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Sistema Nacional de Educação PDF
Sistema Nacional de Educação PDF
Dermeval Saviani
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação
educação”, “sistema particular de ensino” e “sistema em minha casa, ou meu sistema de cozinhar, é diferente
livre de ensino”. Ora, a primeira expressão é pleo do seu. A questão emblemática desse uso corrente é
nástica, porque o sistema só pode ser público, já que o verbo italiano sistemare, que significa arrumar, pôr
uma de suas características é a autonomia, o que as coisas em ordem, ordenar elementos formando um
implica normas próprias que obrigam a todos os seus conjunto. Ora, em educação também é frequente usar o
integrantes. E, obviamente, somente o Estado, isto é, termo sistema para designar determinados procedimentos
o poder público tem a prerrogativa de definir normas metodológicos ou didáticos. Daí aparecer, no âmbito da
que obrigam a todos. Disso resulta que a segunda ex- teoria pedagógica, expressões como “Sistema Decroly”,
pressão é contraditória, pois os particulares não podem “Sistema Montessori”, “Sistema (ou Plano) Dalton”,
emitir normas que obrigam a todos; logo, não pode “Sistema Winnetka”, transladando-se para o plano da
haver sistema particular de educação. Finalmente, a forma de funcionamento do ensino em determinadas
terceira expressão não faz sentido, pois o ensino livre é empresas educacionais que, convertidos em pacotes, são
tal exatamente porque não segue as normas do sistema; aplicados sistematicamente e vendidos inclusive para
logo, está fora dele. redes de escolas públicas sob o nome de sistema. Daí
Com essa aproximação ao significado do sistema as denominações “Sistema COC”, “Sistema Anglo”,
educacional, registrei o papel histórico desempenha- “Sistema Positivo”, “Sistema Objetivo”, “Sistema
do pelo sistema nacional de ensino tendo em vista a Oficina”, “Sistema Etapa”, “Sistema Uno de Ensino”
universalização do ensino elementar e a consequente etc. Evidentemente, quando estamos considerando a
erradicação do analfabetismo nos países em que foi questão do Sistema Nacional de Educação, colocamo-
de fato implantado. Constatando que o Brasil não se nos num plano muito mais abrangente do que esses
encontra entre esses países, passei então a considerar usos da palavra “sistema” sugerem.
os obstáculos que historicamente impediram a orga- Após saudar a retomada do tema no contexto
nização do Sistema Nacional de Educação em nosso brasileiro atual em que ocorre a Conferência Nacio-
país, classificando-os em quatro tipos: a) os obstáculos nal de Educação, advertindo que ainda persistem
econômicos decorrentes da histórica resistência à ma- dificuldades, concluí o texto apresentando algumas
nutenção da educação pública no Brasil; b) os obstácu- indicações para a construção do Sistema Nacional
los políticos caracterizados pela descontinuidade nas de Educação em nosso país articulando-o com a
políticas educativas; c) os obstáculos filosófico-ideoló- questão do Plano Nacional de Educação. São esses
gicos, isto é, a prevalência das ideias ou mentalidades dois aspectos que me proponho a aprofundar neste
pedagógicas refratárias à organização da educação na artigo.
forma de um sistema nacional; d) os obstáculos legais
materializados na resistência à incorporação da ideia Sobre o Sistema Nacional de Educação
de sistema nacional na nossa legislação educacional,
cuja ponta de lança se ancorava na suposta e logica- Se o sistema pode ser definido como a unidade de
mente inconsistente tese da inconstitucionalidade da vários elementos intencionalmente reunidos de modo
proposta de Sistema Nacional de Educação. a formar um conjunto coerente e operante, conclui-se
Convém acrescentar que a palavra sistema assu- que o Sistema Nacional de Educação é a unidade dos
me também, no uso corrente, a conotação de modo vários aspectos ou serviços educacionais mobilizados
de proceder, de forma de organização, de maneira de por determinado país, intencionalmente reunidos de
arranjar os elementos de um conjunto, o que remete ao modo a formar um conjunto coerente que opera efi-
aspecto do método. Assim, é comum, sobre qualquer cazmente no processo de educação da população do
assunto, alguém dizer para outra pessoa: meu sistema referido país.
é diferente do seu. Por exemplo, uma dona de casa ou Vê-se, então, que se trata de unidade da variedade
uma cozinheira diz para a outra: o sistema que adoto e não unidade da identidade. Portanto, contrariamen-
te ao que por vezes se propaga, sistema não é uma rania pertence à União e, por isso, é em seu âmbito que
unidade monolítica, indiferenciada, mas unidade da os estados depositam a responsabilidade das relações
diversidade, um todo que articula uma variedade de que se estabelecem com os demais países.
elementos que, ao se integrarem ao todo, nem por isso Consequentemente, o argumento que tende a con-
perdem a própria identidade; ao contrário, participam testar a construção do Sistema Nacional de Educação
do todo, integram o sistema na forma de suas respec- em nome do princípio federativo está confundindo
tivas especificidades. Isso significa que uma unidade federação com confederação.2 De certa forma, essa
monolítica é tão avessa à ideia de sistema quanto uma confusão é compreensível, uma vez que o movimento
multiplicidade desarticulada. federalista, especificamente na Europa, teve como
Portanto, a construção de um Sistema Nacional uma de suas vertentes mais fortes a negação do Estado
de Educação nada tem de incompatível com o re- Nacional, como se pode ver na constatação de Lucio
gime federativo. Ao contrário, eu diria que a forma Levi registrada no verbete “Federalismo” do Dicio-
própria de responder adequadamente às necessidades nário de Política, organizado por Bobbio, Matteucci
educacionais de um país organizado sob o regime e Pasquino:
federativo é exatamente por meio da organização de
um Sistema Nacional de Educação. Com efeito, o que De fato, do ponto de vista histórico, as determinações
é a federação senão a unidade de vários estados que, positivas da teoria do Federalismo foram se esclarecendo
preservando suas respectivas identidades, intencional- através da experiência da negação da divisão do gênero
mente se articulam tendo em vista assegurar interesses humano em Estados soberanos. E já que essa divisão se
e necessidades comuns? E não é exatamente por isso manifestou numa forma mais aguda na Europa das nações,
que o nível articulador da federação, a instância que historicamente o Federalismo se tem definido como a ne-
representa e administra o que há de comum entre os gação do Estado nacional. (Levi, apud Bobbio, Matteucci
vários entes federativos se chama precisamente União? & Pasquino, 1999, p. 476)
Ora, assim sendo, a federação postula, portanto, o
sistema nacional que, no campo da educação, repre- Ora, isso ocorre porque, do ponto de vista federa-
senta a união dos vários serviços educacionais que se lista, postula-se a transformação das nações europeias
desenvolvem no âmbito territorial dos diversos entes de Estados soberanos em unidades autônomas, mas
que compõem a federação. integrantes de uma federação que seria, esta sim,
Aclarando um pouco mais essa questão, importa portadora do atributo de soberania. Trata-se, então, de
distinguir federação de confederação. A confederação negar os Estados nacionais soberanos, confederados ou
é a associação de países soberanos que se articulam em não, para afirmar a existência de Estados autônomos
função de determinados pontos de interesse comum federados.
em circunstâncias específicas. A federação é a união Nesse contexto, é compreensível também o receio
estável e permanente de estados autônomos, mas não de confiar a atribuição educativa por meio do sistema
soberanos.1 Isso significa que, numa federação, a sobe-
escolar ao governo central, que, controlando também se configuram como instâncias abstratas, já que
o exército, incidiria na “lógica tendencialmente to- sua realidade se materializa, de fato, no recorte dos
talitária do Estado nacional, que emprega seu poder municípios. Ora, mas se assim é, então está claro que a
para fazer de seus cidadãos bons soldados” (idem, configuração dos estados e da União, sua estrutura,
p. 481). organização e administração são operadas por indiví-
Diferente é a situação dos Estados Unidos da duos concretos, cidadãos reais, ou seja, os habitantes
América, em que os estados autônomos se uniram dos municípios. Portanto, se a autonomia se concentra
numa federação, constituindo e afirmando, portanto, mais nos estados do que nos municípios é porque no
um Estado nacional soberano. Nesse caso, assim como âmbito do estado ela se exercita em relação a todos
ocorre também no Brasil, negar o Estado nacional os municípios que o integram e não apenas por parte
com base em suas unidades federativas seria negar a de cada município em confronto com os demais. O
própria federação, substituindo-a por uma confede- mesmo se diga da União, cuja autonomia se exerce em
ração, que implicaria dotar de soberania os estados relação a todas as unidades federativas e não apenas
antes federados. na contraposição entre elas. Em última instância, são
Feitas essas considerações, podemos concluir os munícipes que atuam simultaneamente nas três
que, dada uma federação como a brasileira, com seu instâncias que, obviamente, se fortalecem recipro-
arcabouço jurídico encabeçado não por acaso pela camente na medida em que se estreitam os laços de
Constituição Federal, a forma plena de organização articulação que as unem em torno de propósitos e
do campo educacional é traduzida pelo Sistema interesses comuns.
Nacional de Educação. Sua construção flui dos dis- Não cabe, pois, postularem-se autonomias arti-
positivos constitucionais regulamentados pela Lei de ficiais enunciando discursos que não correspondem à
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que realidade efetiva. No caso da educação, para ficar no
é prerrogativa exclusiva da União e se especifica na nosso campo de interesse, o discurso da autonomia
legislação complementar. Constitui-se, desse modo, local ou regional com as normas decorrentes teve
um sistema de educação pleno, obviamente público, efeitos bem diferentes do proclamado, o que pode
inteiramente autônomo, com normas próprias que ser constatado tanto no plano diacrônico, isto é, his-
obrigam todos os seus integrantes em todo o território toricamente, como no plano sincrônico, ou seja, nas
nacional. No âmbito dos estados, preserva-se um grau condições atuais. Assim, por exemplo, a historiografia
próprio de autonomia que lhes permite baixar normas registra que o Ato Adicional de 1834 teve o propósito
de funcionamento do ensino, mas sem a plenitude de de descentralizar a instrução primária conferindo
que goza a União, uma vez que devem subordinar-se maior grau de autonomia às províncias, o que lhes per-
às diretrizes e bases traçadas por ela, esfera que escapa mitiria maior margem de criatividade e adequação da
à sua atribuição. E se passamos ao nível municipal, a instrução às suas necessidades e características especí-
autonomia torna-se bem mais restrita, porque sequer a ficas. Mas não foi propriamente isso o que ocorreu. A
Constituição lhes faculta estabelecer normas próprias, tendência que prevaleceu foi que, embora as reformas
o que é admitido apenas em caráter complementar do governo imperial tivessem validade apenas para o
pela LDB. chamado município neutro, isto é, a cidade do Rio de
Deve-se frisar, contudo, que a diferença de graus Janeiro, capital do Império, as províncias acabavam
de autonomia não significa redução de importância por tomá-las como modelo na organização da instru-
para as instâncias que detêm menor autonomia. É ção pública nos respectivos territórios, reproduzindo
comum afirmar-se que o município é a instância mais as mesmas medidas adotadas pelo governo central. E
importante, pois é aí que, concretamente, vivem as isso vem se repetindo, em maior ou menor grau, até
pessoas. Desse ponto de vista, o estado e a União os dias atuais.
Em contrapartida, é preciso também ter presente Como membros da Federação, é deles, isto é, dos
que a melhor forma de fortalecer as instâncias locais estados, a Constituição Federal. Pois não é isso o que
não é necessariamente conf erir-lhes autonomia, o próprio nome está dizendo quando a constituição é
deixando-as, de certo modo, à própria sorte. Na ver- adjetivada de “federal”? As constituições dos estados
dade, a melhor maneira de respeitar a diversidade dos poderiam, simplesmente, começar com o seguinte
diferentes locais e regiões é articulá-los no todo, e não cabeçalho: “Com base no cumprimento integral das
isolá-los. Isso porque o isolamento tende a fazer dege- normas estabelecidas na Constituição Federal, o esta-
nerar a diversidade em desigualdade, cristalizando-a do (do Amazonas) reger-se-á pelas seguintes normas
pela manutenção das deficiências locais. Inversamen específicas”. Algo semelhante ocorreria com as leis
te, articuladas no sistema, enseja-se a possibilidade orgânicas dos municípios em relação às respectivas
de fazer reverter as deficiências, o que resultará no constituições estaduais.
fortalecimento das diversidades em benefício de De modo similar, também na educação, cons-
todo o sistema. Nesse sentido, apesar das proclama- tituído o sistema nacional, as normas se estendem a
ções em contrário, parece indisfarçável a conclusão todos os estados e municípios, o que os dispensaria
de que a municipalização do ensino fundamental se de reiterar as normas comuns, bastando estabelecer as
configurou como um retrocesso, de modo especial normas tendentes a ajustar aquelas regras comuns às
nos estados que, como São Paulo, haviam assumido, particularidades de cada estado ou município.
com certa consistência, a responsabilidade por esse Em suma, deve-se fixar claramente as seguintes
grau de ensino desde a implantação do ensino primá- posições:
rio na forma da disseminação dos grupos escolares. a) Trata-se de construir um verdadeiro Sistema
O panorama que hoje se descortina, mesmo com o Nacional de Educação, isto é, um conjunto unificado
antídoto representado pelo Fundo de Manutenção e que articula todos os aspectos da educação no país
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valo- inteiro, com normas comuns válidas para todo o terri-
rização do Magistério (Fundef) seguido do Fundo tório nacional e com procedimentos também comuns
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação visando assegurar educação com o mesmo padrão de
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educa- qualidade a toda a população do país. Não se trata,
ção (Fundeb), é aquele em que municípios pobres portanto, de entender o Sistema Nacional de Educação
tendem a ter um ensino pobre, municípios remediados, como um grande guarda-chuva com a mera função de
um ensino remediado, e municípios ricos, um ensino abrigar 27 sistemas estaduais de ensino, incluído o do
mais satisfatório. Configura-se, dessa forma, um Distrito Federal, o próprio sistema federal de ensino
processo de aprofundamento das desigualdades que e, no limite, 5.565 sistemas municipais de ensino,
apenas recentemente está se procurando reverter com supostamente autônomos entre si. Se for aprovada
as ações que integram o Plano de Desenvolvimento uma proposta nesses termos, o Sistema Nacional
da Educação (PDE). de Educação se reduzirá a uma mera formalidade,
Uma compreensão mais precisa do significado mantendo-se, no fundamental, o quadro de hoje, com
e das implicações do regime federativo permitiria todas as contradições, os desencontros, as imprecisões
assumir com maior radicalidade e coerência essa e as improvisações que marcam a situação atual, de
condição, o que redundaria em importante simplifi- fato avessa às exigências da organização da educação
cação do aparato jurídico com economia de esforços na forma de um sistema nacional.
e ganho de eficiência e eficácia no funcionamento Penso que o risco apontado se faz presente na
das instituições. Assim, seria dispensável que cada proposta contida no documento base desta Conae
estado devesse elaborar as respectivas constituições quando enuncia a construção de um sistema nacional
repetindo tudo que lhe compete acatar da Constituição articulado de educação, em relação ao qual observei
Federal, acrescentando-lhe as normas específicas. tratar-se de um pleonasmo, pois sistema já implica,
no próprio conceito, a ideia de articulação, sendo prefeituras sujeitos às oscilações determinadas pelas
inconcebível um sistema não articulado. A isso me disputas partidárias e pessoais em torno do exercício
foi respondido que, não obstante a evidência lógica do poder nessas instâncias federativas.
de meu argumento, fazia-se necessário frisar o caráter b) Como já foi explicitado, o sistema só pode ser
articulado, tendo em vista a realidade do regime fe- público. Portanto, não há que transigir com os supostos
derativo vigente em nosso país. Impunha-se, assim, a direitos de educar dos particulares; trate-se das famí-
exigência de articular, no sistema nacional, os vários lias, de associações, congregações, empresas ou outros
sistemas estaduais e municipais de ensino. Acendeu- tipos de entidades, enaltecendo-se a importância de
se, então, a luz amarela de advertência: é aí que mora sua contribuição. As instituições privadas, em suas
o perigo. De fato, minha implicância com o adjetivo diferentes modalidades, integrarão o sistema precisa-
“articulado” poderia ser facilmente afastada se o que mente como particulares, e é nessa condição que darão
estivesse em questão fosse tão somente um problema sua contribuição específica para o desenvolvimento
de linguagem, pois, nesse contexto, poderíamos sim- da educação brasileira. Deve-se entender que, quanto
plesmente admitir que se trata de um reforçativo, uma mais autenticamente particulares elas forem, melhor
ênfase discursiva que, em lugar de prejudicar, ajudaria se tipifica sua contribuição própria. Portanto, não
a fixar mais firmemente o significado do conceito de cabe travesti-las de públicas, seja pela transferência
sistema e o modo de o concretizar praticamente. de recursos na forma de subsídios e isenções, seja
Diferentemente de uma mera questão de lingua- pela transferência de poder, admitindo-as na gestão e
gem, no entanto, o risco do enunciado referente ao operação do complexo das instituições públicas que
sistema nacional articulado reside na sua eventual integram o sistema.
redução a uma função de simples articulador dos Não se pode, também, enfraquecer o caráter
sistemas estaduais e municipais de ensino. Não. Isso público do Sistema Nacional de Educação a pretexto
não basta. É preciso ir além. É preciso instituir um de que a educação é uma tarefa não apenas do go-
sistema nacional em sentido próprio, que, portanto, verno, mas de toda a sociedade. De fato, não é uma
não dependa das adesões autônomas e a posteriori de tarefa de governo, mas de Estado. E é uma tarefa
estados e municípios. Sua adesão ao sistema nacional de toda a sociedade, na medida em que o Estado,
deve decorrer da participação efetiva na sua construção enquanto guardião do bem público, expressa, ou
submetendo-se, em consequência, às suas regras. Não deveria expressar, os interesses de toda a sociedade.
se trata, pois, de conferir a estados e municípios, com Nessa condição, toda a sociedade deveria não apenas
base nos respectivos sistemas autônomos, a prerro- se sentir representada no Estado, mas vivenciar o
gativa de aderir ou não a este ou àquele aspecto que Estado como coisa sua. Nesses termos, a forma pela
caracteriza o sistema nacional. qual a sociedade, em seu conjunto, estará cuidando
Eis por que me parece possível prever que, se da educação é reforçando seu caráter público e co-
sair desta Conferência um projeto de lei instituindo o brando do Estado a efetiva priorização da educação.
Sistema Nacional de Educação como instância articu- Deve-se, portanto, fazer reverter a tendência hoje
ladora dos sistemas estaduais e municipais de ensino; em curso, de diluir as responsabilidades educativas
se esse projeto for para o Congresso, que, num arroubo do poder público transferindo-as para iniciativas de
de entusiasmo ou indiferença o aprove integralmente, filantropia e de voluntariado. Com efeito, tal tendên-
nós teremos apenas mais um rótulo a frequentar o cia configura um retrocesso diante das conquistas do
discurso educacional. E será mantida a situação atual, Estado moderno. É como se estivéssemos retornan-
em que o Ministério da Educação (MEC) demonstra do ao início da era moderna, quando a questão da
certo empenho em formular políticas e implementar instrução popular era tratada como um problema de
ações no âmbito da educação básica, ficando, porém, caridade pública. Essa fase foi ultrapassada e a ela
na dependência da adesão dos governos de estados e não devemos jamais retornar, sob pena de anularmos
atendidas plenamente as necessidades de sua área de por meio dos respectivos colegiados, acompanhando
competência e com recursos acima dos percentuais e apresentando subsídios que venham a tornar mais
mínimos vinculados pela Constituição Federal à ma- qualificadas as decisões tomadas. E assumirão respon-
nutenção e desenvolvimento do ensino”. Dado que a sabilidades diretas nos aspectos que lhes correspon-
formação de professores ocorre, como regra, no nível dem por meio das secretarias e conselhos estaduais
superior e, transitoriamente, no nível médio, escapa aos de educação e das secretarias e conselhos municipais
municípios essa atribuição. Segue-se que as questões de educação sempre que tal procedimento venha a
relativas ao magistério constituem matéria de respon- concorrer para a flexibilização e maior eficácia da
sabilidade compartilhada entre União e estados. operação do Sistema Nacional de Educação, sem pre-
A responsabilidade principal dos municípios juízo, evidentemente, do comum padrão de qualidade
incidirá sobre a construção e conservação dos prédios que caracteriza o sistema.
escolares e de seus equipamentos, assim como sobre e) Por fim, e com certeza o mais importante,
a inspeção de suas condições de funcionamento, deve-se considerar com toda a atenção e cuidado o
além, é claro, dos serviços de apoio, como merenda problema do conteúdo da educação a ser desenvolvido
escolar, transporte escolar etc. Efetivamente são no âmbito de todo o Sistema. Conforme os documentos
esses os aspectos em que os municípios têm expe- legais, a começar pela Constituição Federal e a LDB, a
riência consolidada. Os municípios, de modo geral, educação tem por finalidade o pleno desenvolvimento
estão equipados para regular, por legislação própria, da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e
a ocupação e o uso do solo. Rotineiramente cabe às a qualificação para o trabalho. Levando-se em conta
prefeituras examinar projetos relacionados aos mais que esses objetivos se referem indistintamente a todos
variados tipos de construção, verificando sua adequa- os membros da sociedade brasileira considerados
ção à finalidade da obra a ser construída. Assim, quer individualmente, podemos interpretar, com Gramsci
se trate de moradias, de hospitais, de restaurantes de (1975, vol. III, p. 1547), que o objetivo da educação
igrejas etc., o órgão municipal verificará se o projeto é conduzir cada indivíduo até a condição de ser capaz
atende às características próprias do tipo de construção de dirigir e controlar quem dirige.
preconizado à luz da finalidade que lhe caberá cum- Fica claro que tal objetivo não poderá ser atingido
prir. Ora, é evidente que, em se tratando das escolas, com currículos que pretendam conferir competências
as prefeituras também podem cumprir, sem qualquer para a realização das tarefas de certo modo mecânicas
dificuldade, essa função. Obviamente isso não impede e corriqueiras demandadas pela estrutura ocupacional,
que os municípios assumam, em caráter complementar concentrando-se, e ainda de forma limitada, na ques-
e nos limites de suas possibilidades, responsabilidades tão da qualificação profissional e secundarizando o
específicas no campo educacional, mesmo no âmbito pleno desenvolvimento da pessoa e o preparo para o
daquelas funções que cabem prioritariamente aos exercício da cidadania.
estados e à União. Diferentemente dessa tendência dominante, a
Em suma, o Sistema Nacional de Educação organização curricular dos vários níveis e modalidades
integra e articula todos os níveis e modalidades de de ensino no âmbito do Sistema Nacional de Educação
educação com todos os recursos e serviços que lhes deverá tomar como referência a forma de organização
correspondem, organizados e geridos, em regime de da sociedade atual, assegurando sua plena compreen
colaboração, por todos os entes federativos sob coor- são por parte de todos os educandos. Isso significa
denação da União. Fica claro, pois, que a repartição que se deve promover a abertura da caixa-preta da
das atribuições não implica exclusão da participação chamada “sociedade do conhecimento”. A educação
dos entes aos quais não cabe a responsabilidade direta a ser ministrada deverá garantir a todos o acesso aos
pelo cumprimento daquela função. Eles participarão fundamentos e pressupostos que tornaram possível a
revolução microeletrônica que está na base dos proces- Sobre o Plano Nacional de Educação
sos de automação que operam no processo produtivo
e das tecnologias da informação que se movem nos Foi acertado o encaminhamento da organização
ambientes virtuais da comunicação eletrônica. da Conferência Nacional de Educação ao articular,
Assim, além de tornar acessíveis os computadores no tema central, a questão da construção do Sistema
pela disseminação dos aparelhos e em vez de lançar a Nacional de Educação com o Plano Nacional de Edu-
educação na esfera dos cursos a distância de forma aço- cação. Há, efetivamente, íntima relação entre esses
dada, é preciso garantir não apenas o domínio técnico- dois conceitos. Como se mostrou, o sistema resulta
operativo dessas tecnologias, mas a compreensão dos da atividade sistematizada; e a ação sistematizada é
princípios científicos e dos processos que as tornaram aquela que busca intencionalmente realizar determina-
possíveis. Se continuarmos pelos caminhos que estamos das finalidades. É, pois, uma ação planejada. Sistema
trilhando, não parece exagerado considerar que estamos de ensino significa, assim, uma ordenação articulada
de fato realizando aquelas profecias dos textos de ficção dos vários elementos necessários à consecução dos
científica que previram uma humanidade submetida objetivos educacionais preconizados para a popula-
ao jugo de suas próprias criaturas, sendo dirigidas por ção à qual se destina. Supõe, portanto, planejamento.
máquinas engrenadas em processos automáticos, pois Ora, se “sistema é a unidade de vários elementos
não deixa de ser verdade que cada vez mais nos relacio- intencionalmente reunidos, de modo a formar um con-
namos com as máquinas eletrônicas, especificamente junto coerente e operante” (Saviani, 2008, p. 80), as
com os computadores, considerando-os fetichistica- exigências de intencionalidade e coerência implicam
mente pessoas a cujos desígnios nós nos sujeitamos e, que o sistema se organize e opere segundo um plano.
sem conseguirmos compreendê-los, atribuímos a eles Consequentemente, há estreita relação entre sistema
determinadas características psicológicas traduzidas em de educação e plano de educação.
expressões que os técnicos utilizam para nos explicar Podemos dizer que a formulação do Plano
seu comportamento, tais como: “ele, o computador, Nacional de Educação se põe como uma exigência
não reagiu bem ao seu procedimento”; “ele é assim para que o Sistema Nacional de Educação mantenha
mesmo, às vezes aceita o que você propõe e às vezes permanentemente suas características próprias. Com
não aceita” etc. efeito, é preciso atuar de modo sistematizado no
Nas condições atuais, não é mais suficiente sistema educacional; caso contrário, ele tenderá a
alertar contra os perigos da racionalidade técnica distanciar-se dos objetivos humanos, caracterizando-
advogando-se uma formação centrada numa cultura se especificamente como estrutura (resultado coletivo
de base humanística voltada para filosofia, literatura, inintencional de práxis intencionais individuais).
artes e ciências humanas à revelia do desenvolvimen- Esse risco é particularmente evidente no fenômeno
to das chamadas “ciências duras”. É preciso operar que vem sendo chamado de “burocratismo”. Este
um giro da formação na direção de uma cultura de consiste em que, a um novo processo, apliquem-se
base científica que articule, de forma unificada, num mecanicamente formas extraídas de um processo
complexo compreensivo, as ciências humano-naturais anterior. Assim sendo, o funcionamento do sistema
que estão modificando profundamente as formas de acaba caindo numa rotina em que as ações se tornam
vida, passando-as pelo crivo da reflexão filosófica e mecânicas, automáticas, rompendo o movimento
da expressão artística e literária. É este o desafio que dialético ação-reflexão-ação, que é condição sine
o Sistema Nacional de Educação terá de enfrentar. qua non da educação sistematizada e, portanto, da
Somente assim será possível, além de qualificar para o prática educativa própria do sistema educacional. Isso
trabalho, promover o pleno desenvolvimento da pessoa porque o modo de existência do homem é tal que uma
e o preparo para o exercício da cidadania. práxis que se estrutura em função de determinado(s)
objetivo(s) não se encerra com a sua realização, mas Esse entendimento influenciou, por certo, a Cons-
traz a exigência da realização de novos objetivos, tituição Brasileira de 1934, cujo artigo 150, alínea
projetando-se numa nova práxis (que só é nova pelo a, estabelecia como competência da União “fixar o
que acrescenta à anterior e porque a pressupõe; na plano nacional de educação, compreensivo do ensino
realidade prolonga-a, num processo único que se de todos os graus e ramos, comuns e especializados;
insere na totalidade do existir). e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o
Portanto, para que o sistema permaneça vivo e território do país”.
não degenere em simples estrutura, burocratizando- A mesma Constituição de 1934 previu ainda,
se, é necessário manter continuamente, em termos no artigo 152, um Conselho Nacional de Educação,
coletivos, a intencionalidade das ações. Isso significa cuja principal função seria elaborar o Plano Nacional
que em nenhum momento se deve perder de vista o de Educação.
caráter racional das atividades desenvolvidas. E o Enquanto para os educadores alinhados com o
plano educacional é exatamente o instrumento que visa movimento renovador o plano de educação era enten-
introduzir racionalidade na prática educativa como dido como um instrumento de introdução da raciona-
condição para superar o espontaneísmo e as improvi- lidade científica na política educacional, para Getúlio
sações, que são o oposto da educação sistematizada e Vargas e Gustavo Capanema o plano se convertia em
de sua organização na forma de sistema. instrumento destinado a revestir de racionalidade o
Mas se o plano educacional é instrumento de controle político-ideológico exercido pela política
introdução da racionalidade na educação, é preciso ter educacional.
presente que há diferentes tipos de racionalidade. Durante o período do Estado Novo (1937-1945),
Historicamente, no Brasil, podemos identificar Capanema se aproxima da ideia de plano de educa-
a origem da ideia de plano na educação a partir da ção como operacionalização da política educacional,
década de 1930. Sua primeira manifestação explícita ao entender que “a promulgação de uma lei geral
nos é dada pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação de ensino, ou seja, de um Código da Educação Na-
Nova, lançado em 1932. cional, apresentava-se como condição prévia para a
O Manifesto, após diagnosticar o estado da elaboração de um plano de educação” (Horta, 1997,
educação pública no Brasil, afirmando que “todos os p. 149-150) que, por sua vez, se constituiria na “base
nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito e roteiro das providências de governo” no âmbito
de continuidade, não lograram ainda criar um sistema educacional.
de organização escolar à altura das necessidades mo- No período compreendido entre 1946 e 1964
dernas e das necessidades do país” (Manifesto, 1984, observa-se uma tensão entre duas visões de plano de
p. 407), enuncia as diretrizes fundamentais e culmina educação que, de certo modo, expressa a contradição
com a formulação de um “plano de reconstrução entre as forças que se aglutinaram sob a bandeira do
educacional”. nacionalismo desenvolvimentista que atribuíam ao
O conceito de plano, no âmbito do Manifesto, Estado a tarefa de planejar o desenvolvimento do
assume o sentido de instrumento de introdução da país, libertando-o da dependência externa, e aquelas
racionalidade científica no campo da educação em que defendiam a iniciativa privada, contrapondo-se
consonância com o ideário escolanovista, para o qual à ingerência do Estado na economia e àquilo que
“os trabalhos científicos no ramo da educação já nos taxavam de monopólio estatal do ensino. Ambas as
faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o tendências repercutiram no debate que se travou por
axioma de que se pode ser tão científico no estudo e ocasião da discussão, no Congresso Nacional, do
na resolução dos problemas educativos como nos da projeto da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases
engenharia e das finanças” (idem, p. 409). da Educação Nacional.
A primeira tendência teve como porta-voz aplicação dos recursos correspondentes aos Fundos
Santiago Dantas, que, intervindo no debate na Câmara do Ensino Primário, do Ensino Médio e do Ensino
dos Deputados na sessão de 4/6/1959, salientou a ne Superior (cf. Horta, 1982, p. 93-125).
cessidade de o projeto de LDB criar as condições para Designado para relatar o Plano Nacional de
a construção de um sistema de ensino voltado para Educação no Conselho Federal de Educação, Anísio
a realidade e as necessidades do desenvolvimento Teixeira esclareceu o sentido do preceito legal e ar
brasileiro, criticando o projeto de LDB por ser apenas quitetou um procedimento engenhoso para a distri-
uma consolidação das leis do ensino. Para ele, a Lei de buição dos recursos, detalhando-o no que se refere
Diretrizes e Bases não pode ser apenas uma moldura ao plano do Fundo Nacional do Ensino Primário. Foi
jurídica, mas deve fixar os objetivos, os meios e as esse procedimento que inspirou a criação, em 1996, do
condições de planejamento por meio dos quais o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Poder Público possa coordenar os esforços da nação Fundamental e de Valorização do Magistério (Fun-
no campo educativo (Dantas, 1959, p. 2664). Em seu def), orientação que foi mantida com sua substituição
entendimento, o Plano Nacional de Educação resulta, pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
portanto, mais importante do que a própria Lei de Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
Diretrizes e Bases. da Educação (Fundeb) em dezembro de 2006.
Entretanto, na discussão da LDB prevaleceu a A partir de 1964, o protagonismo no âmbito
segunda tendência, que defendia a liberdade de ensino do planejamento educacional se transferiu dos edu
e o direito da família de escolher o tipo de educação cadores para os tecnocratas, o que, em termos
que deseja para seus filhos, considerando que a ação organizacionais se expressou na subordinação do
planificada do Estado trazia embutido o risco de to- Ministério da Educação ao Ministério do Planeja-
talitarismo. Em decorrência dessa orientação, a ideia mento, cujos corpos dirigente e técnico eram, via de
de plano de educação na nossa primeira LDB ficou regra, oriundos da área de formação correspondente
reduzida a instrumento de distribuição de recursos para às ciências econômicas.
os diferentes níveis de ensino. De fato, pretendia-se Essa tendência se explicita na reforma do ensino
que o plano garantisse o acesso das escolas particu- traduzida pela lei n. 5.692/1971, cujo artigo 53 define
lares, em especial as católicas, aos recursos públicos que “o Governo Federal estabelecerá e executará pla-
destinados à educação. nos nacionais de educação, esclarecendo no parágrafo
Assim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação único que o planejamento setorial da educação deverá
Nacional promulgada em 20/12/1961 se refere a atender às diretrizes e normas do Plano-Geral do
“plano de educação” no § 2º do artigo 92. Após esta- Governo, de modo que a programação a cargo dos ór-
belecer que “com nove décimos dos recursos federais gãos da direção superior do Ministério da Educação e
destinados à educação serão constituídos, em parcelas Cultura se integre harmonicamente nesse Plano-Geral”
iguais, o Fundo Nacional do Ensino Primário, o Fundo (Saviani, 1996, p. 136). Nesse contexto, os planos para
Nacional do Ensino Médio e o Fundo Nacional do En- a área de educação decorriam diretamente dos Planos
sino Superior” (§ 1º), o § 2º determina que “o Conselho Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), recebendo,
Federal de Educação elaborará, para execução em pra- por isso mesmo, a denominação de Planos Setoriais
zo determinado, o plano de educação referente a cada de Educação e Cultura (Psecs).
fundo”. Atendendo àquelas normas legais, o Conselho Com o advento da “Nova República” passou-se
Federal de Educação elaborou em 1962 um documento “de uma estratégia de formulação de políticas, plane-
(Brasil, 1962) em que procurou, numa primeira parte, jamento e gestão tecnocrática, concentrada no topo da
traçar as metas para um plano nacional de educação pirâmide no governo autoritário, para o polo oposto,
e, numa segunda parte, estabelecer as normas para a da fragmentação e do descontrole, justificado pela des-
centralização, mas imposto e mantido por mecanismos ver, repensar a estrutura do plano concentrando-se nos
autoritários” (Kuenzer, 1990, p. 61). aspectos fundamentais e, em consequência, enxugando
Quanto ao PNE atualmente em vigor, ele resultou o texto e reduzindo o número de metas, seja pela aglu-
de duas propostas: uma elaborada pelo MEC na gestão tinação daquelas afins, seja fixando-se nos aspectos
Paulo Renato, do governo FHC, e outra gestada no II mais significativos. Isso se faz necessário para viabi-
Congresso Nacional de Educação. A proposta do MEC, lizar o acompanhamento e o controle, tendo em vista,
dado o empenho em reorganizar a educação na égide por um lado, avaliar o grau em que o plano está sendo
da redução de custos traduzida na busca da eficiência posto em prática e, por outro, cobrar dos responsáveis
sem novos investimentos, revelou-se um instrumento o efetivo cumprimento das metas. Com efeito, há de se
de introdução da racionalidade financeira na educação. convir que é muito difícil para a população ter presente
Pelo empenho em se guiar pelo princípio da “qualidade um conjunto de 295 metas para acompanhar de perto
social”, poderíamos considerar que a segunda proposta e vigiar para que sejam efetivadas.
entende o plano como um instrumento de introdução Ao efetuar o diagnóstico e traçar as metas, será
da racionalidade social na educação. necessário tomar como referência os níveis e modali-
Em suma: na década de 1930 o conceito de plano dades de ensino. Uma estratégia a ser adotada pode ser
assumiu o sentido de introdução da racionalidade cien- definir as metas gerais, deixando o detalhamento para
tífica na educação; no Estado Novo, metamorfoseou-se ser efetuado no âmbito das instâncias do Sistema Na-
em instrumento destinado a revestir de racionalidade cional de Educação responsáveis pela execução delas.
o controle político-ideológico exercido pela política À guisa de ilustração, tomemos o seguinte exemplo:
educacional; com a LDB de 1961, converteu-se em considerando que todas as questões de infraestrutura
instrumento de viabilização da racionalidade distri- ligadas às condições de funcionamento e manutenção
butiva dos recursos educacionais; no regime militar, dos prédios escolares ficarão a cargo dos municípios,
caracterizou-se como instrumento de introdução da definida a meta, digamos, de adequação, em cinco
racionalidade tecnocrática na educação; na “Nova Re anos, de todas as escolas aos padrões estabelecidos,
pública”, sua marca foi o democratismo com o que cada município deverá detalhar, à luz de sua situação
a ideia de introduzir, pelo plano, uma espécie de ra- específica, os procedimentos que conduzirão ao cum-
cionalidade democrática se revestiu de ambiguidade; primento da meta no prazo estipulado.
finalmente, na era FHC, o plano se transmutou em Uma atenção especial deverá ser dada no PNE à
instrumento de introdução da racionalidade financeira questão do financiamento, não porque seja garantia da
na educação. realização das metas, mas porque é condição indispen-
Considerando que o prazo de vigência do atual sável, ainda que não suficiente, do seu cumprimento.
PNE se esgota em 9/1/2011, será necessário elabo- Nesse aspecto, como já reiterei em várias oportunida-
rar uma nova proposta e encaminhar ao Congresso des, cabe considerar, à luz do que se proclama como
Nacional o projeto do novo Plano Nacional de sendo próprio da “sociedade do conhecimento”, a
Educação. É preciso proceder a uma revisão detida educação como eixo do próprio projeto de desenvolvi-
e cuidadosa do atual PNE, refazendo o diagnóstico mento do país. Assim sendo, serão destinados recursos
das necessidades educacionais a serem atendidas de grande monta para equipar plenamente o Sistema
pelo sistema educacional. E esse trabalho deverá Nacional de Educação. Por esse caminho será possí-
evidentemente ser realizado já em perfeita sintonia vel duplicar imediatamente o percentual do Produto
com os encaminhamentos relativos à construção do Interno Bruto (PIB) investido em educação, saltando,
Sistema Nacional de Educação. já em 2011, no início da vigência do novo PNE, dos
Nesse trabalho convém tirar proveito das lições atuais 4,7% para 9,4%. Teríamos aí um patamar para
decorrentes da elaboração do plano atual. Cabe, a meu tratar, de fato, a educação com o grau de prioridade
franco. Dicionário de política, 2 vols., 12. ed. Brasília: Editora SAVIANI, Dermeval. Educação brasileira: estrutura e sistema.
________. Plano Nacional de Educação: da tecnocracia à parti- gogia no Brasil: história e teoria (Campinas: Autores Associados,
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José Silvério Baía; BRITO, Vera Lúcia Alves. Medo à Liberdade crítica da política do MEC (Campinas: Autores Associados, 2009).