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1.1.

1 A ética vitalista e antropológica

A teoria da ética Bantu e particularmente angolana é vitalista e antropológica, vitalista porque


concede a vida como “o maior dom de Deus e uma realidade sagrada e de preço inestimável”
(ALTUNA, 2014, p. 49). Importa acentuar que, a vida está presente em todo universo, desse
modo, cada ser possui esta realidade sagrada originadora da comunhão e da interacção
permanente entre os homens, outras criaturas viventes e os fenómenos naturais, pois é ético tudo
que reforça, restabelece, protege e respeita a vida e, é anti-ético tudo que atenta contra a vida.
Pois bem, a feitiçaria, o homicídio e o aborto encarnam o mal moral.

Esta constatação desperta certa atitude filosófica, visando aprofundar, ampliar, solidificar, e
descortinar o enigma da superpropriedade presente nos seres. Ou seja, o que é a vida? Na
realidade, a definição da vida “não é uma noção de ciência natural, mas sim, da metafísica”
(BOSTI, apud IMBAMBA, 2010, p. 201). Com efeito, no plano metafísico existem duas
concepções que procuram responder esta questão: por um lado, os mecanicismos (moderno e
actual) que explicam a vida pelas propriedades físico-químicos da matéria, neste caso, “a vida é
um fenómeno derivado que encontra na matéria todas as razões suficientes do seu manisfestar-
se” (MONDIN, apud IMBAMBA, 2010, p. 204), e noutro lado, o vitalismo que explica a vida
pela direcção e finalidade manifestada no comportamento e na estrutura dos seres, desta feita, a
vida é “um fenómeno absolutamente originário, portanto, irredutível à matéria” (MONDIN, apud
IMBAMBA, 2010, p. 203).

Outrossim, apesar dela reconhecer a vida nos minerais, vegetais, animais, antepassados e em
Deus a ética Bantu e particularmente angolana é antropocêntrica, visto que, o homem é
considerado aqui como “a força suprema, a mais poderosa entre os seres criados” (ALTUNA,
2014, p. 253), pois o “muntu”, a pessoa humana e, por conseguinte, o único ser somático que
possui vida com inteligência encontra-se no centro da pirâmide vital, ou seja, os antepassados, os
animais, as plantas e os minerais estão destinados a realizar a plenitude humana. Contudo, quem
domina a pirâmide vital é Deus; Ele que é a fonte da vida.

Embora, a tradição angolana colocar a centralidade no homem, ela valoriza mais a comunidade,
a participação e a interacção vital, ou seja, o homem “torna-se menos pessoa quanto mais se
individualiza, singulariza, materializa e desagrega em egoísmos agrestes”. (ALTUNA, 2014, p.
255).

1.1.2 A ética comunitária

A sabedoria da ética Bantu e particularmente angolana corresponde a comunhão, a participação e


a solidariedade entre os membros da comunidade com o mudo invisível e com o cosmos, desta
feita, tudo que permite realizar e fortificar esta comunhão é considerada eticamente bom e tudo
que tende prejudicar e desviar esta comunhão é considerada eticamente mau. Com isso, sublinho
que a percepção da palavra “solidariedade” não vem de “solidão, mas de “sólido” aquilo que
impede que se esfacele a nossa convivência, ou seja, solidariedade “é a recusa ao estilhaçamento
da ideia de humanidade fraterna” (CORTELLA, 2014, p. 50). Isto é, o Homem se realiza dentro
de uma teia de relação com os outros porque é parte integrante da comunidade, com isso
sustenta-se que na ética muntuista a “solidão significa morte” (SILVA, 2017, p. 9), porque
somos seres frágeis e precisamos de viver juntos para termos força, ora somos animais gregários
que precisamos nos congregar para impedirmos qualquer forma de segregação ou de
apequenamento da vida, ou melhor, porque precisamos edificar um conjunto sentidos e
significados que honrem a nossa vida. Outrossim, este facto corresponde ao dinamismo vital e a
sabedoria como capacidade que temos de amar, de cuidar, de extasiar e de extrapolar para além
dos nossos limites (BOFF, 2003, p. 85)

Para compreendermos a profundidade desta concepção ética, apresento a diferenciação entre a


comunidade e o agrupamento bem trabalhado por Cortella (2015, p. 59): comunidade é quando
as pessoas têm objectivos comuns de autoprotecção e protecção recíproca no interior da
sociedade. O lema da comunidade é “um por todos e todos por um” (CORTELLA, 2015, p. 60),
e agrupamento é quando as pessoas têm objectivos que coicidem, mas não há mecanismo de
protecção recíproca, ou seja, as pessoas estão juntas por conveniências. No entanto, o lema do
agrupamento é “cada um por si e Deus por todo” (CORTELLA, 2015, p. 60).

Cabe a família, a tradição e as decisões comunitárias ensinar o indivíduo o que deve evitar e
cumprir, herarquizar os valores, medir a responsabilidade, amadurecer a sua sabedoria. Pode-se
notar uma vertente existencialista na concepção ética angolana, pois concebe que o “homem não
é por natureza nem bom nem mau. É aquilo que faz”. (ALTUNA, 2014, p. 503), isto é, ele
ultrapassa todos arquétipos, todas essenciais que tendem aprisioná-lo actuando mediante as
regras e os costumes da comunidade bem ou mal.

Logo, “ser pessoa não é uma realidade inata, mas adquirimo-lo na comunidade na medida em
que agimos intencionalmente, desta forma as crianças e os jovens não são pessoas, pois não têm
intencionalidade moral”. (MENKITI, apud SILVA, 2017, p. 9). Ora, cabe fazer a seguinte
constatação, a responsabilidade, a liberdade, a vontade e a consciência social é o que confere o
estatuto de “muntu”, por isso, um jovem ou um mais velho que não tem estas qualidades, que
não é circuncisado e não passou nos ritos de iniciação não é considerado pessoa. No nosso país,
“há grupos que desconhecem e outros que praticam parcialmente. Por isso, as nossas afirmações
referem-se só aos grupos que exigem os ritos de iniciação”. (ALTUNA, 2014, p.279).

1.1.3 A axiolgiologia cultural angolana

Os valores éticos tradicionais essenciais para os angolanos são: a ordem, a segurança, a


harmonia e a comunhão visando garantir o bem-estar e a felicidade, na realidade, esses
valores garantem a paz, isto é, impede o apequenamento da vida.

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