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Linguagem LOGO

GUILHERMINA LOBATO MIRANDA (*)

O LOGO mais a aprendizagem de um processo (modos


de pensar) do que a aprendizagem de conteúdos
O LOGO é uma linguagem de programação (o que pensar).
concebida por Papert e col., em finais dos anos
sessenta, no laboratório de inteligência artificial A estrutura do LOGO tem a ver com a
do Massachusetts Institut of Technology (MIT), trajectória científica de Papert, que se situou na
especialmente para uso das crianças a partir dos confluência de duas correntes de investigação.
4-5 anos.
Matemático e Físico, Papert interessou-se pelo
Precisamente por isso, assenta num desenvolvimento da inteligência humana depois
simbolismo com significado para sujeitos que de ter trabalhado com Piaget no Centro de
não possuem qualquer conhecimento Epistemologia Genética de Genebra. E foi
informático, ao contrário do que sucede com precisamente ao investigar o problema da relação
a maior parte das outras linguagens de entre inteligência artificial e humana que haveria
programação. de desenvolver o projecto LOGO (Papert, 1963,
Ao criar esta linguagem, Papert procurou que 1968, 1976).
ela fosse simples e poderosa, utilizável por O LOGO tem, com efeito, como base uma
crianças do pré-escolar e também por estudantes epistemologia construtivista do processo de
universitários, que induzisse a criação de aprendizagem, assente no princípio de que o
programas interessantes quase desde o início da sujeito constrói as suas estruturas mentais em
aprendizagem e permitisse desenvolver técnicas interacção com os objectos. O desenvolvimento
de resolução de problemas e capacidades de cognitivo não consiste pois numa acumulação
pensamento, convergente e divergente. O LOGO de factos, mas em progressivas reorganizações
deveria ainda, segundo as intenções do seu do conhecimento levadas a cabo pelo sujeito
criador, facultar as crianças um conhecimento activamente envolvido no seu ambiente físico e
delas próprias como aprendizes e pensadores, social. Numa tal perspectiva a aprendizagem é
ou dito por outras palavras, possibilitar-lhes uma importante para movimentar o processo de
reflexão sobre o próprio acto de aprender e de desenvolvimento, mas é, ao mesmo tempo,
pensar. condicionada pelas capacidades de
Por isso, o LOGO é considerado mais como desenvolvimento daquele que aprende.
uma linguagem com a qual se pode aprender Retom,andoa concepção piagetiana de estádios
do que uma linguagem que se aprende, visando de desenvolvimento, Papert sugere que certos
conceitos que eram adquiridos tardiamente,
(*) Assistente na Faculdade de Psicologia e de podem ser aprendidos mais precocemente se o
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. ambiente que envolve a criança for fértil em

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materiais que lhe permitam assimilar esses estratégia modelar na resolução de problemas,
conceitos de um modo natural. que consiste na decomposição de cada problema
Papert vai atribuir ao computador o poder em sub-problemas mais simples.
de concretizar e personalizar aquilo que é formal.
O computador poderia apoiar as crianças a Princ@ios da linguagem LOGO
fazerem mais rapidamente a passagem do
Os princípios de base em que acenta esta
pensamento infantil ao adulto, deslocando as
linguagem de programação, segundo Larivée e
fronteiras entre o concreto e o formal.
Michaud (1980), podem resumir-se a seis: a
((Conhecimentosque só eram acessíveis através
noção de estado, de procedimento, de nomear,
de processos formais podem agora ser abordados
de recursão, de bug(1) e de debbuging.
concretamente)) (Papert, 1980, 1985, p. 37).
O criador d o LOGO refere-se mais A noçüo de estado, refere-se a dois elementos
especificamente ao pensamento combinatório indissociáveis do real, a saber: o tempo e o
(onde se raciocina em termos de estados possíveis espaço. No plano espacial, o sujeito tenta
de um sistema) e ao pensamento auto-referencial controlar, desde as primeiras manipulações a
(onde a reflexão se exerce sobre o próprio direcção e posição da «tartaruga» através dos
pensamento). comandos primitivos do LOGO: dois associados
Sobretudo a partir d a publicação de a variável direcção, que são Direita (VD) e
((Mindstorms: Children, Computers and Esquerda (VE) e outros tantos associados a
Powerful Ideas» (1980), o LOGO transcendeu variável posição, que são Avançar (PF) e Recuar
o seu estatuto de simples linguagem de (W.
programação tornando-se numa filosofia de A nível mais elaborado, trata-se de descobrir
educação. e precisar a evolução de um projecto no preciso
momento da sua realização, o que permite ao
A geometria da «tartaruga» sujeito situar-se nesse projecto tendo em vista
a sua correcção (debbuging) ou continuação.
O LOGO permite operar com estruturas No plano temporal, a decomposição de um
parciais, mas autónomas dessa linguagem. A projecto em procedimentos e a análise do
geometria da «tartaruga» é a mais conhecida projecto nos diferentes tempos da sua realização
das suas componentes, constituindo a abordagem permite ao sujeito discernir o desenrolar temporal
comum na iniciação ao LOGO. e as transformações ocorridas durante as
Na geometria da «tartaruga», o papel central diferentes sequências temporais.
é desempenhado por um pequeno triângulo A noção de procedimento: na realização de
luminoso, a «tartaruga», que permite ((pensar um projecto a noção de procedimento consiste
com» (((To think with», Papert, 1980). na elaboração da sequência lógica de um
É a esta «tartaruga» assim definida que está percurso conducente ao objectivo a atingir.
associado um conjunto de instruções elementares, Constitui a dimensão estrutural que o sujeito
os comandos primitivos (Marti, 1980), também pode utilizar para resolver um problema.
designados apenas por primitivas (Papert, 1980), Dimensão subjacente as noções de organização
que fazem apelo a movimentos naturais do no espaço e no tempo, de planificação e de
ambiente humano, como avançar e recuar e virar elaboração de estratégias.
a direita ou a esquerda. O primeiro momento da realização de um
No LOGO os projectos podem ser realizados projecto consiste na definição de um problema
passo a passo, sendo igualmente possível integrar de aprendizagem para o sujeito. Num segundo
as várias instruções em procedimentos. O sujeito momento, a planificação ilustrará o resultado
pode atribuir-lhes um nome e utilizá-lo desejado. Posteriormente, e de acordo com o
posteriormente noutros projectos mais nível de evolução do sujeito, há a elaboração
complexos. Esta possibilidade de construir
procedimentos a custa de outros procedimentos (1) Usamos o termo inglês, por ser difícil encontrar
é que confere um grande poder a esta linguagem, um termo em português que recubra o mesmo
reforçando ao mesmo tempo um tipo de conceito.

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dos meios para resolver o problema. Finalmente, recursão consiste em constatar a repetição de um
o ensaio de concretização do processo que resulta fenómeno num dado contexto. No plano prático,
na realização dos procedimentos, leva, entre a recursão consiste na reaplicação de um
outras coisas, a utilização de estratégias de conjunto de acções para resolver um problema.
correcção (debbuging)que têm como finalidade A recursividade encoraja o sujeito a organizar
atingir os resultados pretendidos. Trata-se de e a planificar estratégias de rendimento máximo
«pensar qualquer coisa que se quer realizar no e custo mínimo. No LOGO a recursividade
computador e de o ensinar a fazê-la)). consiste em utilizar procedimentos que se
A estrutura do procedimento pode ser simples utilizam a si próprios como sub-procedimento.
(isto 6, a utilização de um procedimento que visa
atingir um único objectivo) ou complexo (quer A noção de bug: o termo bug quer dizer
dificuldade, obstáculo, erro, designa uma falha
dizer, o sujeito utiliza um conjunto de
na planificação e na elaboração de um projecto.
procedimentos locais, que visam atingir
objectivos múltiplos).
No ecrã o bug corresponde a uma falha
relativamente ao que tinha sido planificado, por
O conjunto destes objectivos parciais e final,
outras palavras, uma inadequação entre o
corresponde as noções de sub-procedimento e
resultado desejado e o obtido. O conceito de bug
procedimento. A diferenciação do objectivo
difere do de erro na medida em que não é
global em sub-objectivos permite uma descrição
mais clara dos meios a utilizar o que gera um estático e sujeito a desaprovação. O bug é uma
conjunto de acções mais operacionais, noção dinâmica e por isso pode ser utilizada
permitindo uma maior generalização. Em termos para múltiplos fins. Os bugs são reveladores dos
processos utilizados pelo sujeito na resolução de
piagetianos a estrutura de procedimento simples
um dado problema.
corresponde a um raciocínio intuitivo e a
Perante um bug, uma criança pode querer
estrutura de procedimento complexo a um
corrigi-lo para realizar o projecto inicial ou
raciocínio de tipo operatório.
A linguagem LOGO está organizada com base simplesmente mudar de projecto aproveitando
em procedimentos. Para o seu criador, Papert, o próprio erro. O bug possui o mesmo estatuto
grande parte do pensamento humano pode ser dinâmico atribuído ao erro na concepção
estruturado em procedimentos. Ao permitir piagetiana da aprendizagem (Inhelder, Sinclair
& Bovet, 1974).
concretizar procedimentos e manipulá-los, o
LOGO faculta aos sujeitos a possibilidade de A noção de debbuging: a noção de debbuging
explorar e jogar com os seus próprios está directamente relacionada com a noção de
procedimentos mentais (Papert, 1980). bug. O processo de debbuging visa
A noção de nomear: a actividade de nomear fundamentalmente o como e o porquê dum
consiste em dar um nome significativo aos determinado fenómeno - reconhecendo e
procedimentos. Chamar QUADRADO a um percebendo qual foi e elaborando as estratégias
quadrado é fácil; o mesmo já não acontece necessárias para a sua resolução. Esta atitude
quando os procedimentos não coincidem com procura incentivar um efeito de generalização
algo de conhecido. Encontrar um nome para dar a situações posteriores e desenvolver a capacidade
a uma trajectória desconhecida (por exemplo, de analisar problemas de modo a estabelecer os
deslocar a «tartaruga» de um local do ecrã para meios mais eficazes para os resolver.
outro com o objectivo de continuar a realização
de um dado projecto) constitui uma actividade
de nomeação. Esta actividade é um suporte BIBLIOGRAFIA
representativo, dando a possibilidade de
manipular ((objectos))com a finalidade de atingir Inhelder, B., Sinclair, R. & Bovet, M. (1974).
determinados objectivos. A escolha de um nome Apprentissage et Structures de Ia Connaissance.
fornece indicadores sobre a compreensão do Paris: PUF.
sujeito em relação a um fenómeno particular. Larivée, S. & Michaud, N. (1980). L‘ordinateur au
secours de l’inadaptation, Revue des Sciences de
A noção de recursão: no plano teórico a I’Education, 6(3): pp. 45I-472.

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Papert, S. (1963). Étude comparée de l’intelligence Papert & G. Voyat, Ed.), Études d’Épistémo-
chez I’enfant et chez le robot. In La filiation des logie Génétique, Vol. XXII, pp. 92-121. Paris:
structures (L. Apostei, J.B. Grize, S. Papert & J. PUF.
Piaget, Ed.). Études d‘Épistémologie Génétique, Papert, S. (1976). An Evahation Study of Modern
Vol. XIV, pp. 131-194. Paris: PUF. Technology in Education. Cambridge:
Papert, S. & Voyat, G. (1968). A propos du Massachusetts Institute of Technology.
perception. Qui a besoin de I’épistémologie?. In Papert, S. (1980). Mindstorms: children, computers
Cybernétique et Épistémologie (G. Cellerier, S. and powerful ideas. New York: Basic Books.

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