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Ben Bella rejeitava os acordos de Évian, que deram a independência à Argélia, mas

possibilitavam que as empresas multinacionais explorassem o petróleo e gás argelinos. Ele


reivindicava um aceleramento do processo revolucionário.
Após a guerra de independência, os grupos que compunham a FLN deixavam de ter um
inimigo comum, o que dificultava a manutenção da unidade do partido, que começou a se dividir
em facções e ter uma multiplicidade de líderes, o que fez com que perdessem o controle do
processo revolucionário.
Para evitar a eclosão de uma nova guerra civil, foi convocada uma reunião na cidade
neutra de Trípoli,onde se chegou à conclusão de que a FLN teria um novo objetivo: a instauração
do socialismo liderado pelo campesinato contra as classes médias e o feudalismo. A Argélia teria
que se tornar uma democracia popular fundada no coletivismo e orientada para a luta anti-
imperialista. O país estava destruído após a guerra e com sua economia e exportações
paralisadas. O programa de Trípoli estabeleceu que as prioridades do governo para superar a
crise eram a reforma agrária, o socialismo e a argelinização das funções públicas .Além disso,
ficou acordado o cumprimento dos acordos de Évian e que o Estado argelino deveria ser o
dirigente da economia, fazendo uma revolução agrária, desenvolvendo as infraestruturas e
nacionalizando os recursos minerais e energéticos. Essa opção foi contestada por muitos, que
diziam que esse programa não traria estabilidade ao país.
Um modelo de partido único foi adotado e justificado pela ausência de tradições
democráticas na Argélia, a ausência de forças de oposição, a quantidade de necessidades
populares a serem atendidas e a expectativa popular gerada em torno das reivindicações do
movimento revolucionário. O guia da revolução seria , então, a FLN e seu êxito dependeria da
manutenção da unidade do partido. Entretanto, esse modelo acabou criando um sistema de
facções que comprometeu a união partidária.
Em 1963 foi aprovada por referendo uma constituição que estabelecia que os objetivos
da Argélia seriam a instauração de um Estado socialista, a criação de uma economia
autogestionária e políticas sociais de promoção de grupos minoritários, principalmente as
mulheres.Ainda era garantido ao governo o direito de intervenção no parlamento . O presidente
e a assembleia seriam eleitos por sufrágio universal.
A revolução argelina rejeitou as doutrinas marxistas e leninistas, apesar de adotar uma
via socialista e se tornou adepta do nacionalismo árabe, doutrina pregada pelo então presidente
do Egito Nasser. Suas prioridades eram a reforma agrária e a “argelinização “ da sociedade,
através da prevalência do Islã como um fundamentador da identidade nacional
O sistema educacional deveria promover a língua árabe, que seria usada em todas as
atividades do Estado. Os projetos do governo demandavam profissionais qualificados para que
fossem colocados em prática com sucesso, o que incentivou uma política de expansão do acesso
à educação e uma luta contra o analfabetismo, que atingia 78% da população nos anos
imediatamente posteriores à revolução. Foi instituído um sistema educacional gratuito e
universal,o que foi considerado por muitos uma decisão bastante imprudente, pois mais da
metade dos professores primários do país tiveram que ser realocados em funções
administrativas do Estado, gerando uma escassez de mão de obra qualificada. A solução
encontrada pelo governo foi a contratação de uma grande quantidade de profissionais franceses
para garantir um desenvolvimento educacional adequado.
Muitos estrangeiros, cerca de 80% dos europeus residentes na Argélia fugiram após a
revolução abandonando indústrias e propriedades rurais, que ficaram vagas. Essas propriedades
foram ocupadas por seus respectivos funcionários, que mesmo sem seus antigos patrões,
continuaram trabalhando e produzindo, estabelecendo um sistema autogestionário em 10% das
atividades agrícolas e 30% das indústrias.
O governo decide,então, oficializar a ocupação dos espaços abandonados pelos
europeus, permitindo que algumas propriedades fossem trabalhadas e geridas por comitês
formados por seus antigos trabalhadores.
Os setores socialista e capitalista da economia entraram em uma luta para decidir o
quão radical seriam as reformas propostas. As propriedades agrícolas estavam divididas entre
aquelas que foram abandonadas e ocupadas pelos antigos funcionários, pequenos lotes de terra
destinados à agricultura de subsistência e grandes latifúndios de exportação. Ben Bella decide
que todas as terras pertencentes a europeus devem ser nacionalizadas e reorganizou os setores
industriais, agrícolas e comerciais, segundo o princípio de “a terra a quem trabalha”.
O primeiro plano econômico da Argélia Socialista priorizava as indústrias de base em
detrimento da agricultura e buscava diminuir as desigualdades regionais e o desenvolvimento
das regiões pobres do país. No interior do país esse projeto enfrentou muitas resistências, pois
o governo enfatizou o desenvolvimento das forças produtivas, negligenciando o aspecto
distributivista do projeto socialista, o que demandava muitos esforços e sacrifícios por parte dos
trabalhadores.
O êxodo rural se intensificou, pois a industrialização necessitava de um grande
contingente de mão de obra urbana para obter sucesso. Além disso, a insuficiência das
atividades agrícolas não supriu as demandas por emprego nas regiões rurais do pais.
O socialismo argelino não proíbe a pequena propriedade privada e a incorpora no
processo de implementação do socialismo. O que era combatido pelo Estado argelino eram os
latifúndios que exploravam a mão de obra barata das populações rurais e as industrias
estrangeiras localizadas nas cidades. Mas a propriedade não exploradora não era proibida.
A reforma agrária implementada foi uma tentativa de integrar os camponeses na vida
econômica e politica do país, criar as condições necessárias à industrialização nacional ,além de
garantir uma distribuição justa da renda e o desenvolvimento econômico. A autogestão se
tornou um princípio da sociedade argelina, que pregava o fim da exploração do trabalho e a
compreensão por parte de cada trabalhador do significado da sua atividade, a fim de criar uma
consciência politica de classe.
As propriedades trabalhadas segundo o princípio da autogestão eram estatais. Os
trabalhadores formavam um comitê organizativo supremo, porém o Estado nomeava um diretor
que tinha o direito de vetar qualquer decisão tomada que fosse contra os planos do governo
para e economia.
A implementação apressada do socialismo em um país com escassez de quadros
técnicos e administrativos qualificados levou à dificuldades financeiras e econômicas. A
produção agrícola não aumentava, enquanto a demanda por produtos primários crescia
exponencialmente, devido ao projeto nacional-desenvolvimentista do governo.
Ben Bella em vez de aprofundar a revolução ao lado dos camponeses optou por
fortalecer seu poder pessoal através de acordos governamentais com as lideranças internas do
partido, o que abriu um espaço maior para a reinserção dos setores neocolonialistas na politica
argelina.
A falta de mão de obra qualificada em todos os setores da economia tornou a Argélia
um país dependente de ajuda estrangeira, que foi paga cedendo às empresas estrangeiras o
direito de explorar os campos de petróleo e gás argelinos. Muitos achavam que isso significava
o renascimento do colonialismo, o que fragmentou ainda mais a FLN. Porém, a Argélia ainda não
tinha capacidade infraestrutural e administrativa para nacionalizar suas duas principais riquezas.
Com as críticas ao retorno do colonialismo e à centralização do poder, Bem Bella é
deposto do cargo de presidente e em seu lugar entra Boumédienne,líder do exército nacional
de libertação e um dos principais personagens da guerra de independência ,que tinha uma visão
menos romântica do processo revolucionário, instaurando um modelo de desenvolvimento
econômico nacionalista que tentava cortar os laços de dependência financeira com a França.
Boumédienne conseguiu acabar com a crise interna, com a concretização das
nacionalizações, que em sua maioria eram apenas anunciadas. A dependência financeira foi
amenizada. Formulou-se um plano quadrienal que iniciou a fase da industrialização real,
visando um crescimento autossustentado do país. A educação também obteve um rápido
progresso e um número significativo de quadros e técnicos especializados começou a ser
formado. As unidades produtivas autogestionárias foram incorporadas em um sistema
centralizado controlado pelo partido e perderam sua autonomia.
Boumédienne em seus primeiros anos de governo estabeleceu que sua prioridade seria
a garantia da ordem, da unidade nacional e do funcionamento das instituições, pré condições
para a construção de um Estado democrático, segundo ele. No plano econômico, objetivava a
diversificação das atividades econômicas para acabar com a dependência externa . A concepção
do partido como o vanguardista da revolução tinha como objetivo a consolidação da unidade
ideológica da nação, que se daria através do compartilhamento de alguns problemas
fundamentais da revolução e de uma mobilização geral para tentar resolvê-los. A incorporação
do povo como um responsável pela revolução argelina se tornou algo indispensável para o
sucesso das políticas do governo. A participação cidadã era necessária ao desenvolvimento
econômico e politico. Para isso, foi implementado um projeto de descentralização
administrativa para incorporar nas massas as tradições democráticas.
Nesse período, também se deu a estatização do petróleo e do gás natural argelinos, que
foram justificados pelo fracasso da abertura ao capital internacional acordada nas negociações
de independência. A sociedade argelina pouco se beneficiou dos acordos petroleiros e da
presença das multinacionais.
O modelo de autogestão e de cooperativas não conseguiu aumentar o nível de
produção agrícola. A produção não conseguia acompanhar o crescimento populacional, o que
tornou o país dependente da importação de produtos agrícolas .O governo implementou, em
resposta, um programa de revolução agrária no segundo plano econômico pós revolução, que
reconhecia a necessidade de investimentos no campo se o país quisesse ter uma indústria mais
equilibrada, porém o desenvolvimento agrícola era dificultado pela enorme quantidade de
regiões desérticas no território argelino. Porém, apesar de a revolução agrária conseguir fazer o
nível de produção agrícola crescer em 30%, isso não foi o suficiente para atender às
necessidades das massas.
A via socialista argelina, segundo boumédienne, consistia na reforma agrária, no
investimento em indústrias de base e na oferta de serviços públicos gratuitos por parte do
Estado, sustentados pela exportação do petróleo e do gás natural. Essa via foi extremamente
marcada pela dependência financeira, tecnológica e comercial em relação às nações
imperialistas, o que contradizia os objetivos de autonomia interna e anti-imperialismo
estabelecidos pelo governo.
O investimento em industrias de base gerava poucos empregos e eram muito caros, o
que acarretou em um endividamento externo por parte do governo argelino. A contradição
fundamental dos governos da FLN foi que na busca por autonomia econômica, as politicas do
governo acabaram reproduzindo as relações coloniais de dependência.

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