“Em arte admira-se sobretudo o inalcançável, o que não se é por
natureza e portanto não se faz por inclinação natural. Minha
forma mentis será, sim, antes bem mais horaciana, ou mesmo virgiliana, do que sáfica ou pindárica, mas é em Ovídio que fui aprender a naturalidade da frase musical inseparável da sensibilidade profunda subjacente à fala da tribo. Sempre me horrorizou o poema que se afasta orgulhosamente da fala comum, da comunicação natural, detesto todo maneirismo em arte e não vejo senão afetação no hermetismo tão ao gosto dos doutos sem assunto: afinal, o que se concebe com clareza se exprime com facilidade… Por outro lado, penso de um modo e escrevo de outro, a contra-pêlo do que me seria fácil, porque tampouco creio no espontâneo, desconfio tanto do rebuscado quanto do aparentemente conclusivo, daí que faça e refaça incansavelmente meus textos, e meus livros levem anos, décadas para encontrar a forma final.”
“A poesia nasce dessas profundezas e mobiliza as forças do ser
inteiro a partir das raízes do sentimento rumo aos cumes do entendimento. A prosa dita “de ficção” é um fenômeno recente, mais uma inflamação pós-renascentista, ou seja, um sinal do declínio das faculdades superiores do espírito humano, o abandono do campo do espírito – que é sempre uno, a um tempo aglutinador e analítico – às parvices conceitualizantes do meramente especulativo; para este, de resto, sempre houve a filosofia, o ensaio reflexivo que, estes sim, são do domínio da mente total e alerta, onde a vida do espírito não se abandona ao aleatório nem se deixa contaminar pelo simplesmente instintual.” “Plotino afirmava ser preciso que a consciência que temos de nós mesmos consinta em abolir-se para que de fato alcancemos possuir o objeto que anelemos ver. Mas acrescentava que essa autoconsciência necessita paradoxalmente manter-se em si mesma, de modo a que ela nela e com ela amadureça essa visão a que aspiramos. Meditada a lição, fui constatando que uma tal sucessão de instantes contrastados, interpondo uma fragilíssima ponte entre o real e a percepção do real, não nos torna inteiramente donos nem do objeto contemplado nem da noção, da idéia que fazemos dele: continuamos entre seus dois pólos, únicos certificantes daquilo que somos e sem ele seguiríamos sendo.” IN LIMINE
O mundo como idéia (ou pensamento).
Entre a gnose e o real (talvez) o acordo. Mas no ramo (imperene) canta o tordo (provisório) e invisível vem o vento
e leva o canto e deixa um desalento,
a queixa dos sentidos. Não recordo se sonhei tudo isso ou não: um tordo e a noite em meus ouvidos um momento,
outro rapto no vento… Mas supor
que o triunfo moral do cognitivo restitua-me o ser menos a dor,
é resignar-me a um perfume tão rápido
que não existe quase, insubstantivo como a Idéia. Não: o mundo como rapto!
MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
PRIVILÉGIO DO MAR
Neste terraço mediocremente confortável,
bebemos cerveja e olhamos o mar. Sabemos que nada nos acontecerá.
O edifício é sólido e o mundo também.
Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais. Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador e vem cá em cima respirar a brisa do oceano, o que é privilégio dos edifícios.
O mundo é mesmo de cimento armado.
Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente da cidade, a vida seria incerta... improvável... Mas nas águas tranqüilas só há marinheiros fiéis. Como a esquadra é cordial!