar para
vida eterna;
IV. Porque a ressurreição é a porta de entrada para o novo céu e nova terra.

Conclusão
Confessar com os ouvinte as três explicações que Lutero faz dos três Arti-
gos do Credo – destacando a ressurreição.
Ap 21 aponta para “as coisas vivas”.

Leopoldo Heimann

122
IGREJA LUTERANA

VIDA ETERNA
Gálatas 6.1-8
(Joel 3.9-21; João 3.13-21)

1. RELAÇÃO ENTRE AS LEITURAS


Jl 3.9-21 – A volta do cativeiro babilônico e a felicidade de estar de volta
(em Jerusalém) é o símbolo da alegria para o dia derradeiro e poder
desfrutar da vida eterna.
Jo 3.13-21 – É o texto clássico que afirma que a vida eterna recebemos de
presente, graças à obra de Jesus, sem nenhum mérito de nossa parte. A
forma de recebê-la é pela fé em Jesus.
Gl 6.1-8 – É o objeto desta análise. À primeira vista parece que a vida
eterna deve ser conquistada por esforço. Não é, não. Gálatas fala da
liberdade em Cristo de se fazer o que agrada a Deus. Nesta perícope
Paulo fala da semeadura cristã. Toda a vida do crente é uma semeadura
para a vida eterna. A lei é universal. Colhemos o que semeamos.
No Catecismo: “Vida eterna” – a 5ª parte do 3º Artigo: “Creio na vida
eterna”. Vida eterna é sinônimo para céu, paraíso, salvação, felicidade
eterna, tudo o que a Bíblia diz sobre o céu e o que lá desfrutaremos.

2. TEXTO
Morte é notícia, mas vida é atração. Ainda mais, quando é vida eterna.
Alguns dizem que não se deve falar ao homem de hoje sobre a vida eterna.
Isto não lhe interessa. O que ele quer e precisa é a solução para os seus problemas
de hoje. É uma falsa perspectiva. O que o homem de hoje precisa é exatamente a
vida eterna. Porque ela já começa aqui e agora. Jesus disse em Jo 6.47 : “Em
verdade vos digo: Quem crê em mim tem a vida eterna”, já agora. Morte é notícia,
mas para o homem a vida é a atração.
Nos versículos 1 a 8 do capítulo 6 temos uma semeadura de atitudes que
identificam aqueles que já têm a vida eterna aqui pela fé em Jesus.

123
ARTIGOS
Vejamos:
V. 1: Uma atitude que semeia aquele que está indo para a vida eterna é a
brandura com que trata a alguém dos irmãos que “escorregou” e a
quem quer ver também no céu e viver com ele lá. O verbo original
para corrigir é “fazer retornar algo no que deve ser ou como deve ser;
consertar; ouvir para daí ajudar”. E isto no espírito de mansidão, bran-
dura. É tratar o outro do jeito que gostaria de ser tratado numa even-
tual “escorregada”.
Estas faltas aqui não são aquelas mencionadas em 5.19-21. Aqueles são
pecados deliberados e fazem cair da graça. Por isso, não herdam o reino de Deus.
Aqui são faltas, embora pecados, mas faltas que são eventuais. A mansidão se
revela junto com a humildade: cuida também de ti mesmo.
V. 2: É uma segunda atitude na semeadura de quem está indo para a vida
eterna: “ajuda a carregar o peso de companheiros de jornada”. É a
solidariedade de dar o ombro, consolar, ajudar. Ora dou, ora recebo.
Precisamos uns dos outros. Só o pratica quem sabe para onde vai:
para a vida eterna. Ajudar a carregar é aliviar o outro. Isto é imitar a
Cristo: “Vinde a mim.... eu vos aliviarei” (Mt 11.28).
V.3: É um puxão de orelhas para o velho homem. No original o termo para
“se enganar” é o que se expressa também no português: se enganar.
Não tem coisa pior do que enganar-se a si próprio. Imagina estar indo
para o céu, mas acaba no inferno. Na semeadura de atitudes é preciso
toda a atenção. Não corramos o risco de nos enganar a nós próprios.
V. 4: Se existe algo do que o cristão pode “se gloriar” é dizer “que está
fraco”, como Paulo fazia. Ou seja: dizer que toda a sua força vem de
Cristo, ou que é totalmente dependente de Cristo. Isto não é vergo-
nha. Embora mostre sua fraqueza, em Cristo tem tudo. “Tudo posso
naquele que me fortalece” (Fp 4.13).
V. 5: A vida é igual para todos. Cada um levará o seu fardo. Não existe isso
de um ser melhor que o outro. Nossa condição é a mesma: todos
levamos nosso fardo.
V. 6: Uma atitude também positiva na semeadura de quem está indo para a
vida eterna: repartir coisas boas com quem nos trouxe ou ensinou como
ir ao céu. O que sabemos, alguém nos ensinou. O que temos, alguém
nos deu. “Que tens tu que não tenhas recebido?” (1 Co 4.7). O que sei
de Jesus, do céu, da vida eterna, Deus me ensinou por alguém: meus
pais, meus pastores, tu sabes de quem aprendeste. Pois bem, reparte
com aqueles que te deram isso, coisas boas. Coisas boas são gratidão,
carinho, reconhecimento, ajuda, dinheiro, cooperação, etc.

124
IGREJA LUTERANA
V. 7: A inflexível lei: quem planta batatas, colhe batatas. Quem planta urti-
ga, colhe urtiga. Assim: não zombes de Deus. Não ridicularizes sua
Palavra, suas coisas. A lei da natureza é inflexível para todos na se-
meadura. Assim para com Deus, também. Deus não se deixa zombar.
É uma pitadinha de pimenta para meu velho homem.
V. 8: É o versículo maior da perícope: morte e vida eterna. Há semeadura
para a morte: Gl 5.19-21. Carne, no sentido original, não é corpo
físico, mas nossa natureza corrompida. Há semeadura para a vida
eterna: Gn 5.22,23. Vida que nos é dada na regeneração, pelo Espíri-
to Santo. Agora já se vê aqui no mundo quem está indo para a morte,
a separação eterna de Deus no inferno. Já se vê também quem está
indo para a vida eterna. A vida é uma semeadura que identifica a
colheita: ou morte ou vida eterna; ou condenação ou salvação. Aqui
no mundo nossa semeadura precisa do constante regar da Palavra, da
graça, dos sacramentos, o adubo espiritual.
A doutrina sobre a vida eterna é organizada no Catecismo Menor de forma
maravilhosa. Basta abrir o Catecismo e estudá-la.
O que estamos semeando? O que vamos colher? Eu quero a vida eterna.

3. SUGESTÕES HOMILÉTICAS
Tema e partes:
COMO VIVEM OS QUE VÃO PARA A VIDA ETERNA
1. receberam a vida eterna;
2. semeiam atitudes para a vida eterna.

“ANDAI NO ESPÍRITO” (5.16)


1. é o Espírito Santo quem conduz;
2. semeando atitudes para a vida eterna.

Benjamim Jandt

125
PAI-NOSSO: INTRODUÇÃO
Mateus 6.5-8
(Isaías 63. 8-16; 1 João 1.1-3)

1. O QUE É - E O QUE NÃO É - ORAÇÃO!


Na escolha de um título para esta parte do Sermão do Monte de Jesus,
poderíamos colocar: O que é, e o que não é, oração. Jesus ao fazer referência a
esta prática universal de seu tempo, tem consciência das compreensões errôneas
existentes, das práticas mais em voga e até dos absurdos usados pelos seus con-
temporâneos. Por isso, a necessidade de uma explicação inteligível, bem ao nível
de seus ouvintes, compõe uma parte do famoso discurso de Jesus, ou Sermão do
Monte.

2. TEXTO
V. 5: O que não é oração: “E, quando orardes não sereis como os hipócritas...”
Orar é falar com Deus. Só que este falar não é uma falar qualquer, como
também este Deus não é um Deus qualquer. A oração cristã é uma prática que
demonstra comunhão íntima que existe entre um cristão e o Deus verdadeiro,
revelado na Escritura Sagrada. Orar é colocar, com toda a confiança, sem restri-
ções, todas as nossas necessidades, desejos e a situação real em que se encontra o
nosso coração, diante do Pai celestial.
No AT, e mesmo no tempo de Jesus, o isrealita fiel tinha o costume de
observar determinadas horas do dia para a oração. Esta oração era feita em sua
própria casa, em lugares reservados para este fim no templo, ou mesmo nas ruas
(Dn 6.10 e At 3.1). Mas os fariseus usavam a prática da oração para ressaltar a sua
piedade perante os outros, queriam mostrar algo que não eram de fato: eles queri-
am ser admirados por sua religiosidade e, por isso, procuravam os melhores luga-
res no templo, não para orar, mas onde mais pessoas podiam vê-los; nas ruas, a
sua hora de oração ocorria sempre onde havia o maior movimento, onde mais
pessoas podiam observá-los. Eles se colocavam ostensivamente nestes lugares,

126
IGREJA LUTERANA
evidentemente, e com isto também estavam demonstrando qual era seu objetivo:
eles queriam ser vistos e admirados pelas pessoas.
V. 6: O que é oração: “Tu, porém, quando orares...”
Aqui Jesus aponta para a postura correta na oração. Para Jesus, a hipocrisia
não pode estar presente na oração. Ele não restringe a oração para alguns horários
pré-estabelecidos. Sempre que você sentir necessidade de ficar em comunhão
com Deus, sempre que você precisar ficar sozinho diante de seu Deus, então abra
o seu coração e despeje diante dele tudo o que o aflige, sem hesitação ou restri-
ções. E para isto nada melhor do que um lugar onde podemos ficar sozinhos sem
sermos perturbados. Jesus recomenda o quarto, pois lá podemos fechar a porta,
para não sofrermos interferências ou intromissões externas. O nosso quarto fecha-
do é o lugar onde só nós e Deus estamos. E este lugar pode proporcionar-nos
momentos especiais e únicos de comunhão com o nosso poderoso Mantenedor,
querido Salvador e sempre presente Animador.
O cristão que está acostumado com esta prática de oração, descrita por
Jesus, receberá também toda a edificação na sua oração pública, na devoção do-
méstica, como também no culto público. Pois o seu coração já estará treinado
para se concentrar somente no Senhor e assim não ser perturbado por outros pen-
samentos. Jesus enfatiza o fato que a nossa oração deve ser dirigida somente a
uma pessoa: “teu Pai”! E ao descrever Deus como um pai, ele, gentilmente, nos
convida a assumirmos uma postura infantil, a fim de pedirmos a Deus todas as
coisas com toda a confiança, assim como um filho ou uma filha pedem a seu
querido pai.
Vv. 7, 8: A admoestação de Jesus contra práticas absurdas que estavam em
voga no seu tempo: “E, orando, não useis de vãs repetições...” – A
característica fundamental na oração de descrentes é a murmuração
e a contínua repetição de frases ou palavras (1 Rs 18.26 e 19.34).
Estas práticas eram comuns aos ouvintes de Jesus devido ao grande
número de gentios que viviam na Galiléia e que viviam misturados
com o povo de Israel.
A idéia que estava presente nesta prática era de que a insistência e tempo
investidos na repetição iriam amolecer o coração da divindade e, também, de-
monstrava que a confiança do cultuador em ser atendido não estavam baseados no
coração da divindade, mas no modo como eram apresentados os seus pedidos.
Jesus diz que o cristão não deve se assemelhar aos descrentes na prática da ora-
ção, antes pelo contrário, o seu culto deve ser e é completamente diferente.
A oração cristã tem muito mais a ver com o coração do que com a língua. A
oração não se baseia na eloqüência das palavras usadas, mas no fervor e na sim-
plicidade da fé. Palavras bonitas, frases bem colocadas e gestos, por mais emotivos

127
ARTIGOS
que sejam, podem não significar nada além de um discurso humano bem elabora-
do e que pode até nem ser uma oração cristã. A nossa confiança em Deus não se
baseia no modo como nós falamos com Deus, mas antes naquilo que Deus pode
fazer em nós.
Um outro ponto que ressalta o absurdo das muitas repetições é o fato de
Deus conhecer as nossas necessidades mesmo antes de pedirmos qualquer coisa.
Como um pai verdadeiro, ele está preocupado com as necessidades e desejos de
seus filhos e, por isso, ele busca na sua onisciência informações precisas a respei-
to dos nossos problemas, antes mesmo de termos consciência deles (Is 65.24).
Quando oramos não estamos querendo ensinar a Deus o que ele deveria nos
dar, antes pelo contrário, estamos ensinando a nós mesmos a sermos mais agrade-
cidos, pois, ao pedirmos, também estamos confessando a quem estamos pedindo
e reconhecendo de quem recebemos todas as coisas. Deus opera maravilhas na
vida do cristão que vive na prática da oração.

3. PROPOSTAS HOMILÉTICAS - ESBOÇOS


1. Tema: ORAÇÃO
I - O que é oração
II - O que não é oração

2. Tema: ESTAR LIGADO A DEUS


I – Como Deus se liga a nós
II – As aparências podem enganar
III – A linha que nunca está ocupada
IV - As bênçãos de uma vida ligada em Deus

Mario Lehenbauer

128
IGREJA LUTERANA

PRIMEIRA PETIÇÃO
João 17.11-17
(Salmo 103.1-14; 2 Tessalonicenses 1.6-12)

1. COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS
Este trecho é tirado da oração sumo sacerdotal de Cristo. Era quinta-feira
santa. Jesus estava reunido com seus discípulos no cenáculo em Jerusalém, onde
instituiu a Santa Ceia. A grande tarefa da preparação, que durou três anos, estava
completa. Tudo estava pronto para o grande sacrifício. Após uma longa mensa-
gem de despedida, Jesus se dirige ao Pai em oração. Orou em voz alta para que
todos pudessem ouvir.
- Glorifica-me (v.4). Ele pede em primeiro lugar para si. Que o Pai o glorifique,
isto é, o ampare neste seu trabalho sacrificial. Pois, qual é a glória de um carpinteiro?
Sua obra, talvez uma armário ou mesa. Qual a glória de um jogador de futebol? Os
gols! Pois a glória de Cristo, com a qual glorifica o Pai, é sua obra redentora, comple-
tada por sua morte e ressurreição, pela qual os fiéis o glorificam eternamente.
- Pai (v.1). Jesus clama ao Pai. Em todo o trecho, a Trindade é abordada.
Um tema muito polêmico em nossos dias. Vale a pena rever a doutrina da Santíssima
Trindade na dogmática de Mueller e Pieper e do Sumário de Köhler. Quem pode
chamar alguém de Pai? Somente os filhos. Somos todos criaturas, filhos só pelo
renascer, pela água e o Espírito (sacramento e Palavra) (Jo 3.5), pela fé em graça
de Cristo e enquanto na fé. Só estes oram em espírito e verdade. Só estes são
ouvidos pelo Pai. “Por esta palavra, Deus quer atrair-nos carinhosamente, para
crermos que ele é o nosso verdadeiro Pai e nós, os seus verdadeiros filhos, para
que lhe roguemos sem temor, com toda a confiança, como filhos amados ao que-
rido Pai.” (Petições: Introdução, Cat. Menor). Mesmo que para algumas pessoas,
devido às suas más experiências com seus pais (cruéis, viciados), esta palavra não
deixa de ter seu carinhoso atrativo: “para que lhe roguemos sem temor, com toda
a confiança, como filhos amados ao querido pai”. Precisamos deste carinho diari-
amente, pois nossa consciência nos acusa de pecados e quer-nos impedir de cla-
mar ao Pai.

129
ARTIGOS
- Já não estou no mundo (11). Não mais visível. Pai santo, guarda-os. San-
to em contraposição aos pais terrenos e ao seu pedido, guardá-los nesta santa
comunhão, visto estarem num mundo hostil. Para que sejam um. Refere-se tanto
à unidade como aos que no futuro virão a crer, para formarem uma só família, um
só corpo, a comunhão dos santos, invisível, pois não podemos ver a fé no coração.
Por isso confessamos: Creio na santa igreja cristã – a comunhão dos santos.
- Nenhum deles se perdeu, salvo (não exceto, não se trata de uma exceção, de
uma falha por parte de Jesus) o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura
(v.12). Jesus guardou a todos. Judas, que no início creu, estava cheio do Espírito
Santo, foi enviado e voltou louvando a Deus (Lc 9.17-20), depois ele, infelizmente,
abandonou a Jesus. Voltou-se ao diabo. É sua culpa, não faltou amor por parte de
Jesus. Para que se cumprisse a Escritura. Para que (ina) não é determinativo, mas
repousa sobre a presciência de Deus. A presciência de Deus não é causativa.
- Meu gozo completo em si mesmos (v.13). Jesus abriu seu coração diante
deles orando em voz alta. Eles conheceram o amor do Pai e de Jesus. Mais tarde,
após sua morte, ressurreição e a descida do Espírito Santo, compreenderam ainda
melhor a glória de Cristo, sua obra, e a relação entre o Pai e o Filho, e o quanto são
amados por Deus.
- Santifica-os na verdade (v. 17). Coloca-os à parte. Separa-os do profano,
para estarem devotados só ao Pai. Na verdade. A Palavra de Deus é a verdade. Por
esta palavra o Espírito os santifica dia após dia, conduzindo ao arrependimento e
ao consolo do perdão, firmando na fé, de onde brotará toda a força para renunciar
às tentações do mundo e afogar sua natureza carnal. A obra da santificação se
completará quando formos chamado para a eternidade, ou no dia do juízo, então
estaremos livres do pecado original em nossa natureza carnal de onde brotam
diariamente pecados.
- E a favor deles eu me santifico a mim mesmo (v.19). Ambos são enviados
pelo Pai, Jesus e os discípulos, dedicados à obra santa. Jesus vai ao Pai. Sua mis-
são, sua ida, é fundamental. Ninguém o poderá obrigar a isso, ele vai voluntaria-
mente à morte, para se sacrificar pela humanidade e ressurgir, triunfando sobre os
inimigos: pecado, morte e Satanás. Isto é impossível aos discípulos. Mas eles irão
na plenitude da bênção de Cristo (Rm 15.20).

2. PROPOSTA HOMILÉTICA
A oração do nosso sumo sacerdote

1. A glória de Jesus, nosso sumo sacerdote.


- Descreva em que consiste. Toda a obra de Cristo: sua morte, ressurreição,
envio do Espírito Santo e o envio dos discípulos.

130
IGREJA LUTERANA
- O resultado deste trabalho: nossa santificação e adoção de filhos daquele
em que crêem. Temos o privilégio de invocar a Deus como Pai, sem
temor e com toda a confiança. Recebemos o espírito de adoção (Rm
8.15-16). Aproximemos confiantes (Hb 4.16). A palavra Pai nos encora-
ja a orar.

2. Jesus intercede junto ao Pai pelos seus ainda hoje.


- Ele não esquece ninguém. Sua intercessão nos guarda e fortalece.
- Santifica-os. Descreva o processo da santificação: Por sua Palavra nos
leva ao diário arrependimento, nos consola com o perdão, e nos leva a
renunciarmos diariamente ao mundo e as inclinações de nossa carne,
para nos dedicar, ali onde Deus nos colocou, às responsabilidades que
nos conferiu na missão.

3. Nesta missão temos o privilégio de invocar o Pai. Por esta palavra Deus
quer atrair-nos carinhosamente, para cremos que ele é o nosso verdadei-
ro Pai e nós, os seus verdadeiros filhos. Nesta confiança o invocamos
para que nos conceda força e dons necessários para que possamos, por
palavra e vida, glorificar o Pai. E não nos esqueçamos de incluir todos
os trabalhos e a família de Deus: direção da igreja aqui e no mundo,
nossos Seminários, pastores, professores e evangelistas e missionários,
os que sofrem perseguição, os angustiados e aflitos, para que Deus nos
conceda um ministério fiel e os recursos (movendo leigos para a oferta)
para as diferentes tarefas. (Por vezes nossa oração geral é pobre, sem
dúvida, por falta de preparo. Já dizia o prof. Fürbringer: Ouvi ótimos
sermões seguidos de péssimas orações.)

Horst Kuchenbecker

131
SEGUNDA PETIÇÃO
Colossenses 1.9-14
(1 Samuel 8.1-9; Mateus 13.24-34)

1. CONTEXTO
O apóstolo Paulo não conhecia os colossenses quando escreveu sua carta a
eles (1.4; 2.1). Quem cuidava daquela igreja era Epafras, que o apóstolo Paulo
chama de “amado conservo”.
Com pouco tempo de existência, a igreja de Colossos já havia recebido a
infiltração de doutrinas que se desviavam do evangelho. Paulo, provavelmente
preso em Roma, escreve esta carta para alertá-los dos perigos de se desviarem da
doutrina que aprenderam (1.23; 2.4-8, 16-23).

2. TEXTO
V. 9: Paulo pede que Deus encha os colossenses de sabedoria (sofía). “A
palavra indicava, para o grego, excelência mental em seu sentido
mais pleno. O conceito do AT era o de aplicar o conhecimento da
vontade de Deus às situações da vida”. Paulo pede igualmente que
Deus dê entendimento (sýnesis) aos colossenses. “A palavra refere-
se à reunião de fatos e informações tirando conclusões e percebendo
os relacionamentos.” Trata-se de entendimento espiritual (pneumatiké)
que, no NT, tem o significado prevalecente “de, ou pertencente ao
Espírito Santo” (Chave Lingüística do NT grego).
V. 10: Paulo roga que Deus guie os colossenses de maneira que vivam de
modo digno diante de Deus, “frutificando” (karpoforountes – particí-
pio presente ativo) em toda boa obra. “O tempo presente indica que a
produção de fruto, para os crentes, é um processo contínuo e a voz
ativa aponta para a difusão externa ou pode, simplesmente, dirigir a
atenção para longe da energia inerente do produtor de fruto, o cristão,
que é apenas um instrumento” (Chave Lingüística do NT Grego).

132
IGREJA LUTERANA
Passagem paralela: “Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativa-
mente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele
que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus” (Rm 7.4).
V. 11: Paulo ressalta que o fortalecimento vem da força (krátos) da glória
de Deus. Krátos “refere-se à força inerente que se manifesta no do-
mínio sobre outras pessoas. Aqui se refere ao poder que é caracterís-
tica de Sua glória” (Chave Lingüística do NT Grego).
V. 12: Paulo deixa claro que a porção da herança que os colossenses recebe-
ram é uma dádiva de Deus que os fez idôneos, os capacitou
(ikanôsanti) para tanto. Aos presbíteros da igreja de Éfeso, Paulo diz
coisa semelhante: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à pala-
vra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre
todos os que são santificados” (At 20.32).
V. 13: É a ação de Deus que nos libertou (errýsato) do poder (eksousía) das
trevas. Eksousía “significa propriamente ‘liberdade de ação’, isto é,
liberdade para fazer qualquer coisa sem impedimentos. Quando usa-
da em contextos de relacionamento com pessoas, significa ‘autorida-
de’, e, aqui, refere-se ao princípio característico e dominante da re-
gião na qual eles habitavam antes da conversão a Cristo”. Das trevas
Deus nos transportou, transferiu (metéstesen) para o reino de Cristo.
Metístemi é “remover de um lugar para outro, transferir. A palavra
era usada freqüentemente para denotar a deportação de um grupo de
homens ou a remoção deles para formar uma colônia” (Chave lin-
güística do NT Grego).
Passagem paralela: “não há distinção, pois todos pecaram e carecem da
glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a reden-
ção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.22-24).
Deus nos transferiu para o reino do Filho do seu amor (basiléian tou yiou
tes agápes). “O reino de Cristo é o domínio cósmico de Cristo, adquirido por ele
mediante sua morte na cruz e ressurreição pelo poder de Deus. No fim dos tempos
ele entregará o domínio ao Pai. No ínterim escatológico em que vivemos, o senho-
rio de Cristo é manifesto primariamente na Igreja, embora não se esgote nela, e
tem por objetivo reconciliação de todas as coisas com Deus” (Chave Lingüística
do NT Grego).
V. 14: A nova vida com Cristo é motivada pelo perdão dos pecados.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
O apóstolo Paulo recomenda aos colossenses viverem “de modo digno do
Senhor”. Isto está em sintonia com a segunda petição do Pai Nosso, “Venha o teu

133
ARTIGOS
reino”. No Catecismo Menor, Lutero explica que “o reino de Deus vem, na verda-
de, por si mesmo, sem a nossa prece; mas suplicamos nesta petição que venha
também a nós”. E isto sucede “quando o Pai celeste nos dá o seu Espírito Santo,
para crermos, por sua graça, em sua santa palavra e vivermos vida piedosa, neste
mundo e na eternidade”. No Catecismo Maior, Lutero complementa que pedimos
que o reino de Deus venha também a nós “de sorte que também sejamos parte
daqueles entre os quais o seu nome é santificado e seu reino está em vigor”.
Paulo explica aos colossenses que Deus “nos libertou do império das trevas
e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” (v. 13). Isto é o reino de
Deus, conforme Lutero diz no Catecismo Maior: “Mas o que significa reino de
Deus? Resposta: outra coisa não é senão o que ouvimos acima, no Credo: que
Deus enviou ao mundo a Cristo, seu Filho, nosso SENHOR, para que nos redimisse
e libertasse do poder do diabo e nos levasse a ele e nos governasse como rei da
justiça, da vida e da bem-aventurança, contra o pecado, a morte e má consciência.
Para tanto nos deu também o seu Espírito Santo, que nos convencesse disso medi-
ante a sua santa palavra, e por seu poder nos iluminasse e fortalecesse na fé”.
Paulo ora pelos colossenses que eles sejam plenos de conhecimento da von-
tade de Deus, sejam fortalecidos pela glória de Deus e que dêem graças pela he-
rança que receberão com os santos. Isto também está expresso na segunda petição
do Catecismo Maior, quando Lutero diz: “Amado Pai, pedimos que nos dês pri-
meiro a tua palavra, para que o evangelho seja pregado retamente em todo o mun-
do; em segundo lugar, que também seja aceito pela fé, e atue e viva em nós, de
forma que pela palavra e poder do Espírito Santo o teu reino tenha curso entre nós
e seja destruído o reino do diabo, para que não tenha direito nem poder sobre nós,
até que, afinal, seja totalmente aniquilado, e o pecado, a morte e o inferno sejam
exterminados, a fim de vivermos eternamente em plena justiça e bem-aventurança”.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA
Deus nos desafia a vivermos de modo digno
I. Frutificando em toda boa obra
II. Sendo fortalecidos com todo o poder

Raul Blum

134
IGREJA LUTERANA

TERCEIRA PETIÇÃO
1 Timóteo 2.1-4
(Salmo 115.1-18; João 6.28-40)

1. CONTEXTO HISTÓRICO
Paulo está a caminho da Macedônia, mas deixa o jovem pastor Timóteo em
Éfeso com uma função específica: “admoestar a certas pessoas a fim de que não
ensinem outra doutrina” (1 Timóteo 1.3). Paulo não descreve com clareza o que
seja essa “outra doutrina”, mas no decorrer da epístola, seja através de seus ata-
ques a esse ensino (cf. 1 Timóteo 1.3-7; 4.1-3,7; 6.3-5, 20-21) ou por meio de suas
instruções com relação à vida da igreja, fica claro que Timóteo iria enfrentar uma
forma de gnosticismo.
O gnosticismo, mesmo com suas várias ramificações, basicamente apre-
senta uma concepção dualística da realidade: aquilo que é espiritual, o não-mate-
rial, é, em si, bom e aquilo que é material ou físico é, por si mesmo, mau. Essa
visão da realidade não só vai contra a doutrina da criação, mas, em suma, coloca
por terra toda a promessa do Evangelho. Portanto, a tarefa de Timóteo será a de
fazer o ar fresco da “sã doutrina” (1 Timóteo 1.10) soprar entre o povo de Deus –
a igreja, cujo ar havia sido infectado pela gnosis humana. Contra a negação de um
Deus criador e a rejeição de Sua boa dádiva, Timóteo deveria pregar (e ensinar) o
cerne do Evangelho, ou seja: proclamar o Cristo que se fez carne [físico] (1 Timó-
teo 3.16); que veio ao mundo para salvar os pecadores (1 Timóteo 1.15); que se
deu a si mesmo como resgate no topo da cruz (1 Timóteo 2.6), para salvar a todos
os homens (1 Timóteo 2.4); e assim levar a igreja a orar unida por todos os ho-
mens (1 Timóteo 2.1), proclamando a graça universal de Deus, pois esta é a Sua
boa e misericordiosa vontade.

2. TEXTO
V. 1: “Antes de tudo...” . O capítulo 2 de 1 Timóteo consiste de instruções
para o culto público. Paulo exorta para que o culto a Deus fosse a
coisa mais importante (primeira = prwton) na vida dos cristãos em

135
ARTIGOS
Éfeso. Culto – Gottesdienst, tem dois aspectos importantes e
interdependentes: primeiro, o serviço de Deus ao Seu povo na Pala-
vra e Sacramentos; segundo, como resposta, o serviço dos cristãos a
Deus. Aqui, não podemos deixar de fazer a conexão entre o Terceiro
Mandamento e a Terceira Petição. Ao santificar o dia do descanso, o
cristão não apenas coloca Deus em primeiro lugar em sua vida, mas
também é fortalecido e preservado na Palavra e na fé.
“Use a prática de... orações”. A oração não é apenas uma parte essencial
do culto, ela é companheira inseparável do cristão. Aquele que se tornou um filho
de Deus quer estar em comunhão com Ele, seja no culto público, seja em sua
devoção particular. A oração é o pulsar da fé do cristão. O cristão recebeu o Espí-
rito de adoção, baseado no qual ele clama: Aba, Pai (Romanos 8.15).
O Novo Testamento Grego usa sete diferentes substantivos para a palavra
oração e quatro deles ocorrem neste versículo (v.1). O primeiro deles é δεησεις,
que é traduzido aqui por súplica. A idéia aqui é desejo ou necessidade. A oração
brota de um sentimento de necessidade, Deus quer que apresentemos a Ele as
nossas súplicas, pois Ele promete nos ouvir (Salmo 65.2). A segunda palavra é
προσευχη. Esta é a palavra que mais ocorre no Novo Testamento e geralmente é
traduzida por oração, e sempre está associada a orar a Deus. É usada tanto para
oração pública como privada. O contexto sugere que Paulo tinha em mente a
oração no culto, mas a oração particular certamente não está excluída aqui. A
terceira palavra, εντευξις, é encontrada apenas em 1 Timóteo (aqui e em 4.5).
Traduzida como intercessões, parece que o sentido é oração em geral. Essa pala-
vra era usada no sentido de conversação e também de petição. O primeiro sentido
sugere que a oração deveria ser uma conversa com Deus. A última palavra que
aparece nesse versículo é ευχαριστιας, ou seja, ações de graças. A gratidão
deveria ser parte constante das nossas orações. Agradecer a Deus por aquilo que
Ele fez por nós no passado e esperar em fé que esse mesmo Deus irá prover em
nossas necessidades futuras.
V. 2: “Em favor dos reis...”. O termo basileuV, nesse tempo, era aplicado
ao imperador em Roma, bem como a outros governantes de menor
importância. Quando olhamos a história, somos lembrados que na
época em que Paulo escreveu essa epístola, o imperador Romano era
o cruel Nero – o qual mais tarde condenou Paulo à morte – e isso nos
leva a concluir que precisamos orar por nossos governantes, não im-
portando o quão absurdos e injustos eles possam ser. Na explicação
do quarto mandamento, Lutero nos aconselha a não desprezar os
nossos superiores, mas honrá-los, servi-los, obedecer-lhes, amá-los
e querer-lhes bem (cf. Romanos 13.1-2 e 1 Pedro 2.18). A razão de
orarmos pelas autoridades é claramente apresentada no texto, “para
que vivamos vida calma e tranqüila”, dando-nos assim oportunida-
136
IGREJA LUTERANA
de de vivermos a nossa fé em piedade, em suma, fazendo a vontade
do Pai.
V. 4: “Deus deseja que todos sejam salvos”. Qual é a vontade de Deus,
qual é o Seu desejo? Paulo não deixa dúvidas que o querer de Deus é
apenas um – a salvação de todas as pessoas! Na explicação do Cate-
cismo Menor, lemos: “a boa e misericordiosa vontade de Deus é
tudo quanto Ele nos quer fazer de acordo com a sua promessa...”
(pergunta 250). Desde Gênesis 3.15, sabemos que a promessa de Deus
não é outra senão a vinda do Salvador. Quando o Verbo se fez carne
(João 1.14), o amor de Deus foi claramente revelado ao mundo (João
3.16), e a vontade do Pai reafirmada, ou seja “que todo homem que
vir o Filho e nele crer, tenha a vida eterna” (João 6.40).
Aqui é digno de nota o fato que o termo todos aparece seis vezes nesse
breve texto (1 Timóteo 1.1-6), o que de certa forma enfatiza a universalidade do
Evangelho e faz um contraponto à heresia gnóstica que produziu um grupo fecha-
do e exclusivo de intelectuais. A igreja cristã quando ora: “seja feita a tua vonta-
de, assim na terra...”, na verdade ora pelo mundo e pede que a vontade de Deus -
revelada em seu Evangelho - seja proclamada a todos os homens.
Todavia, Lutero nos lembra que há um outro desejo, uma outra vontade
contrariando a vontade de Deus. O diabo se opõe e tenta obstruir o cumprimento
da vontade de Deus. Ele não suporta ver alguém ensinar a verdade ou nela crer. Há
também a nossa própria carne, que é vil e inclinada ao mal, a qual continua moti-
vando o cristão a fazer o mal que ele não quer fazer (Romanos 7.18-20), mesmo
depois de ter sido regenerado e crer na Palavra de Deus. Por último há o mundo,
que é perverso e mau, que tenta nos seduzir com seus encantos e glória passageira
(Cat. Maior – O Pai Nosso, 3ª Petição, 61-63).
V. 4: “Conhecimento da verdade”. A Palavra – em forma de Lei e Evange-
lho, leva ao conhecimento da verdade que liberta (João 8.31-32).
Jesus não é apenas o caminho e a vida, mas Ele é a verdade que nos
leva ao Pai (João 14.6). Eis porque Paulo afirma no versículo seguin-
te (v.5) que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens. Obvi-
amente, esse conhecimento não é algo meramente intelectual, como
se fosse uma realização humana (como queriam os gnósticos), mas é
uma dádiva do Espírito. É o Espírito da verdade que nos guia a toda
verdade (João 16.13; cf. 1 João 2.20,27).

3. APLICAÇÃO HOMILÉTICA
O texto de 1 Timóteo 2.1-4, ligado à terceira petição do Pai Nosso, dá ao
pregador a oportunidade de pregar sobre a boa e misericordiosa vontade de Deus.

137
ARTIGOS
O tema norteador que certamente ajudará pregador e congregação a caminharem
juntos nessa reflexão seria: Oremos para que a Boa Vontade de Deus seja feita
entre nós.
1. A título de introdução, o pregador poderia iniciar com uma pergunta:
“Qual é de fato a vontade de Deus? Qual é o seu querer em relação a
nós? Vez por outra, aqui e ali, ouvimos pessoas dizerem: “Aquela crian-
ça nasceu com aquele ‘probleminha’ porque era da vontade de Deus!”;
uma outra:“Isso aconteceu com aquela família, porque era a vontade
de Deus”; ou ainda: “Se não fosse da vontade de Deus, isso jamais teria
acontecido”. Será que essa é de fato a vontade de Deus, ou isso não
passa de mera especulação e consolo barato?
2. A Escritura é clara quanto aos planos de Deus para nós. Ela afirma que
Deus não deseja o nosso mal ou desgraça, mas antes, um futuro cheio de
esperança e vida (cf. Jeremias 29.11; Ezequiel 18.23). Em suma, a von-
tade de Deus é que: a) creiamos no Evangelho e sejamos salvos (1 Ti-
móteo 2.4) e b) vivamos uma vida piedosa (1 Timóteo 2:2; cf. 1
Tessalonicenses 4.3).
3. Em termos da dinâmica Lei e Evangelho, o pregador pode trabalhar a
tensão existente entre a vontade do diabo, do mundo e da nossa carne,
versus a boa e misericordiosa vontade de Deus.

Ely Prieto

138
IGREJA LUTERANA

QUARTA PETIÇÃO
Provérbios 30.7-9
(1 Timóteo 6.17-19; João 6.44-51)

1. CONTEXTO
O presente estudo homilético reúne os conteúdos dos textos supracitados
e, ao mesmo tempo, aproveita o que Martinho Lutero escreveu em ambos os
catecismos a respeito da Quarta Petição do Pai Nosso: “O pão nosso de cada dia
nos dá hoje”. Aproveitou-se o conteúdo do texto em destaque e procurou-se
complementar com os textos da epístola e evangelho escolhidos para o mesmo
culto.

2. TEXTO
Um belo título para o capítulo 30.7-9, poderia ser: “Uma grande oração” ou
“Dá-me o pão que me for necessário”.
Vv. 7-9: “Duas coisas te peço, não mas negues antes que morra” – A Deus
é que é feita esta oração, e o sábio desejava conseguir algumas coisas
difíceis nesta vida, conforme fica evidente no v. 1. Que Deus afastas-
se dele a mentira e a falsidade, essas duas chagas malignas do ser
humano. Nos provérbios anteriores já notamos como o autor se agas-
tava contra a mentira e a falsidade, até nos tribunais humanos. Esta
agora é a oração de um oráculo, a fim de ser honesto para com Deus
e para com os homens.
“Não me dês nem pobreza nem riqueza: dá-me o pão que me for necessá-
rio” – Esta adorável oração é, ao mesmo tempo, a sincera confissão de um filho
de Deus que reconhece as próprias limitações e imperfeições. Ele temia a pobreza
e tinha medo da riqueza, duas coisas comuns no mundo da época e presentes em
nossos dias. O medo de, estando farto, ficar soberbo e dizer: “Quem é o Senhor?”.
Isso tem acontecido a muitos que, ao enriquecerem, tornaram-se soberbos e se
esqueceram de agradecer e buscar ao Senhor de toda boa dádiva. O apóstolo Pau-

139
ARTIGOS
lo, ao escrever para Timóteo (1 Tm 6.17-17), pede que ele exorte as pessoas ricas
em bens materiais para que estas não venham a se tornar orgulhosas nem confiem
nessas riquezas que são passageiras. Antes, que acumulem tesouros eternos, para
que no futuro possam apoderar-se da verdadeira vida e que, enquanto aqui vive-
rem, sejam generosos com os que têm menos posses e que estejam sempre prontos
a repartir e sejam ricos em boas obras.
“Ou que, empobrecido, não venha a furtar e profanar o nome de Deus” –
O alvo da oração era o nome de Deus, que não devia ser esquecido na riqueza e
profanado na pobreza. Em Mateus 6.11, estão registradas as palavras de Jesus, no
“Pai Nosso”, em que ele diz “O pão nosso o de cada dia dá a nós hoje”, ou seja,
“Tudo o que pertence ao sustento e às necessidades da vida” (Catecismo Menor,
quarta petição do Pai Nosso).
Lutero, ao falar do assunto “pão de cada dia”, afirma que “Deus, na
verdade, também dá o pão de cada dia sem a nossa prece, a todos os homens
maus. Suplicamos, porém, nesta petição que nos faça reconhecê-lo e receber
com agradecimento o pão nosso de cada dia”. Destacamos três questões: a)
Deus dá o pão de cada dia a todas as pessoas más. Isto inclui a nós também,
pois, mesmo estando debaixo da sua graça e sendo de Cristo, precisamos reco-
nhecer que o recebemos sem o nosso mérito. Não somos melhores do que
ninguém. A nossa pecaminosidade também nos coloca na situação de “maus e
perversos”. b) O segundo destaque é que precisamos reconhecer constante-
mente a generosidade de Deus, pois sem ele nada somos e nada podemos fa-
zer. c) Por isso, em terceiro lugar, precisamos ser-lhe constantemente agrade-
cidos.
Vale ainda destacar o que Lutero entende por este “tudo o que pertence
ao sustento e necessidades da vida”: “Comida, bebida, vestes, calçado, casa,
lar, campos, gado, dinheiro, bens, consorte piedosa, filhos piedosos, emprega-
dos bons, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde,
disciplina, honra, leais amigos, vizinhos fiéis e coisas semelhantes”. Atuali-
zando, ainda acrescentaríamos: dá-nos emprego e boa escola para os nossos
filhos.
Também vale a pena conferir o que Lutero escreve no Catecismo Maior a
respeito desta petição. Destacamos: “Quando mencionas e pedes o pão de cada
dia, pedes tudo o que é necessário para que se tenha o pão cotidiano, e, por outro
lado, também pedes que seja eliminado tudo o que o impede”... “Principalmente,
entretanto, essa oração se dirige também contra o nosso inimigo máximo, o diabo.
Pois que todo o seu propósito e desejo é tirar ou obstacular quanto de Deus te-
mos”.
Importantíssimo também é que jamais nos esqueçamos que o pão por
excelência, o que supre as nossas necessidades físicas e espirituais, no pre-

140
IGREJA LUTERANA
sente e no porvir, é aquele que diz de si próprio: “Eu sou o pão da vida ...
Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eterna-
mente; e o pão que eu darei pela vida do mundo, é a minha carne” (Jo
6.48,51).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
a) Somos seres finitos e a morte é certa, no entanto o Pai amado quer sem-
pre nos preservar, mesmo em meio ao sofrimento presente, e nos garan-
tir alegria que vai além desta vida.
b) As “duas coisas” que o poeta pede demonstram a sua humildade e mos-
tram que não é um sujeito ambicioso. Ele quer viver de maneira íntegra
diante de Deus e diante do próximo.
c) Não queremos esquecer de pedir (e agradecer) que Deus nos conduza
na verdade e nos ajude a vivermos de maneira autenticamente cristã.
Que também o peçamos para aqueles que nos rodeiam, governam,
etc.
d) Que nos contentemos com a provisão que Deus nos dá e não queiramos
possuir mais do que todo o mundo, nem que precisemos mendigar o
nosso pão. Ter demais bens materiais poderia tornar-nos auto-suficien-
tes e acharmos que não precisamos mais de Deus. A pobreza, por outro
lado, e a fome, poderiam nos conduzir ao roubo e à profanação do nome
de Deus.
e) Que reconheçamos que somos inteiramente dependentes das mãos
graciosas do Senhor e que sejamos sempre agradecidos. Lembre-
mos também que o mesmo Deus que nos deu a vida e a sustentou
até o presente promete igualmente o pão nosso para cada novo
dia.

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES


Tema: DÁ-ME O PÃO QUE ME FOR NECESSÁRIO
Partes: I. Para que eu não viva na falsidade e mentira (v.8)
II. Para que eu não te negue por causa da fartura (v.9)
III. Para que eu não venha a profanar teu nome por causa da pobreza (v.9)
IV. Para que eu tenha com que acudir ao necessitado (1 Tm 6.18)
V. Para que eu reconheça o Doador e lhe seja agradecido (Catecismo
Menor).

141
ARTIGOS
5. BIBLIOGRAFIA
JONES, Edgar. Proverbs and Ecclesiastes. London: SCM Press LTD, 1961.
KIDNER, Derek. Provérbios: introdução e comentário. São Paulo: Vida
Nova, 1982.
LIVRO DE CONCÓRDIA (Trad. Arnaldo Schüler). Porto Alegre/São
Leopoldo: Concórdia/Sinodal, 1980.
MESQUITA, Antônio Neves de. Estudo no Livro de Provérbios. Rio de
Janeiro: Juerp, 1979.
TOY, Crawford H. A critical and exegetical commentary on the book of
Proverbs. Edimburg: T.&T Clark, 1964.

Paulo G. Pietzsch

142
IGREJA LUTERANA

QUINTA PETIÇÃO
Efésios 4.30-32
(Salmo 32.1-6; Mateus18.21-34)

1. CONTEXTO
A carta de Paulo aos Efésios foi escrita quando Paulo estava na prisão (3.1;
4.1), possivelmente em Roma, entre 60 e 62 AD. Paulo não escreveu Efésios para
fazer frente a problemas que aconteciam na Igreja (como no caso de Gálatas ou as
cartas aos Coríntios). É uma carta com uma profunda reflexão sobre o que é a
Igreja de Cristo. Nesta epístola Paulo fala da Igreja como o corpo de Cristo, como
a Igreja universal (a “santa Igreja Cristã - a comunhão dos santos”, que confessa-
mos no Credo Apostólico). Outro tema importante é a entrada dos gentios na
Igreja. Em Cristo não há diferença entre judeus e gentios. O Evangelho traz a
todos a reconciliação com Deus e os faz corpo de Cristo.
Como de costume nas cartas paulinas, após uma parte de teor mais doutri-
nário, Paulo faz exortações sobre a vida cristã. Aqueles que são corpo de Cristo
vivem a vida cristã em palavras e atos, não apenas no âmbito dos irmãos (congre-
gação), mas na família e sociedade. Nesta carta, as exortações práticas estão colo-
cadas especialmente a partir do início do quarto capítulo. O texto em estudo, por-
tanto, faz parte desta seção parenética, iniciada com a exortação paulina: “Rogo-
vos ... que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados” (4.1).
O contexto imediato (4.25-5.2) trata especificamente do tratamento com o
próximo, falando-lhe a verdade, auxiliando-o em suas necessidades, edificando-o
com boas palavras, enfim, vivendo em amor fraternal, amor este fundamentado
no amor de Cristo, que se sacrificou por nós.

2. TEXTO
Num texto de exortação ao amor fraternal, a menção do Espírito Santo no v.
30 poderia parecer, à primeira vista, um tanto deslocado. No entanto, fica evidente
que a impureza de lábios, que causa mal ao próximo, por trazer risco à unidade do

143
ARTIGOS
corpo de Cristo, depõe contra a vida no Espírito. Com Ele fomos selados, o que
nos garante a herança em Cristo (1.13,14). Além disso, vale notar o vínculo entre
o Espírito e a palavra. Ele, que pela palavra, nos chamou, nos ilumina e santifica,
usa nossas palavras para edificar o próximo. Se as palavras são torpes (v. 29),
como haverá edificação?
A menção do Espírito é significativa ainda por outro motivo. Paulo não
entende a vida cristã como brotando da boa vontade humana (mesmo sendo a
vontade regenerada). A fonte de toda a vida é Deus; o Espírito é o Senhor da vida
(Rm 8.2). A lembrança de que fomos selados como Espírito, “marcados” como
filhos e herdeiros de Deus, é evangelho! Portanto, é palavra que move à vida
cristã.
O mesmo verbo - c a r i , z o m a i - é empregado duas vezes no v.
32. Tendo Deus como sujeito, o verbo está no Aoristo do Indicativo
(e v c a r i , s a t o), denotando uma ação histórica no passado. No outro
uso, tendo a nós como sujeitos, o verbo é empregado no Presente do Particípio
(c a r i z o , m e n o i), indicando ser esta uma ação contínua (habitual),
ligada ao imperativo anterior (“sede bondosos, compassivos”). A ação de Deus,
em Cristo, pela qual veio pleno perdão dos pecados, traz como um dos seus resul-
tados na vida cristã, um viver no perdão ao próximo. Paulo, portanto, não resume
sua exortação a um perdoar circunstancial, mas à prática constante do perdão.
Antes de pronunciar o perdão ao próximo, é preciso ter uma atitude de perdão. Por
quê? Porque em Cristo vivemos do perdão completo e perfeito de Deus.
A relação entre o perdão de Deus e o perdão que o crente oferece ao próxi-
mo não é criação de Paulo. Jesus mesmo insistiu neste ponto, colocando a graça
de Deus em perdoar abundantemente nosso pecado como o modelo para o nosso
perdão (Mt 6.12,14,15; 18.23-35; Mc 11.25; Lc 7.41-47; 11.4). Paulo deixa claro
que nosso perdoar não é condição para que Deus perdoe, mas o oposto é verdade.
O perdão de Deus é base para que perdoemos o próximo.
Martinho Lutero enfatiza a conexão entre o pedido de perdão e as súplicas
em geral: por causa de nossos pecados somos indignos de pedir qualquer coisa a
Deus. Por isso suplicamos que ele nos perdoe. Além disso, diz Lutero, ao orarmos
como Jesus ensinou estamos dizendo que queremos de boa vontade perdoar ao
próximo (Catecismo Menor, 3ª parte, 16).
No Catecismo Maior, Lutero sustenta que o perdão, por ser obra da graça
de Deus, nos é dado no evangelho e, portanto, antes mesmo que o peçamos. No
entanto, ao suplicarmos por perdão estamos reconhecendo e aceitando este per-
dão (CM, 3ª parte, 88). Além disso, menciona a nossa grande necessidade, devido
a nossa carne (89) e a vivermos no mundo, onde é muito fácil sermos levados à
impaciência, ira e vingança (86) e pelo fato do diabo nos assediar constantemente
(87). A menção do nosso perdoar ao próximo é entendida por Lutero como uma

144
IGREJA LUTERANA
“condição”, de certa forma, para sermos perdoados; Lutero explica: “Se tu não
perdoas, então não penses que Deus perdoa a ti. Se, porém, perdoas, então tens o
consolo e a certeza de que se te perdoa no céu. Não em vista do teu perdoar – pois
Deus o faz inteiramente de graça, como prometeu, conforme ensina o evangelho –
mas ele nos põe isso para fortalecimento e segurança, como sinal, a par da pro-
messa, que concorda com esta oração ‘perdoai e sereis perdoados’ (Lc 6.37).”
(95,96).

3. SUGESTÃO DE TEMA
O perdão - fruto do amor
- o amor de Deus por nós traz-nos, em Cristo, o perdão pleno;
- o amor de Deus em nós nos leva a perdoar o próximo.

Gerson Luis Linden

145
SEXTA PETIÇÃO
Tiago 1.12-18
(Salmo 25.1-12; Mateus 4.1-11)

O texto proposto trata da tentação: “E não nos deixes cair em tentação”. O


título é uma petição, a sexta do Pai Nosso, em que se pede para sermos amparados
a fim de não cairmos nela. Analisemos, pois, este texto do apóstolo Tiago, con-
frontando-o com a sexta petição do Pai Nosso, ensinada por Jesus.

1. A SERIEDADE DO ASSUNTO
V. 12: o primeiro ponto que, à luz do texto, queremos destacar, é que “tenta-
ção” é um assunto sério. Muito sério. Tão sério que Jesus o incluiu na
oração que ele nos ensinou, como uma petição a ser sempre de novo
renovada. Como isso ele está afirmando que a tentação atinge a todos
os cristãos e, especialmente os cristãos. Por isso também o apóstolo
Tiago aponta para este conceito de seriedade ao começar o seu texto
com o termo “bem-aventurado”. Bem-aventurado é quem “suporta” a
tentação, aquele que “não cai nela”, aquele que é “perseverante.” E
conclui lembrando mais um elemento que aponta para a seriedade da
tentação, ao dizer que o aprovado receberá a coroa da vida eterna.

2. A TENTAÇÃO PARA O MAL NÃO VEM DE DEUS


Vv. 13-17: “Ninguém, ao ser tentado, diga: sou tentado por Deus; porque
Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo não tenta ninguém
... Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do
Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mu-
dança.” Deus é santo. Sendo santo, é perfeito. E, perfeito, não existe
mal nele e nem há prática de mal em seus atos. Ele é a fonte de todo
o bem e de toda boa dádiva.
“Ninguém, ao ser tentado, diga: sou tentado por Deus.” É comum ouvir-
mos dizer, ou nós mesmos, querendo nos desculpar de erros e pecados, darmos a

146
IGREJA LUTERANA
culpa aos outros, quando não ao próprio Deus, dizendo: “Deus me fez assim. Não
posso ser responsabilizado pelo mal que pratiquei.”
“São lá do alto.” Esta expressão provavelmente é posta em lugar de “são
de Deus” a fim de evitar a citação direta do nome “Deus”. Este nome geralmente
era substituído por expressões como “ céus” ou “alto”. Assim com “lá do alto”,
Tiago quer dizer “vêm da parte de Deus”.
“Pai das luzes.” Com este conceito, o apóstolo aponta para o poder criador
de Deus. Ser pai, ou criador das luzes – sol, estrelas, cometas etc. – coloca Deus
na condição de ser digno de confiança, de ser a fonte de todo o bem.
“Em quem não pode existir variação ou sombra de mudanças.” Deus não muda. O
mesmo Deus que criou o universo, que libertou o povo da escravidão, que operou median-
te o seu poder, continua sendo o mesmo Deus poderoso e capaz de ser a fonte do bem e não
do mal. Podemos confiar que a tentação para o mal, portanto, não vem de Deus.

3. DE ONDE, ENTÃO, PROCEDE A TENTAÇÃO PARA O MAL?


a) A tentação para o mal vem de nós mesmos (vv. 14 e 15).
“Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o
atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o
pecado, uma vez consumado, gera a morte.”
Aqui o apóstolo coloca uma interessante figura: Coloca a cobiça como mãe,
o pecado como filho, e a morte como neta. Realmente, atrás de todos os pecados,
está a cobiça, este desejo de realizar algo contrário à vontade de Deus ou de ter
algo ilícito. Esta concebe o pecado. E o salário do pecado a que a cobiça nos leva,
é a morte (Rm 6.23). É a nossa própria carne, inclinada para o mal, que facilmente
sucumbe diante da tentação. Esta realidade, portanto, é a primeira que nos con-
vence de que nós mesmos não podemos vencer as tentações.
b) A tentação vem do mundo
Lutero, em seu Catecismo Maior, explica o mundo do qual procede a tenta-
ção: “O mundo que nos ofende com palavras e obras e nos impele a cólera e
impaciência. Em resumo, aí nada há senão ódio e inveja, inimizade, violência e
injustiça, infidelidade, vingança, imprecação, ralho, maledicência, orgulho e so-
berba, juntamente com excesso de adorno, honra, fama e poder, onde ninguém
quer ser o menor, mas cada qual quer sentar-se à cabeceira e ser visto antes de
qualquer outro.” (Comentário da Sexta Petição, 103).
Nem parece que isto tenha sido escrito há mais de 450 anos. Estas coisas
todas estão presente nas relações humanas de hoje, bem como nas novelas e nos
filmes em nossos lares. Esta é a outra realidade que nos convence de que nós
mesmos não podemos vencer as tentações.

147
ARTIGOS
c) A tentação vem do diabo
Mais uma vez nos valemos do Catecismo em que Lutero afirma que, junta-
mente com a fraqueza da nossa carne e a força deste mundo, está o “diabo tentan-
do nos enganar e seduzir a crenças falsas, a desespero, ou a qualquer outra gran-
de vergonha ou vício”. Nunca é pouco dizer que a obra do diabo consiste em
tentar arrancar-nos da fé, da esperança e do amor e levar-nos à superstição, à
negação e a blasfemar contra Deus. Quem, senão com o socorro do Pai das Luzes
e com a força que vem do alto, poderá resistir?

4. O QUE NOS RESTA FAZER?


A nós, nada. Nada, senão buscar o auxílio que o salmista buscou, quando
disse: “A ti, Senhor, elevo a minha alma. Deus meu, em ti confio; não seja eu
envergonhado, nem exultem sobre mim os meus inimigos. Com efeito, dos que em
ti esperam, ninguém será envergonhado” (Sl 25.1-3). Pela oração e pela súplica,
devemos buscar as forças para vencer as tentações, em Deus.
Podemos, e devemos também, seguir o exemplo que Jesus nos deixou quando
foi tentado pelo diabo, e responder às tentações: “Está escrito: Ao Senhor teu
Deus adorarás, e só a ele darás culto” (Mt 4.10). Na Palavra de Deus que alimen-
ta e fortalece a nossa fé e a confiança e nos dá a força de Deus que afasta o diabo
como, pelo “está escrito”, Jesus o afastou.
O apóstolo Tiago nos mostra o que o salmista já sabia e o que Jesus já
apontou: “Toda boa dádiva e todo o dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai
das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (v.17). É
em Deus, Criador, Poderoso que nós temos o poder para superar as tentações.

5. E POR QUE HAVERIA DE DEUS NOS PROVER DE FORÇAS PARA VENCER


O DIABO, O MUNDO E A NOSSA PRÓPRIA CARNE?
“Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para
que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (v. 18). Deus nos gerou.
Pelo batismo nascemos de novo como disse Jesus (Jo 3.1-15). Agora somos filhos
amados de Deus, somos as primícias, isto é, alvos de todos os privilégios que os
primogênitos tinham nas famílias judaicas. E o apóstolo Tiago usa esta figura
precisamente para mostrar aos seus conterrâneos, e a todos nós também, a impor-
tância que nós temos diante de Deus como seus filhos. Somos as principais dentre
todas as criaturas de Deus. E é por isso que ele nos provê da força necessária para
vencermos as tentações. Os primogênitos tinham primazia na família, como ve-
mos em Gn 48.13, 14; 27.4, 29 e 35; Dt 21.17; 1 Sm 20.29 e outros.

6. PROPOSTA HOMILÉTICA
E não nos deixes cair em tentação

148
IGREJA LUTERANA
A tentação é alvo de gracejos e pouco caso.
A tentação é usada como desculpa para pecados: “Deus me fez assim...”
Mas a tentação é coisa muito séria.
É tão séria que Jesus introduziu, na oração do Pai Nosso, um pedido de ajuda
contra ela, junto com os pedidos de outras coisas necessárias para a nossa vida.

I. A tentação para o mal não procede de Deus


- Deus é lá do alto
Ele é do céu. É perfeito. Nele não há mal nenhum
- Deus é o Pai das Luzes
Ele é poderoso, é Criador. Tem todo o poder.
- Deus não muda
Ele é eterno. Nele não há variação, nem sobra de mudança.

II. De onde, então, procede a tentação?


De nós mesmos – nossa fraqueza humana, inclinada para o mal
Do mundo, cheio de males
Do diabo, o pai da mentira.

III. Como podemos resistir às tentações?


Oração
Apego à Palavra de Deus
Confiança no poder de Deus

IV. Por que Deus faria isto por nós?


Porque ele nos gerou pelo batismo – somos seus filhos amados.
Porque ele nos deu a condição de primazias entre todas as criaturas.

Paulo K. Jung

149
SÉTIMA PETIÇÃO
Lucas 6.6-10
(Salmo 71.1-12; Romanos 7.21-25)

1. CONTEXTO
O relato de Lucas 6.6-10, o homem da mão ressequida, é um exemplo claro
de como Satanás promove o mal e de como Jesus livra do mal. Para promover o
mal, Satanás se utiliza até dos líderes da igreja de Deus. É o que observamos no
texto em questão, onde escribas e fariseus, os chamados doutores da lei, firmados
em suas tradições, concentram todas as suas energias no policiamento a Jesus
para ver se ele iria curar um homem em dia de sábado, só para poderem acusá-lo.
Aliás, todo o contexto anterior de Lucas 6.6-10 gira em torno desse assunto.
Jesus, em momentos diferentes, desmascara a religião vazia e ritualista e redireciona
o foco para o que é de acordo com os propósitos divinos: 1) Na cura do paralítico em
Cafarnaum, 5.17-26, ele mostra aos escribas e fariseus questionadores que ele é
Deus e tem autoridade para perdoar pecados; 2) Na vocação de Levi , 5.27-32, Jesus
deixa claro que ele veio buscar e salvar os pecadores, pois “os sãos não precisam de
médico, e sim os doentes”; 3) Na questão do jejum, 5.33-39, Jesus mostra que a paz
e a alegria são encontradas nele e não em rituais vazios; 4) E finalmente, na questão
do sábado, 6.1-11, Jesus mostra que a religião não consiste em cumprir regras e leis,
mas em fazer o bem e salvar a vida do próximo necessitado (v 9).

2. TEXTO
V 6: Lucas era médico. Ele observa e relata com detalhes que este homem
tinha a mão direita aleijada, ou ressequida, conforme Almeida. Mateus
e Marcos apenas mencionam que o homem tinha uma das mãos alei-
jada. Era, provavelmente, alguma forma de atrofia muscular. Mais
uma vez o confronto de Jesus com os líderes religiosos de Israel está
ligado à observância da Lei, especificamente o sábado. Está em ques-
tão a observância da lei e de tradições judaicas em contraste com
Jesus, a verdadeira religião.

150
IGREJA LUTERANA
V. 7: Escribas e fariseus observavam Jesus com olhos críticos. “Ficaram
espiando Jesus com atenção”, lemos na NTLH. Eles esperavam que
a cura ocorresse, não para poderem se alegrar e dar graças a Deus,
mas para terem motivo para acusar Jesus como transgressor da lei do
sábado. Isso é obra do maligno, que semeia o mal e desvia o foco de
Jesus e da verdadeira religião: fazer o bem e salvar.
V 8: Mateus afirma que os fariseus perguntaram a Jesus se era lícito curar o
homem em dia de sábado (12.9-14). Lucas diz apenas que Jesus co-
nhecia os pensamentos deles e por isso passou a agir, chamando o
homem para o meio de todos. Jesus colocou o homem deficiente no
centro de todas as atenções para mostrar a todos que ele está acima
do sábado, ele está acima de todas as tradições, e está, também, aci-
ma de todo o mal que o pecado produz no mundo e na vida humana.
Todos deveriam presenciar e testemunhar o que Jesus iria fazer.
V 9: O problema não é o homem com a mão aleijada. O problema é a mente
perversa e diabólica dos escribas e dos fariseus, o que faz com que
Jesus dirija sua pergunta principal a eles: O que é permitido fazer
nesse dia: o bem ou o mal? Salvar alguém da morte ou deixar mor-
rer? O que diz a nossa Lei sobre o sábado? Jesus lhes mostra que não
fazer o bem significa fazer o mal e, não salvar, significa deixar mor-
rer. Não existe um meio termo. A tradição judaica até admitia curar
alguém em dia de sábado, quando houvesse risco à vida. Mas Jesus
coloca a questão em outro nível: ou fazemos o bem ou fazemos o
mal. E ainda: ou salvamos a vida ou a matamos!
Satanás faz o mal. Ele promove o mal no mundo das mais diferentes for-
mas. Jesus veio para destruir as obras do maligno (1 João 3.8) e nos livrar do mal.
V 10: Jesus olha ao redor, como que dando tempo e oportunidade para
alguém reagir. Marcos (3.4) menciona que “eles ficaram em silên-
cio”. Diante da ordem de Jesus, de estender sua mão, o homem ficou
curado.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
3.1 – Na sua explicação sobre a sétima petição, Lutero escreve: “Em grego
esta sentença reza assim: ‘Livra ou guarda-nos do mau ou maligno’ e
parece exatamente como se falasse do diabo, como se quisesse compre-
ender tudo numa palavra, para que a suma inteira da oração toda se
dirija contra este nosso inimigo principal” (Catecismo Maior).
3.2 – Um outro enfoque que Lutero dá para a sétima petição é o seguinte:
“Não obstante, está incluído também o que de mal nos pode suceder sob

151
ARTIGOS
o reino do diabo: pobreza, vergonha, morte, e, em resumo, toda a des-
venturada miséria e dor, que existe em profusão inumerável na terra”
(idem).
3.3 – Diante disse, a atitude recomendada por Lutero é: “Por isso não temos
outra coisa que fazer na terra senão rezar incessantemente contra esse
inimigo principal. Pois se Deus não nos protegesse, nem por uma hora
estaríamos em segurança contra o diabo” (idem).
3.4 – O texto bíblico em questão apresenta o mal, pelo menos, de duas
maneiras: a) o homem aleijado, com sua deficiência; b) a ação diabólica
dos escribas e dos fariseus, líderes religiosos do povo de Israel, que se
levantam contra Jesus. Nas duas questões Jesus livra do mal: Ele cura o
homem aleijado e direciona o foco da religião para si próprio, que cura
e salva.
3.5 – J.C. Ryle, no seu comentário sobre este evangelho, acrescenta mais
um ingrediente. Ele afirma que a pergunta de Jesus: “É lícito, no sábado,
fazer o bem ou o mal” confronta sua atitude de curar o homem aleijado,
num sábado, com a atitude perversa dos escribas e fariseus que, no sába-
do, tramavam contra a vida de Jesus. Mateus acrescenta que, “retirando-
se, porém os fariseus, conspiravam contra ele, sobre como lhe tirariam a
vida” (Mt 12.14).
3.6 – A pregação pode ressaltar as diferentes maneiras como o Maligno
promove o mal. Uma delas é quando ele interfere na pregação do evan-
gelho, enganando aqueles que estão incumbidos da pregação e do ensi-
no (caso dos escribas e fariseus); quando o foco da religião é colocado
sobre obras humanas, sobre exigências e ameaças (caso da guarda do
sábado) e não sobre Jesus, que cura e salva.
3.7 – Também pode ser destacado o aspecto de que a oração “livra-nos do
mal” também significa empenho em fazer o bem. Porque a pergunta de
Jesus, se é lícito fazer o bem ou o mal, não prevê um caminho interme-
diário. A igreja que suplica pela libertação do mal também precisa ser
uma igreja empenhada em fazer o bem.
3.8 – Tanto mais necessário se faz orar incessantemente: Livra-nos do mal!
Livra-nos de todo o mal que pode sobrevir ao nosso corpo: doenças,
deficiências, tristezas e depressões. Livra-nos de tragédias provocadas
pelo ser humano ou pela natureza. Livra-nos de nos ocuparmos com o
mal, de planejarmos o mal, como os escribas e fariseus. Livra-nos de
nos desviarmos de Jesus, colocando o foco da religião e a esperança em
obras humanas. Em resumo: livra-nos da influência do Maligno!

152
IGREJA LUTERANA
4. PROPOSTA HOMILÉTICA
Tema: Fazer o bem ou fazer o mal?
4.1 – O mal
Promovido por Satanás de diferentes formas;
Presente no mundo e no ser humano pecador (Rm 7.21-24).

4.2 – O bem
Jesus fez o bem (Sua obra redentora) (1 Jo 3.8);
Jesus livra do mal.

4.3 – O desafio da Igreja


Orar: livra-nos do mal (Sl 71);
Fazer o bem – testemunhar o amor de Jesus e ajudar as pessoas (curar e
salvar);
Confiar em Jesus (Rm 7.25).

Reinaldo M. Ludke

153
CONCLUSÃO

TEU É O REINO
Lucas 23.32-43
(Salmo 103.15-22; Romanos 8.19-30)

Nessa série de estudos sermônicos sobre os Catecismos, chegamos a um


ponto em que não há texto do Catecismo a comentar. Afinal, Lutero não incluiu e
nem explicou a Doxologia do Pai-Nosso (Mt 6.13b) em seus Catecismos, embora
tenha feito isso em alguns de seus sermões. Ele terminou o Pai-Nosso com um
simples “amém”, seguindo o texto da Vulgata. Como explica Albrecht Peters
(Kommentar zu Luthers Katechismen – Band 3: Das Vaterunser, p. 15), a Doxologia
foi introduzida no texto do Catecismo Menor depois da morte de Lutero, por volta
de 1558, na esteira de outros catecismos evangélicos, que incluíam essa Doxologia.
É bem verdade que, em sua tradução da Bíblia, Lutero tem a Doxologia
(“Denn dein ist das Reich und die Kraft und die Herrlichkeit in Ewigkeit. Amen.”),
pois segue o texto grego editado por Erasmo. Este havia publicado, em 1516, o
seu Novum Instrumentum, que trazia uma forma de texto que viria a ser conhecida
como textus receptus. Este é um texto grego expandido, ou seja, um texto grego
no qual entraram glosas e outros acréscimos não autorizados à luz de manuscritos
mais antigos, entre os quais está o texto de Mt 6.13b. Lutero valeu-se da segunda
edição do texto de Erasmo, que saiu em 1519.
Hoje a Doxologia não é mais aceita como original, como mostram os col-
chetes na Almeida Revista e Atualizada. Ela não consta nos mais antigos e melho-
res manuscritos (Sinaiticus, Vaticanus, Codex Bezae) e também não aparece em
comentários patrísticos (Tertuliano, Orígenes e Cipriano). Tudo indica que se
tratava de uma aclamação do povo, em resposta ao Pai-Nosso, talvez baseada em
1 Cr 29.11-13, que acabou incorporada ao texto bíblico. Não sendo texto, é preci-
so reconhecer que, a rigor, o Pai-Nosso católico, sem a Doxologia, é mais “corre-
to” do que o evangélico. No entanto, também é verdade que o Pai-Nosso
Ecumênico, conforme orientação do CONIC, sempre termina com a Doxologia.
Ainda bem que não estamos pregando o Catecismo, e sim os textos bíblicos aos
quais o Catecismo aponta. Assim, mesmo que a Doxologia não apareça no Catecismo,
ainda podemos falar do reino, do poder e da glória de Deus, por serem temas bíblicos.

154
IGREJA LUTERANA
Dos textos selecionados para este culto, além de Lc 23.32-43, também Sl
103.15-22 toca em temas que aparecem na Doxologia. O v. 19 fala do reino do
SENHOR que domina sobre tudo. O v.17 diz que o amor de Deus, o SENHOR,
dura para sempre. Esse tema do “para sempre” encontra eco na Doxologia e
contrasta com a transitoriedade do ser humano (vv.15,16).
O texto de Lc 23.32-43 mostra que o reino do Pai (“Pai nosso ... teu é o
reino”) é também o reino do Cristo (“lembra-te de mim quando vieres no teu
reino”, v. 42). Também deixa claro que não se pode falar do reino longe da cruz,
embora esse tema do “Cristo entronizado ou glorificado na cruz” apareça com
maior destaque no evangelho de João. Mostra também que ser rei e salvar são
duas coisas que andam lado a lado. Ser rei é dizer “Pai, perdoa-lhes ...” Por outro,
o reinado de Cristo é um reinado oculto, sob a cruz. É um reinado contestado,
alvo de zombaria, mas que mesmo assim traz a promessa: “estarás comigo no
paraíso”.
Quanto à cena da crucificação – e agora vamos a alguns detalhes do texto –
é interessante que, segundo Lucas, Jesus foi levado à cruz sem ter sido açoitado, e
a cruz foi, a rigor, carregada por Simão, um cireneu (v. 26).
No v. 32, a ordem das palavras no original grego (“também outros malfeito-
res dois”) poderia sugerir que também Jesus era malfeitor, dando, assim, razão ao
pregador descuidado que se saiu com esta: “Jesus foi crucificado no meio de ou-
tros dois ladrões (sic)”. Para evitar o mal-entendido, muitos manuscritos inverte-
ram a seqüência das palavras para “também outros dois, malfeitores”. As tradu-
ções, é claro, não refletem essa dificuldade textual, dizendo com clareza: “tam-
bém eram levados outros dois, que eram malfeitores” (ARA).
O v. 33 fala do lugar chamado Calvário ou Caveira. Em grego aparece o
termo kraníon, donde nos vem “crânio”. Em aramaico é “Gólgota”. Calvário nos
chega por via do latim, e também tem algo a ver com “crânio”. É difícil dizer se
o lugar tinha esse nome por causa de algum detalhe geográfico (uma colina em
forma de caveira), ou por ser um lugar de execução de criminosos (lugar das
caveiras). O texto bíblico, em todo caso, nunca afirma que se tratava de um mon-
te ou colina, razão por que o “monte” do Calvário precisa ser tirado da lista do
“montes famosos na Bíblia”.
A oração de Jesus no v. 34, “Pai, perdoa-lhes ...”, não aparece em importan-
tes manuscritos gregos antigos (papiro 75, Codex Vaticanus, etc.). Parece inter-
romper o fluxo da narrativa. No entanto, nenhum editor do texto grego ousa
omitir essas palavras, mesmo que as inclua entre colchetes, e um colchete duplo.
Além da tradição e do apoio de outros manuscritos, essa oração tem a marca da
verossimilhança, ou seja, combina bem com o “espírito” de Jesus. Segundo o
relato de Lucas, Jesus morre em atitude filial, invocando o nome do Pai (v. 46).

155
CONCLUSÃO
A zombaria dos circunstantes aparece em ordem decrescente da dignidade
dos que se manifestam: primeiro as autoridades (23.35), depois os soldados (v.
36), e por fim um dos malfeitores (v. 39).
A cena dos dois malfeitores (23.39-43), que é exclusividade de Lucas, se
constitui em ponto alto do relato da crucificação em Lucas. Nela aparece outra
declaração da inocência de Jesus (v. 41). No entanto, o destaque maior é a mani-
festação do amor salvador de Cristo para com um membro da escória da humani-
dade.
O malfeitor fala do reino de Jesus. O tempo é vago ou indefinido: “quando
vieres”. Jesus responde com um “hoje” e fala do paraíso. Como observou
Ambrósio, “o favor concedido foi maior do que o pedido feito”. Por outro lado,
mais importante do que discutir “paraíso” é notar que Jesus diz, “estarás comigo”.
Outra vez citamos Ambrósio: “Ter vida é estar com Cristo, porque onde Cristo
está, ali está o reino”. E logo lembramos de Fp 1.23.
Portanto, falar do reino é falar de Cristo. Proclamar o reino (e o reino só
pode ser proclamado, esperado, etc. jamais “edificado”) é pregar Jesus Cristo.
Ele é, como disse Orígenes, autobasileia, isto é, “o reino em pessoa”. Também
fica claro, à luz disso, que reino, no Novo Testamento, é uma realidade dinâmica,
não um espaço físico ou um domínio territorial. Falar em reino é dizer que al-
guém é rei.
Outra confusão comum, a ser evitada, é pensar que reino e igreja são a
mesma coisa. O reino de Deus cria a igreja, e a igreja é o povo do reino. A igreja
dá testemunho do reino, que é Cristo. A igreja é instrumento do reino, ao mesmo
tempo em que é guardiã do reino. Os poderes do reino (a Palavra de Deus em
palavra e sacramentos) estão atuantes na igreja, constituindo-se também em “marcas
da igreja” (notae ecclesiae). Agora, igreja e reino, embora relacionados, não são a
mesma coisa.
Teu é o Reino! O reino é Cristo. Venha o teu Reino! Amém.

Vilson Scholz

156
IGREJA LUTERANA

TEU É O PODER
Romanos 1.16,17
Salmo 68.28-35; Lucas 4.1-13

Estou pronto para anunciar, pois “não me envergonho”.

V. 15: pro - qvvumia: / qumos,(protumía / tumós) em Thayer designa algo


como ferver de raiva, o que pode dar uma idéia mais intensa deste
estar pronto de Paulo. Proqumiva pode ser visto mais como uma
disposição mental sobre uma ação já decidida: Mt 26.41, Mc 14.38:
“O espírito está pronto.” Ambos os evangelistas empregam a mesma
expressão que, em Jesus, denota uma decisão que não mais está su-
jeita a reconsiderações.
Epaisxunw: estar envergonhado à conta de algo que deve ficar
oculto.
A biografia de Paulo não era algo de que alguém pudesse se orgulhar, vi-
vesse ele no primeiro século, descendente de judeus de certa linhagem e de famí-
lia de prestígio no contexto de Tarso.
Como judeu, pesava contra ele o estar comungando a sua vida de maneira
imprópria e até indevida com pessoas de vida e costumes contrários à herança
religiosa herdada dos pais através dos séculos. Dessa forma pisava aos pés, en-
vergonhava, sua própria linhagem e origem. Essa atitude não podia ser ignorada
pelos judeus onde quer que passasse. Mesmo para os judeus cristãos, Paulo era
uma ofensa. Se bem que a carta de Jerusalém tivesse autorizado Paulo a receber
os “outros”, os gentios, em nome de Cristo, podemos fazer uma boa idéia de
quantas gerações precisam passar para que certos preconceitos e tradições sejam
questionados e, mais, eliminados, se é que jamais o serão.
Paulo está possuído de uma determinação para ele sem retorno: ele está
determinado a se fazer presente em Roma. Essa determinação é algo que não
nasce dele. Essa determinação está na própria natureza daquilo que o move inti-
mamente. É mais do que vontade. É um poder que toma conta e põe a pessoa no

157
CONCLUSÃO
estado de estar pronta, estar determinado a superar obstáculos de toda ordem.
Esse poder é maior do que o ser humano, mas é poder que se apossa da humanida-
de no Jardim do Getsêmani.
Em Jesus está o poder do Pai que está pronto a salvar a humanidade. Esse
poder se manifesta vitorioso na cruz ao esmagar todas as acusações que envergo-
nham o ser humano diante de Deus. Ninguém mais tem motivos para se envergo-
nhar de seus pecados diante de Deus. Pelo poder de Deus, Jesus se submeteu à
vergonha maior.
A cruz desoculta o poder de Deus de salvar o pecador da sua vergonha
diante de Deus. Esse é o poder supremo de Deus, maior e mais digno de ser exal-
tado acima de todos os poderes de Deus. Ter sido agraciado com o perdão de
Deus é ter-se apropriado do poder que remove montanhas, que transforma univer-
sos, que reduz o Cristo à condição de culpado e vergonha, mas que exalta à mais
alta glória os pecadores, especialmente os maiores pecadores, como Paulo, “pois
persegui a igreja de Deus”.
O ser humano tende a exaltar poderes que acrescentam glória ao ser huma-
no. Também entre os cristãos, as doxologias se erguem às grandes realizações
humanas. Já os discípulos se perguntavam por quem seria entre eles o mais im-
portante. Pararam extasiados diante das grande colunas do templo em Jerusalém.
Ficaram pequenos e acovardados quando as suas espadas se revelaram frágeis
para defender o Mestre no Getsêmani. Era-lhes difícil assimilar o poder que mo-
via o seu Mestre e por conseqüência o seu Reino. Aquele a quem era dado todo o
poder no céu e na terra, pede aos seus discípulos que sejam fortes e poderosos da
maneira como ele se mostrara forte e poderoso conforme enviado pelo Pai. Quem
não for como uma criança, na singeleza de uma fé dependente da força alheia, não
entra no Reino.
A decisão de estar com o pecador, ao lado do fraco e humilde, exige um tipo
de poder que o mundo e o ser humano por si só não reconhecem como tal e não
aceitam. Não há méritos nem forças na natureza humana capazes de fazer-nos
mensageiros da graça de Deus. Somos corrompidos demais, absolutamente cor-
rompidos, para que possamos sentir a compaixão divina por nós próprios e menos
ainda pelo próximo. Somente a visão da cruz pode nos dar vislumbres do que
significa o poder da graça no evangelho da salvação.
Resta-nos apontar para a cruz: Pois teu é o poder. Ali se trava a maior bata-
lha, o embate das maiores forças. Embate esse que faz com que as batalhas huma-
nas, por mais cruéis e destrutivas, não passem de pobres imitações. Porque a nos-
sa luta não é contra carne e sangue, mas contra as forças espirituais do mal nas
regiões celestes, afirma o Apóstolo. Nessa, que é a verdadeira batalha, somente o
poder que levou Cristo à cruz pode ser realmente chamado de poder.

158
IGREJA LUTERANA
Jesus aponta para esse poder na parábola do Pai e seus dois filhos em Lucas
15. A experiência desse poder, tiveram pessoas como Saulo e Davi. Estar perdido
e ser salvo é uma experiência que marca e muda a perspectiva que alguém pode
ter de, de Deus e, especialmente, da relação de Deus com o ser humano. O poder
de Deus se revela na fraqueza, acrescenta Paulo. O poder que Deus aponta como
objeto da fé é o poder da sua promessa de salvação realizada em Jesus. Estar
salvo é estar na constante dependência dessa graça, consciente de que de nós nada
somos além de pecadores em constante luta contra o pecado.
Teu é o poder é o suspiro de alívio que o afogado deixa escapar assim que
atinge a superfície e percebe a graça divina inundando seus pulmões. É um suspi-
ro que dura do batismo até à morte, arrancados que somos por Deus da nossa
perdição.

Tema: Teu é o poder


O poder enganoso das realizações humanas diante
do poder da cruz que resgata e salva.

Paulo P. Weirich

159
TUA É A GLÓRIA
Romanos 6.1-4
(Isaías 40.1-5; João 17.1-10)

1. CONTEXTO
Contexto litúrgico: a leitura do AT (Is 40.1-5) destaca a mensagem de Deus
ao seu povo, anunciando a ação de Deus para preparar o caminho do Messias,
através do qual o Senhor mostraria a sua glória a toda a humanidade. A leitura do
Evangelho (Jo 17.1-10) apresenta a oração sacerdotal de Cristo, palavras através
das quais Jesus enfatiza que, por sua obra, estava revelando a glória de Deus ao
dar a vida eterna àqueles que crêem no Filho.
Contexto da carta aos Romanos: após destacar a ação de Deus ao criar uma
nova condição para o ser humano, opondo a situação anterior do ser humano con-
denado sob a revelação da ira de Deus (Rm 1.18-3-20) à situação atual do ser
humano sob a revelação da justiça de Deus (Rm 3.21-5,21), o apóstolo Paulo
ataca a maneira de pensar de muitos: já que é tão grande a graça de Deus, vamos
torná-la ainda maior pecando, para que recebamos mais perdão; ou como o após-
tolo havia expresso este pensamento em Rm 3.8: “Pratiquemos males para ve-
nham bens”. A graça de Deus, diz o apóstolo, é o remédio para que o ser humano
abandone o pecado, pois o torna uma nova criatura. A glória de Deus revelada na
ressurreição de Cristo faz o cristão viver em novidade de vida (Rm 6.4).

2. TEXTO:
V.1: “Permaneceremos no pecado” – o verbo no presente do subjuntivo
indica a prática do pecado como um hábito. Se o ser humano é salvo
exclusivamente pela graça de Deus, por que mudar de vida? Por que
não continuar pecando, para que “seja a graça mais abundante?” –
o verbo no subjuntivo expressa propósito.
V.2: “De modo nenhum!” – ou seja, que tal não aconteça conosco, que não
seja esta a nossa maneira de viver. Como viver no pecado, se para ele
morremos, em Cristo?

160
IGREJA LUTERANA
Vv.3 e 4: Paulo apresenta o mistério do Batismo, que é Deus em ação: água
+ Palavra de Deus = batismo em Cristo Jesus = morrer com ele e ser
ressuscitado com ele. Não é um batismo diferente daquele feito com
água e em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, um “batismo
espiritual”, como gostam de dizer alguns. A ação de Deus no ato
físico do batismo, seja de criança ou de adulto, dá a fé e faz com que
aconteça com a pessoa aquilo que aconteceu com Cristo – ele é colo-
cado numa nova vida, a vida com Cristo, a vida sem fim.
Lutero: “A cerimônia externa consiste em sermos submersos na água, que
nos cobre inteiramente, e em sermos depois tirados novamente. Essas duas partes,
submergir na água e voltar e emergir, indicam o poder e o efeito do batismo, os
quais outra coisa não são que a mortificação do velho homem, e, depois, a ressur-
reição do novo homem” (CM, 4a parte, 65 – LC, p. 483).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
a) A glória de Deus se revela naquilo que, para o ser humano, parece não ter
valor. Na água acrescida da palavra de Deus está a plenitude da glória de
Deus, pois seu poder glorioso age para fazer com que nasçamos e mor-
ramos com Cristo e, assim, vivamos uma nova vida, eterna e gloriosa.
b) A glória de Deus se revela na obra do Filho (Jo 17), e ela se torna presen-
te em nossas vidas pois somos o alvo da ação salvífica de Deus. Nossa
nova vida, em Cristo, é resultado da glória de Deus presente no Batis-
mo.
c) Lutero: “Vê-se, destarte, quão grande e excelente coisa é o batismo, que
nos arranca das fauces do diabo, nos torna propriedade de Deus, subjuga
e tira o pecado, e depois fortalece diariamente o novo homem, e sempre
opera e permanece, até que desta miséria passemos à glória eterna.”
(CM, 4a parte, 83 – LC, p. 485)

4. PROPOSTA HOMILÉTICA
Objetivo: Capacitar o cristão para que, motivado pela graça de Deus, viva a
nova vida em Cristo.
Moléstia: Nosso velho homem quer continuar em pecado, usando inclusive
a desculpa destacada por Paulo – “praticar o mal para que venha o bem”. A “velha
vida” nos separa de Deus.
Meio: A glória de Deus que ressuscitou a Cristo também torna nova a nossa
vida, estando presente no Batismo, que “sempre opera e permanece”.

161
CONCLUSÃO
Tema: A vida na glória de Deus
I – É vitória sobre o pecado
1. Permanecer no pecado para aumentar a graça
2. Maneiras atuais de fazer o mal para receber o bem
3. A vitória de Cristo sobre o pecado – morte e ressurreição
4. Nossa vitória sobre o pecado, no Batismo
II – É estar em novidade de vida
1. A nova vida iniciada pelo Batismo
2. Nascidos como filhos de Deus – lema da IELB
3. O Batismo sempre opera e permanece
4. O viver diário do Batismo – Lutero

Rony Ricardo Marquardt

162
IGREJA LUTERANA

AMÉM
Isaías 25.1-9
(Apocalipse 3.14-22; Mateus 19.23-30)

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
“Amém” – é a conclusão do Pai-Nosso. Jesus conclui a oração que Ele
ensinou a seus discípulos com “Amém”. É um termo de pronúncia igual no grego
e no hebraico. Começa lá no Antigo Testamento. Da raiz desta palavra (!ma)
se origina o termo “fé”, “fidelidade” (hn’ W ma/ ) . Portanto, Amém signifi-
ca dizer algo como “eu confio”. Por essa razão Lutero, no Catecismo Menor,
explica o que significa “Amém”. Ele afirma: “Devo estar certo de que estas peti-
ções [do Pai-Nosso] são agradáveis ao Pai Celeste e ouvidas por ele; pois ele
mesmo nos ordenou orar desta maneira e prometeu atender-nos. Amém, Amém,
isto significa: Sim, assim seja!”

2. TEXTO
Após uma profecia de juízo no capítulo 24, o profeta, numa espécie de
antífona, insere um cântico de louvor, como ocorrera após os capítulos 10 e 11. O
Deus que acaba de manifestar julgamento nos vv. anteriores e revelado salvação
para o Seu povo, é o mesmo Deus do profeta a quem este pode buscar com toda a
confiança. O Deus que julga as nações é o Deus que ouve a oração do Seu povo
individualmente. Ele é Yahweh, o Deus da aliança, cujo nome, ou seja, Deus mes-
mo, o profeta exalta. Os termos “maravilha” e “conselhos” trazem à mente o cap.
9.5 indicando que o advento do Messias não está longe do quadro. O que Deus fez
apenas Ele pode fazer; são maravilhas que se assemelham à ação de Deus na saída
do Seu povo do Egito. Para o povo de Deus, a destruição das nações inimigas e a
conseqüente libertação desse povo são fatos que estão longe do horizonte do povo.
Em situações adversas, é mais difícil lembrarmos as promessas de Deus. Contu-
do, Deus está no controle da situação. Seus “conselhos” já fizeram história. Desde
a “antiguidade” eles são “fidelidade” (hn’ W ma/ ) e “certeza” (!m, a o ) .
Para eles Deus diz “Amém!”.

163
CONCLUSÃO
O v. 2 dá a razão para o louvor. Um dos maravilhosos conselhos que o
SENHOR cumpre é a destruição da cidade má. A referência não é a
Jerusalém. O mais provável é que seja a Babilônia ou até mesmo a
cidade no sentido genérico. Destruir a cidade é destruir a sua identi-
dade e com ela a “glória” dos que se têm por poderosos (cf. 40.6).
O v. 4 apresenta mais uma razão para que o SENHOR seja exaltado: Ele é
“fortaleza” e “refúgio” do pobre e necessitado. A designação é um
contraste óbvio com “povos fortes” no v. 3, que se apresentam como
opressores.
O v. 6 muda o enfoque. “Neste monte... todos os povos” combina particulari-
dade com universalidade. O monte, evidentemente, é Sião. Já no AT
aplica-se a todos os habitantes da “cidade santa”; no NT, como em
nossa liturgia e hinos, o termo é uma referência à igreja. Todos os que
vêm à festa são convidados do SENHOR . É o próprio rei quem convi-
da. No Antigo Oriente Próximo a festa normalmente ocorria por oca-
sião de coroação do rei (cf. 1Sm 11.15; 1Rs 1.9, 19, 25). Nessa ocasião
o rei presenteava os convidados com honra. Este parece ser o pano de
fundo deste texto. “Banquete de cousas gordurosas” - para um povo
que não vê necessidade em se preocupar com índices de colesterol, as
partes gordurosas da carne eram as melhores partes (Sl 36.8; 63.6).
Nos sacrifícios, estas partes eram queimadas ao SENHOR, exclusivas
Dele (Lv 3.3; 4.8-9). Mas aqui Deus está presenteando Seu povo com
o que é exclusivo do próprio Deus. “Vinhos velhos” (~yrmv de rmv) é
o vinho que permaneceu guardado, decantado para tornar-se claro e
puro: é o melhor vinho (cf. Jr 48.11; Sf 1.12).
Vv. 7 e 8 mostram que o povo vem para o grande banquete com o véu sobre
suas faces. Conectando-se este v. com o v. 8, vê-se que a referência é
ao véu ou mortalha da morte. Antes que os seres humanos possam
desfrutar a alegria da festa de Deus, algo deve ser feito com relação à
maldição universal, que cobre e entristece toda a humanidade. E esta
ação apenas Deus pode assumir. Tanto no v. 7 quanto no v. 8 o verbo
é [lb, que significa “engolir”, “tragar”. O verbo em outros lugares é
usado como equivalente a fazer desaparecer, tomando para si mes-
mo. Após a expulsão do jardim do Éden, a morte traga a tudo e a
todos e não pode ser tragada por ninguém das criaturas. Convive-se
com a morte a todo momento e em todos os lugares. Deus, entretan-
to, é o único que pode tragar a Morte (no texto está com artigo; ela é
personificada), no monte Sião. Que outra relação há senão com a
morte e ressurreição de Cristo, a razão última pela qual se pode cele-
brar a festa? Nele a Morte foi tragada para sempre e para todos os

164
IGREJA LUTERANA
povos da terra (Rm 6.14; 1Co 15.12-57; 1Ts 4.14; Ap 1.17, 18; 21.4).
Esta é a última libertação. Podemos ser libertados da escassez e opres-
são, mas até que sejamos libertados da morte as demais libertações
são “café pequeno” porque a Morte sempre ainda vence (Is 40.8).
“Deus enxugará as lágrimas” é uma figura que demonstra carinho e conso-
lo paternos à criança que se encontra aflita. Deus tirará a tristeza associada à
inevitabilidade da morte. “E tirará o opróbrio do seu povo” é o resultado da vitória
de Deus sobre a morte e o Seu oferecimento da celebração da vida. O pecado
(natureza, inclinação, disposição) do povo trouxe vexame aos olhos das nações.
Mas, naquele dia, ao tornarem para o monte Sião, toda a vergonha, decepção,
fracasso terão sido apagados da vistas dele e de todos os povos.
O v. 9 fala em esperança e salvação. “Esperar” (hwq) é um termo teologi-
camente importante no AT. Cristãos também se lamentam, choram e se entriste-
cem na presença da morte, mas não o fazem como os que “não têm esperança” (1
Ts 4.13).
Certamente a Morte ainda continua a “ceifar” vidas, mas está com seus dias
contados. Já foi vendida por Deus. Ela é o último inimigo a ser tragado por Ele.
Enquanto isso, o povo de Deus, a “cidade santa” continua cada domingo a celebrar
a festa do “dia do Senhor” (Ap. 1.10) e a “exultar e alegrar-se na sua salvação”
porque vive na esperança e no aguardo da ceia com Aquele que na história e na
promessa é o Amém de Deus para conosco. (cf. o Evangelho do Dia: Ap 3.14-22).

3. SUGESTÕES HOMILÉTICAS
1. Um pastor me contou que uma congregada sua estava hospitalizada com
câncer em estado terminal. Ela recebeu a visita de uma amiga que lhe
disse que tudo o que a paciente precisava fazer era orar e confiar e que
Deus a curaria. Um dia antes de essa pessoa falecer, este pastor a visitou
e ela lhe disse que não podia mais orar. A pessoa que visitou esta senho-
ra lhe tinha dado a falsa idéia de que se tivesse bastante fé, Deus lhe
daria o que pedisse. Os médicos haviam dito que ela teria apenas poucos
dias de vida. Como não houve melhora, ela concluiu que não tinha fé
suficiente. O que dizer para uma pessoa que ficou desesperada com tal
mentira? O pastor só tinha uma coisa a fazer e ele a fez. Segurou a mão
dessa senhora e lhe disse: “Jesus falou: ‘Quando orardes, dizei: Pai nos-
so que estás nos céus’. Jesus disse: ‘Quando orardes’, não ‘se tiverdes fé
suficiente para orar’”. E o pastor continuou a lhe dizer: “Ore assim: ‘Pai
nosso...’ Jesus lhe deu esta oração, ela é sua. A senhora pode fazer sem-
pre esta oração, seja qual for a dificuldade”. E oraram em conjunto a
oração que Jesus nos ensinou, concluindo com um confiante “Amém!”.
“Amém, Amém, isto significa: Sim, assim seja!”

165
CONCLUSÃO
2. A pergunta, contudo, precisa ser feita: “Será que é assim que pensamos
quando dizemos “Amém”? Será que confiamos que Jesus é o Amém de
Deus para conosco? E o que acontece quando a situação se agrava e não
se enquadra nas nossas expectativas? Podemos aprender com o profeta
Isaias: “Ó SENHOR, tu és meu Deus; exaltar-te-ei a ti e louvarei o teu
nome, porque tens feito maravilhas e tens executado os teus conselhos;
desde a antiguidade são fidelidade e certeza”.
3. O texto aborda a questão da universalidade-particularidade-universali-
dade. Todos os povos estão envoltos com a “coberta” e o “véu” da mor-
te. Sião, onde se materializa a salvação, é o único lugar onde todos po-
dem buscar guarida.
4. Ao nos aproximarmos do final do ano, nos lembramos de festas e cele-
brações. Mas não há celebração maior do que a que Deus nos prepara –
o pão da vida do qual nos alimentamos pela Sua Palavra; seu corpo e
sangue oferecidos por nós para perdão dos pecados; a água que nos faz
nascer para a vida eterna. Ao comer e beber dizemos “Amém” à pro-
messa de que nos reunimos com anjos e arcanjos e com toda a compa-
nhia celeste ao redor do banquete divino.
5. A morte, ao adentrar o universo da humanidade, mostra-se uma vencedo-
ra imbatível. Mas, esse monstro que traga a tudo e a todos será tragado
pelo Monstro maior - o SENHOR dos Exércitos - que a faz desaparecer
engolindo-a na sepultura de Cristo que se abre, se fecha e novamente se
abre para trazer a vida e vida em abundância.
6. Para alguns de nós as celebrações do final de ano serão sem a presença de
um ente querido. Celebrações têm uma aura que nos fazem lembrar de
alguém que já não está conosco. É um vazio difícil de ser preenchido.
Embora difíceis, as celebrações de Advento e Natal tornar-se-ão ainda
mais significativas. Apenas a ação divina interferindo no processo “na-
tural” da morte e destruindo, aniquilando seu poder, desperta a esperan-
ça da participação de todos no grande banquete escatológico.

4. SUGESTÃO DE TEMA
Jesus, o Amém das promessas de Deus para conosco.

Acir Raymann

166
IGREJA LUTERANA

BATISMO: LAVADOS EM NOME DE DEUS


Êxodo 30.17-21
(Atos 2.36-40; Mateus 28.16-20)

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Para Lutero, a importância da Palavra no batismo encontra-se no início da sua
explanação no Catecismo Menor. “Batismo não é apenas água simples; mas é água
compreendida no mandamento divino e ligada à palavra de Deus”. Neste sacramento
Lutero se serve da formulação de Agostinho, ou seja, a Palavra e o elemento se unem
para formar o sacramento. Mais do que qualquer coisa, o batismo é, para Lutero, o
sacramento missionário ou sacramento evangelístico pelo qual a pessoa é transferida
de um senhorio para outro ou de um domínio para outro. O Evangelho do Dia (Mt
28.16-29) enfatiza esta realidade quando Jesus institui o batismo para todas as nações.
É no batismo que elas se agregam debaixo do senhorio e do domínio salvífico de
Cristo. Não é sem razão que o contexto do batismo está atrelado à Sua ressurreição. O
batismo, de certa forma, nos torna conhecedores da ressurreição de Cristo de entre os
mortos. Para Lutero este fato é bastante relevante, razão pela qual ele conclui a quarta
parte do Catecismo Menor citando Romanos 6.4: “Fomos sepultados com Cristo na
morte, pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela
glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida”.

2. CONTEXTO
O contexto histórico e geográfico da narrativa que compreende o estabele-
cimento do culto e do Tabernáculo em Êxodo acontece no sopé do monte Sinai.
Teologicamente falando, para o nosso texto é fundamental atentar para a palavra
“modelo” no cap. 25.9. A referência é para a tipologia no seu sentido vertical. O
Tabernáculo é, na verdade, um modelo, uma miniatura, um reflexo, uma cópia do
templo celeste. É o SENHOR quem dá o “mapa” do tabernáculo e de seus utensí-
lios, não o povo de Israel. No céu está o trono de Deus, mas Deus precisa “encarnar-
se” num lugar especial no meio dos seres humanos por causa do estado pecamino-
so em que estes se encontram.

167
CONCLUSÃO
Nos capítulos 25-31 de Êxodo, Deus está “prescrevendo” as instruções para
a construção do tabernáculo e nos cap. 35-40 a narrativa se repete “descrevendo”
como as orientações de Deus foram detalhadamente seguidas. A “descrição” da
bacia de bronze se encontra em 38.8.

3. TEXTO
As dimensões da bacia de bronze não são mencionadas. Apenas Arão e seus
filhos a utilizavam e, por isso, provavelmente não era de grande tamanho, ao
contrário do “mar de bronze” salomônico, este sim, de grandes proporções (cf. 1
Rs 7). (Há que se levar em conta também que a bacia de bronze precisava ser
transportada pelos sacerdotes.)
A bacia era de bronze como todos os demais utensílios do átrio. Conforme
38.8, era fabricada com o bronze dos espelhos das mulheres que serviam ao SE-
NHOR na porta do tabernáculo. Tais mulheres, segundo 1 Sm 2.22, dedicavam
sua vida ao serviço religioso, ao jejum e à oração como Ana o fazia (cf. Lc 2.37).
Os espelhos das mulheres anteriormente usados para despertar o aplauso do mun-
do, agora são dedicados para o ritual e embelezamento do culto divino.
V. 21 descreve que a bacia situava-se entre a tenda da congregação e o altar
dos holocaustos. Importante neste v. é a função da bacia de bronze. Ela continha
água para “lavar”. O verbo #xr é muito comum no Antigo Testamento. Tam-
bém seu sentido é comum. A primeira vez que ocorre é em Gn 18.4, num contexto
do cotidiano, sem qualquer denotação cúltica. Aqui no texto, evidentemente, há
um sentido específico, teológico, envolvido pelo ritual. Logo, pode-se ver que
embora o termo seja comum, o que caracteriza sua propriedade teológica é o seu
propósito. No caso de “lavar”, a finalidade determina a semântica.
O v. 22 diz que tanto o sumo sacerdote como os sacerdotes, que serviam no
tabernáculo, nela lavavam suas mãos com as quais tocavam as coisas sagradas e
seus pés com os quais tocavam a “terra santa” (cf. 3.5). O lavar-se era imprescin-
dível para se iniciar um contato com Deus e as coisas de Deus. Depois de se lavar
e purificar, Arão e seus filhos podiam sacrificar no altar ou entrar no tabernáculo
para adorar mediante o queimar do incenso. A expressão “para que não morram”
nos vv. 20 e 21 indica que a consagração não lhes atribuía um character indelebilis
nem mesmo os protegia contra impurezas da nação pecaminosa no meio da qual
viviam ou da sua própria natureza, que ainda estava afetada pela corrupção e pelo
pecado.

4. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
1. “Batizar”, em si, significa “lavar”. Mas “lavar” tem vários sentidos. Para
lavar a louça você utiliza um pano. Ambos são mergulhados na água,

168
IGREJA LUTERANA
mas apenas a louça fica lavada. Você não diz que neste processo o pano
de louça também foi lavado, apesar de estar junto com a louça. Este
mesmo pano pode lavar a mesa, embora a mesa não seja mergulhada na
água. Portanto, a quantidade de água que se emprega não é o ponto
principal. A bacia de bronze não continha muita água. Lavando as extre-
midades implicava lavar a totalidade. O ponto principal é o propósito
que se tem ao lavar. O batismo é um lavar, mas um lavar especial, cúltico,
regenerador.
2. Batizar significa lavar em nome de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. É o
propósito que torna o lavar um lavar regenerador. Se não for administra-
do em nome da Trindade, o batismo não é batismo.
3. No batismo Deus se “encarna”, na água e na Palavra, de sorte que ao
sermos batizados, o somos para dentro do Seu “nome”, ou seja, para
dentro do próprio Deus.
4. O lavar de Deus pelo batismo é, como entende Lutero, o lavar que se
traduz em sacramento evangelístico do qual todos necessitam e pelo
qual todos recebem remissão de pecados e o dom do Espírito Santo (At
2.38).

5. TEMA:
Batismo: Lavados em Nome de Deus.

Acir Raymann

169
BATISMO: UM LAVAR QUE RENOVA
2 Reis 5.1-3, 9-14
(Tito 3.3-7; João 4.46-54)

1. CONTEXTO
a. A leitura do AT (2 Rs 5.1-3,9-14) apresenta a história de Naamã, coman-
dante do exército sírio, que foi curado de sua lepra pela ação de Deus
através do profeta Eliseu.
b. A leitura da Epístola (Tt 3.3-7) destaca o amor de Deus manifesto no fato
de nos salvar através do Batismo, “o lavar regenerador e renovador do
Espírito Santo” (v. 5).
c. A leitura do Evangelho (Jo 4.46-54) chama a atenção para o poder da
palavra de Deus. Não é pela sua presença física ou por algum ato mági-
co que Deus age, mas pelo poder inerente de sua palavra, como ficou
claro no segundo milagre feito por Jesus, a cura do filho do funcionário
público de Cafarnaum.

2. TEXTO
Vv.1-3: a primeira parte da perícope destaca o fato de Naamã ser um ho-
mem de renome, um instrumento através do qual Deus dera a vitória
à Síria. Em sua casa trabalhava uma menina israelita que, vendo a
doença de seu senhor, lamentou que o mesmo não estivesse em
Samaria para ser curado pelo profeta.
Vv.9-14: Com toda a pompa, Naamã vai até o profeta Eliseu. Espera ser
recebido como uma grande personalidade, mas o profeta nem mes-
mo fala diretamente com ele. Apenas lhe dá a orientação de que este
deveria lavar-se sete vezes no Rio Jordão. Naamã fica decepcionado.
Havia imaginado um exorcismo – “Pensava eu que ele sairia a ter
comigo, por-se-ia de pé, invocaria o nome do Senhor, seu Deus,

170
IGREJA LUTERANA
moveria a mão sobre o lugar da lepra e restauraria o leproso” (v.11).
Além do mais, ter que lavar-se no Jordão? A qualidade da água dos
rios de Damasco era muito melhor. Naamã resolve voltar para casa,
mas seus oficiais o aconselham carinhosamente a fazer o que Eliseu
havia dito. E Naamã o faz e é curado de sua lepra.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
a. A ordem de Eliseu para Naamã mostra que a cura vem não como algo
mágico ou dependente da pessoa, mas exclusivamente como dádiva de
Deus. Assim é o Batismo: “com a palavra de Deus a água é batismo, isto
é, água de vida, cheia de graça, e um lavar de renascimento no Espírito
Santo” (Lutero, Catecismo Menor, IV, 10 – LC, p. 376).
b. A água do Rio Jordão não era para lavar as feridas, como imaginou Naamã,
mas para renovar o ser inteiro, como acontece no Batismo: “Por isto,
quanto ao batismo, todo cristão tem matéria suficiente para aprender e
exercitar-se a vida inteira, pois sempre tem o que fazer para crer convic-
tamente o que ele promete e traz: vitória sobre o diabo e a morte, remis-
são dos pecados, a graça de Deus, o Cristo inteiro e o Espírito Santo com
os seus dons. Em suma, tão rica é a coisa, que a acanhada natureza,
quando nela pondera, bem pode duvidar sobre se é possível que seja
verdade. Pois considera um caso: se houvesse um médico que tivesse a
ciência de fazer que os homens não morressem, ou então, ainda que
morressem, fazer que depois vivessem eternamente, como não iria o
mundo nevar e chover dinheiro, de modo que por causa da multidão de
ricaços ninguém mais conseguiria acesso! Agora, aqui no batismo, se
traz, gratuitamente, à porta de todos um tal tesouro e uma medicina que
traga a morte e mantém a todos os homens em vida. É assim que deve-
mos considerar o batismo e no-lo tornar de proveito, para que, quando
os pecados ou a consciência nos oprimem, nos fortaleçamos e console-
mos com isso, e digamos: “Todavia, estou batizado; mas se estou batiza-
do, então tenho a promessa de que serei salvo e terei a vida eterna de
alma e corpo”.” (Lutero, CM, 4a parte, 41-44 – LC, p. 479-480).
c. Naamã passou a viver uma nova vida a partir da sua cura. Deus agiu em
seu coração e o tornou limpo. Da mesma forma, o batismo nos renova,
pois ele “não apenas significa essa vida nova, mas também a opera,
inicia e promove. Porque nela se dão a graça, o Espírito e o poder para
subjugar o velho homem, a fim de o novo surgir e se fortalecer. Por isso
o batismo sempre permanece, e posto alguém dele caia e peque, todavia
sempre temos acesso a ele, para de novo submeter o velho homem”
(Lutero, CM, 4a parte, 75-77 – LC, p. 484-485).

171
CONCLUSÃO
4. PROPOSTA HOMILÉTICA
Objetivo: Confiar no Deus que age através do Batismo para nos dar uma
nova vida, uma vida com ele, eterna e sem fim.
Moléstia: A natureza humana nos faz esperar uma ação espetacular de Deus
para dar vida eterna e não nos deixa confiar na promessa de Deus.
Meio: Deus age para salvar pela sua palavra de salvação que, unida à água
do Batismo, nos dá perdão, vida e salvação.
Tema: O Batismo é um lavar que renova
I – Pela ação de Deus na palavra unida à água
II – Para a vida eterna com Deus

Rony Ricardo Marquardt

172
IGREJA LUTERANA

OFÍCIO DAS CHAVES


Êxodo 32.1-14
(1 Coríntios 3.1-11; João 20.19-23)

O nosso texto bíblico aponta para a ruptura e a renovação da aliança do


Senhor com Israel. Aqui Deus se manifesta como o Deus que faz prevalecer a
misericórdia e o perdão sobre o juízo, a sua ira e o castigo. E esta misericórdia e
este perdão de Deus se manifestam ainda hoje em nossas vidas.
V. 1: “Mas, vendo o povo que Moises tardava em descer do monte, acer-
cou-se de Arão e lhe disse: Levanta-te, faze-nos deuses que vão adi-
ante de nós; pois, quanto a este Moisés, o homem que nos tirou do
Egito, não sabemos o que lhe terá sucedido.” À conclamação de
Deus, Moisés subiu no meio da nuvem espessa que cobria o Monte
Sinai, à presença de Deus. Ali permaneceu durante quarenta dias
(24.18). Impaciente o povo esperava em baixo, proibido por Deus de
se aproximar do monte. Quarenta dias foi tempo suficiente para o
povo se corromper e cair na idolatria. O povo se acercou de Arão, o
sumo sacerdote, e pediu-lhe que lhes fizesse deuses que fossem adi-
ante deles. Mais do que isto, o povo esqueceu-se da poderosa mão de
Deus que o tirou do Egito através do mar, e o alimentou com maná e
água no deserto.
Vv. 2-4: “Disse-lhes Arão: Tirai as argolas de ouro das orelhas de vossas
mulheres, vossos filhos e vossas filhas e trazei-mas. Então, todo o
povo tirou das orelhas as argolas e as trouxe a Arão. Este, receben-
do-as das suas mãos, trabalhou o ouro com buril e fez dele um bezer-
ro fundido. Então, disseram: São estes, ó Israel, os teus deuses, que
te tiraram da terra do Egito.” Arão, o sumo sacerdote escolhido por
Deus, deixa-se envolver pelas intenções idólatras do povo, e funde
as argolas e enfeites de ouro das mulheres, em um bezerro de ouro.
Uma lembrança da idolatria dos egípcios que tinham o touro, ou o
bezerro como seus deuses, aos quais fazem alusão nas palavras: “São

173
CONCLUSÃO
estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito”. É
difícil compreender como Arão tenha participado ativamente não só
na idolatria do povo, como também na confecção do ídolo. Arão, que
desde o começo estava com Moisés e fora o porta-voz de Moisés no
episódio das pragas que levaram Faraó a deixar sair o povo. Está aí
uma lembrança aos pastores e líderes espirituais de nossos dias: nin-
guém permanecerá fiel a Deus sem deixar-se conduzir pelo poder e
pela misericórdia de Deus. Quando a loucura do povo é apoiada pela
loucura de seus sacerdotes, tudo é possível.
Vv. 5 e 6: “Arão, vendo isso, edificou um altar diante dele e, apregoando,
disse: Amanhã, será festa ao Senhor. No dia seguinte, madrugaram, e
ofereceram holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo as-
sentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se.” O des-
vio de Arão foi ainda maior do que o que é relatado nos versículos
anteriores. Aqui ele conclama o povo para celebrarem o Dia do Se-
nhor, diante de um altar erigido para honra do bezerro de ouro. En-
quanto isso, lá no monte, Deus ditava a Moisés: “Não terás outros
deuses diante de mim.” O “Dia do Senhor” foi transformado em festa
de comidas e bebidas e de diversão. O verbo hebraico traduzido por
divertir-se refere-se a práticas de caráter sexual (cf. 1 Co 10.7). Este
foi o clímax negativo na rota do desvio do povo liderado por Arão.
Vv. 7-10: “Então disse o Senhor a Moisés: Vai, desce; porque o teu povo, que
fizeste sair do Egito, se corrompeu e depressa se desviou do caminho
que lhe havia eu ordenado; fez para si um bezerro fundido, e o adorou,
e lhe sacrificou, e diz: Sãos estes, ó Israel, os teus deuses, que te tira-
ram da terra do Egito. Disse mais o Senhor a Moisés: Tenho visto este
povo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, para que
se acenda contra eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti farei uma
grande nação.” Aqui Deus é descrito como quem tem sentimentos
humanos. Chamamos isso de “antropopatismo”, isto é, descrição das
emoções de Deus em termos que nós podemos compreender. Não é
importante se Deus realmente queria destruir todo o povo, ou se ele
pode se arrepender. Aqui é importante entendermos o fato de que Deus
não tolera que os seus seguidores o troquem por uma criatura. “E de ti
farei uma grande nação.” Estranha esta promessa no contexto da des-
crição da ira de Deus. Ela se dirigia exclusivamente a Moisés. Moisés
não estava incluído no propósito de extermínio do povo. Aqui Deus se
propõe a recomeçar com Moisés, o processo contido na promessa que
havia sido feita originalmente a Abraão.
Vv. 11-13: “Porém Moisés suplicou ao Senhor, seu Deus, e disse: Por que se
acende, Senhor, a tua ira contra o teu povo, que tiraste da terra do
174
IGREJA LUTERANA
Egito com grande fortaleza e poderosa mão? Por que hão de dizer os
egípcios: Com maus intentos os tirou, para matá-los nos montes e
para consumi-los da face da terra? Torna-te do furor da tua ira e
arrepende-te deste mal contra o teu povo. Lembra-te de Abraão, de
Isaque e de Israel (Jacó), teus servos, aos quais por ti mesmo tens
jurado e lhes disseste: Multiplicarei a vossa descendência como as
estrelas do céu, e toda esta terra de que tenho falado, dá-la-ei à vossa
descendência, para que a possuam por herança eternamente.” Mag-
nífica esta oração de Moisés. Ela lembra Abraão argumentando em
oração diante de Deus para que ele não destruísse Sodoma a Gomorra
por amor de somente dez pessoas justas que lá estivessem. E Deus o
atendeu. Assim Deus também atendeu Moisés que suplicou e argu-
mentou diante de Deus para que, por amor aos patriarcas, aos quais
havia prometido fazer deles uma grande nação, não destruísse o povo
que poderosamente havia tirado da escravidão no Egito para conduzi-
lo à posse de uma terra por herança. E mais, Moisés chama a atenção
de Deus para a ridicularização a que os egípcios submeteriam o povo e
o próprio Deus se ele mantivesse o seu propósito de destruir o povo.
V. 14: “Então, se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia de fazer ao
povo.” E a narrativa que até aqui se reveste de dura pregação da lei, e
se apresenta como um exemplo da seriedade com que Deus encara o
pecado, termina com uma maravilhosa mensagem do Evangelho. Deus
cedeu aos argumentos de Moisés, e não cumpriu o propósito inicial de
destruir o povo. Aqui nos é mostrado que a misericórdia e o perdão de
Deus superam a sua ira e o seu juízo.E é justamente por causa da sua
misericórdia que também a nós é garantido o perdão, assim como Je-
sus nos promete quando diz: “Paz seja convosco! Assim como o Pai
me enviou, eu também vos envio. E, havendo dito isso, soprou sobre
eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os
pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos” (Jo 20.21-
23). Esta é a essência do Ofício das Chaves, pelo qual nos confessa-
mos pecadores, e arrependidos e crentes em Cristo, recebemos o per-
dão. O tamanho do pecado cometido pelo povo e por Arão não impe-
diu Deus de perdoar. Jesus e sua obra são a garantia do nosso perdão.
“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdo-
ar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9).

O NOSSO DEUS É DEUS QUE PERDOA


Introdução – “O Ofício das Chaves é o poder especial que Cristo deu à sua
Igreja na terra para perdoar os pecados aos pecadores penitentes, e reter os peca-

175
CONCLUSÃO
dos aos impenitentes, enquanto não se arrependerem.” Assim o Dr. Martinho Lutero,
baseado nas palavras de Jesus, elaborou este artigo da nossa fé que aprendemos na
instrução de confirmandos. Podemos confiar que os nossos pecados, seja no culto,
em nossa devoção familiar, em nossa confissão particular ou nas tratativas pasto-
rais, realmente são perdoados, porque o nosso Deus é Deus que perdoa.
Esta verdade fundamenta-se na história do Bezerro de Ouro.

I-A JUSTIÇA DE DEUS SE MANIFESTA SEVERA CONTRA O PECADO DE


ARÃO E DO POVO
Enquanto Moisés recebia de Deus os mandamentos e outras instruções so-
bre leis cerimoniais que o povo deveria seguir, este pediu a Arão que lhe fizesse
um deus que fosse adiante deles (v.1).
Arão instruiu o povo no caminho da idolatria (vv. 2 a 4);
Arão edificou um altar para o Bezerro de ouro a fim de que fosse adorado.
Depois de ver o poder de Deus manifestado nas pragas do Egito; de ver
como foi libertado, passando a seco o Mar Vermelho; de se ver alimentado no
deserto - Arão dirigiu o povo de volta ao Egito, levando-o à prática da adoração
daquele bezerro como faziam os egípcios, adorando um touro. Quando os sacer-
dotes apóiam a loucura do povo que lideram, tudo é possível.
O povo se entregou a orgias e diversão – prática de pecados sexuais como
forma de culto ao deus bezerro;
O povo se desviou do caminho ordenado por Deus;
O povo atribuiu ao bezerro de ouro a obra de libertação da escravidão ope-
rada por Deus;
O povo mostrou ser de “dura cerviz” – que não se dobra, que não se humi-
lha, que não se arrepende;
Não podia ser maior a corrupção do que esta que o povo praticou na presen-
ça do Monte Sinai e do próprio Deus;
Somente Moisés escaparia do castigo – e com ele, recomeçaria o plano
originalmente iniciado com Abraão – formar uma grande nação (v. 10).
Tudo isto mostra a seriedade e severidade com que Deus encara o pecado.

II – MAS A MISERICÓRDIA E O PERDÃO DE DEUS SÃO MAIORES DO


QUE O PECADO DO POVO
Ao ouvir de Deus o propósito que tinha em relação ao povo, Moisés, diferente de

176
IGREJA LUTERANA
Arão, suplicou que Deus não o fizesse, apelando ao fato de que este ato de Deus anularia
a obra poderosa que tirou o povo da escravidão no Egito; lembrando Deus da promessa
feita aos patriarcas de, através deles formar uma grande nação; de que os egípcios iriam
zombar de Deus e do povo, se, depois de tudo isso, Deus o exterminasse no deserto.
Que magnífica oração. Ela lembra Abraão rogando a Deus para poupar as
cidades de Sodoma e Gomorra por amor a apenas dez justos que nelas estivessem.
Como com Abraão, também com Moisés – Deus se manifestou misericor-
dioso e perdoador: Ele “se arrependeu do mal que dissera havia de fazer ao povo.”
Deus atendeu à súplica de Moisés. A sua misericórdia é maior do que o seu juízo.

III – AINDA HOJE DEUS SE MANIFESTA MISERICORDIOSO E PERDOADOR


PARA CONOSCO
De que “tamanho” são os pecados do mundo, hoje? Serão maiores ou me-
nores do que a idolatria de Arão e do povo no deserto? De que “tamanho” são os
nossos pecados?
Na verdade, aos olhos de Deus, os pecados não são medidos ou compara-
dos entre si. Qualquer pecado é transgressão da Lei de Deus, e sem arrependimen-
to e fé em Cristo, são igualmente dignos da punição eterna de Deus.
Mas Deus é misericordioso – assim como pela mediação de Moisés, Deus
não exterminou o povo no deserto do Sinai, assim ele, mediante Cristo, não nos
castiga eternamente.
Jo 20.21-23 nos mostra como Cristo deu à sua Igreja o poder de perdoar ou
reter os pecados aos pecadores, conforme eles se arrependem ou não.
E o apóstolo João em sua Primeira Carta 1.9 confirma esta promessa de Cristo.

Conclusão - Que confortadora, portanto, é a verdade apresentada no Ofício


das Chaves. Vale a pena retomar os nossos catecismos e relembrar estas palavras
que apontam para o Deus perdoador: “O Ofício das Chaves é o poder especial que
Cristo deu à sua Igreja na terra para perdoar os pecados aos pecadores penitentes
e reter os pecados aos impenitentes, enquanto não se arrependerem.” A história do
Bezerro de Ouro nos mostra a seriedade com que Deus encara o pecado, mas
aponta também para a sua grande misericórdia, que mais tarde seria amplamente
revelada em Cristo, na sua morte e ressurreição. Esta notícia nos dá a alegria de
sabermos que o nosso justo Deus é também misericordioso e perdoador.

Paulo Kerte Jung

177
CONFISSÃO
João 20.19-23
(Joel 2.28-32; At 2.1-12)

1. CONTEXTO LITÚRGICO
A confissão e absolvição é um ato preparatório ao culto propriamente dito. A
confissão se desenvolveu das orações originalmente proferidas pelo ministro na sacris-
tia, quando ele colocava as suas vestimentas. Posteriormente foram incluídas na Liturgia.
Os escritos da Igreja Primitiva sobre a Santa Ceia nada relatam sobre um
rito de confissão. A Igreja Primitiva considerava-se a si própria como “povo san-
to”. Não tinham claramente definida a idéia de pecado dos tempos Medieval e
Moderno. A ênfase estava na confissão privada, antes de receber o sacramento.
Aproximadamente no século XI os assim chamados “apologistas” elabora-
ram orações, as quais eram lidas pelo sacerdote ao pé do altar, como parte prepa-
ratória para o culto. Elas eram ditas com ou pela congregação.
Os reformadores apreciaram o valor espiritual da confissão preparatória.
Eles extinguiram as impurezas doutrinárias. As congregações da Reforma, se-
guindo o princípio do “sacerdócio real de todos os crentes”, começaram a usar a
confissão preparatória com participação da comunidade, sendo liderada pelo seu
pastor. Os versos podiam ser cantados.
A confissão dos pecados é uma preparação para o culto de louvor a Deus. A
comunhão e comunicação com Deus exige corações arrependidos e perdoados de
seus pecados. É por essa razão um ofício preparatório de purificação espiritual.
Na confissão somos purificados para entrar no culto propriamente dito, que come-
ça com o intróito.
A absolvição vem após a confissão e pedido de perdão. Ao pastor cabe
anunciar o perdão dos pecados para a congregação fundamentado na autoridade
que lhe é outorgada por Cristo. Nesse momento, o pastor exerce função sacerdo-
tal, na qual declara o perdão pleno de todos os pecados a todos os que estão verda-
deiramente arrependidos.

178
IGREJA LUTERANA
Confissão e absolvição é como “limpar os pés antes de entrar em casa”.
Nessa parte, a igreja aplica o Ofício das Chaves. As partes responsivas mostram a
nossa certeza da absolvição.
A confissão e absolvição particular era praticada pelas congregações cris-
tãs primitivas e por muito tempo foi praticada na igreja cristã. O catolicismo ro-
mano até hoje não aboliu a confissão e absolvição particular. A Reforma também
não a rejeitou. O luteranismo condenou a confissão particular obrigatória, mas
sempre a incentivou àquelas pessoas que sentiam grandes angústias e
intranqüilidade em seus corações por causa de seus pecados. Nessa oportunidade
o pastor pode orientar a pessoa aflita na luta contra o pecado que a aflige e lhe
pode assegurar de um modo mais íntimo e pessoal o perdão pleno dos pecados
pelo sangue de Jesus.

2. TEXTO
Vv. 19-20: “Sendo pois tarde no dia aquele no dia primeiro de (a) sema-
na...” – Trata-se do dia da ressurreição de Cristo, o dia do Senhor, o
domingo que tornou-se o dia escolhido para recordar e celebrar a
vitória do Senhor. “...e as portas estando trancadas onde estavam os
discípulos...” – É provável que os discípulos continuassem a se reu-
nir no segundo andar da casa em que haviam celebrado a última ceia
com Jesus. Teria sido este um lugar dedicado ao culto e à celebração
da memória do Senhor e da sua Ceia?! “... por causa de (o) medo dos
judeus...” – Os discípulos conheciam o rancor dos judeus que havi-
am planejado a morte de Jesus e daqueles que o seguiam, por isso o
medo; escutavam com atenção qualquer eventual ruído de porta ou
escada, temendo que fossem descobertos e presos. “... veio Jesus e
pôs-se em o meio e diz a eles: Paz a vós” – Esta saudação, costumei-
ra entre os hebreus (Shalôm aleikhem), na presente situação teve o
sentido mais pleno, pois, através desta, recordaram-se do que recen-
temente Jesus lhes dissera: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou ...
não se turbe o vosso coração” (Jo 14.27). Certamente que não houve
necessidade que alguém lhe abrisse a porta para que ele pudesse en-
trar. Era o Cristo glorificado, no entanto ele estava com os discípulos
em forma corporal: as mãos furadas e também o seu lado identifica-
vam-no de maneira clara e inconfundível, o que encheu os discípulos
de alegria. “Alegraram-se pois os discípulos vendo o Senhor” – Vendo
e reconhecendo o Senhor, os discípulos, agora sem medo, ficaram
cheios de alegria, cumprindo-se mais uma vez a promessa de Jesus:
“Outra vez vos verei e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria
ninguém poderá tirar” (Jo 16.22).

179
CONCLUSÃO
Vv. 21-23: “Disse pois a eles [Jesus] novamente: Paz a vós; como enviou
a mim o Pai, também eu envio a vós” – Jesus está concretizando o
que ele já dizia na oração sumo sacerdotal: “Assim como tu me envi-
aste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”. João não costuma
usar o termo técnico apóstolo, mas ao utilizar o verbo apostello, indi-
ca que agora os discípulos tornam-se efetivamente apóstolos no sen-
tido de “enviados”.
“...assoprou e diz a eles: recebei o Espírito Santo” – O verbo assoprar
(emphysao) é o mesmo que a LXX usa em Gn 2.7, quando, ao criar o ser humano,
Deus “lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma viven-
te”. Igualmente, em Ez 37.9, é dada a ordem ao Espírito: “Vem dos quatro ventos, ó
Espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam”. No texto de João, o que está
sendo focalizado é o ministério, cuja autoridade e vocação vêm do Espírito Santo. Já
que o Espírito Santo é concedido aos apóstolos, conferindo-lhes poder para a mis-
são que acabaram de receber, a autoridade transmitida nas palavras seguintes do
Senhor também está relacionada ao cumprimento desta tarefa.
“Se de alguns perdoardes os pecados estão perdoados a eles, se de alguns
retiverdes estão retidos” – Quando a Palavra do Evangelho é proclamada, a re-
missão de pecados é assegurada aos que nela confiam e, ao contrário, aos descren-
tes é anunciado o juízo. Os dois passivos, “estão perdoados a eles ... estão reti-
dos”, subentendem a ação divina. Os servos de Cristo não receberam nenhuma
autoridade independente da dele; por outro lado, quando anunciam perdão aos
pecadores penitentes, os ministros o fazem como se o próprio Cristo tratasse pes-
soalmente com esses pecadores. O mesmo quando anunciam o juízo.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
a) Interessante ver o que Lutero escreve no Catecismo Menor sobre a Con-
fissão, especialmente quando a define: “A confissão compreende duas
partes: primeiro, que confessemos os pecados; segundo, que se receba a
absolvição ou remissão do confessor como de Deus mesmo, sem duvi-
dar de modo algum, mas crendo firmemente que por ela os pecados são
perdoados perante Deus no céu” (Livro de Concórdia, p. 377).
b) Destaque-se a autoridade de Jesus e o poder que o Espírito de Deus
confere aos que chamam pecadores ao arrependimento e lhes anunciam
o perdão. É Deus mesmo que chama e capacita os seus servos no cum-
primento do ministério que é dEle.
c) O que nos motiva a confessarmos os nossos pecados não é uma imposi-
ção aterrorizante, mas o convite gracioso dAquele que diz: “Paz seja
convosco” ou “Deixo-vos a paz”.

180
IGREJA LUTERANA
4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES
Tema: Paz seja convosco
Partes: I – Não tenhais medo;
II – Como o Pai me enviou, também eu vos envio;
III – Anunciai o perdão de Deus e o seu juízo.

5. BIBLIOGRAFIA
BARCLAY, William. Juan II. Buenos Aires: La Aurora, 1974.
BRUCE, F. F. João: Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1987.
LIVRO DE CONCÓRDIA (Trad. Arnaldo Schüler). Porto Alegre / São
Leopoldo: Concórdia / Sinodal, 1980.
RIENECKER, Fritz. Sprachlicher Schlüssel zum Griehiscen Neuen
Testament. Basel: Brunnen-Verlag, 1952.
SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri:
Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.

Paulo Gerhard Pietzsch

181
SACRAMENTO DO ALTAR: DADOS POR NÓS

Hebreus 9.15-22
(Êxodo 24.1-8; Mateus 26.19-29)

1. COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS
O capítulo 9 de Hebreus mostra que o ofício do sumo sacerdote do Antigo
Testamento era sombra do verdadeiro sumo sacerdote, que é Cristo.
O templo, ou melhor, o tabernáculo do Antigo Testamento, era constituído
de duas partes. O Santo e o Santo dos Santos. Na primeira parte do Santo o sacer-
dote entrava todos os dias para renovar os pães da proposição, queimar o incenso
e abastecer o candelabro de sete velas (Nm 18.2-6). Mas no Santo dos Santos (ou
Santíssimo), separado do primeiro por uma cortina pesada e grossa, entrava só
uma vez ao ano, com sangue pelos seus pecados e os do povo (Lv 16.2-34).
Então diz: Querendo com isto dar a entender o Espírito Santo que ainda o
caminho do Santo Lugar não se manifestou, enquanto o primeiro tabernáculo
continua erguido. (v.8) Para resumir, tudo isso era sombra das coisas que haveri-
am de vir. O caminho ao Santo dos Santos, ao coração do Pai, ainda não estava
aberto. Este só foi aberto quando Jesus morreu na cruz e o véu do santuário se
rasgou de alto abaixo (Mt 27.51).
Hebreus 9.1-5: Descrição do culto do AT; 9.6,7: Regras para a execução do
sacerdócio; 9.8-10: O caminho ainda não aberto; 9.11-14: O sacrifício perfeito
que abriu o caminho; 9.15-28: O sangue nos purifica da culpa, das amarras, das
trevas, do medo da morte, da hipocrisia, da maldição da lei, das dúvidas, da dis-
tância de Deus, do corpo da morte, da ruína eterna.
V.15: Jesus, o Mediador da Nova Aliança. Porque ele, como filho de Deus,
tem um ofício superior. Por seu sacrifício, uma vez por todas, estabe-
leceu a Nova Aliança, da qual a antiga era sombra.
V.15b: Os que têm sido chamados, receberam a eterna aliança, tanto os do
Antigo Testamento como os do Novo Testamento. Pois por seu único
e suficiente sacrifício na cruz, pelo derramar do seu sangue, conquis-

182
IGREJA LUTERANA
tou a eterna herança, que receberão todos os que foram chamados,
isto é, levados à fé na graça de Cristo. Isto mostra que os sacrifícios
do Antigo Testamento, em si, não podem livrar ninguém. Eles eram
sombra e apontavam para o sacrifício que Cristo realizaria. Os sacri-
fícios guiavam a Cristo e quem cria no Cristo que haveria de vir,
recebia o perdão.
A morte de Cristo, o testador era necessário. Pois um testamento só entra
em vigor pela morte do testador. Isto era demonstrado pelos sacrifícios da antiga
aliança. Pois sem derramamento de sangue não há remissão.
Jesus ofereceu o sacrifício uma vez por todas, não com sangue alheio, mas
com o seu próprio sangue. Então ele entrou no Santo dos Santos, não feito por
mãos humanas, mas à presença de Deus no céu, onde ele é nosso intercessor,
advogado que intercede pelos seus (1 Jo 2.1-3).
Vv. 25-28: Tendo-se oferecido uma única vez para sempre, virá segunda vez,
sem pecado, em toda sua glória, para receber, no lar celestial, aos que
o aguardam. Isto será no grande dia do juízo final, da ressurreição dos
mortos, quando criará novo céu e nova terra, na qual habitará justiça.
Isto exclui qualquer sonho de um milênio glorioso aqui na terra. Per-
manece o que confessamos no final do Credo Apostólico: Creio na
remissão dos pecados, na ressurreição dos mortos e na vida eterna.

2. ESBOÇO DE SERMÃO
Introdução. O texto trata de dois sacerdócios, do Antigo e do Novo Testa-
mento. O sacerdócio do Antigo Testamento era um sacerdócio corporal; do Novo
Testamento, um sacerdócio espiritual. O primeiro tinha enfeites humanos: o
tabernáculo enfeitado com ouro e prata, o sacerdote com vestes talares com ouro
e pedras preciosas. O segundo era espiritual: seus enfeites eram amor, sabedoria,
paciência, obediência que só Deus podia ver e a quem o Espírito abriu os olhos da
fé, como por exemplo aos pastores de Belém, aos Magos do Oriente, ao profeta
Simeão e à profetiza Ana no templo. Até hoje o Espírito Santo chama e ilumina
por sua Palavra e pelo batismo.
Os sacrifícios. O sacrifício do Antigo Testamento era visível. O templo, o
sacerdote e a cerimônia sacrificial que todos poderiam ver, quer fiéis ou infiéis, que
ali era realizado um sacrifício. Quando Cristo se ofereceu a si mesmo uma vez por
todos a Deus, ninguém o notou. Gritaram: crucifica-o! Ninguém via que aquele
homem de dores (ecce homo) era o Filho de Deus que com o seu sacrifício estava
reconciliando o mundo com Deus, que o ofertar de sua carne e de seu sangue era um
verdadeiro sacrifício a Deus pela humanidade. Este sacrifício também não foi feito
num templo, mas a céu aberto, numa cruz. O altar, a cruz, era espiritual.

183
CONCLUSÃO
Só a quem o Espírito Santo iluminou com seus dons, como no caso do
malfeitor na cruz, reconheceu o sacrifício de Jesus e suplicou: Lembra-te de mim
quando entrares no teu reino.
Proveito. O proveito deste sacrifício: perdão dos pecados, vida e eterna
salvação também nos são ocultos, só podemos vê-los com os olhos da fé. Eles nos
são oferecidos por Palavra e sacramentos. Como muitos viam em Jesus um sim-
ples homem e zombavam dele, assim muitos vêem na palavra de Deus e nos sa-
cramentos nada mais do que elementos humanos e não vêm a Cristo e suas bên-
çãos oferecidos a nós ali.
Mas aqueles a quem o Espírito Santo abriu os olhos, por palavra e sacra-
mentos, estes vêem e confessam e têm neles consolo e perdão. Eles sabem que na
Santa Ceia recebemos em, com e sob o pão o verdadeiro corpo de Cristo e em,
com e sob o vinho o verdadeiro sangue de Cristo, dado e derramado por vós, o
preço de nossa salvação. Eles sabem que ali está o verdadeiro consolo, com o qual
podemos comparecer diante do santo trono de Deus, purificados pelo sangue de
Cristo, vestidos com o manto branco da justiça de Cristo, para ouvir as palavras:
Vinde benditos de meu Pai e entrai no gozo que vos está preparado desde a funda-
ção do mundo.
Apego. Por isso nos apegamos aos meios da graça de nosso sumo sacerdo-
te, palavra e sacramentos. Na Santa Ceia somos lembrados de forma bem especial
desta verdade: dados e derramados por vós para remissão dos pecados. Mas não
só lembrança: ali recebemos o preço de nossa salvação, o verdadeiro corpo e
sangue de Cristo, para selar o perdão. Como é consolador ouvir isto todas as vezes
que vamos à mesa do Senhor. Mas quem não o crê, recebe a Cristo como seu juiz.
As palavras “por vós” requerem corações verdadeiramente crentes, isto é,
que reconhecem: ali na cruz Cristo morreu por causa do meus pecados, a verda-
deira causa de sua morte são meus pecados. Ele tomou sobre si as nossas enfermi-
dades e as nossas dores carregou sobre si, para nos conquistar perdão, vida e
eterna salvação. Isto requer de nós verdadeiro arrependimento e fé na graça de
Cristo (cf. Cat. Menor, perg. 366ss.).
Especialmente quando nossa consciência nos atribula, acusando-nos de
pecado, devemos ir à Santa Ceia. Muitas vezes nossa consciência nos diz: Você é
indigno. Você já prometeu tantas e tantas vezes corrigir a vida e tem voltado sem-
pre aos mesmos pecados. Não adianta, você não tem o Espírito Santo. Você está
condenado. Nestes momentos é importante lembrar: Vinde a mim todos os que
estais cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei (Mt 11.28), pois ele não
esmagará a cama quebrada, nem apagará a torcida que fumega (Is 42.3).

Horst Kuchenbecker

184
IGREJA LUTERANA

SACRAMENTO DO ALTAR: RECEBER O PERDÃO


Mateus 27.22-25
(Zacarias 9.9-11; 1 Coríntios 10.15-17)

1. LEITURAS ADICIONAIS
Zc 9.9-11: Palavras de ânimo para um povo que irá sair da condição de
escravo para liberto. Israel, no cativeiro da Babilônia, recebe a promes-
sa de que Deus o livrará, Deus o perdoará de seu pecado que o havia
levado ao cativeiro. O reconhecimento do amor de Deus torna-se cons-
ciente para o povo quando este reconhece o quanto Deus fez por eles.
1 Co 10.15-17: O perdão é conseqüência da presença de Deus em nossa vida.
A presença de Cristo (corpo e sangue) faz nós nos afastarmos da idolatria.
É a presença de Deus em Cristo que une o povo de Deus e que proporcio-
na os benefícios desta presença: a comunhão no perdão recebido.

2. TEXTO
O corpo e sangue de Cristo, oferecidos na Santa Ceia, não apenas nos reme-
tem à morte de Cristo, mas à sua presença entre os cristãos. Afinal, não cremos e
testemunhamos de que Cristo ressuscitou e está vivo, assentado à direita do Pai? A
grande alegria na ceia é a presença de Cristo entre nós, como Paulo bem apontou
na leitura de Coríntios.
Na passagem de Mateus, assim como em nossa participação na Santa Ceia,
apontamos para a causa e o efeito da presença real de Cristo. A causa – a presença
de Cristo com sua obra redentora em nosso favor; o efeito – as conseqüências
desta presença redentora.
Inconscientemente, Pilatos e a multidão judaica não perceberam do grande
benefício que trouxeram ao mundo ao concretizar a morte de Cristo. Assim como
eles, nós também somos culpados pela morte de Cristo por causa do nosso peca-
do, para que através desta morte, possamos novamente ter vida e vida em comu-
nhão.

185
CONCLUSÃO
Infelizmente, como Paulo argumenta em Rm 11.25, muitos não percebe-
ram que Cristo entregou-se com a finalidade de salvação de todos, inclusive da-
queles que foram os executores de Cristo.
Aqui é importante lembrar da ênfase luterana da comunhão digna e indigna
na Santa Ceia. Os benefícios da Ceia são dados àqueles que crêem no que estão
recebendo; aos que não crêem, recebem juízo para si.
Vejamos como Lutero resolve a questão no Catecismo Maior. Lutero apre-
senta aquele que se beneficia com este sacramento: “agora cumpre vejamos qual
a pessoa que recebe esse poder e proveito. É em palavras bem sumárias, conforme
ficou dito acima, no batismo, e em muitos outros lugares, aquele que crê confor-
me rezam as palavras e o que trazem. Pois não são ditas ou proclamadas a pedras
e paus, mas àqueles que as ouvem” (CM 4,33). E continua: “quem disso toma boa
nota e o crê verdadeiramente, esse o tem; aquele, porém que não crê, nada tem,
pois deixa que se lho apresente em vão e não quer fruir desse bem salutar. O
tesouro, na verdade, está aberto e é colocado à porta de todos; mais: é posto sobre
a mesa. Todavia, cumpre também que dele te apropries e com certeza o consideres
como sendo aquilo que as palavras indicam” (CM 4,35,36). Lutero deixa bem
claro o que faz alguém ser digno ou indigno: “Pois visto que esse tesouro é apre-
sentado totalmente nas palavras, não se pode apreendê-lo e dele tomar posse de
outra maneira senão pelo coração” (CM 4,36). É o coração que discerne esse
tesouro e o deseja (CM 4,33).
Aqui vale uma nota de Lutero a respeito do texto de 1 Co 11.27,29. Lutero
alenta o coração piedoso para uma participação digna e cristocêntrica: “Mas S.
Paulo mete bastante medo na gente, ao dizer: “Quem comer desse pão e tomar
desse cálice de forma indigna, come e bebe um juízo e é culpado no corpo e
sangue do Senhor. Assim nos desanima e faz perder a coragem de ir ao sacramen-
to. Pois quem é que pode considerar-se digno? Resposta: Meu caro, não vê contra
quem Paulo está falando? Contra aqueles que se atiravam sobre o sacramento
feito porcos e que faziam dele uma comilança para o corpo; contra os que lidavam
com o sacramento como se fosse seu pão e vinho diário, além de se desprezarem
mutuamente e cada um fazer sua refeição para si. Nós, entretanto, estamos falan-
do daqueles que acreditam não se tratar de uma refeição de porcos, mas do autên-
tico corpo e sangue de Cristo; que sabem que Cristo o instituiu para sua memória
e nosso consolo; que também gostariam de ser cristãos, louvar seu Senhor, agra-
decer-lhe e glorificá-lo; e assim gostariam também de ter sua graça e amor; que se
atemorizam por causa de própria pessoa e indignidade; e que por isso se mantém
distantes, impedidos e intimidados por falso temor” (Lutero. Pelo Evangelho de
Cristo, p.281). Portanto, Lutero sugere que não se leve em consideração a digni-
dade humana, mas sim a graça de Deus recebida pela fé e contida na Ceia.

186
IGREJA LUTERANA
3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
Sugiro utilizar a pergunta do C. Menor: “Que proveito há nesse comer e
beber? Resposta: Isso nos indicam as palavras ‘dado em favor de vós’ e ‘derrama-
do para remissão dos pecados’, a saber, que por essas palavras nos são dadas no
sacramento remissão dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dos
pecados, há também vida e salvação”.

4. SUGESTÃO DE TEMA/PROPOSTA HOMILÉTICA


Por causa de Cristo, recebemos o perdão na Santa Ceia.

Clóvis Jair Prunzel

187
SACRAMENTO DO ALTAR: CONVIDADOS
1 Coríntios 11.23-33
(Jeremias 31.31-34; João 13.18-20)

Quem recebe dignamente esse sacramento?


Resposta: Jejuar e preparar-se corporalmente é, sem dúvida, boa discipli-
na externa. Mas verdadeiramente digno e bem preparado é aquele que tem fé
nestas palavras: “Dado em favor de vós” e “derramado para remissão dos peca-
dos”. Aquele, porém, que não crê nessas palavras ou delas duvida, é indigno e
não está preparado, pois as palavras “por vós” exigem corações verdadeiramen-
te crentes.
Dos quatro relatos da instituição da Ceia (Evangelhos Sinópticos e 1 Co), o
de 1 Co 11 é o mais detalhado e o que mais influenciou a liturgia da Igreja. Esse
texto ocorre num contexto em que Paulo corrige abusos quanto à celebração da
Ceia do Senhor, o que mostra que, em toda e qualquer discussão sobre a Ceia,
importa voltar ao começo, ou seja, ao relato da instituição. Paulo corrige abusos,
ensinando ou relembrando as verba testamenti (“palavras do testamento”).
Essas palavras, tão simples e tão profundas, acabariam por se tornar um dos
textos mais interpretados e discutidos ao longo da história da exegese. Segundo
Lutero, elas são um grande teste para se ver quem consegue aceitar o que as pala-
vras bíblicas dizem, sem querer fugir delas pelos caminhos ou descaminhos da
hermenêutica.
Nesse texto aparecem, em seqüência, a dimensão presente-passado e a di-
mensão presente-futuro da Ceia. Em outras palavras, ela é celebrada, hoje, em
memória (quanto ao passado) e como antecipação (em relação ao futuro). Para se
entender a questão da “memória”, é preciso ver textos como Êx 12.14; 13.9; e Dt
5.2-4. Na prática isto significa que Cristo continua celebrando ou torna a celebrar
a Ceia com seus discípulos. Assim, o verdadeiro celebrante da Ceia é o próprio
Cristo. Quanto à antecipação, fica expressa naquele “até que ele venha” (v. 26).
Enquanto Cristo não vem para o juízo, sua presença é sacramentalmente antecipa-
da na presença real.

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IGREJA LUTERANA
Passado e futuro se encontram, pois, no presente da Ceia. E no presente de
cada celebração, a Ceia tem também uma dimensão querigmática ou proclamatória.
Ela é um sermão encenado, uma proclamação encenada da morte que ela come-
mora. Ela é o púlpito dos leigos, como se expressou o Dr. C.F.W. Walther, basean-
do-se no que diz Apologia IV.210: “Assim foi instituída a ceia do Senhor na igre-
ja, a fim de que, pela recordação das promessas de Cristo ... seja confirmada em
nós a fé, e para que confessemos publicamente nossa fé e proclamemos os benefí-
cios de Cristo, como diz Paulo: “Todas as vezes que fizerdes isto, anunciareis a
morte do Senhor, etc.”
No mesmo contexto de 1 Co 11, no v. 27, Paulo trata da questão da dignida-
de ou indignidade dos comungantes. Apesar daqueles que pensam que tudo que
havia em Corinto era uma celebração indigna, num contexto em que alguns até
estavam bêbados (v. 21), Paulo fala de gente que come e bebe indignamente.
Em que consiste essa indignidade, dentro do horizonte da situação em
Corinto? Ela certamente tem a ver com amor cristão, ou, então, a falta dele. A
situação descrita em 1 Co 11.20-22 é um flagrante atentado ao amor cristão. Mas
Paulo dá um destaque especial àquilo que se pode chamar de “indignidade em
termos de fé”, que aparece em 11.29,30. E aqui a questão não era que alguns não-
cristãos estavam querendo participar da Ceia. Tratava-se de cristãos, gente que se
reunia na igreja (v.18), e que, na visão de Paulo, estavam “sem discernir o corpo”,
ou, como fica explícito na NTLH, estavam comendo “sem reconhecer que se trata
do corpo do Senhor”.
Paulo não proíbe ninguém de participar da Ceia, mas também não declara
que a Ceia é “para quem quiser, quem vier”. Ele insiste no examinar-se a si
mesmo. Não requer perfeição, mas quer que os cristãos se examinem. Não diz
em que âmbito eles deveriam fazer o exame, mas podemos deduzir que as áreas a
serem examinadas são a fé e o amor.
Digno e bem preparado, segundo Lutero, é quem crê no “por vós”. Este
“por vós” interessa a pecadores, não a supostos santos. Segundo a doutrina roma-
na, ninguém em estado de pecado mortal pode receber a Comunhão, pois com tal
pessoa, como explica Tomás de Aquino, Cristo não pode se unir. A doutrina luterana
afirma que Jesus vem apenas a tais pessoas, pois ele é o Salvador de pecadores.
Digno é aquele que reconhece sua indignidade.
O texto de 1 Co 11 é, por assim dizer, sedes doctrinae, ao menos entre
aqueles que por vezes são chamados de “vétero-luteranos”, da prática da comu-
nhão fechada. Isto significa que não se admite à Ceia quem rejeita a doutrina
luterana do sacramento. Na prática, consiste em “desconvidar” quem não é mem-
bro da igreja luterana. Tal prática causa estranheza a muitos e é vista como falta
de amor cristão e uma forma de querer antecipar o juízo final. A propósito disso,
é bom ouvir o que diz Hermann Sasse, um célebre defensor da presença real de

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CONCLUSÃO
Cristo na Santa Ceia: “O damnamus [“condenamos!”] não é um julgamento
impiedoso sobre outros cristãos, mas a rejeição de doutrina falsa que o NT de nós
exige ... Se a nossa igreja sempre levou isso muito a sério e não admitiu à celebra-
ção luterana da Ceia do Senhor aqueles que rejeitam a doutrina luterana do sacra-
mento, isto não significa que a igreja antecipou o juízo final. Na Igreja Antiga, o
comungante, ao receber os elementos consagrados, ouvia as frases “o corpo de
Cristo” e “o sangue de Cristo”, e respondia com seu “amém”. Como pode um
reformado dizer “amém” à fórmula luterana de distribuição? Ele tem que se ofen-
der com ela. Quem nos dá o direito de desencaminhar alguém para uma recepção
indigna da Ceia do Senhor na medida em que não discerne o corpo do Senhor (1
Co 11.29), e diante de quem estaríamos dispostos a assumir responsabilidade por
isso? Será que isso seria amor cristão?” (Hermann Sasse, “The Lord´s Supper in
the Lutheran Church”, We Confess the Sacraments, p.110,111).
Falar sobre dignidade e indignidade de comungantes parece ter ficado para
trás, num tempo em que estávamos sob uma forte influência pietista. Talvez nos-
sos pais exageraram na dose, mas o tema é bíblico e confessional, e não pode ser
ignorado. Falar em comunhão fechada, isto é, insistir na exclusão daqueles que
rejeitam a doutrina luterana da Ceia soa como total falta de bom tom, nesses tem-
pos pós-modernos de relaxamento ecumênico. No entanto, a comunhão fechada
tem sido a prática histórica da Igreja e é também o ensino da Igreja Luterana.
Ignorá-la seria como sugerir que Paulo fez vistas grossas a tudo que se passava em
Corinto.

Vilson Scholz

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