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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

RELATORA : MIN. ROSA WEBER


REDATOR DO : MIN. ROBERTO BARROSO
ACÓRDÃO
REVISOR : MIN. ROBERTO BARROSO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : MARÇAL GONÇALVES LEITE FILHO
ADV.(A/S) : ROGÉRIO MARCOLINI E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : JOÃO ALCÂNTARA FILHO
ADV.(A/S) : CRISTINA CONCEIÇÃO OLIVEIRA
RÉU(É)(S) : DALADIER RODRIGUES DE ARAÚJO FILHO
ADV.(A/S) : OTON JOSÉ NASSER DE MELLO E OUTRO(A/S)

Ementa: DIREITO PENAL. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA


E DE USO DE DOCUMENTO FALSO. 1. Admite-se a possibilidade de
que a denúncia anônima sirva para deflagrar uma investigação policial,
desde que esta seja seguida da devida apuração dos fatos nela noticiados.
Precedente citado. 2. Não há nulidade automática na tomada de
declarações sem a advertência do direito ao silêncio, salvo quando
demonstrada a ausência do caráter voluntário do ato. Ademais, a
presença de defensor durante o interrogatório do investigado ou acusado
corrobora a higidez do ato. Precedente citado. 3. Condenação pelo crime
de falso. Restou provada a falsidade do contrato social da radiodifusão
Dinâmica, sendo o primeiro acusado o verdadeiro controlador. Com
efeito, o denunciado omitiu esta condição por ser parlamentar federal,
diante da vedação prevista no art. 54 da Constituição Federal e no art. 38,
§1º, da Lei nº 4.117/62. 4. De acordo com a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o crime de uso,
quando cometido pelo próprio agente que falsificou o documento,
configura "post factum" não punível, vale dizer, é mero exaurimento do
crime de falso. Impossibilidade de condenação pelo crime previsto no art.
304 do Código Penal. 5. A alteração do contrato social não constitui novo

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crime, já que a finalidade do agente já havia sido atingida quando da


primeira falsificação do contrato social. 6. O contrato social não pode ser
equiparado a documento público, que é criado por funcionário público,
no desempenho das suas atividades, em conformidade com as
formalidades previstas em lei. 7. Extinção da punibilidade dos acusados,
em face da prescrição da pretensão punitiva, baseada nas penas em
concreto, restando prejudicada a condenação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da


Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do
Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata de julgamento e das
notas taquigráficas, por maioria de votos, em assentar a competência do
Supremo Tribunal Federal para julgar a ação penal e afastar a nulidade
ante a ocorrência da notícia anônima da prática criminosa, vencido o
Ministro Marco Aurélio. Por unanimidade, rejeitar as preliminares de
nulidades da fase inquisitorial e de inépcia da denúncia. No mérito, por
maioria, assentar a prática de um crime de falso e aplicar a pena de 2 anos
e 6 meses e, ante a passagem do tempo do fato criminoso até o
recebimento da denúncia, concluir pela prescrição da pretensão punitiva
retroativa pela pena concretizada, nos termos do voto do Ministro Luís
Roberto Barroso, revisor e redator do acórdão, vencida, em parte, a
Ministra Rosa Weber, relatora.
Brasília, 09 de setembro de 2014.

MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - REDATOR P/ O ACÓRDÃO

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Relatório

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AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

RELATORA : MIN. ROSA WEBER


REVISOR : MIN. ROBERTO BARROSO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : MARÇAL GONÇALVES LEITE FILHO
ADV.(A/S) : ROGÉRIO MARCOLINI E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : JOÃO ALCÂNTARA FILHO
ADV.(A/S) : CRISTINA CONCEIÇÃO OLIVEIRA
RÉU(É)(S) : DALADIER RODRIGUES DE ARAÚJO FILHO
ADV.(A/S) : OTON JOSÉ NASSER DE MELLO E OUTRO(A/S)

RELATÓRIO

A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora): Trata-se de ação penal


proposta contra Marçal Gonçalves Leite Filho, João Alcântara Filho e
Daladier Rodrigues de Araújo Filho por dois crimes de falsidade
ideológica e por crime de uso de documento falso dos artigos 299 e 304 do
Código Penal.
Segundo a denúncia, os três acusados teriam, em síntese, falsificado,
em 25.02.1998, o contrato social da “Empresa de Radiodifusão Dinâmica
FM Ltda.”, ocultando a condição de proprietário e administrador de
Marçal e consignando no documento que os sócios seriam João Alcântara
e Daladier, a este afeta a administração.
A falsidade teria sido renovada em 26.10.2000, com a primeira
alteração do contrato social, por meio da qual se retirou da sociedade o
acusado Daladier, e foi substituído pelo próprio acusado Marçal, sem
poder de gestão. Segundo a alteração do contrato social, a administração
da sociedade caberia a João Alcântara Filho, mas, em realidade, seria
exercida pelo acusado Marçal.
O contrato falsificado teria sido utilizado em licitação pública junto
ao Ministério das Comunicações para explorar o serviço de radiodifusão
sonora em frequência modulada em Dourados/MS. Imputa a denúncia o
crime de utilização do contrato falso junto ao Ministério das
Comunicações de 13.3.1998 em diante.

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A falsificação teria sido efetuada porque Marçal exerceria o mandato


de Deputado Federal e “não poderia integrar o contrato social da
sociedade referida, exercendo função de diretor ou gerente de empresa
permissionária de exploração de serviço de radiodifusão”, em afronta ao
art. 54, I e II, da Constituição Federal e ao art. 38 da Lei nº 4.117/1962.
A denúncia, oferecida originariamente perante a Justiça Federal de
Dourados/MS, foi recebida em 15.9.2006 (fl. 758).
Os acusados João Alcântara Filho (fls. 880-4), Daladier Rodrigues de
Araújo Filho (fls. 891-3) e Marçal Gonçalves Leite Filho (fls. 894-7) foram
interrogados.
Apresentadas defesas preliminares por defensores constituídos (fls.
886-7 e 900-1).
Ouvidas as testemunhas de acusação e de defesas (fls. 951-4, 1.071-3,
1.094-5, 1.124-5, 1.131-7).
Os requerimentos das partes na fase de diligências complementares
(antigo art. 499 do Código de Processo Penal) foram decididos nos termos
da decisão das fls. 1.147-9.
Com a eleição do acusado Marçal Gonçalves a Deputado Federal,
remetidos os autos da ação penal a esta Suprema Corte em 06.01.2009 (fl.
1.289).
O Procurador-Geral da República ratificou a denúncia (fls. 1.300-
1.301).
Decisão da eminente Ministra Ellen Gracie (fls. 1.305-6), com
ratificação dos atos processuais já praticados e comando de diligências.
O Ministério Público Federal, em alegações finais (fls. 1.840-8) requer
a condenação dos acusados pelos crimes do art. 299 e do art. 304 do
Código Penal, argumentando: (i) comprovada a inserção de declaração
falsa no contrato social, pois o acusado Marçal Gonçalves Leite Filho é o
administrador de fato da Empresa de Radiodifusão Dinâmica FM Ltda.;
(ii) a falsidade visava a ocultar que o acusado Marçal Gonçalves era o
sócio administrador da empresa, posição que, como parlamentar federal,
não poderia ocupar; (iii) os documentos falsificados foram utilizados em
licitação para outorga de permissão para exploração de serviços de

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radiodifusão (fl. 123); (iv) os sócios originais da empresa não tinham


patrimônio ou renda suficiente para arcar com a proposta de R$
672.266,00 apresentada na licitação; (v) após o resultado da licitação foi
trazida de Brasília a pessoa de Keliana Fernandes Mangueiras pelo
acusado Marçal para administrar a empresa; (vi) o acusado Marçal, como
Deputado Federal, não poderia ser proprietário e administrador de
empresa que gozasse de favor decorrente de contrato com pessoa de
direito público; e (vii) notória em Dourados a condição do acusado
Marçal de proprietário e administrador da rádio, conforme exposto em
voto proferido em ação de impugnação de candidatura.
A Defesa do acusado Marçal Gonçalves Leite Filho, em alegações
finais (fls. 1.875-938), argumenta: (i) nula a investigação porque iniciada a
partir de "denúncia anônima"; (ii) ouvido o acusado Marçal no inquérito
sem advertência quanto ao direito ao silêncio; (iii) os documentos
juntados por Marçal na ocasião são inválidos; (iv) o acusado João
Alcântara Filho foi intimado para apresentar extratos bancários sem
autorização judicial para apresentação de tal prova; (v) inepta a denúncia
porque teria tratado "o crime de uso de documento falso como se fora
crime permanente"; (vi) a Empresa de Radiodifusão Dinâmica Ltda. foi
constituída pelos acusados Daladier e João Alcântara, sem a participação
do acusado Marçal; (vi) o acusado Marçal ingressou posteriormente na
empresa, mas não a administrava; (vii) os acusados confirmam essa
versão dos fatos; (viii) o Ministério das Comunicações confirmou que o
administrador da empresa era o coacusado João Alcântara; (ix) o acusado
era Deputado Federal e não tinha tempo para gerenciar e administrar
empresa de rádio; (x) com procuração de João Alcântara, Keliana
Fernandes passou a administrar a empresa de rádio; (xi) o Ministério
Público confunde o comando de programa de rádio com a administração
e gerência de uma empresa de radiodifusão; (xii) o crime de uso de
documento falso é instantâneo, ainda que seus efeitos possam ser
permanentes; (xiii) não havia impedimento para que o acusado Marçal
participasse como sócio cotista da empresa de rádio; (xiv) a permissão de
serviço de telecomunicação não constitui contrato com pessoa jurídica de

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direito público, não incidindo a proibição do art. 54, I, "a", da


Constituição Federal; (xv) a permissão de serviço de telecomunicação, se
considerada contrato, se enquadra na exceção da parte final do art. 54, I,
"a", da Constituição Federal; (xvi) esse é o entendimento do próprio
Ministério das Comunicações (fl. 1.009); (xvii) segundo parecer da
Câmara dos Deputados (fls. 1.942-3), há impedimento ao deputado
federal apenas ao exercício do cargo de direção da rádio; e (xviii) não há
provas suficientes para a condenação. Pede o reconhecimento da inépcia
da denúncia, a decretação da nulidade da investigação e, sucessivamente,
a absolvição.
A Defesa do acusado Daladier Rodrigues de Araújo Filho, em
alegações finais (fls. 1.966-82), argumenta: (i) a denúncia é inepta por falta
de individualização das condutas; (ii) a Empresa de Radiodifusão
Dinâmica Ltda. foi constituída pelos acusados Daladier e João Alcântara,
sem a participação do acusado Marçal;(iii) o acusado Daladier acreditava
que, tendo sucesso na licitação, lograria obter os recursos necessários para
o pagamento do valor exigido; (iv) posteriormente o acusado Daladier se
desinteressou da empresa de rádio; (v) o acusado Daladier retirou-se da
empresa regularmente. Pede o reconhecimento da inépcia da denúncia e,
sucessivamente, a absolvição.
A Defesa do acusado João Alcântara Filho, em alegações finais (fls.
2.048-86), argumenta: (i) nula a investigação porque iniciada a partir de
"denúncia anônima"; (ii) ouvido o acusado Marçal no inquérito sem
advertência quanto ao direito ao silêncio; (iii) os documentos juntados
por Marçal na ocasião são inválidos; (iv) o acusado João Alcântara Filho
foi intimado para apresentar extratos bancários sem autorização judicial
para apresentação de tal prova; (v) a denúncia é inepta por falta da
individualização da conduta; (vi) o acusado João Alcântara é profissional
há longa data da Brasil Telecom, com experiência na área de
telecomunicações; (vii) a Empresa de Radiodifusão Dinâmica Ltda. foi
constituída pelos acusados Daladier e João Alcântara, sem a participação
do acusado Marçal; (viii) o acusado João Alcântara gerenciava a empresa
ao mesmo tempo em que exercia seu emprego na Brasil Telecom; (ix)

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posteriormente foi contratada Keliana Fernandes para gerenciar a


empresa; (x) o Ministério das Comunicações confirmou ser o
administrador da empresa o coacusado Jõao Alcântara; (xi) não havia
impedimento para que o acusado Marçal participasse como sócio cotista
da empresa de rádio; e (xii) não há prova suficiente para a condenação.
Pede a decretação da nulidade das investigações, o reconhecimento da
inépcia da denúncia e, sucessivamente, a absolvição.
Autos conclusos.
É o relatório.
À revisão.

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VOTO

I.

A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora): Inicialmente destaco a


competência do Supremo Tribunal Federal para julgar o presente feito,
nos termos do art. 102, I, b, da Constituição Federal, tendo em vista que o
acusado Marçal Gonçalves Leite Filho exerce mandato de Deputado
Federal.
Observo que João Alcântara Filho e Daladier Rodrigues de Araújo
Filho foram denunciados como coautores, juntamente com o Deputado
Federal Marçal Gonçalves Leite Filho, pelos crimes de falsidade
ideológica, por duas vezes, e de uso de documento falso (art. 299 e 304 do
Código Penal), em hipótese de continência ou conexão.
Segundo a denúncia, os três acusados teriam, em síntese, falsificado,
em 25.02.1998, o contrato social da “Empresa de Radiodifusão Dinâmica
FM Ltda.”, ocultando a condição de proprietário e administrador de
Marçal e consignando no documento que os sócios seriam João Alcântara
e Daladier, a este afeta a administração. A falsidade teria sido renovada
em 26.10.2000, com a primeira alteração da contrato social. Registrada,
ainda, a utilização do contrato falso junto ao Ministério das
Comunicações de 13.3.1998 em diante.
O Supremo Tribunal Federal, é sabido, tem competência
constitucional originária para o processo e o julgamento de crimes
imputados a determinados agentes políticos e autoridades públicas, entre
elas parlamentares federais (art. 102, I, "b", da Constituição Federal). Tal
competência abrange, por prorrogação, os crimes conexos e os
coacusados desses mesmos crimes, aplicando-se as regras dos artigos 76,
77 e 79 do Código de Processo Penal.
Portanto, competente esta Suprema Corte para o processamento e
julgamento da presente ação penal, mesmo em relação aos coacusados

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sem foro privilegiado.


Sem dúvida a competência do Supremo Tribunal Federal, delimitada
constitucionalmente, não está à disposição do legislador ordinário. Assim,
não cabe ao legislador ordinário ampliar a competência criminal do
Supremo, valendo citar, nesse sentido, o precedente consubstanciado na
ADI 2797, no qual declarada a inconstitucionalidade dos §§1º e 2º do art.
84 do Código de Processo Penal, acrescidos pela Lei 10.628/2002, pela
indevida ampliação do foro privilegiado por prerrogativa de função a ex-
ocupantes de cargos para os quais previsto e ainda às ações de
improbidade administrativa (ADI 2797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence –
Pleno, por maioria, j. 15.9.2005).
Não é o caso, todavia, das normas infraconstitucionais
disciplinadoras da modificação de competência por força de conexão ou
continência, como as dos artigos 76, 78 e 79 do Código de Processo Penal,
a toda evidência não editadas com a finalidade de ampliar indevidamente
a competência do Supremo Tribunal Federal. Constituem, antes, normas
genéricas aplicáveis a todos os ramos e órgãos do Poder Judiciário, sem a
intenção de vulnerar as competências constitucionais. Seu objetivo é
propiciar a unidade de processo e julgamento sobre crimes conexos ou
continentes, prevenindo dispersão de provas e julgamentos
contraditórios. Sem a unidade de processo e julgamento, presente a
conexão ou a continência, há muitas vezes risco até mesmo de se
inviabilizar o julgamento, uma vez que a adequada compreensão, o
conhecimento e a valoração de provas podem restar prejudicados. Por
esse motivo, tais normas genéricas devem ser reputadas uma regulação
válida das normas de competência jurisdicional previstas na
Constituição, concretizando uma possibilidade implícita em seu texto.
Se a conexão e continência não constituírem causa válida de
alteração da competência constitucional, seria, por exemplo, necessário
rever também o entendimento jurisprudencial consagrado de que a
competência do Tribunal do Júri e da Justiça Federal se estendem aos
crimes conexos aos dolosos contra a vida e aos conexos aos crimes
federais, respectivamente.

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Logo, as normas dos artigos 76, 78 e 79 do Código de Processo Penal


devem ser tidas por válidas mesmo em relação à prorrogação da
competência constitucional, inclusive do Supremo Tribunal Federal.
Não há violação do princípio do juiz natural. Aceita a validade das
normas de prorrogação de competência, é o Supremo a Corte
naturalmente competente para julgar crimes praticados por detentores do
foro por prerrogativa de função e os conexos ou continentes.
De igual forma, não há vulneração do art. 8º, item 2, alínea “h”, do
Pacto de San José da Costa Rica, que prevê o “direito de recorrer da
sentença para juiz ou tribunal superior”. O tratado em questão foi
promulgado no Brasil pelo Decreto nº 678, de 06.11.1992. O direito
fundamental ali previsto deve ser adequadamente compreendido.
Garante-se o direito de revisão de uma sentença criminal por um juiz ou
Tribunal Superior a fim de prevenir condenações equivocadas.
Entretanto, se a competência originária para julgamento já é atribuída ao
um Tribunal Superior, o mesmo objetivo, prevenir condenações
equivocadas, já é obtido de uma forma mais direta. Se o Tribunal Superior
é o órgão que se encontra no ápice do sistema Judiciário, é de todo
evidente a inviabilidade de garantir um juízo revisional por outro órgão.
O tema já foi enfrentado em reiterados precedentes desta Corte, e
não se altera a conclusão se, em juízo de conveniência e oportunidade a
ser caso a caso exercido, a opção for pelo desmembramento, como ora se
está a inclinar, como regra:

“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL.


ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5°, PARÁGRAFOS 1° E
3°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DUPLO GRAU DE
JURISDIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04. GARANTIA
QUE NÃO É ABSOLUTA E DEVE SE COMPATIBILIZAR COM
AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO
CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. AGRAVO
REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Agravo que pretende exame do

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recurso extraordinário no qual se busca viabilizar a interposição de


recurso inominado, com efeito de apelação, de decisão condenatória
proferida por Tribunal Regional Federal, em sede de competência
criminal originária. 2. A Emenda Constitucional 45/04 atribuiu aos
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde
que aprovados na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição
Federal, hierarquia constitucional. 3. Contudo, não obstante o fato de
que o princípio do duplo grau de jurisdição previsto na Convenção
Americana de Direitos Humanos tenha sido internalizado no direito
doméstico brasileiro, isto não significa que esse princípio revista-se de
natureza absoluta. 4. A própria Constituição Federal estabelece
exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição. Não procede, assim,
a tese de que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu na
Constituição uma nova modalidade de recurso inominado, de modo a
conferir eficácia ao duplo grau de jurisdição. 5. Alegação de violação
ao princípio da igualdade que se repele porque o agravante, na
condição de magistrado, possui foro por prerrogativa de função e, por
conseguinte, não pode ser equiparado aos demais cidadãos. O
agravante foi julgado por 14 Desembargadores Federais que integram
a Corte Especial do Tribunal Regional Federal e fez uso de rito
processual que oferece possibilidade de defesa preliminar ao
recebimento da denúncia, o que não ocorre, de regra, no rito comum
ordinário a que são submetidas as demais pessoas. 6. Agravo
regimental improvido.” (AI 601832 AgR/SP – Rel. Min. Joaquim
Barbosa – 2ª Turma – un. – j. 17.3.2009)

“CONSTITUCIONAL. PROMOTOR DE JUSTIÇA.


CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. COMPETÊNCIA DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 279-
STF. PREQUESTIONAMENTO. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU
DE JURISDIÇÃO. I. - O exame da controvérsia, em recurso
extraordinário, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório
trazido aos autos, o que esbarra no óbice da Súmula 279-STF. II. -
Ausência de prequestionamento das questões constitucionais
invocadas no recurso extraordinário. III. - A alegação de ofensa ao
inciso LIV do art. 5º, CF, não é pertinente. O inciso LIV do art. 5º, CF,

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mencionado, diz respeito ao devido processo legal em termos


substantivos e não processuais. Pelo exposto nas razões de recurso,
quer a recorrente referir-se ao devido processo legal em termos
processuais, CF, art. 5º, LV. Todavia, se ofensa tivesse havido, no caso,
à Constituição, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta
seria a normas processuais. E, conforme é sabido, ofensa indireta à
Constituição não autoriza a admissão do recurso extraordinário. IV. -
Não há, no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a garantia
constitucional do duplo grau de jurisdição. Prevalência da
Constituição Federal em relação aos tratados e convenções
internacionais. V. - Compete ao Tribunal de Justiça, por força do
disposto no art. 96, III, da CF/88, o julgamento de promotores de
justiça, inclusive nos crimes dolosos contra a vida. VI. - Agravo não
provido.” (AI 513.044 AgR/SP – Rel. Min. Carlos Velloso – 2.ª
Turma – un. – j. 22.02.2005)

“I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da


Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1.
Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser
atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda
clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um
reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja
confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na
ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o
desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da
República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional,
tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de
única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área
penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito
brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de
São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como
garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de
jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa
acusada de delito", durante o processo, "de recorrer da sentença para
juiz ou tribunal superior". 4. Prevalência da Constituição, no Direito
brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de

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proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida


aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A
Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos
direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a
aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. 1. Quando a
questão - no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da
ordem jurídica internacional - é de ser resolvida sob a perspectiva do
juiz nacional - que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua
própria autoridade jurisdicional - não pode ele buscar, senão nessa
Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias
entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a
firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando
esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito:
mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de
uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2.
Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não
precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em
preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a
promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela
Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que,
em conseqüência, explicitamente admite o controle da
constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao
consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva
brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir
compromisso de logo com o entendimento - majoritário em recente
decisão do STF (ADInMC 1.480) - que, mesmo em relação às
convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais,
preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às
leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer
sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de
garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder
o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível
à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário
emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição
mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de
admitir. III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de

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jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para


determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas
uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts.
102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo
estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário
contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição
não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei
ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça
do Trabalho - que não estão em causa - e da Justiça Militar - na qual o
STM não se superpõe a outros Tribunais -, assim como as do Supremo
Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País,
também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores - o
STJ e o TSE - estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a
emenda constitucional poderia ampliar. 3 .À falta de órgãos
jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a
viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos
processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a
incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma
internacional de outorga da garantia invocada.” (RHC 79.785/RJ –
Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Pleno – por maioria – j. 29.3.2000)

Agregue-se o fato de que, no julgamento da AP 470/MG, Rel. Min.


Joaquim Barbosa, Plenário, DJe 22.4.2013, ratificada a jurisprudência
nesse sentido. Nesse diapasão, oportuna a transcrição dos seguintes
excertos:

“O tema da prerrogativa de foro e o julgamento de litisconsortes


penais passivos em razão de relação de conexidade (ou de conexão) ou
por efeito do vínculo de continência de causas tem sido debatido sob
dupla perspectiva: constitucional e convencional. Vale dizer: a matéria
tem sido discutida também em face do que dispõe a Convenção
Americana de Direitos Humanos.
Essa questão, por exemplo, foi expressamente suscitada, além do
precedente plenário já referido, igualmente no julgamento do AI
601.832/AgR/SP, de que foi Relator o eminente Ministro Joaquim
Barbosa, ocorrido em março de 2009, em que, a partir da invocação do

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art. 8º, III, alínea ‘h’, do Pacto de São José da Costa Rica, pleiteava-se
que o Supremo Tribunal Federal admitisse a interposição de recurso
ordinário, ainda não previsto na Constituição, contra acórdãos
emanados de tribunais de jurisdição inferior, mas proferidos em sede
penal originária.
Em referido julgamento, reconheceu-se que o princípio do duplo
grau de jurisdição, previsto na Convenção Americana de Direitos
Humanos, já incorporada, formalmente, ao sistema de Direito positivo
interno do Brasil, não se reveste de caráter absoluto, mesmo porque a
Constituição Federal estabelece exceções a esse princípio:
(…).
A própria jurisprudência internacional, a respeito do princípio
do duplo grau de jurisdição, tem reconhecido, como ressaltam, em seus
preciosos comentários à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, os professores Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira
Mazzuoli, em extensa análise do artigo 8º, item 3º, alínea ‘h’, do Pacto
de São José da Costa Rica, que consagra o postulado do duplo grau,
que há duas exceções, sendo uma delas a que envolve os processos
instaurados perante “o Tribunal Máximo de cada país”, vale dizer,
perante a Corte judiciária investida do mais elevado grau de
jurisdição, como sucede com o Supremo Tribunal Federal.
A mim me parece, desse modo, Senhor Presidente, com toda
vênia, que não há que se cogitar de transgressão às cláusulas quer da
Convenção Americana de Direitos Humanos quer do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos.
(…).
E, o que é mais importante, essa regra permite a concretização,
no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no contexto das causas
penais originárias, do postulado do duplo reexame, que torna pleno o
respeito ao direito consagrado na própria Convenção Americana de
Direitos Humanos, na medida em que viabiliza a cláusula
convencional da proteção judicial efetiva (Pacto de São José da Costa
Rica, art. 8ª, n. 3, alínea ‘h’).” (Ministro Celso de Mello, fls. 149-
57);

“Também entendo que o duplo grau de jurisdição, para além de

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assegurado pelo Pacto de San José da Costa Rica, notadamente, decola,


arranca da própria Constituição Federal brasileira, seja por uma
interpretação teleológica do inciso LV do artigo 5º da Constituição,
que, quando fala do processo administrativo e judicial, do
contraditório e da ampla defesa, arremata o seu discurso com a
expressão “com os recursos a ela – à ampla defesa – inerentes”; e como
também decola da Constituição, o duplo grau de jurisdição, pela
própria estrutura escalonada, não do Poder Judiciário, mas da
jurisdição, que se estrutura, que se organiza escalonadamente até
afunilar aqui, nesta Casa de Justiça, que, do ponto de vista recursal, é
a última instância.
Acho que as coisas conciliam, não há ferimento a direito
subjetivo, na minha opinião, das partes, no caso concreto. Perfilho,
portanto, integralmente, o voto do eminente Relator, nesta questão de
ordem, no sentido de não acolhê-la – não acolher a questão de ordem,
para assentar a competência deste Supremo quanto ao processo e
julgamento dos denunciados que não são detentores de mandato
parlamentar.
(…).
Pois bem, tenho que não prosperam as alegações do réu. É certo
que a constituição Federal garante “aos acusados em geral (…) o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes” (inciso LV do art. 5º). Assim também a alínea 10 do art. 9º
do Pacto de São José da Costa Rica reconhece o ”direito de recorrer da
sentença a juiz ou a tribunal superior”. No mesmo tom, os arts. 102,
105, 108 e 121 da Constituição brasileira preveem hipóteses de
reapreciação da decisão judicial por órgãos posicionados nos degraus
mais altos da organização do Poder Judiciário. Acontece que, no caso
de competência originária dos tribunais – em especial deste Supremo
Tribunal Federal – não há que se falar em duplo grau de jurisdição ou
em “direito de recorrer da sentença a juiz ou a tribunal superior”.
Primeiro, porque foi a própria Constituição que estabeleceu a
competência originária dos tribunais. Segundo, porque, nesse caso, a
decisão já é proferida pelo tribunal de superior hierarquia. Terceiro,
porque o que se tem, nesta ação penal, é, de logo, uma ampla instrução
e um julgamento colegiado. E um colegiado incomum, consigno,

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porquanto integrado pela totalidade dos membros do Tribunal (ao


contrário do que ocorre com uma Câmara ou Turma Criminal, por
exemplo).” (Ministro Ayres Britto, fls. 159-61);

“Não bastasse isso, a chamada extensão da competência por


prerrogativa de função, cuja constitucionalidade se questiona, é
pacífica nesta Corte.
Com efeito, além do enunciado 704 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal – segundo a qual “não viola as garantias do juiz
natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por
continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa
de função de um dos denunciados” –, há incontáveis julgados a
sedimentar o entendimento de que “é facultado ao juiz, nas hipóteses
legais de conexão ou de continência de causas, ordenar a separação de
processos” (STF, 2ª Turma, HC 103.149, Rel. Min. Celso de Mello,
Dje-105 de 11.6.2010 – original sem destaques).” (Ministro Joaquim
Barbosa, Relator, fls. 379-80).

Como se não bastasse, incide na espécie o sedimentado na Súmula


704 desta Suprema Corte:

“Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do


devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo
do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.”

É certo que esta Suprema Corte, diante de sua estrutura limitada,


tem, em vários casos criminais de sua competência originária,
determinado o desmembramento do feito, mantendo perante o Supremo,
não raras vezes, apenas o acusado com foro privilegiado e enviando o
processo desmembrado em relação aos demais acusados às instâncias
inferiores. Tal procedimento está autorizado pelo art. 80 do Código de
Processo Penal e pela jurisprudência desta Corte. Para decidir tal
desmembramento, têm sido levadas em consideração, como permite o
mencionado art. 80, questões de conveniência e oportunidade. Se não há
prejuízo à instrução e ao julgamento do feito, justifica-se, por exemplo, o

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desmembramento, em processos com elevado número de acusados,


evitando sobrecarga desnecessária desta Corte. Entendo que não é
possível tratar a questão do desmembramento de forma geral e abstrata,
sendo ela sensível, como permite o mencionado art. 80, a questões de
conveniência e oportunidade.
Destaco que, nos autos do Inquérito 2.704/RJ, Rel. Min. Rosa Weber,
Redator para o acórdão o Min. Dias Toffoli, em situação semelhante –
quatro investigados e apenas um com prerrogativa de foro –, o Plenário
desta Suprema Corte, julgado em 17.10.2012, publicado no DJE de
27.02.2013, rejeitou a preliminar de desmembramento, visto que a
jurisprudência consolidada do Tribunal assenta que “não viola as
garantias do juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido
processo legal, a atração, por conexão ou continência, do processo do co-
réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados, a qual é
irrenunciável (Inq 2.424/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Plenário, DJe
26.3.2010)”.
Cumpre ainda esclarecer que o desmembramento, previsto no art. 80
do Código de Processo Penal, está relacionado ao juízo de conveniência e
oportunidade, ainda que se trate de situação com “excessivo número de
acusados”.
Refiro-me ao julgamento da 2ª Questão de Ordem no Inq 2.245/MG,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, Plenário, julgado em 06.12.2006, publicado no
DJ em 09.11.2007, processo que deu origem à AP 470/MG, em que
mantida a jurisdição deste Supremo Tribunal Federal, apesar dos
quarenta denunciados. Naquela ocasião, “rejeitada a proposta de adoção
do critério subjetivo para o desmembramento do inquérito, nos termos do
art. 80 do CPP, resta o critério objetivo, que, por sua vez, é desprovido de
utilidade no caso concreto, face a complexidade do feito”. Além disso, a
proposta de desmembramento, também ventilada nos julgamentos de
mérito do Inq 2.245/MG, do 3º e do 11º agravos regimentais na AP
470/MG, bem como no mérito da referida ação penal, foi rejeitada pelos
mesmos fundamentos.
Não desconheço o fato de que, o atual estágio da jurisprudência

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desta Suprema Corte, prevalece o entendimento de que o


desmembramento dos feitos criminais cujo polo passivo seja ocupado por
corréus sem a prerrogativa de foro constitui a regra, ressalvadas as
situações excepcionais em que estejam os fatos de tal forma imbricados
que a cisão por si só implique prejuízo a seu esclarecimento.
Esse entendimento restou consagrado no recente julgamento do
agravo regimental no Inq 3.515-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJe
14.3.2014, em acórdão assim ementado:

“RECURSO – PRAZO – TERMO INICIAL – MINISTÉRIO


PÚBLICO. A contagem do prazo para o Ministério Público começa a
fluir no dia seguinte ao do recebimento do processo no Órgão.
COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO –
NATUREZA DA DISCIPLINA. A competência por prerrogativa de
foro é de Direito estrito, não se podendo, considerada conexão ou
continência, estendê-la a ponto de alcançar inquérito ou ação penal
relativos a cidadão comum.”

Inobstante, ressalto que, posteriormente, nos autos do Inquérito


3.074/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, sessão de julgamento em
26.8.2014, acórdão pendente de publicação, e do Inq 2.616/SP, Rel. Min.
Dias Toffoli, Plenário, j. 29.5.2014, DJe 29.8.2014, esta Suprema Corte, por
maioria, indeferiu o desmembramento em relação aos corréus não
detentores da prerrogativa de foro.
No presente caso, havendo somente três acusados no polo passivo,
há condições de processar a ação penal perante o Supremo Tribunal
Federal, sem grandes dificuldades decorrentes do cúmulo subjetivo. O
desmembramento poderia levar à dispersão da prova e a julgamentos
contraditórios pois, por exemplo, é possível que as defesas não sejam
compatíveis, com cada acusado transferindo a responsabilidade pela
gestão da empresa e, por conseguinte, pelo crime, ao outro. O melhor
julgamento demanda seja mantida a unidade de processo em relação aos
três acusados.
Por esses motivos e, embora a questão não tenha sido suscitada

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anteriormente, é o caso de não propor o desmembramento – medida


contraproducente ao estágio atual do processo em que encerrada a
instrução criminal e a apresentadas as alegações finais da Acusação e da
Defesa.

II.

Reclamam as Defesas a nulidade da investigação porque teria


iniciada por “denúncia anônima”.
Observo que, de fato, a investigação preliminar foi instaurada a
partir de notícia crime anônima encaminhada ao Ministério Público
Federal (fls. 20-21).
A notícia anônima, embora sem identificação do autor, está instruída
com uma série de documentos (fls. 22-212), inclusive alusivos à
constituição da Empresa de Radiodifusão Dinâmica FM Ltda.
(Radiodifusão Dinâmica) e da participação desta em licitação junto ao
Ministério das Comunicações, o que lhe confere certa credibilidade.
Notícias anônimas de crime são fontes duvidosas de informações e
de provas.
Por si só, não autorizam a propositura de ação penal ou mesmo, na
fase de investigação preliminar, o emprego de métodos invasivos de
investigação, como interceptação telefônica ou busca e apreensão.
Entretanto, constituem fonte de informação e de provas que não
pode ser simplesmente descartada pelos órgãos da Justiça Criminal.
Em um mundo no qual o crime torna-se cada vez mais complexo e
organizado, é natural que a pessoa comum tenha receio de se expor
comunicando a ocorrência de um delito. Daí o recurso, muitas vezes
usual e sem intenções espúrias, a notícias crimes anônimas.
Recebida comunicação da espécie, cumpre às autoridades analisar
seu conteúdo e realizar averiguações ou investigações preliminares, a fim
de verificar se merece credibilidade.
Merecendo credibilidade, a investigação pode prosseguir, inclusive,
se houver agregação de novas provas e preenchidos os requisitos legais,

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com o emprego de métodos especiais de investigação ou mesmo com a


propositura de ação penal, desde que as novas provas caracterizem justa
causa.
Esse entendimento já se encontra pacificado perante esta Corte. Por
todos, cito precedente da lavra do eminente Ministro Joaquim Barbosa:
“Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada
impede a deflagração da persecução penal pela chamada “denúncia
anônima”, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para
averiguar os fatos nela noticiados (86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe
de 22.08.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso, DJe de 26.03.2010; e
HC 95.244, rel. min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.2010). No caso, tanto
as interceptações telefônicas, quanto as ações penais que se pretende
trancar decorreram não da alegada “notícia anônima”, mas de
investigações levadas a efeito pela autoridade policial.” (HC
99.490/SP – 2ª Turma do STF – Rel. Min. Joaquim Barbosa – un. – j.
23.11.2010)
Na espécie, recebida a notícia crime anônima, já instruída com
diversos documentos que lhe conferiam credibilidade, foi ela
encaminhada à autoridade policial.
As primeiras diligências determinadas por ela foram corriqueiras,
buscando obter a confirmação da autenticidade da documentação
encaminhada com a notícia crime anônima, e ainda levantar informações
sobre os sócios da Radiodifusão Dinâmica (fl. 215).
Mesmo posteriormente, o inquérito praticamente se limitou à
solicitação de documentos, cuja obtenção não estava sujeita a sigilo legal,
e à oitiva dos investigados e de testemunhas.
Após a conclusão do inquérito e o seu encaminhamento com as
provas colacionadas desde a notícia crime anônima, formulou o
Ministério Público a denúncia.
Por outro lado, como ver-se-á adiante, a prova documental cuja
obtenção não estava sujeita a sigilo legal, especificamente os contratos
sociais da empresa e o processo de licitação no Ministério das
Comunicações, junto com a prova oral são suficientes para o julgamento
do feito.

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Não há falar, portanto, em utilização indevida da notícia crime


anônima, tendo sido ela tratada na forma reputada apropriada pela
jurisprudência desta Corte, tendo a investigação e a persecução penal
prosseguido com base nas provas colacionadas a partir dela e não com
fulcro exclusivo nela.
Não há, portanto, invalidade a ser reconhecida.

III.

Reclamam as Defesas que o acusado Marçal Gonçalves foi ouvido no


inquérito, sem que fosse advertido sobre o direito de permanecer em
silêncio.
Então as declarações ali prestadas e documentos juntados por ele na
ocasião não poderiam ser utilizados.
Na mesma linha, reclamam as Defesas que o acusado João Alcântara
foi intimado pela autoridade policial a juntar documentos, entre eles,
extrato bancário, o que foi feito sem que houvesse autorização judicial de
quebra de sigilo bancário.
Cumpre observar que, de fato, não consta dos respectivos termos de
oitiva dos investigados a advertência ao direito ao silêncio.
Não obstante, é relevante destacar que ambos os acusados, Marçal
Gonçalves e João Alcântara, compareceram à Delegacia de Polícia Federal
acompanhados de advogado (fls. 434 e 462). Na época, o primeiro já havia
cumprido pelo menos um mandato de deputado federal.
Parece improvável, no contexto, que, apesar da falta de advertência,
tenham sido compelidos a prestar, na ocasião, as declarações então
realizadas ou a praticar qualquer ato que não fosse voluntário.
O propósito do direito ao silêncio é prevenir a extração de confissões
forçadas.
Se não é esse o caso, não cabe reconhecer qualquer invalidade.
Ainda que assim não fosse, os acusados, em Juízo, praticamente
reiteraram as declarações prestadas no inquérito, com pequenas
diferenças circunstanciais. Nesse contexto, a eventual invalidação das

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declarações prestadas no inquérito seria inútil, pois persistiria a


possibilidade de valoração das declarações prestadas em Juízo.
A mesma sorte seguem os documentos juntados na ocasião dos
depoimentos. Não há qualquer prova de que a sua apresentação não
tenha sido voluntária ou que os acusados tenham sido compelidos pela
autoridade policial para sua juntada.
Isso também é verdadeiro mesmo em relação à juntada de extratos
bancários, cuja obtenção está usualmente sujeita à prévia autorização
judicial.
A reserva judicial para quebra de sigilo bancário existe para
resguardar intromissões na esfera privada contra a vontade do indivíduo.
Se o próprio investigado abre mão de seu sigilo e apresenta
voluntariamente documentos bancários solicitados pela autoridade
policial, não se faz mais necessária a ordem judicial, à semelhança do que
ocorre com a busca e apreensão domiciliar que pode ser realizada por
ordem judicial ou por assentimento do morador (art. 5º, XI, da
Constituição Federal).
Então as provas produzidas no inquérito, declarações voluntárias
prestadas pelos acusados e documentos voluntariamente apresentados,
não se revestem de qualquer ilicitude ou invalidade. Ainda que assim não
fosse, como ver-se-á adiante, o julgamento do caso prescinde de sua
valoração.

IV.

Alegam as Defesas que a denúncia seria inepta porque teria tratado


“o crime de uso de documento falso como se fora crime permanente”.
A denúncia não é, porém, inepta.
Os fatos criminosos são relativamente singelos e foram descritos de
maneira suficiente, com individualização das condutas e satisfazendo os
requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
Teria havido falsificação de contrato social e de sua primeira
alteração.

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Esses documentos teriam sido utilizados junto à licitação promovida


pelo Ministério das Comunicações para outorga de serviços de
radiodifusão. Quanto a este último crime, embora os documentos tenham
sido utilizados continuamente, o Ministério Público realizou a imputação
como crime único.
Podem as Defesas discordar do modo de imputação, mas isso é
questão de mérito e não torna a denúncia inepta.

V.

Em 10.02.1998, foi constituída a Empresa de Radiodifusão Dinâmica


FM Ltda. (Radiodifusão Dinâmica), como se verifica no contrato social de
fls. 225-227.
A empresa tinha capital social de R$ 8.000,00, distribuído igualmente
entre os sócios Daladier Rodrigues de Araújo e João Alcântara Filho. A
gerência e a administração foram atribuídas ao sócio Daladier.
Em 26.10.2000, o contrato social foi alterado (fls. 229-230). Retirou-se
do quadro social Daladier Rodrigues de Araújo, cedendo suas cotas para
Marçal Gonçalves Leite Filho. Houve acréscimo do capital social para R$
200.000,00. O sócio Marçal com ficou com 174.000 cotas e o sócio João
Alcântara, com 26.000 cotas. A gerência e a administração foram
atribuídas ao sócio minoritário João Alcântara.
Alterações posteriores apenas aumentaram o capital social, sem
outras modificações (fls. 232-234).
A referida empresa participou da Concorrência nº 13.797 do
Ministério das Comunicações para obtenção de permissão para
exploração de serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada na
localidade de Dourados/MS. A documentação pertinente encontra-se nas
fls. 252-412 e foi encaminhada pelo próprio Ministério das Comunicações.
Ali constato que a empresa inscreveu-se já em 13.3.1998, ou seja,
ainda antes da primeira alteração contratual. Ofereceu proposta, na
mesma data, de pagamento de R$ 672.266,00 em duas parcelas iguais (fl.
361).

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O resultado do certame saiu apenas em 21.8.2000, sagrando-se


vencedora a Radiodifusão Dinâmica, pela obtenção de maior pontuação,
considerando a proposta técnica e a proposta de preço pela outorga (fl.
363). Desbancou, na ocasião, outros quatro concorrentes
A portaria ministerial de outorga da permissão foi publicada em
07.12.2000 (fl. 398), sendo aprovada também por decreto legislativo em
01.6.2001 (fl. 399). O contrato entre a União e a empresa foi celebrado em
28.6.2001 (fls. 400-405).
Interessante destacar que o acusado Marçal Gonçalves Leite Filho, na
qualidade de Deputado Federal, participou da reunião da Comissão de
Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática do Congresso que
aprovou o projeto de decreto legislativo da outorga da permissão (fl. 172).
Alega o Ministério Público que o acusado Marçal Gonçalves Filho
seria o verdadeiro proprietário e administrador da empresa e que os
demais sócios Daladier Rodrigues de Araújo e João Alcântara Filho
seriam meras pessoas interpostas.
O objetivo da falsidade seria contornar as proibições contidas no art.
54, I, “a”, e II, “a”, da Constituição Federal e no parágrafo único do art. 38
da Lei nº 4.117/1962.
Como a imputação está relacionada com essas proibições, passo à
sua análise antes de retornar aos fatos e provas.
O art. 54, I, “a” e II, “a”, da Constituição Federal dispõe:
“Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:
I – desde a expedição do diploma:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito
público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou
empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato
obedecer a cláusulas uniformes;
(...)
II – desde a posse:
a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que
goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito
público, ou nela exercer função remunerada;
(...)”

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As proibições do art. 54, ditas incompatibilidades parlamentares,


têm longa tradição no nosso Direito.
Já estavam presentes nos arts. 32 e 33 da Constituição Imperial e nos
arts. 23 e 24 da Constituição Republicana de 1891. A partir da
Constituição de 1934, as incompatibilidades assumiram redação
semelhante à atual, como se verifica no art. 33 daquela Carta, no art. 44 da
de 1937, no art. 48 da de 1946, no art. 36 da de 1967 e art. 34 da de 1969.
As incompatibilidades servem a bons propósitos. Primeiro,
garantem o exercício independente do mandato parlamentar, dificultando
a cooptação de deputados e senadores pelo Poder Executivo, dele não
podendo obter benesses ou favores. Segundo, têm efeito moralizador pois
obstam que o parlamentar, utilizando seu prestígio, busque tais benesses
e favores.
Acerca desses propósitos, transcrevo comentário do eminente Carlos
Maximiliano sobre as incompatibilidades da primeira Carta Republicana:
“A incompatibilidade, adotada nos países de governo
parlamentar, ainda mais se impõe sob o regime presidencial. É um
daqueles freios e contrapesos que caracterizam o sistema vigente.
Corolário da doutrina de Montesquieu, não permite que se acumulem
funções de dois dentre os três poderes constitucionais. Tira ao
Executivo um instrumento de predomínio, impedindo de acenar a
legisladores altivos com as honras e investiduras rendosas, e excluindo
das deliberações do Congresso a influência oficial daqueles que
dependem diretamente do Chefe de Estado. Arranca aos poderosos
uma arma de corrupção, outorga ao parlamento mais um penhor de
independência, assegura ao aparelho governamental uma garantia da
divisão do trabalho. Em defesa do princípio na Convenção de
Philadelphia e apoiando Mason em caloroso debate, Pinckeny afirmou
advogar a causa da própria honra do Congresso e seguir a política dos
romanos que faziam do templo da virtude caminho para o templo da
fama.” (MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição
Brasileira de 1891. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005,
Coleção história constitucional brasileira, edição original de 1918, p.
309-310)
Como mencionado pelo ilustre Ministro, não se trata de criação

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brasileira. Diversos outros países adotam, em seus textos legais,


incompatibilidades parlamentares específicas, com perfis variados.
Sobre a incompatibilidade em questão, a de contratar com o Poder
Público, leciona Pinto Ferreira sobre algumas regras vigentes em outros
países:
“Na Inglaterra, por exemplo, a pessoa beneficiária desse
contrato, direta ou indiretamente, através de contratos passados com
os comissários da tesouraria, da marinha, do reabastecimento etc.,
torna-se inelegível. De envolta com essa proibição, vigora ainda um
outro método: de acordo com uma lei de Jorge III, de 1782, toda pessoa
que tenha contratado com o Estado não pode ser membro da Câmara
dos Comuns, sob pena de multa de 500 libras para cada voto emitido.
A multa revém para o denunciador. Há exemplos históricos disto: em
1913 um membro da Câmara dos Comuns contratou com o secretário
de Estado, para a Índia, certo fornecimento, mas foi denunciado por
haver pronunciado noventa e três votos, dele se reclamando uma
multa de 1.750.000 francos. Um comitê especial declarou que a multa
seria aplicada, reduzindo-a a 325.000 francos, correspondentes a vinte
e seis votos, em favor do denunciante. Posteriormente, o Parlamento
votou um Bill de Indenidade beneficiando o deputado.
Na França, a Lei eleitoral de 1849 (art. 81) proibia que o
representante ou parlamentar mantivesse contrato de fornecimento
com o Estado, sob pena de ser considerado demissionário. Conquanto
a Lei de 1875 não regulasse o assunto, alguns diplomas legais
particulares fizeram aplicação desse pensamento.
Na Constituição da Colômbia de 1936 (art. 30), são inelegíveis
todos os cidadãos que na época da eleição ou seis meses antes tenham
tratado de negócios com o Estado, em seu próprio interesse ou no de
outras pessoas, exceto as instituições oficiais.
Alguns States norte-americanos também se orientam assim. No
Nebraska, qualquer pessoa interessada em contrato com o Estado,
ainda não terminado, não pode ser deputado ou senador. No Delaware,
o mesmo ocorre a qualquer pessoa obrigada por contrato para com o
exército ou a marinha.
(...)
No Canadá, uma lei de 1927 tornou inelegíveis aqueles que

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empreendem ou executam, direta ou indiretamente, contratos de


fornecimento com o governo. Tais pessoas são inelegíveis. Se,
inelegíveis, vierem entretanto a ocupar uma cadeira no Parlamento, e,
eleitas, contratarem com o governo, recebem uma multa de 200
dólares por sessão que tenham votado. Sofrem também a pena da perda
do mandato.
Verifica-se, destarte, no direito comparado a eficácia do princípio
da incompatibilidade. Geralmente deputados e senadores não podem
contratar com as autoridades públicas, e o exercício do seu mandato
torna-se incompatível com determinadas ocupações privadas, onde
exista a subvenção do Estado ou da autoridade pública sob qualquer
forma. A extensão da incompatibilidade varia de país a país, mas a
tendência é para garantir a independência do parlamentar em face de
um possível suborno do Executivo.” (FERREIRA, Pinto.
Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992, vol.
3, p. 19-20)
A proibição de contratar não inclui os denominados contratos por
adesão ou de cláusulas uniformes, por exemplo, a contratação pelo
parlamentar de serviços públicos de água e luz, pois, na hipótese, ausente
o risco de favorecimento indevido.
Além da proibição geral de contratação com o Poder Executivo, há
proibição legal específica para a exploração de serviços de radiodifusão e
que remonta pelo menos a 1962.
O art. 38, parágrafo único, da Lei nº 4.117/1962 tinha a seguinte
redação ao tempo dos fatos:
“Art. 38. Nas concessões e autorizações para a execução de
serviços de radiodifusão serão observados, além de outros requisitos, os
seguintes preceitos e cláusulas:
(...)
Parágrafo único. Não poderá exercer a função de diretor ou
gerente de empresa concessionária de rádio ou televisão quem esteja no
gozo de imunidade parlamentar ou de fôro especial.”
Mais recentemente, o dispositivo foi alterado pela Lei n.º
10.610/2002, não havendo, porém, modificação substancial da proibição
que ficou assim redigida:

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“Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para


explorar serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros
requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas:
Parágrafo único. Não poderá exercer a função de diretor ou
gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de
radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro
especial.”
De certa maneira, a proibição específica tem o mesmo propósito da
proibição geral do art. 54 da Constituição Federal, evitando a corrupção
do mandato parlamentar.
Entretanto, serve ela também a outros propósitos.
Democracia não consiste apenas na submissão dos governantes a
aprovação em sufrágios periódicos. Sem que haja liberdade de expressão
e de crítica às políticas públicas, direito à informação e ampla
possibilidade de debate de todos os temas relevantes para a formação da
opinião pública, não há verdadeira democracia.
Há certo consenso de que em um regime democrático deve ser
ampla a liberdade de expressão, a de comunicação e os direitos de
informação e de participação.
Assiste razão àqueles que entendem merecer proteção jurídica
especial essas liberdades, essenciais à livre formação da opinião pública e
ao funcionamento da democracia.
A Constituição brasileira foi pródiga em garanti-las, protegendo-as
em diversos dispositivos (art. 5.º, IV, IX, XXXIII, LXXII, arts. 14, 15, 215 e
220).
A proteção da liberdade de expressão e dos direitos à informação e
de participação não se limita necessariamente a coibir intervenções
estatais.
Por exemplo, no campo das comunicações de massa, as cortes não
podem ignorar a necessidade de alguma regulação e controle estatal.
Afinal, citando Alexandre Ditzel Faraco:
“o espaço público de diálogo e interação numa democracia
complexa está significativamente baseado nos meios de comunicação
social de massa, os quais viabilizam o acesso a informações de uma

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foram coerente e organizada, permitem a disseminação de idéias e


visões de mundo com uma abrangência que, em geral, não tem como
ser replicada através de outros processos de comunicação, além de
possibilitar o desenvolvimento de um referencial comum que agrega
pessoas sem qualquer espécie de vínculo ou relação.” (FARACO,
Alexandre Ditzel. Democracia e regulação das redes eletrônicas de
comunicação: Rádio, televisão e internet. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2009, p. 39)
Para garantir esse espaço livre para o debate público, não é suficiente
coibir a censura, mas é necessário igualmente evitar distorções
provenientes de indevido uso do poder econômico ou político.
Será válida a regulação e controle desde que persiga não a censura,
mas sim a livre formação da opinião pública, ou seja, o objetivo deve ser a
formação de um espaço público e aberto para o livre debate e intercâmbio
do pensamento, da criação, da expressão e da informação.
Nessa perspectiva é que deve ser entendida a proibição específica de
que parlamentares detenham o controle sobre empresas de comunicação,
como de radiodifusão.
Há um risco óbvio na concentração de poder político com controle
sobre meios de comunicação de massa.
Sem a proibição, haveria um risco de que o veículo de comunicação,
ao invés de servir para o livre debate e informação, fosse utilizado apenas
em benefício do parlamentar, deturpando a esfera do discurso público.
Dependendo ainda a concessão, a permissão ou a autorização para a
exploração do serviço de comunicação de massa, de aprovação do
Congresso, como prevê o art. 223, §1º, da Constituição Federal, haveria
igualmente um risco de desvio nas outorgas, concentrando-as nas mãos
de poucos e prevenindo que adversários políticos dos parlamentares
lograssem o mesmo acesso.
A regulação e o controle pelo poder público dos serviços de
radiodifusão são legítimos devido à necessidade de se organizar a
utilização do espectro de radiofrequência. Entretanto, o objetivo de tal
regulação e controle deve ser apenas democratizar o acesso e a utilização
igual desse recurso limitado, promovendo o pluralismo político e

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cultural, o que é compatível com a liberdade de expressão e de


informação.
Infelizmente, o exercício da competência atribuída ao Congresso e ao
Executivo de outorga dos serviços de radiodifusão sonora tem sofrido
percalços no Brasil, com resultados ensejadores de crítica generalizada. A
esse respeito, por oportuno, o comentário de Paulo Sérgio Pinheiro:
“Estes limites [da transparência dos meios de comunicação de
massa] estão ligados ao fato de cerca de 115 parlamentares, muitos
deles membros da comissão de comunicação do Congresso Nacional,
poder que aliás decide sobre a concessão de empresas de comunicação
(em imensa maioria – há apenas algumas redes públicas – são
empresas privadas, mas concessões públicas por tempo determinado),
terem redes de televisão e rádio. Os que não têm empresas de
comunicação eletrônica ou jornais, sem acesso à antena, como
observou o jurista Leônidas Xauza, temem os que têm. Além do
conflito de interesses entre esses parlamentares deterem poder
concedente, fiscalizador e dele serem autobeneficiários, há um
desequilíbrio de poder entre representantes legislativos (em muitos
estados já beneficiados por super representação). Graças ao fato de
serem proprietários de empresas da mídia eletrônica, cerceiam,
censuram e manipulam as informações nos noticiários em proveito
próprio; durante o período eleitoral, parlamentares, governadores e
ministros burlam as restrições da propaganda eleitoral em benefício
próprio ou das candidaturas que apóiam ao arrepio da lei.” (Apud
DIMENSTEIN, Gilberto. Democracia em pedaços: direitos humanos
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 14-15)
E ainda de Alexandre Ditzel Faraco:
“Nesse ponto, o Brasil convive com o pior cenário institucional
possível. Pessoas que já detêm poder político se valem do controle dos
meios de comunicação para perpertuarem ou ampliarem sua posição de
poder. Ao mesmo tempo, os processos de outorga ou renovação de
concessões e permissões é controlado diretamente pelo Congresso
Nacional. Embora o ato de outorga ou renovação seja de competência
do Poder Executivo, só produzirá efeitos após deliberação do
Legislativo (cf. artigo 223, da Constituição Federal). Assim, os
principais interessados em manter uma prática que distorce a

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democracia brasileira têm condições de influenciar como será


distribuído o controle dos meios de comunicação (e preservar sua
posição de poder).” (FARACO, op. cit., , 2009, p. 200)
Tal distorção é, aliás, reconhecida, no caso presente, pelo próprio
acusado Marçal Gonçalves, quando afirma que resolveu participar da
empresa de radiodifusão porque, por questões políticas, não teve mais
espaço em empresas da espécie controladas por seus adversários
políticos. Transcrevo o trecho pertinente:
"Tendo em vista que exerci, de forma descontínua, mandato de
deputado federal entre 1996 a 1999, como suplente, passei a ter maior
projeção política na região de Dourados. Concomitantemente, fui
perdendo espaço nas rádios desta cidade. Havia outros políticos,
proprietários de rádio, especificamente a Rádio Tupinambás, do Sr. Ivo
Serzózimo, e a Rádio Cidade, que era de propriedade do Sr. Valdir
Guerra, sendo que ambos eram deputados federais na época. Outras
rádios não eram de propriedade de políticos, mas sofriam influência
destes. Assim, os espaços que eu dispunha em rádios foram se
fechando, sendo que em 2000, quando a empresa formada por Daladier
e João Alcântara se sagrou vencedora da licitação, eu não possuía
nenhum programa de rádio." (fls. 895)
Enfim, a proibição prevista no parágrafo único do art. 38 da Lei nº
4.117/1962, apesar de constituir limitação de acesso a meio de
comunicação, serve antes ao propósito de proteger à livre formação da
opinião pública contra abusos do poder político.
Entendo que a concessão - ou a permissão - para a exploração de
serviços de radiodifusão a parlamentar ou a empresa dirigida ou
pertencente a parlamentar viola as proibições constitucionais e legais
acima examinadas.
Em primeiro lugar, os incisos I, "a", e II, "a", do art. 54 da
Constituição.
Não importa o nomen iuris pelo qual o serviço foi repassado ao
parlamentar ou à empresa por ele controlada, se concessão, permissão ou
autorização. Viola a proibição constitucional qualquer outorga ao
parlamentar de benefício extravagante por parte da Administração
Pública direta ou indireta.

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No caso, o serviço foi outorgado por meio de instrumento


denominado "contrato de adesão de permissão celebrado entre a União e
a empresa de Radiodifusão" (fls. 400-405).
Por outro lado, evidente é que este contrato não se enquadra na
exceção permitida na parte final do art. 54, I, "a", da Constituição Federal.
A exceção em questão visa a contemplar contratos por adesão ou de
cláusulas uniformes, cuja celebração jamais teria o condão de implicar
qualquer espécie de cooptação. Assim, por exemplo, contratos de
fornecimento de água e luz entre consumidor e empresa concessionária
de serviços da espécie.
No presente feito, a obtenção da outorga por meio de prévia
licitação, na modalidade de técnica e preço, é suficiente para afastar
qualquer hipótese de enquadramento do contrato na exceção prevista.
Com efeito, no certame, os concorrentes apresentaram propostas
diferenciadas de técnica e de preço, sendo vitoriosa a empresa controlada
pelos acusados e desbancados quatro concorrentes. Os riscos de
manipulação do resultado para favorecimento de empresa controlada por
parlamentar ou os riscos de utilização pelo parlamentar de influência
indevida no certame são mais do que óbvios. O objetivo das
incompatibilidades do art. 54 consiste exatamente em prevenir riscos e
males da espécie. Não há como qualificar um contrato como por adesão
ou de cláusulas uniformes quando precedido por licitação, influindo essa
na variação de aspectos relevantes do pacto, como o preço e o objeto da
prestação.
Em segundo lugar, se a empresa de radiodifusão for controlada pelo
parlamentar incide a proibição prevista no parágrafo único do art. 38 da
Lei nº 4.117/1962.
O que a lei pretendeu prevenir, como visto, foi a perigosa reunião de
poder político e controle sobre veículos de comunicação de massa, com os
riscos inerentes de abuso e desvio. Não há como interpretar a lei no
sentido de que voltada a quem realiza as pequenas tarefas de gestão do
cotidiano da empresa de radiodifusão, olvidando-se do controlador do
empreendimento.

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O que a proibição legal visa a impedir é a utilização do poder


político para obtenção da outorga do serviço de radiodifusão, com o
abuso desse serviço para atendimento aos interesses políticos, em
prejuízo da liberdade de esfera de debate público.
Não merece endosso, nessa perspectiva, a posição trazida aos autos
em ofício do Ministério das Comunicações e em parecer da Câmara dos
Deputados de que não haveria proibição para que parlamentar fosse
proprietário de empresa titular de serviço radiodifusão (fls. 426-7, 1.008-9
e fls. 1.942-3).
Ao contrário do ali preconizado, a proibição é clara.
Não fosse a proibição clara e não fosse a interpretação distorcida
proveniente dos próprios beneficiários da distorção, seria até o caso de
reconhecer eventual erro de proibição por parte dos acusados. Entretanto,
reconhecer erro de proibição, nas circunstâncias, equivaleria a premiar a
interpretação distorcida e os próprios responsáveis por ela.
Assim, incidindo no caso as proibições do art. 54, I, "a", e II, "a", da
Constituição Federal e do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 4.117/1962,
era e é vedado ao parlamentar ou empresa por este controlada receber do
Governo Federal a outorga de serviço de radiodifusão sonora.
Tinham, portanto, os acusados motivos para a falsificação do
contrato social da Radiodifusão Dinâmica, a fim de ocultar a participação
e controle sobre ela por parlamentar.
Além do motivo, resta verificar se houve a efetiva falsificação.
Apesar da insistência dos acusados em afirmar que o acusado
Marçal Gonçalves seria mero sócio cotista da Radiodifusão Dinâmica e
que João Alcântara seria o administrador, o quadro probatório gera
conclusão contrária.
Entendo que tal conclusão pode ser extraída da prova oral
produzida no curso da ação judicial, inclusive dos interrogatórios dos
acusados.
A esse respeito, transcrevo trechos do depoimento judicial do
acusado João Alcântara:
"(...) o interrogando e Daladier apresentaram um lance de uma
quantia da qual não dispunham naquele momento, mas com o intuito

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de, se vencedores, procurar pessoas na cidade que pudessem fazer o


aporte do valor do lance e ingressar no quadro societário;"
"que Marçal sempre foi locutor;"
"que Marçal aceitou o convite de Daladier e o substituiu na
sociedade, com a entrada de Marçal houve a integralização do capital
social da empresa no valor de R$ 200.000,00;"
"que Daladier era cunhado de Marçal;"
"que Marçal, na qualidade de parlamentar, deputado federal,
não podia ser sócio gerente da rádio, então o interrogando ficou com
essa função;"
"que a integralização do capital social foi feita com recursos
próprios de Marçal, já uma das cotas referentes ao lance, foi paga com
recursos provenientes de empréstimos feitos a duas empresas em
Dourados;"
"que os empréstimos foram instrumentalizados por um contrato
firmado pelo interrogando, representando a rádio, e cujo avalista era
Marçal Gonçalves Leite Filho;"
"que Keliana Fernandes foi contratada inicialmente pela rádio
para administrar a programação artística da rádio, ou seja, as
produções dos programas; que essa moça veio de Brasília e foi trazida
por Marçal;"
"esclarece o interrogando que durante o tempo em que esteve na
direção e gerência da rádio continuou a trabalhar na Telemens, com
uma carga horária de oito horas diárias;"
"que o interrogando, no exercício da função de gerente e diretor
da rádio, comparecia na rádio nos horários de almoço, no final de seu
expediente na Telemens, nos finais de semana;"
"que, em 2002, quando o interrogando foi transferido para
Campo Grande, o mesmo outorgou uma procuração a Keliana para a
mesma gerenciar a empresa;"
"que, em dezembro de 2002, o interrogando veio para Campo
Grande, em virtude de transferência da empresa que trabalha, Brasil
Telecom;"
"que o interrogando só saiu da gerência da empresa porque foi
transferido pela empresa Brasil Telecom para Campo Grande;"
"que Marçal contratou uma empresa de Brasília para fazer a

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instalação dos equipamentos da radiodifusão;"


“que o interrogando tinha poder de gestão, que se exteriorizava
em movimentação de conta corrente da empresa, contratação e
demissão de funcionários, bem como firmava os cheques emitidos pela
empresa.” (fls. 882-883)
Do depoimento judicial do acusado Daladier Rodrigues, destaco
algumas passagens:
"Sou gerente-geral do Banco Sudameris, em Dourados. Sou
bancário há trinta anos."
"Eu e João Alcântara não tínhamos recursos suficientes para
fazer frente ao preço ofertado pela permissão."
"Assim, como minha situação profissional era mais tranquila,
propus novamente ao meu cunhado Marçal, tão logo saiu o resultado
da licitação para que ele adquirisse minhas cotas sociais. Nessa época,
Marçal não possuía mais programa de rádio em Dourados."
"João Alcântara tinha experiência na área de telecomunicações
já que trabalhava anteriormente na Telems e, salvo engano, na
Telemat. Creio que ele não tinha experiência na área de radiodifusão."
(fls. 892-893)
Por sua vez, o acusado Marçal Gonçalves, em Juízo, declarou:
"Trabalho em rádio desde os meus quinze anos de idade. A maior
parte do tempo trabalhei como locutor."
"Acrescento que não havia qualquer óbice na minha participação
nesse tipo de sociedade [de radiodifusão]. Tanto é assim que ainda na
condição de parlamentar, vim a compor essa sociedade no ano de
2000."
"Tendo em vista que exerci, de forma descontínua, mandato de
deputado federal entre 1996 a 1999, como suplente, passei a ter maior
projeção política na região de Dourados. Concomitantemente, fui
perdendo espaço nas rádios desta cidade. Havia outros políticos,
proprietários de rádio, especificamente a Rádio Tupinambás, do Sr. Ivo
Serzózimo, e a Rádio Cidade, que era de propriedade do Sr. Valdir
Guerra, sendo que ambos eram deputados federais na época. Outras
rádios não eram de propriedade de políticos, mas sofriam influência
destes. Assim, os espaços que eu dispunha em rádios foram se
fechando, sendo que em 2000, quando a empresa formada por Daladier

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e João Alcântara se sagrou vencedora da licitação, eu não possuía


nenhum programa de rádio."
"Como eu tinha bem mais dinheiro em caixa que João Alcântara,
fiquei com maior parte das cotas."
"Para fazer frente às despesas dessa empresa, em especial para o
pagamento da primeira parcela relativa à concessão da permissão do
serviço de radiodifusão, contraímos empréstimos junto a duas
empresas cerealistas da região. (...) Constei como avalista nesses
contratos em face do bom nome que possuía na praça."
"João Alcântara constou no contrato social como sócio que
detinha com exclusividade poderes de gerência pelo fato de que eu,
como deputado federal, poderia figurar na sociedade apenas como sócio
cotista. Além disso, eu ficava a maior parte do tempo longe de
Dourados, exercendo meu mandato em Brasília."
"João Alcântara efetivamente outorgou uma procuração com
poderes limitados a Keliana Fernandes. (...) Posteriormente, quando
João Alcântara foi transferido de Dourados para Campo Grande junto
à empresa Brasil Telecom, do qual era gerente de operações, ele
outorgou outra procuração com amplos poderes a Keliana."
"Keliana foi contratada para cuidar da parte artística da rádio,
já que tinha experiência na área, trabalhando naquela época em
Brasília. Cerca de um ano depois que ela começou a trabalhar, nós
passamos a namorar." (fls. 895-897)
Sobre o empréstimo obtido para pagamento do preço da licitação,
destaco os seguintes trechos dos depoimentos dos mutuantes que
afirmam que o mútuo teria sido celebrado com o acusado Marçal
Gonçalves:
“Que o representante legal da Sudoeste Agrícola era a pessoa de
Roberto Donisete. Que na época, o depoente assinou um contrato de
empréstimo feito pela Sudoeste Agrícola à Rádio FM, a pedido de
Roberto Donizete.(...) Que o proprietário da rádio FM na época era
Marçal Filho.” (depoimento de Israel Santana – fl. 952)
“Que era proprietário da empresa Sudoeste Agrícola, a qual foi
constituída em 2002/2002. Que não se recorda do faturamento mensal
da referida empresa. Que fez um empréstimo no valor de cento e
sessenta mil reais a marca Filho. (....) Que o empréstimo foi feito

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através da emissão de uma lâmina de cheque, a qual foi entregue em


mãos, pelo procurador da empresa, de nome Israel Santana, para
Marçal Filho. Que o acusado Marçal Filho é amigo do depoente, tendo
conhecimento de que este era proprietário de uma empresa agrícola.
Que nunca teve contato com os demais sócios da rádio. (...) Que o
empréstimo foi feito diretamente à pessoa de Marçal Filho, não tendo
este mencionado ao depoente que o valor do mútuo se destinava à
empresa Rádio Difusão Dinâmica Ltda.” (depoimento de Roberto
Donizete Lopes Bueno)
Tenho, portanto, como provados os seguintes fatos:
- o acusado Marçal Gonçalves era quem tinha experiência no rádio,
trabalhando na atividade desde os quinze anos, era radialista ao tempo
da licitação e depois do início da atividade da Radiodifusão Dinâmica
passou a comandar um programa na rádio;
- os acusados João Alcântara Filho e Daladier Rodrigues de Araújo
Filho não tinham experiência prévia com radiodifusão, não tinham
condições de ser proprietários de uma rádio ou mesmo condições
financeiras para arcar com o pagamento do preço de R$ 672.266,00 pela
outorga da permissão;
- o acusado Marçal Gonçalves arcou total ou parcialmente com a
integralização do capital da Radiodifusão Mecânica, permanecendo
desde o seu ingresso formal em 26.10.2000 com 87% das cotas;
- o acusado Marçal Gonçalves negociou a aquisição e a instalação
dos equipamentos da Radiodifusão Mecânica;
- o preço da licitação foi pago por meio de empréstimos obtidos em
negociação realizada por Marçal Gonçalves, tendo ele ficado como
garantidor dos mesmos;
- o acusado João Alcântara Filho, que, segundo o contrato, passou a
administrar a empresa a partir de 26.10.2000 sequer cumpria expediente
na empresa, pois cumpria oito horas de trabalho diário, como
empregado, na Brasil Telecom;
- o acusado João Alcântara Filho, em dezembro 2002, mudou-se de
Dourados para Campo Grande/MS, inviabilizando qualquer espécie de
gestão por parte dele da Radiodifusão Dinâmica; e

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- a gestão do cotidiano da empresa era realizada por Keliana


Fernandes Mangueira, com procuração outorgada por João Alcântara,
tendo ela sido contratada por Marçal Gonçalves e com este mantinha
relacionamento amoroso.
No contexto, não é plausível a insistência dos acusados em negar o
óbvio: o real “proprietário” e administrador da Radiodifusão Dinâmica é
o acusado Marçal Gonçalves e jamais foi João Alcântara ou Daladier
Rodrigues. Não importa o que diz o contrato social, ou ainda, repita-se,
quem cuida das pequenas tarefas do cotidiano da empresa, mas sim
quem tem de fato o poder de controle ou o poder de gestão sobre a
empresa. Essa pessoa, pelos fatos reputados provados, é o acusado
Marçal Gonçalves e não os demais acusados.
A confirmar a farsa, destaco que João Alcântara, em seu depoimento
judicial, chega a afirmar que, com a sua mudança em dezembro de 2002
para Campo Grande, teria deixado a gerência da empresa (“o
interrogando só saiu da gerência da empresa porque foi transferido pela
empresa Brasil Telecom para Campo Grande”), olvidando-se, porém, que,
no contrato social e perante o Ministério das Comunicações, persiste até
hoje como administrador responsável pela empresa (fls. 232-4 e 1.008-9).
Em reforço, observo que o poder de controle do acusado Marçal
sobre a Empresa Radiodifusão Dinâmica chegou a ser tratado como
notória no âmbito da cidade de Dourados/MS, como se verifica em voto
do Juiz Dorival Moreira dos Santos em impugnação junto ao Tribunal
Regional Eleitoral da candidatura dele à deputado federal (fls. 1.432-
1.465):
“Aliás, é fato público que a rádio é comandada, social e
comercialmente, em todos os seus interesses, pelo candidato
impugnado, havendo inclusive identificação dela, rádio, com o
candidato Marçal Filho, no seio da comunidade.
É fato notório que dispensa comprovação formal nos autos,
havendo cabal demonstração de seu exercício de fato quanto ao seu
poder de decisão e de administração; é público também, porquanto há
ampla propagação noticiosa do comando e condição de proprietário da
empresa por parte do candidato Marçal Filho; é de direito, ainda, ante

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as disposições legais que atualmente disciplinam a empresa no seu


aspecto comercial, mas que o contrato social não foi atualizado para as
disposições normativas.” (fl. 1.447)
Este voto prevaleceu no primeiro julgamento no Tribunal Regional
Eleitoral de Mato Grosso do Sul, sendo, porém, alterado o resultado no
julgamento posterior de embargos de declaração (fls. 722 e 1.542-70). Não
está bem claro o que autorizava a revisão do decidido em embargos de
declaração, mas é desnecessário aprofundar, aqui, essa questão.
Foram ainda colacionadas aos autos diversas notícias extraídas de
sites da internet relacionadas a Dourados/MS nas quais o acusado Marçal
Gonçalves é invariavelmente apontado como dono e dirigente da
Empresa de Radiodifusão Dinâmica (fls. 736-57).
Embora de valor probatório menor, reforçam o quadro probatório no
sentido de que o acusado Marçal Gonçalves não é só o proprietário, mas
controlador e dirigente da Radiodifusão Dinâmica. De todas elas, destaco
a notícia das fls. 739-40, datada de 18.6.2006, da qual se extrai o profundo
envolvimento de Marçal na administração da empresa:
“A Rádio 94 FM [nome fantasia da Empresa de Radiodifusão
Dinâmica], dirigida pelo radialista Marçal Filho, realiza nesta quinta
feira (22/05), no Parque de Exposição de Dourados, o show de seu 5º
aniversário. (....) A banda Klb vem completa, em show inédito em
Dourados, que vai apresentar seus principais sucessos e certamente
agitar o público que deve novamente lotar a pista de shows do Parque
de Exposições na festa proporcionada pela quinta vez consecutiva pelo
radialista Marçal Filho e toda sua equipe da 94 FM.
A exemplo dos últimos quatro anos, Marçal Filho, (...), vai
proporcionar a uma família de ouvintes o sonho da casa própria, que
está em fase de conclusão para ser entregue ao ganhador na noite desta
quinta feira.
(...)
Marçal Filho conta com o apoio de Keliana Fernandes que, com
competência e simpatia, contribuiu na administração da emissora e
também garante uma grande audiência em seu programa de todas as
tardes na 94 FM. ‘Aliás temos uma programação elaborada com muito
carinho durante 24 horas e a audiência que obtemos demonstra que

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estamos no caminho certo, fazendo rádio de qualidade e que atende às


expectativas de nossos ouvintes’, destaca Marçal Filho, convidando
toda a população para a grande festa desta quinta-feira no Parque de
Exposições.”
Tenho, portanto, como provada, acima de qualquer dúvida razoável,
a falsidade dos contratos sociais da Radiodifusão Dinâmica, sendo o
verdadeiro controlador e dirigente o acusado Marçal Gonçalves.
O motivo da falsidade foi burlar as proibições constitucionais e
legais, como, aliás, admitiu implicitamente o acusado João Alcântara
("que Marçal, na qualidade de parlamentar, deputado federal, não podia
ser sócio gerente da rádio, então o interrogando ficou com essa função").
O contrato social e suas alterações constituem documentos
particulares e não documentos públicos, assim entendidos, aqueles
emanados de agente público.
Entretanto, a partir do momento em que registrados nas Juntas
Comerciais adquirem outra condição. O registro visa a dar publicidade ao
documento e a partir de então qualquer pessoa pode acessar o contrato e
as informações respectivas na Junta, obtendo cópias certificadas como
autênticas pela Junta ou mesmo certidão simplificada acerca de seu
conteúdo.
A falsificação de documentos da espécie, a partir de seu registro em
bancos de dados públicos, passa a violar não mais interesses meramente
privados, mas a fé pública em uma maior dimensão, abalando a confiança
que os cidadãos depositam em documentos disponibilizados por
entidades públicas ou por órgãos de registro públicos, ainda que a origem
remota da contrafação seja a entrega à repartição do documento
particular falso.
Pode-se realizar uma comparação com o que poderia ocorrer na
falsificação de registros públicos de compra e venda de imóveis.
Falsificado um contrato particular de transmissão de imóvel, tem-se
contrafação de documento particular. Entretanto, a partir do momento
que o contrato é levado a registro público, tem-se a contaminação de uma
matrícula imobiliária, caracterizando a falsificação de documento público.
Quem dirigir-se ao cartório de registro de imóveis e obter certidão da

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matrícula, que é emanada pelo Cartório, não pelo falsificador, obterá um


documento público falso, ainda que a falsidade tenha por origem a
contrafação de um documento particular.
Entendo, portanto, com todo o respeito aos que têm
posicionamento contrário, que os documentos falsificados são públicos a
partir do momento em que levados a registro na Junta Comercial,
passando a violar a fé pública em grau mais acentuado do que a mera
falsificação de documentos particulares.
Nessa linha, cito, por oportunas, as lições de Nelson Hungria:

Há os documentos formal e substancialmente públicos (aqueles


cujo conteúdo tem natureza e relevância de direito público, como
sejam os decorrentes de atos legislativos, administrativos ou judiciais
e os que, em geral, o funcionário redige ou expede em representação ou
no interesse da administração pública; e os documentos formalmente
públicos e substancialmente privados, como, por exemplo, as
declarações de vontade recebidas de particulares e redigidas por
funcionários públicos (tabeliães, oficiais, públicos, corretores,
cônsules, etc.) ou quem quer que esteja legalmente autorizado (no
exercício acidental de função pública) a imprimir-lhes autenticidade
ou fé pública (exemplo: capitão de navio em certas circunstâncias). A
lei, porém, não distingue entre uns e outros, submetendo a
falsificação deles ao mesmo tratamento penal. (HUNGRIA,
Nelson. Comentários ao código penal. Vol. IX. 2 ed, Rio de Janeiro :
Forense, 1959, p. 261) grifos acrescidos.

Portanto, a falsificação de contrato social após o seu registro na Junta


Comercial caracteriza falsificação de documento público, incidindo as
penas pertinentes do art. 299 do Código Penal.
De igual forma, também reputo provado o crime de uso de
documento falso do art. 304 do Código Penal, já que o contrato social e a
sua alteração falsificada foram utilizados perante o Ministério da

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Comunicação no processo de licitação e na contratação do serviço de


permissão. Embora a documentação falsa tenha sido utilizada por
diversas vezes, reputo o fato crime único, já que denunciado desta forma
pelo Ministério Público. Fixo como termo final da utilização dos contratos
falsos a data de 28.6.2001, quando foi celebrado o contrato entre a
empresa e a União relativamente à permissão do serviço (fls. 400-5).
Reputo provados, portanto, acima de qualquer dúvida razoável a
materialidade de dois crimes de falsidade ideológica de documento
público e um crime de uso desses documentos, bem como a autoria em
relação aos acusados Marçal Gonçalves Leite Filho, João Alcântara Filho e
Daladier Rodrigues de Araújo Filho. Ausentes causas de exclusão do
crime, devem a eles serem cominadas as penas pertinentes.
A denúncia, deve ser julgada procedente, com a condenação dos
acusados.
Passo à dosimetria em relação a cada acusado.

Marçal Gonçalves Leite Filho:


Como tenho decidido em vários processos em trâmite nesta Corte,
entendo que:
“A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa
discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos
esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a
fixação da pena.” (HC 107.409/PE, 1.ª Turma do STF, Rel. Min. Rosa
Weber, un., j. 10.4.2012, DJe-091, 09.5.2012)
Engana-se, portanto, quem procurar no Código Penal, especialmente
em seu art. 59, critérios objetivos e matemáticos para a fixação da pena.
Esta deve ser fixada “conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime” (art. 59 do Código Penal), o que remete
à significativa discricionariedade do magistrado sentenciante.
A concorrência de diversas vetoriais negativas do art. 59 do Código
Penal autoriza pena base bem acima da mínima legal.
Dos critérios previstos no art. 59 do Código Penal - culpabilidade,
antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos,
circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima -,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 44 de 85

AP 530 / MS

reputo especialmente relevantes para o caso concreto a culpabilidade, as


consequências e os motivos do crime
No que se refere à culpabilidade, é elevado o juízo de
reprovabilidade da conduta do acusado, pois na época de sua prática já
era parlamentar federal. Embora de certa forma vulgarizado, é
verdadeiro o ditado de que quanto maior o poder, maior a
responsabilidade. O fato do acusado ter praticado o crime quando
ocupava posição de destaque na estrutura de Poder reflete em maior juízo
de censura.
Quanto às consequências, o crime de falsidade contornou normas
constitucionais e legais que proíbem que parlamentares controlem
veículos de comunicação, tendo como resultado a afetação do regular
funcionamento da esfera de debate público essencial à democracia. Essa
consequência extremamente negativa também justifica maior juízo de
censura.
Os motivos são igualmente de alta reprovabilidade, já que o falso
visou a burlar proibições constitucionais e legais, entre elas as
incompatibilidades parlamentares do art. 54 da Constituição Federal.
No que se refere às demais vetoriais, são absolutamente neutras.
Não há registro de antecedentes. Nada se tem a mencionar a respeito das
vetoriais conduta social, personalidade e circunstâncias dos crimes. O
comportamento da vítima, a sociedade brasileira, foi irrelevante, pois não
contribuiu de qualquer forma para a conduta delitiva.
De todo modo, as mencionadas vetoriais negativas - culpabilidade,
consequências e motivos do crime -, por sua extrema gravidade no caso
concreto, autorizam pena base acima do mínimo legal.
Fixo, portanto, com base no art. 59 do Código Penal, as penas bases,
para cada crime de falsidade e para o crime de uso de documento público
falso, em dois anos e seis meses de reclusão e cento e trinta dias-multa,
superiores ao mínimo, mas distantes do máximo.
Elevo as penas em seis meses de reclusão e vinte dias multa em
decorrência da agravante prevista no inciso I do art. 62 do Código Penal,
pois o acusado Marçal comandou a ação dos demais.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 85

AP 530 / MS

Não há outras agravantes ou atenuantes a serem consideradas, nem


causas de aumento ou diminuição.
Embora o juízo condenatório tenha sido formado também com base
em fatos admitidos pelo acusado, não reconheço a confissão pois o cerne
da imputação, de que o acusado Marçal seria o verdadeiro controlador da
empresa de rádio, foi negado.
Nada mais tendo a considerar, reputo definitivas as penas de três
anos de reclusão e cento e cinquenta dias-multa para cada crime.
O primeiro fato delitivo - a falsificação do contrato social - ocorreu
em 10.02.1998 e a denúncia foi recebida em 15.9.2006 (fl. 758). Pela
prescrição retroativa pela pena em concreto, declaro extinta a
punibilidade e prejudicada a condenação quanto a ele, à luz do disposto
no art. 109, IV, do Código Penal.
Já o segundo fato delitivo - a falsificação da primeira alteração
contratual - ocorreu em 26.10.2000, não estando, portanto, prescrito.
O terceiro fato delitivo - o uso dos documentos falsos – a seu turno
teve o termo final fixado em 28.6.2001, também não estando, portanto,
prescrito.
Entre os dois últimos fatos delitivos, reconheço a continuidade
delitiva, motivo pelo qual unifico as penas, elevando-as em um sexto,
resultando elas em três anos e seis meses de reclusão e cento e setenta e
cinco dias-multa.
Considerando o disposto no art. 33 do Código Penal, fixo o regime
aberto para o início de cumprimento da pena.
Considerando que a pena privativa de liberdade é inferior a quatro
anos, substituo-a, em vista do disposto no art. 44 do Código Penal, por
duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviço à
comunidade e em prestação pecuniária. A pena de prestação de serviços à
comunidade deverá ser cumprida durante o período de três anos e seis
meses junto à entidade assistencial ou pública, à razão de uma hora de
tarefa por dia de condenação, ou de sete horas por semana, de modo a
não prejudicar a jornada de trabalho do acusado. A pena de prestação
pecuniária consistirá no pagamento mensal de três salários mínimos a

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AP 530 / MS

entidade assistencial ou pública durante o período da pena substituída


(três anos e seis meses). Caberá ao Juízo da execução o detalhamento das
penas, bem como a indicação das entidades assistenciais.
Considerando que o acusado é parlamentar e empresário, pessoa,
portanto, de renda elevada, fixo o valor do dia-multa em cinco salários
mínimos vigentes na data do último fato delitivo (06/2001), a serem
corrigidos até o final pagamento.
Reputo definitivas as penas para Marçal Gonçalves Leite Filho em
três anos e seis meses de reclusão em regime inicial aberto, com a
substituição pelas penas restritivas de direito acima especificadas, e cento
e setenta e cinco dias-multa.
Vencida, contudo, na Turma, nos moldes proclamados, deixo de
analisar os efeitos automáticos da condenação.

João Alcântara Filho:


Dos critérios previstos no art. 59 do Código Penal, reputo
especialmente relevantes para o caso concreto a culpabilidade, as
consequências e os motivos do crime.
No que se refere à culpabilidade, é elevado o juízo de
reprovabilidade da conduta do acusado, pois auxiliou parlamentar
federal a violar a lei. Embora de certa forma vulgarizado, é verdadeiro o
ditado de que quanto maior o poder, maior a responsabilidade. O fato do
acusado ter auxiliado a prática de crimes por pessoa que ocupava posto
elevado na estrutura de Poder reflete em maior juízo de censura.
Quanto às consequências, o crime de falsidade contornou normas
constitucionais e legais que proíbem que parlamentares controlem
veículos de comunicação, tendo como resultado a afetação do regular
funcionamento da esfera de debate público essencial à democracia. Essa
consequência extremamente negativa também justifica maior juízo de
censura.
Os motivos são igualmente de alta reprovabilidade, já que o falso
visou a burlar proibições constitucionais e legais, entre elas, as
incompatibilidades parlamentares do art. 54 da Constituição Federal.

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AP 530 / MS

No que se refere às demais vetoriais, são absolutamente neutras.


Não há registro de antecedentes. Nada se tem a mencionar a respeito das
vetoriais conduta social, personalidade e circunstâncias dos crimes. O
comportamento da vítima, a sociedade brasileira, foi irrelevante, pois não
contribuiu de qualquer forma para a conduta delitiva.
De todo modo, as mencionadas vetoriais negativas autorizam pena
base bem acima do mínimo legal.
Fixo, portanto, com base no art. 59 do Código Penal, as penas bases,
para cada crime de falsidade e para o crime de uso de documento público
falso, em dois anos e seis meses de reclusão e cento e trinta dias-multa,
superiores ao mínimo, mas distantes do máximo.
Não há agravantes ou atenuantes a serem consideradas, nem causas
de aumento ou diminuição.
Embora o juízo condenatório tenha sido formado também com base
em fatos admitidos pelo acusado, não reconheço a confissão pois o cerne
da imputação, de que o acusado Marçal seria o verdadeiro controlador da
empresa de rádio, foi negado.
Nada mais tendo a considerar, reputo definitivas as penas de dois
anos e seis meses de reclusão e cento e trinta dias-multa para cada crime.
O primeiro fato delitivo ocorreu em 10.02.1998 e a denúncia foi
recebida em 15.9.2006 (fl. 758). Pela prescrição retroativa pela pena em
concreto, declaro extinta a punibilidade e prejudicada a condenação em
relação ao primeiro fato delitivo.
O segundo fato delitivo teve lugar em 26.10.2000, não estando,
portanto, prescrito.
O terceiro fato delitivo teve o termo final fixado em 28.6.2001, não
estando, portanto, prescrito.
Entre os dois últimos fatos delitivos, reconheço a continuidade
delitiva, motivo pelo qual unifico as penas, elevando-as em um sexto,
resultando elas em dois anos e onze meses de reclusão e cento e
cinquenta e seis dias-multa.
Considerando o disposto no art. 33 do Código Penal, fixo o regime
aberto para o início de cumprimento da pena.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 85

AP 530 / MS

Considerando que a pena privativa de liberdade é inferior a quatro


anos, substituo-a, em vista do disposto no art. 44 do Código Penal, por
duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviço à
comunidade e em prestação pecuniária. A pena de prestação de serviços à
comunidade deverá ser cumprida durante o período de dois anos e onze
meses junto à entidade assistencial ou pública, à razão de uma hora de
tarefa por dia de condenação, ou de sete horas por semana, de modo a
não prejudicar a jornada de trabalho do acusado. A pena de prestação
pecuniária consistirá no pagamento mensal de um salário mínimo a
entidade assistencial ou pública durante o período da pena substituída
(dois anos e onze meses). Caberá ao Juízo da execução o detalhamento
das penas, bem como a indicação das entidades assistenciais.
Considerando a renda declarada pelo acusado de fl. 1.230 (cerca de
pouco mais de três mil reais mensais em 2004) e na falta de outros
elementos, fixo o valor do dia-multa em um salário mínimo vigente na
data do último fato delitivo (06/2001), a serem corrigidos até o final
pagamento.
Reputo definitivas as penas para João Alcântara Filho em dois anos
e onze meses de reclusão em regime inicial aberto, com a substituição por
penas restritivas de direito, e cento e cinquenta e seis dias-multa.

Daladier Rodrigues de Araújo Filho:


Dos critérios previstos no art. 59 do Código Penal, também aqui
reputo especialmente relevantes para o caso concreto a culpabilidade, as
consequências e os motivos do crime.
No que se refere à culpabilidade, é elevado o juízo de
reprovabilidade da conduta do acusado, pois auxiliou parlamentar
federal a violar a lei. Embora de certa forma vulgarizado, é verdadeiro o
ditado de que quanto maior o poder, maior a responsabilidade. O fato do
acusado ter auxiliado a prática de crimes por pessoa que ocupava posto
elevado na estrutura de Poder reflete em maior juízo de censura.
Quanto às consequências, o crime de falsidade contornou normas
constitucionais e legais que proíbem que parlamentares controlem

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 85

AP 530 / MS

veículos de comunicação, tendo como resultado a afetação do regular


funcionamento da esfera de debate público essencial à democracia. Essa
consequência extremamente negativa também justifica maior juízo de
censura.
Os motivos são igualmente de alta reprovabilidade, porquanto o
falso objetivou burlar proibições constitucionais e legais, entre elas as
incompatibilidades parlamentares do art. 54 da Constituição Federal.
No que se refere às demais vetoriais, são absolutamente neutras.
Não há registro de antecedentes. Nada se tem a mencionar a respeito das
vetoriais conduta social, personalidade e circunstâncias dos crimes. O
comportamento da vítima, a sociedade brasileira, foi irrelevante, pois não
contribuiu de qualquer forma para a conduta delitiva.
De todo modo, as mencionadas vetoriais negativas, culpabilidade,
consequências e motivos do crime, por sua extrema gravidade no caso
concreto, autorizam pena base bem acima do mínimo legal.
Fixo, portanto, com base no art. 59 do Código Penal, as penas bases,
para cada crime de falsidade e para o crime de uso de documento público
falso, em dois anos e seis meses de reclusão e cento e trinta dias-multa,
superiores ao mínimo, mas distantes do máximo.
Não há agravantes ou atenuantes a serem consideradas, nem causas
de aumento ou diminuição.
Embora o juízo condenatório tenha sido formado também com base
em fatos admitidos pelo acusado, não reconheço a confissão pois o cerne
da imputação, de que o acusado Marçal seria o verdadeiro controlador da
empresa de rádio, foi negado.
Nada mais tendo a considerar, reputo definitivas as penas de dois
anos e seis meses de reclusão e cento e trinta dias-multa para cada crime.
O primeiro fato delitivo ocorreu em 10.02.1998 e a denúncia foi
recebida em 15.9.2006 (fl. 758). Pela prescrição retroativa pela pena em
concreto, declaro extinta a punibilidade e prejudicada a condenação em
relação ao primeiro fato delitivo.
O segundo fato delitivo teve lugar em 26.10.2000, não estando,
portanto, prescrito.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 85

AP 530 / MS

O terceiro fato delitivo, o uso dos documentos falsos, teve o termo


final fixado em 28.6.2001, não estando, portanto, prescrito.
Entre os dois últimos fatos delitivos, reconheço a continuidade
delitiva, motivo pelo qual unifico as penas, elevando-as em um sexto,
resultando elas em dois anos e onze meses de reclusão e cento e
cinquenta e seis dias-multa.
Considerando o disposto no art. 33 do Código Penal, fixo o regime
aberto para o início de cumprimento da pena.
Considerando que a pena privativa de liberdade é inferior a quatro
anos, substituo-a, em vista do disposto no art. 44 do Código Penal, por
duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviço à
comunidade e em prestação pecuniária. A pena de prestação de serviços à
comunidade deverá ser cumprida durante o período de dois anos e onze
meses junto à entidade assistencial ou pública, à razão de uma hora de
tarefa por dia de condenação, ou de sete horas por semana, de modo a
não prejudicar a jornada de trabalho do acusado. A pena de prestação
pecuniária consistirá no pagamento mensal de um salário mínimo a
entidade assistencial ou pública durante o período da pena substituída
(dois anos e onze meses). Caberá ao Juízo da execução o detalhamento
das penas, bem como a indicação das entidades assistenciais.
Considerando a renda declarada pelo acusado de fl. 1.255 (cerca de
pouco mais de cinco mil reais mensais em 2004) e na falta de outros
elementos, fixo o valor do dia-multa em um salário mínimo e meio
vigente na data do último fato delitivo (06/2001), a serem corrigidos até o
final pagamento.
Reputo definitivas as penas para Daladier Rodrigues de Araújo
Filho em dois anos e onze meses de reclusão em regime inicial aberto,
com a substituição por penas restritivas de direito, e cento e cinquenta e
três dias-multa.
Deixo de fixar valor mínimo para reparação do dano (art. 387, IV, do
Código de Processo Penal), por reputá-lo de impossível mensuração, vez
que afetado pelo crime bem imaterial, a fé pública.
Ante o exposto, voto em síntese pela procedência da acusação, para

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 85

AP 530 / MS

o fim de condenar Marçal Gonçalves Leite Filho, João Alcântara Filho e


Daladier Rodrigues de Araújo Filho por dois crimes de falsificação
ideológica de documento público e por um crime de uso de documento
falso, artigos 299 e 304 do Código Penal, declarando a prescrição de um
dos crimes de falso, e com a cominação das penas acima determinadas.
É o voto.

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

VOTO DO REVISOR
S/ COMPETÊNCIA DO STF PARA JULGAR A AÇÃO PENAL

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (REVISOR)


- Presidente, não me oponho a desmembrar, embora adiante o meu voto
acompanhando a Relatora, neste particular, até porque, sem entrar no
mérito, aqui haveria inclusive uma exacerbação do risco de prescrição, no
caso de desmembramento, o que seria apenas uma razão a mais.
De modo que eu acompanho a eminente Relatora, no particular.
*****

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

VOTO
S/ COMPETÊNCIA DO STF PARA JULGAR A AÇÃO PENAL

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, em


princípio, entendo que a competência constitucional é absoluta,
inderrogável e deveria haver o desmembramento, porque haveria uma
incompetência insuperável.
Entretanto, nós abordamos vários critérios passíveis de serem
utilizados para evitar a inutilização do processo. Um deles, que nós
utilizamos recentemente, era exatamente se, já superada a instrução
probatória, o processo deveria prosseguir no Supremo Tribunal Federal.
E, aqui, nós já estamos julgando a ação penal.
De sorte que, nessa ponderação de interesse, vou preferir que o
processo permaneça aqui.

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Hoje,


veículo de grande circulação aponta que talvez possamos ver, novamente,
o filme que foi retratado com o julgamento da Ação Penal nº 470, em que
o Tribunal acabou emitindo entendimento sobre a culpa relativamente a
cidadãos comuns que não tinham a prerrogativa, se é que é prerrogativa,
de serem julgados pelo Supremo. Aludiu o jornal ao novo escândalo, que
surpreende os cidadãos brasileiros, referente à Petrobras, e à
possibilidade de – não sabemos quantos serão os acusados – ter-se a
remessa integral do inquérito ao Supremo.
Já disse no Plenário que, quanto maior a dificuldade para rever-se
quadro decisório, o apego às franquias constitucionais deve ser acionado
com largueza. Já afirmei no Plenário que o Supremo, sob pena de grassar
a insegurança, abandonando-se a segurança jurídica, não pode variar no
campo da definição da competência que o ministro Luiz Fux, já que se
trata de funcional, apontou como absoluta, como que adotando o vezo de
"uma no cravo, outra na ferradura".
A competência do Supremo, reitero o que sustentei no Plenário, em
agravo interposto pelo Ministério Público, presente desmembramento, é
de direito estrito. É o que se contém na Lei das leis, que a todos, inclusive
ao Supremo, submete, que é a Constituição Federal. A higidez desse
documento, a rigidez desse documento, porque está no ápice da pirâmide
das normas jurídicas, não pode ser afastada pelo legislador comum, ou
seja, normas processuais, como são as alusivas à conexão e à continência,
não alteram a competência do Supremo, que é delimitada, de forma
exaustiva, na Carta Federal. A competência prevista diz respeito, no caso,
apenas ao julgamento daquele que detém o mandato de deputado
federal. Pouco importa, a meu ver, o número de envolvidos. Não
devemos pinçar e definir a competência segundo o número de
envolvidos. Irrelevante ter-se apenas três acusados, e não, como na ação
penal a que me referi, cerca de quatro dezenas.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 85

AP 530 / MS

Continuo convencido de que os cidadãos comuns têm o direito


constitucional de serem julgados pelo juiz natural, com a
instrumentalidade própria, com a possibilidade, portanto, de revisão de
pronunciamento condenatório.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, só uma


pequena observação. Eu também concordo com Vossa Excelência de que
não devemos adotar um critério em razão do número de réus, mas, pelo
que eu pude depreender, a ilustre Relatora entende que há uma
expressiva conexão que pode levar a julgamentos contraditórios.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Os


documentos são os mesmos, os contratos.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Com violação de cláusulas


constitucionais tão importantes quanto a cláusula que prevê a
competência do Supremo. Então, talvez nessas situações seja possível
uma derrogação, numa ponderação entre as regras, de qual delas deve
prevalecer.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) - Parece-


me, Ministro Fux - pelo menos como compreendi a questão -, que temos
um norte. A regra, agora, é o desmembramento, mas, caso a caso, em
função de alguma peculiaridade. O primeiro delito é o de falsificação
ideológica de um contrato social que envolve os três réus. Neste caso, o
risco de decisões contraditórias e toda a fundamentação que a Corte
utilizou, tanto na Ação Penal 470, como em inúmeros outros precedentes,
permitem que se afirme a competência do STF. Vou juntar voto escrito a
respeito.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Então,


reitero o entendimento sobre a matéria. A Carta de 1988 está em vigor há
muitos anos e encerra essa espécie de competência, que, na qualidade de

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 85

AP 530 / MS

cidadão comum, aguardo que seja afastada do cenário normativo


constitucional, que é a competência funcional em razão de deter o
acusado o mandato.

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Voto s/ 2ª Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

VOTO
SOBRE NULIDADE ANTE A OCORRÊNCIA DA NOTÍCIA ANÔNIMA
DA PRÁTICA CRIMINOSA

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –


Julgando habeas corpus, e, pelo que me lembro, a ordem foi concedida,
disse, certa feita, na Turma, que notícia anônima merece a lata do lixo.
O que houve? Uma notícia anônima, muito embora acompanhada de
certos documentos, imputando-se prática criminosa a cidadãos,
apresentada ao Ministério Público Federal e, a partir dela, chegou-se à
persecução criminal, ao oferecimento da denúncia e, portanto, à ação
penal que estamos agora a julgar.
A notícia anônima de prática criminosa encerra via de mão única e
coloca aquele a quem é imputado o ato numa situação em que, mesmo
diante da improcedência flagrante, não terá o instrumental próprio para
cobrar a responsabilidade de quem assim procedeu, de quem veiculou a
notícia. Refiro-me à denunciação caluniosa, crime previsto no Código
Penal.
Não posso concluir ser válida a notícia anônima quando a pessoa-
autora se acoberta, justamente, da possibilidade de vir a ser
responsabilizada por ato que, posteriormente, se mostre inconsequente.
Também não vou ao mérito da ação penal para, depois, voltar à
preliminar de nulidade. Aprecio-a, portanto, de início e concluo pela
procedência.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ 3ª Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

S/ NULIDADE DA FASE INQUISITORIAL

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Presidente, entendo que há


preclusão e sem prejuízo. A jurisprudência da Corte é no sentido de que
as nulidades da fase inquisitorial não contaminam a ação penal.
Acompanho a Relatora.

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Supremo Tribunal Federal
Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Antes


de colher o voto da ministra Rosa Weber, há premissa que influencia
muito a dosimetria da pena, a alusiva à natureza do documento, se
particular ou público.
A ministra Rosa Weber concorda em ouvir o revisor?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) - Sem


dúvida, Presidente.

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Supremo Tribunal Federal
Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

VOTO

O MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (REVISOR):

EMENTA: DIREITO PENAL. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA


E DE USO DE DOCUMENTO FALSO. 1. Admite-se a possibilidade de
que a denúncia anônima sirva para deflagrar uma investigação
policial, desde que esta seja seguida da devida apuração dos
fatos nela noticiados. Precedente citado. 2. Não há nulidade
automática na tomada de declarações sem a advertência do
direito ao silêncio, salvo quando demonstrada a ausência do
caráter voluntário do ato. Ademais, a presença de defensor
durante o interrogatório do investigado ou acusado corrobora a
higidez do ato. Precedente citado. 3. Condenação pelo crime de
falso. Restou provada a falsidade do contrato social da
radiodifusão Dinâmica, sendo o primeiro acusado o verdadeiro
controlador. Com efeito, o denunciado omitiu esta condição por
ser parlamentar federal, diante da vedação prevista no art. 54
da Constituição Federal e no art. 38, §1º, da Lei nº 4.117/62. 4.
De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e
do Superior Tribunal de Justiça, o crime de uso, quando
cometido pelo próprio agente que falsificou o documento,
configura "post factum" não punível, vale dizer, é mero
exaurimento do crime de falso. Impossibilidade de condenação
pelo crime previsto no art. 304 do Código Penal. 5. A alteração
do contrato social não constitui novo crime, já que a finalidade
do agente já havia sido atingida quando da primeira falsificação
do contrato social. 6. O contrato social não pode ser equiparado
a documento público, que é criado por funcionário público, no
desempenho das suas atividades, em conformidade com as
formalidades previstas em lei. 7. Extinção da punibilidade dos
acusados, em face da prescrição da pretensão punitiva, baseada
nas penas em concreto, restando prejudicada a condenação.

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Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 61 de 85

AP 530 / MS

1. Trata-se de ação penal proposta contra o Deputado Federal


Marçal Gonçalves Leite Filho, João Alcântara Filho e Daladier Rodrigues
de Araújo Filho, imputando-lhes os crimes de falsidade ideológica e de
uso de documento falso (“Art. 299 - Omitir, em documento público ou
particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir
declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar
direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão
de um a três anos, e multa, se o documento é particular; Art. 304 - Fazer uso de
qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração”).

2. Segundo a acusação, os três acusados teriam falsificado,


em 25.02.1998, o contrato social da “Empresa de Radiodifusão Dinâmica FM
Ltda”, ocultando a condição de proprietário e administrador do
parlamentar. A falsidade teria sido renovada em 26.10.2000 com a
primeira alteração do contrato social. O contrato falsificado teria sido,
ainda, utilizado em uma licitação pública junto ao Ministério das
Comunicações para explorar o serviço de radiodifusão sonora em
frequência modulada em Dourados/MS em 13.3.1998. A falsidade, na
forma da denúncia, foi realizada porque o primeiro denunciado exerce o
mandato de Deputado Federal e não poderia integrar o contrato social da
sociedade referida, exercendo função de diretor ou gerente de empresa
permissionária de exploração de serviço de radiodifusão, em afronta ao
art. 54 da Constituição e ao art. 38, parágrafo único, da Lei nº 4.117/62
(“Art. 54 da CF: Os Deputados e Senadores não poderão: I - desde a expedição
do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público,
autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa
concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas
uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive
os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea
anterior; Art. 38, § 1º, da Lei nº 4.117/62: § 1º Não poderá exercer a função de
diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de

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Supremo Tribunal Federal
Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 62 de 85

AP 530 / MS

radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial”).


A denúncia foi recebida em 15.9.2006.

3. Em primeiro lugar, as defesas alegam que a investigação


seria nula porque teria sido iniciada por denúncia anônima. No caso,
recebida a notícia crime anônima, já instruída com diversos documentos
(fls. 22-212) que lhe conferiam credibilidade, foi ela encaminhada à
autoridade policial. Em seguida, as diligências determinadas apenas
buscaram obter a confirmação da autenticidade da documentação
encaminhada com a notícia crime e ainda levantar informações sobre os
sócios da Radiodifusão Dinâmica. Mesmo posteriormente, o inquérito
limitou-se à solicitação de documentos, cuja obtenção não estava sujeita a
sigilo legal, bem como à oitiva dos investigados e de testemunhas. Como
se sabe, a jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de que a
denúncia anônima sirva para deflagrar uma investigação policial, desde
que esta seja seguida da devida apuração dos fatos nela noticiados. Nesse
sentido:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL.


PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. ALEGAÇÃO DE
NULIDADE DECORRENTE DA EVENTUAL
INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DESEMBARGADOR APOSENTADO. PRERROGATIVA DE
FORO DOS CORRÉUS. CONEXÃO. COMPETÊNCIA DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HABEAS CORPUS.
LIMITES. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO PRESERVADA.
REINTEGRAÇÃO DO PACIENTE AOS QUADROS DO
PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM
DENEGADA. 1. Não se comprova a presença de
constrangimento ilegal a ferir direito do Paciente nem
ilegalidade ou abuso de poder a ensejar a concessão da presente
ordem de habeas corpus. 2. É firme a jurisprudência deste
Supremo Tribunal no sentido de que “nada impede a
deflagração da persecução penal pela chamada 'denúncia
anônima', desde que esta seja seguida de diligências

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Supremo Tribunal Federal
Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 85

AP 530 / MS

realizadas para averiguar os fatos nela noticiados”.


Precedentes. 3. Pelo que se tem nos autos, no início das
investigações não se apuravam irregularidades cometidas por
autoridades judiciárias, mas sim por terceiros que,
supostamente, estariam se aproveitando de sua posição
próxima àquelas autoridades para receber vantagem em troca
da manipulação de decisões judiciais. 4. A ocorrência de duas
ou mais infrações, supostamente praticadas por várias pessoas
em concurso, algumas inclusive com prerrogativa de foro,
embora diverso o tempo e o lugar, resulta tanto na conexão
subjetiva concursal quanto na reunião dos inquéritos
separadamente instaurados na instância competente, atendendo
às exigências dos arts. 76, inc. I, e 78, inc. III, do Código de
Processo Penal 5. A apuração unificada, especialmente quando
se cogita da existência de uma quadrilha envolvendo juízes e
desembargadores, justifica a tramitação do inquérito policial
sob a competência do Superior Tribunal de Justiça, na forma
estabelecida nos arts. 84 e seguintes do Código de Processo
Penal, no art. 105, inc. I, alínea “a”, da Constituição da
República, e na Súmula 704 deste Supremo Tribunal. 6. O
habeas corpus destina-se exclusivamente à proteção da
liberdade de locomoção quando ameaçada ou violada por
ilegalidade ou abuso de poder. Precedente. 7. O pedido de
reintegração de Magistrado afastado por decisão do Superior
Tribunal de Justiça envolve direito estranho à liberdade de ir e
vir, não podendo ser abrigado em habeas corpus. Precedente. 8.
Ordem denegada.
(HC 105484, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda
Turma, julgado em 12/03/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
069 DIVULG 15-04-2013 PUBLIC 16-04-2013) – destaque nosso

4. Em segundo lugar, as defesas reclamam que o acusado


Marçal Gonçalves foi ouvido no inquérito, sem que fosse advertido sobre
o direito de permanecer em silêncio, o que acarretaria a nulidade dos atos
investigatórios praticados. Não obstante, os acusados compareceram à
Delegacia de Polícia Federal acompanhados de advogado (fls. 434 e 462).

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AP 530 / MS

Nesse contexto, parece improvável que, apesar da falta de advertência,


tenham sido compelidos a prestar, na ocasião, as declarações ou a realizar
qualquer ato que não fosse voluntário. Na linha da jurisprudência
sedimentada desta Corte, a presença de defensor durante o ato corrobora
a sua higidez, de modo que não há nulidade automática na tomada de
declarações sem a advertência do direito ao silêncio, salvo quando
demonstrada a ausência do caráter voluntário do ato. Nesse sentido:

Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO


ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NULIDADES
PROCESSUAIS. PROCESSO PENAL MILITAR.
INTERROGATÓRIO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.
PRESENÇA DO DEFENSOR. AUSÊNCIA DE ADVERTÊNCIA
SOBRE O DIREITO AO SILÊNCIO. RÉUS QUE APRESENTAM
SUA VERSÃO DOS FATOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO
DO PREJUÍZO. ALTERAÇÃO DE ADVOGADO SEM
ANUÊNCIA DOS RÉUS. FATO QUE NÃO PODE SER
ATRIBUÍDO AO PODER JUDICIÁRIO. PAS DE NULLITÉ
SANS GRIEF. AUSÊNCIA DE ABUSO DE PODER,
ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA APTAS A
DESCONSTITUIR A COISA SOBERANAMENTE JULGADA.
RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. As garantias da
ampla defesa e do contraditório restam observadas, não
prosperando o argumento de que a falta de advertência, no
interrogatório, sobre o direito dos réus permanecerem
calados, seria causa de nulidade apta a anular todo o processo
penal, nos casos em que a higidez do ato é corroborada pela
presença de defensor durante o ato, e pela opção feita pelos
réus de, ao invés de se utilizarem do direito ao silêncio,
externar a sua própria versão dos fatos, contrariando as
acusações que lhes foram feitas, como consectário de
estratégia defensiva. 2. A falta de advertência sobre o direito
ao silêncio não conduz à anulação automática do
interrogatório ou depoimento, restando mister observar as
demais circunstâncias do caso concreto para se verificar se
houve ou não o constrangimento ilegal. (HC 88.950/RS,

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Relator Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, Julgamento em


25/9/2007, HC 78.708/SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence,
Primeira Turma, Julgamento em 9/3/1999, RHC 79.973/MG,
Relator Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, Julgamento em
23/5/2000.) 3. In casu: a) os recorrentes, policiais militares, foram
processados e condenados como incursos no § 1º do artigo 308
do Código Penal Militar, a 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de
reclusão em regime inicial aberto; b) a sentença destaca que, no
dia 3/4/1996, na cidade de São Paulo/SP, os sentenciados, agindo
em coautoria, exigiram da vítima vantagem indevida no valor
de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) com o escopo de se
omitirem quanto às providências cabíveis relativas ao ato ilícito
de condução de veículo automotor sem portar os documentos
necessários, que implicaria na apreensão do veículo e autuação
do infrator; c) a condenação ocorreu em 21/7/1997, confirmada
por apelação julgada em 19/12/2000, sendo certo que o
Ministério Público ajuizou representação junto ao Tribunal de
Justiça Militar do Estado de São Paulo com o escopo de
decretação de perda da graduação das praças, julgada
procedente, e transitada em julgado em 27/11/2001 (fls. 123); d)
destarte, em 8/1/2002, a defesa dos réus ajuizou revisão
criminal, que foi julgada improcedente, e transitou em julgado
em 28/10/2008, sendo as penas julgadas extintas ante o seu
cumprimento, conforme sentenças exaradas pelo Juízo de
Direito das Execuções Criminais da Comarca de Santo André,
em 9/11/2004 e 16/2/2005; e) aos 20/10/2009, a defesa reabriu o
caso por meio de impetração do writ junto ao Superior Tribunal
de Justiça, que se voltou contra o acórdão da apelação julgada
pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo. 4. A
suposta nulidade decorrente de alteração de defensor sem a
anuência das partes restou superada pelas informações
prestadas pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São
Paulo (“1º à época, a grande maioria dos policiais militares
processados no âmbito da Justiça Militar era defendida por
advogados que integravam o Departamento Jurídico da
Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e prestavam

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 66 de 85

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assistência jurídica aos associados dessa entidade, como


ocorreu neste caso; 2º - em nenhum momento houve por parte
do Juízo a “desconstituição” ou a “nomeação” de qualquer
advogado para atuar nos autos, tendo sim na verdade ocorrido
apenas alterações no quadro de advogados da referida
Associação, cuja composição, como não poderia deixar de ser, é
de seu livre arbítrio). 5. É cediço na Corte que: a) o princípio
geral vigente no processo penal é o de que somente se proclama
a nulidade de um ato processual quando há a efetiva
demonstração de prejuízo, nos termos do que dispõe o art. 563
do CPP, verbis: Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade
não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa; b) a
Súmula nº 523 do Supremo Tribunal Federal dispõe que “No
processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta,
mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo
para o réu” (HC 93.868/PE, Rel. Ministra Cármen Lúcia,
Primeira Turma, Julgamento em 28/10/2008; HC 98.403/AC, Rel.
Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, Julgamento em
24/8/2010, HC 94.817, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda
Turma, Julgamento em 3/8/2010.) 6. Os presentes autos não
revelam a existência de abuso de poder, ilegalidade ou
teratologia que possa autorizar a concessão do writ,
desconstituindo, assim, um feito processual já acobertado pela
coisa soberanamente julgada. 7. Recurso ordinário desprovido.
(RHC 107915, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 25/10/2011, DJe-217 DIVULG 14-11-2011 PUBLIC
16-11-2011 EMENT VOL-02626-01 PP-00063) – destaque nosso

5. E, em terceiro lugar, as defesas suscitam a inépcia da


denúncia porque teria tratado o crime de uso de documento falso como se
fosse crime permanente. Entretanto, como bem assinalado pela Relatora,
Ministra Rosa Weber, podem as defesas discordar do modo de
imputação, mas isso é questão de mérito e não dificulta a atuação da
defesa.

6. Quanto ao mérito, nos termos das normas proibitivas

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invocadas, previstas nos arts. 54 da Constituição e art. 38, § 1º, da Lei nº


4.117/62, é vedado ao parlamentar ou empresa por este controlada
receber do Governo Federal a outorga de serviço de radiodifusão sonora.
O que se pretendeu prevenir foi a reunião de poder político e controle
sobre veículos de comunicação de massa, com os riscos decorrentes do
abuso.

7. Consta dos autos: (i) os acusados João Alcântara Filho e


Daladier Rodrigues de Araújo Filho não tinham experiência prévia com
radiodifusão, nem condições de ser proprietários de uma rádio ou mesmo
condições financeiras para arcar com o pagamento do preço de R$
672.266,00 pela outorga da permissão; (ii) o acusado Marçal Gonçalves,
desde o seu ingresso formal na sociedade, permaneceu com 87% das
cotas; (iii) o acusado Marçal negociou a aquisição e a instalação dos
equipamentos de Radiodifusão Mecânica; (iv) o preço da licitação foi
pago por meio de empréstimos obtidos em negociação realizada por
Marçal Gonçalves, tendo ele ficado como garantidor; (v) a gestão do
cotidiano da empresa era realizada por Keliana Fernandes Mangueira,
com procuração outorgada por João Alcântara, tendo ela sido contratada
por Marçal Gonçalves e com este mantinha relacionamento amoroso.

8. Tenho, portanto, como provada a falsidade do contrato


social da radiodifusão Dinâmica, sendo o verdadeiro controlador e
dirigente o acusado Marçal Gonçalves.

9. Contudo, entendo que os agentes devam ser condenados


apenas por um crime de falso, não havendo hipótese de concurso de
delitos. Em outras palavras, não se pode falar em condenação pelo crime
de uso de documento falso. Isso porque, de acordo com a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o crime
de uso, quando cometido pelo próprio agente que falsificou o documento,
configura "post factum" não punível, vale dizer, é mero exaurimento do
crime de falso. Nesse sentido:

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EMENTA: "HABEAS CORPUS" - FALSIFICAÇÃO DE


DOCUMENTO PÚBLICO - FATO DELITUOSO, QUE,
ISOLADAMENTE CONSIDERADO, NÃO OFENDE BENS,
SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO FEDERAL, DE SUAS
AUTARQUIAS OU DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL -
RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA COMPETÊNCIA
PENAL DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSO E
JULGAMENTO DO CRIME TIPIFICADO NO ART. 297 DO CP
- USO POSTERIOR, PERANTE REPARTIÇÃO FEDERAL,
PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO, DO
DOCUMENTO POR ELE MESMO FALSIFICADO - "POST
FACTUM" NÃO PUNÍVEL - CONSEQÜENTE FALTA DE
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, CONSIDERADO O
CARÁTER IMPUNÍVEL DO USO POSTERIOR, PELO
FALSIFICADOR, DO DOCUMENTO POR ELE PRÓPRIO
FORJADO - ABSORÇÃO, EM TAL HIPÓTESE, DO CRIME DE
USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304) PELO DELITO
DE FALSIFICAÇÃO DOCUMENTAL (CP, ART. 297, NO
CASO), DE COMPETÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO PODER
JUDICIÁRIO LOCAL - PEDIDO INDEFERIDO. - O uso dos
papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da
falsificação, configura "post factum" não punível, mero
exaurimento do "crimen falsi", respondendo o falsário, em tal
hipótese, pelo delito de falsificação de documento público
(CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de
documento particular (CP, art. 298). Doutrina. Precedentes
(STF). - Reconhecimento, na espécie, da competência do Poder
Judiciário local, eis que inocorrente, quanto ao delito de
falsificação documental, qualquer das situações a que se refere
o inciso IV do art. 109 da Constituição da República. -
Irrelevância de o documento falsificado haver sido
ulteriormente utilizado, pelo próprio autor da falsificação,
perante repartição pública federal, pois, tratando-se de "post
factum" impunível, não há como afirmar-se caracterizada a
competência penal da Justiça Federal, eis que inexistente, em tal

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hipótese, fato delituoso a reprimir.


(HC 84533, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda
Turma, julgado em 14/09/2004, DJ 30-06-2006 PP-00035 EMENT
VOL-02239-01 PP-00112 RTJ VOL-00199-03 PP-01112) –
destaque nosso

HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO E USO DE


DOCUMENTO FALSO PRATICADOS PELO PRÓPRIO
AGENTE. CRIME ÚNICO. OFENSA À FÉ PÚBLICA
CONSUBSTANCIADA NO MOMENTO DA FALSIFICAÇÃO.
USO. POST FACTUM IMPUNÍVEL. SUBSTITUIÇÃO DA
SANÇÃO CORPORAL POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE
DIREITO.
1. É pacífico o entendimento doutrinário e
jurisprudencial no sentido de que o agente que pratica as
condutas de falsificar e de usar o documento falsificado deve
responder apenas por um delito.
2. Segundo jurisprudência desta Corte, se o mesmo sujeito
falsifica e, em seguida, usa o documento falsificado, responde
apenas pela falsificação.
3. Em que pese a reprovabilidade do comportamento do
paciente, já que apreendidos em sua residência carteiras de
habilitação, certificados de dispensa de incorporação, carteiras
da Ordem dos Advogados do Brasil e cédulas de identidade,
todos falsificados, a condenação pelo falso (art. 297, CP) e pelo
uso de documento falso (art. 304, CP) traduz ofensa ao
princípio que veda o bis in idem, já que a utilização, pelo
próprio agente, do documento que anteriormente falsificara,
constitui fato posterior impunível.
4. Bem jurídico tutelado, ou seja, a fé pública, que foi
malferida no momento em que se constituiu a falsificação.
Posterior utilização do documento, pelo próprio autor do
falso, consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da
infração anterior.
5. Impende salientar, muito embora não se pretenda
incursionar na seara probatória, que o paciente sequer foi

10

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surpreendido ou preso em flagrante utilizando algum dos


documentos por ele falsificados.
6. De rigor é o afastamento da condenação pelo crime de
uso de documento falso, remanescendo a pena pela falsificação
de documento público, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de
reclusão, no regime semiaberto, e 90 (noventa) dias-multa.
7. Tem-se como socialmente recomendável, e que melhor
atende aos fins de reprovação e prevenção do crime, a
substituição da sanção corporal por duas medidas restritivas de
direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e
limitação de fim de semana. O crime é daqueles de perigo
abstrato, que não implica ameaça ou violência à pessoa, o
paciente é primário e a pena é inferior a quatro anos.
8. Ordem concedida para, excluída da condenação o crime
de uso de documento falso, reduzir as penas recaídas ao
paciente a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime
semiaberto, e 90 (noventa) dias-multa, por falsificação de
documento público, substituída a sanção corporal por prestação
de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.
(HC 107.103/GO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA
TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 08/11/2010) – destaque
nosso

10. De todo modo, mesmo que pudesse haver o


enquadramento no crime previsto no art. 304 do Código Penal, tal prática
estaria abrangida pela prescrição da pretensão punitiva, considerando
que o fato imputado é apenas a apresentação dos documentos falsos para
instrução do processo licitatório, que ocorreu em 13.03.98. Ou seja, a
consumação não pode ter se dado até a celebração do contrato em
28.6.2001. Isso porque o crime de uso de documento falso é instantâneo
de efeitos permanentes, de forma que sua consumação não se prolonga
no tempo, não sendo possível que tenha sido cometido de 13.3.98 em
diante.

11. No que se refere ao suposto segundo crime de falso, a

11

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denúncia alude que, por meio da alteração do contrato social, a falsidade


teria sido renovada em 26.10.2000 quando o acusado Daladier teria se
retirado da sociedade e foi substituído pelo acusado Marçal, sem poder
de gestão. Entendo, todavia, que essa alteração contratual não pode
constituir novo crime. Como se sabe, o elemento subjetivo do tipo de
falsidade ideológica, previsto no art. 299 do Código Penal, é o dolo,
acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico),
representado pela expressão “com o fim de prejudicar direito, criar obrigação
ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. No caso, o fato
juridicamente relevante seria a ocultação da condição de proprietário e
administrador da sociedade, em vista da dua condição de parlamentar
federal. Ocorre que essa finalidade já havia sido atingida quando da
primeira falsificação do contrato social, sendo, portanto, desimportante a
alteração para o objetivo pretendido.

12. Por outro lado, o objeto material do crime de falso em


questão é o documento particular, e não público. Com efeito, o contrato
social foi firmado por particulares, mesmo quando registrado na junta
comercial. Documento público é aquele criado por funcionário público,
nacional ou estrangeiro, no desempenho das suas atividades, em
conformidade com as formalidades prescritas em lei. Em outras palavras,
a qualidade de funcionário público daquele que elabora o documento, no
amplo alcance dado pelo art. 327 do Código Penal, é requisito de sua
existência. A lei (art. 297, § 2º, do Código Penal) equipara a documento
público determinados documentos, dentre os quais não está o contrato
social, como na espécie. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça é pacífica:

PENAL - FALSIDADE IDEOLÓGICA - CONTRATO


SOCIAL - DOCUMENTO PARTICULAR E NÃO PÚBLICO -
FALSIDADE INSERIDA NO CONTRATO ORIGINÁRIO E
SUAS ALTERAÇÕES - PRESCRIÇÃO QUE DEVE SER
EXAMINADA EM RELAÇÃO A CADA UM DOS CRIMES
ISOLADAMENTE - PRESCRIÇÃO JÁ OCORRIDA - RECURSO

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PROVIDO PARA DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE,


DETERMINANDO O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
O contrato social, ainda que devidamente registrado,
com a finalidade de lhe dar publicidade, não constitui, para
fins penais, documento público e sim documento particular.
Documento público, para fins penais é aquele emitido,
na sua origem por funcionário público, de qualquer dos
Poderes, no exercício de suas funções.
Documentos públicos por equiparação, para fins penais
são os previstos nos parágrafos 2º, 3º e 4º, do artigo 297 do
Código Penal, não podendo ser ampliado o rol ali existente.
No caso de concurso de crimes, a prescrição deve incidir
sobre cada um dos delitos, isoladamente, podendo alcançar
prazo anterior ao recebimento da denúncia.
O crime do artigo 299, c/c o artigo 297, ambos do Código
Penal, prescreve em oito anos.
Recurso provido para reconhecer a prescrição e
determinar o trancamento da ação penal.
(RHC 24.674/PR, Rel. Ministro CELSO LIMONGI
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA
TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009)

HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA.


INSERÇÃO, COMO SÓCIOS, EM CONTRATO SOCIETÁRIO,
DE PESSOAS SEM VÍNCULO COM A EMPRESA
(LARANJAS). DOCUMENTO PARTICULAR E NÃO
PÚBLICO. PRECEDENTE DO STJ. PENA MÁXIMA
COMINADA AO DELITO: 3 ANOS DE RECLUSÃO. LAPSO
PRESCRICIONAL DE 8 ANOS ATINGIDO. PARECER DO MPF
PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA,
PARA, RECONHECENDO TRATAR-SE DE CRIME DE
FALSIDADE IDEOLÓGICA DE DOCUMENTO PARTICULAR,
DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE DOS PACIENTES
PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO.
1. O contrato social da empresa, ainda que devidamente
registrado na Junta Comercial, com a finalidade de dar-lhe

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publicidade, não constitui, para fins penais, documento


público e sim documento particular. Inteligência dos arts. 297,
§ 2º e 299 do CPB.
Precedente: RHC 24.674/PR, Rel. Min. CELSO LIMONGI,
DJe 16/03/2009).
2. A pena cominada para o crime de falsidade ideológica
em documento particular é de 3 (três) anos de reclusão,
ocorrendo a prescrição em 8 anos (art. 109, inc. IV do CPB);
assim, deve ser declarada a extinção da punibilidade dos
pacientes pela ocorrência da prescrição, uma vez que
transcorreram mais de 10 anos entre a data do fato e a do
recebimento da denúncia.
3. Parecer do MPF pela concessão da ordem.
4. Ordem concedida, para, reconhecendo tratar-se de
crime de falsidade ideológica de documento particular, declarar
extinta a punibilidade dos pacientes pela ocorrência da
prescrição.
(HC 168.630/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe
20/09/2010)

13. Portanto, em relação ao voto proferido pela Relatora,


Ministra Rosa Weber, a minha discordância, como Revisor, pode ser
sintetizada nos seguintes três aspectos: (i) o crime de uso, quando
cometido pelo próprio agente que falsificou o documento, configura "post
factum" não punível, vale dizer, é mero exaurimento do crime de falso.
Impossibilidade de condenação pelo crime previsto no art. 304 do Código
Penal; (ii) A alteração do contrato social não constitui novo crime de falso,
já que a finalidade do agente já havia sido atingida quando da primeira
falsificação do contrato social; (iii) O contrato social não pode ser
equiparado a documento público, que é aquele criado por funcionário
público, no desempenho das suas atividades, em conformidade com as
formalidades previstas em lei. Ou seja, a Relatora condena os réus por
três crimes e a condenação que profiro é por um crime de falso, sendo o
uso e a alteração do contrato social meros exaurimentos. E, no que se

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refere ao crime de falso, entendo que o documento é particular, e não


público, o que também se reflete sobre a pena definitiva aplicada.
14. Por essas razões, julgo parcialmente procedente a
pretensão punitiva para condenar os acusados Marçal Gonçalves Leite
Filho, João Alcântara Filho e Daladier Rodrigues de Araújo Filho nas
penas de um crime de falsidade ideológica de documento particular (art.
299 do Código Penal).

15. Passo, então, a fixar a pena privativa de liberdade (1 a 3


anos de reclusão). Na dosimetria da pena-base, comum a todos os réus,
considero como desfavoráveis as circunstâncias judiciais da
culpabilidade, das consequências e dos motivos do crime. A
culpabilidade é desfavorável porque o crime foi praticado ou auxiliado
por parlamentar federal, que ocupa posto elevado na estrutura de Poder
e, por isso, revela especial juízo de reprovabilidade da conduta dos
acusados. Quanto às consequências, o crime em análise causou a afetação
do regular funcionamento da esfera de debate público essencial à
democracia. O motivo, igualmente, é de alta reprovabilidade, uma vez
que o falso visou burlar proibições constitucionais e legais, entre elas, as
incompatibilidades parlamentares. Em virtude dessas três circunstâncias,
determino a pena-base dos três acusados em 2 anos de reclusão. Dentre as
circunstâncias legais, identifico a agravante prevista no art. 62, inc. I, do
Código Penal, apenas em relação ao acusado Marçal, por haver, na
condição de beneficiário, comandado a ação dos demais, o que eleva a
sua pena para 2 anos e 6 meses de reclusão. Não há causas de aumento
nem de diminuição da pena, motivo pelo qual a pena definitiva do
primeiro acusado fica em 2 anos e 6 meses de reclusão e dos demais, em 2
anos de reclusão. O regime inicial é o semiaberto, ante a presença de
circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 33, § 3º, do Código Penal).
Substituo as penas privativas por duas restritivas de direito, consistentes
na prestação de serviços à entidade pública ou privada com destinação
social, indicada pelo juízo delegado da execução, e na prestação
pecuniária, em favor da mesma entidade, no valor de 15 salários-mínimos

15

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Supremo Tribunal Federal
Voto do(a) Revisor(a)

Inteiro Teor do Acórdão - Página 75 de 85

AP 530 / MS

para o primeiro réu e no valor de 10 salários-mínimos para os demais


acusados.

16. Nos termos do art. 109, incisos IV e V, do Código Penal, a


prescrição da pretensão punitiva, na hipótese, com base nas penas em
concreto, ocorre em 4 e 8 anos, respectivamente, para o primeiro e demais
acusados. Sucede que, entre o fato delituoso (10.02.1998) e o recebimento
da denúncia (15.09.2006), transcorreu prazo superior a 8 anos.

17. Por essa razão, julgo extinta a punibilidade dos acusados,


em face da prescrição da pretensão punitiva, restando prejudicada a
condenação.

18. É como voto.

16

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

VOTO
SOBRE PRÁTICA DE UM CRIME DE FALSO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégia


Turma, ilustre representante do Ministério Público, Senhor Advogado
que assumiu a tribuna, advogados presentes.
Senhor Presidente, este é realmente um tema instigante. E,
doutrinariamente, eu fui, em primeiro lugar, aos clássicos, sempre
fundamentado nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal. Encontrei em
Magalhães Noronha, no seu Volume IV, e em Heleno Cláudio Fragoso,
nas Lições de Direito Penal, exatamente essa tese sintética de que o uso de
papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação,
configura pós-fato não punível, mero exaurimento do crimen falsi.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Há


um detalhe interessantíssimo, a pena para o uso é a mesma do falso.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Exato. Respondendo o


falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento. Não
bastasse essa doutrina do tema, eu também observei que, no Habeas
Corpus nº 84.533, essa foi a tesa sufragada e capitaneada pelo Ministro
Celso de Mello.
Eu só queria chamar atenção de que, efetivamente, essa falsificação
tinha um objetivo. Eu fiquei bem atento, na exposição da Doutora
Cláudia, quando ela abordou que a falsificação teve como ação finalística
a ação voltada...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Há


uma quase coincidência de datas: a da criação da empresa, 10 de fevereiro
de 1998, e a da inscrição para a concorrência, 13 de março do mesmo ano.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 77 de 85

AP 530 / MS

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Agora, veja que interessante, é


patente que a ação finalística foi voltada para participar da licitação, o
problema é que parlamentar participar da licitação pode ser até um ilícito
constitucional, mas não é crime, não está previsto; pelo princípio da
reserva legal, não é crime. Então ele responde pelos atos praticados, que
são estes: a falsificação, que consumiu aqui o uso do documento, que
passou a ser um pós-fato impunível.
E também entendo que documento público, segundo a doutrina
processual, é publico ou privado conforme a qualidade do sujeito que o
lavra. Então, quanto ao contrato social, eu concordo com a tese esposada.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – O


registro configuraria, se tanto, o uso, a apresentação do documento
particular para o registro.

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

VOTO
S/ PRÁTICA DE UM CRIME DE FALSO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhor Presidente, eu já tive oportunidade de, em tema de matéria
eleitoral, votar no Plenário a respeito dessa questão da natureza do
documento. O fato de se apresentar um documento privado às instâncias
públicas não o transmuta em um documento público. Ele também não
passa a ser um documento público quando o seu autor se utiliza de um
formulário, mesmo que esse formulário público seja disponibilizado na
internet. Esses formulários são atividades meio para se padronizar e
tornar célere a ação do Estado, mas o documento é particular.
Então, eu entendo que o documento é particular. Entendo, também,
ter ocorrido apenas um crime de falso, e não o condeno pelo uso.
É como voto Senhor Presidente.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 79 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

SOBRE A PRÁTICA DE UM CRIME DE FALSO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Andei


pincelando sobre a matéria e, no caso, subscrevo o voto proferido pelo
ministro Luís Roberto Barroso.
Houve a prática de um crime de falso, quando, em 10 de fevereiro de
1998, foi criada a empresa para inscrição, em concorrência, em 13 de
março de 1998. A alteração posterior do contrato, já em 2000, apenas
confirmou o falso pretérito. Relativamente à natureza do documento,
entendo que o fato de se ter levado a registro não o transmudou em
documento público. Haveria, até mesmo, se fosse o caso, o crime de uso.
Como o uso foi perpetrado pelo autor da falsidade, pelo próprio falsário,
tem-se a absorção, sinalizada pelo Código Penal, no que prevê, para o
crime de uso, a mesma pena do crime de falso.
Por isso, acompanho Sua Excelência.

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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 80 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO
SOBRE PRÁTICA DE DELITO DE FALSO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) - Senhor


Presidente, penso que esses temas realmente merecem reflexão. E não sou
uma pessoa refratária a, eventualmente, se convencida, mudar meu voto.
Neste caso, peço vênia a Vossas Excelências para manter a posição
que já externei. Com relação às questões de direito, realmente, refleti
bastante sobre elas, especificamente com relação ao uso de documento
falso, ao crime que não está sendo reconhecido, porque está se
compreendendo pela consunção, na verdade absorção, um como delito-
meio e outro como delito-fim. Quando refleti sobre essa possibilidade,
endossei aquela compreensão que é objeto da Súmula 17 do STJ,
pertinente ao crime de estelionato. E o que essa diz?
"Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é
por este absorvido."
No caso, entendo que o falso persiste na sua potencialidade lesiva.
Porque fui por este caminho é que mantenho o meu voto, Presidente, sem
prejuízo de continuar a refletir sobre esses temas. E a consunção, parece-
me, na parte geral do Direito Penal, é um dos temas mais complexos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Vossa


Excelência manteria o voto e também a dosimetria?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) –


Presidente, mantenho o meu voto.
Com relação aos dois crimes de falso, há uma alteração fática que,
com todo respeito, me impede de acompanhar o voto de Vossas
Excelências quando concluem que já se tinha delineado. Na verdade, o
acusado Marçal não integrava formalmente o contrato e, na primeira

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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 81 de 85

AP 530 / MS

alteração, ele passa à condição de sócio.


Então, com todo respeito, de todo razoável a minha compreensão, e
eu a mantenho.

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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO
(SOBRE DOSIMETRIA DA PENA)

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) - Senhor


Presidente, eu tenho duas dosimetrias preparadas, tendo por pressuposto
a natureza pública do documento falsificado.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Como


a dosimetria diz respeito ao mérito, talvez Vossa Excelência possa manter
o entendimento para o voto ficar fechado. Colho o voto do revisor.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) - Perfeito,


porque, se eu adotar como pressuposto que se trata de um documento
público, tenho uma pena cominada de um a cinco anos e, por óbvio, a
minha dosimetria será superior a se eu utilizá-la para de um a três anos.
Mas posso formular uma nova dosimetria, que deixo a critério de Vossa
Excelência, de um a três anos; também não altera nada. Partindo do
mínimo, eu diria, examinando as circunstâncias judiciais, que são válidas
para qualquer das hipóteses, reputo presentes as vetoriais da
culpabilidade: quanto mais elevado o cargo ocupado, maior a
responsabilidade. No caso, é um deputado federal. Entendo que essa
vetorial se faz presente de uma maneira muito intensa neste caso.
Os motivos também porque, na verdade, é contornar violações
constitucionais ilegais, e as consequências - como explanei longamente,
no mínimo pela diminuição do espaço de debate público - também muito
graves, na minha visão.
As demais vetoriais do artigo 59 são todas neutras. Então,
considerando essas três vetoriais, partindo da pena-base de um a três,
ficaria no um e meio.

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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 85

AP 530 / MS

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –


Quanto à natureza do documento, Vossa Excelência fica no meio-termo?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) - Eu ficaria


no meio termo, com um pouco mais.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Fica


com a virtude que sempre está no meio-termo!

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (RELATORA) - Então,


daria um pouco mais com relação ao primeiro delito de falso. De
qualquer sorte, assim fixada a pena - de fato, o Ministro Luís Roberto até
já observou, 1998, denúncia recebida mais de cinco anos depois -, no caso
teríamos, aí, uma prescrição pela pena in concreto, fixada em um ano, se
eu considerasse três meses, um ano e nove meses no máximo.
Então, se Vossa Excelência me dispensar, mantenho no voto a
dosimetria original.

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Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 84 de 85

09/09/2014 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO PENAL 530 MATO GROSSO DO SUL

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (REVISOR)


- Presidente, antes de encerrar, eu gostaria de consignar a proficiência e
combatividade que a Doutora Cláudia Marques Sampaio se saiu, como
sempre, e o eminente Advogado Rogério Marcolini, que igualmente, com
a proficiência de sempre e com objetividade bem defendeu o seu cliente.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –


Contribuindo, realmente, para os trabalhos da Turma.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (REVISOR)


- Não elogiei o advogado antes, porque a gente faz isso quando vai votar
contra.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Sim, é


o vezo!

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Extrato de Ata - 09/09/2014

Inteiro Teor do Acórdão - Página 85 de 85

PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA

AÇÃO PENAL 530


PROCED. : MATO GROSSO DO SUL
RELATORA : MIN. ROSA WEBER
REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. ROBERTO BARROSO
REVISOR : MIN. ROBERTO BARROSO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : MARÇAL GONÇALVES LEITE FILHO
ADV.(A/S) : ROGÉRIO MARCOLINI E OUTRO(A/S)
RÉU(É)(S) : JOÃO ALCÂNTARA FILHO
ADV.(A/S) : CRISTINA CONCEIÇÃO OLIVEIRA
RÉU(É)(S) : DALADIER RODRIGUES DE ARAÚJO FILHO
ADV.(A/S) : OTON JOSÉ NASSER DE MELLO E OUTRO(A/S)

Decisão: Preliminarmente, a Turma, por maioria de votos,


assentou a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a
ação penal e afastou a nulidade ante a ocorrência da notícia
anônima da prática criminosa, vencido o Senhor Ministro Marco
Aurélio, Presidente. Por unanimidade, rejeitou as preliminares de
nulidades da fase inquisitorial e de inépcia da denúncia. No
mérito, por maioria, a Turma assentou a prática de um crime de
falso e aplicou a pena de 2 anos e 6 meses e, ante a passagem do
tempo do fato criminoso até o recebimento da denúncia, concluiu
pela prescrição da pretensão punitiva retroativa pela pena
concretizada, nos termos do voto do Senhor Ministro Roberto
Barroso, revisor e redator do acórdão, vencida, em parte, a
Senhora Ministra Rosa Weber, relatora. Falaram: a Dra. Cláudia
Sampaio Marques, Subprocuradora-Geral da República, pelo
Ministério Público Federal, e o Dr. Rogério Marcolini pelo réu
Marçal Gonçalves Leite Filho. Primeira Turma, 9.9.2014.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à


Sessão os Senhores Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e
Roberto Barroso.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio


Marques.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Secretária da Primeira Turma

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