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TEORIA PURA DO DIREITO – HANKS KELSEN

Cápitulo II

1. As normas morais como normas sociais

Normas jurídicas e normas sociais: a ciência jurídica não é a única disciplina dirigida ao
conhecimento e à descrição de normas sociais.

Essas normas sociais podem ser abrangidas sob a designação de Moral cuja disciplina dirigida
ao seu conhecimento é a ética.

Moral: tem como exigência a justiça e regula a conduta humana ao estatuir deveres e direitos,
estabelecendo normas autoritariamente. Estas normas morais podem estatuir sobre a conduta
de um homem em face de outro ou ainda em face de si mesmo (norma que proíbe o suicídio).
Os efeitos que esta conduta tem sobre a comunidade é que ela se transforma na consciência
dos membros da comunidade, numa norma moral.

2. Moral como regulamentação da conduta

A concepção de que o direito normalmente descreve uma conduta externa enquanto a moral
uma conduta externa não é acertada.

A ordem social muitas vezes prescreve condutas que se contrapõem a alguma inclinação ou
interesse egoístico dos indivíduos cujas condutas o ordenamento regula. Prescrever apenas
uma conduta que corresponda a todas as inclinações ou interesses egoísticos dos destinatários
das normas seria supérfluo pois que os homens seguem as suas inclinações ou procuram
realizar os seus interesses egoísticos mesmo sem a tal serem obrigados.

Uma ordem social só fará sentido se vier de encontro à conduta social do individuo que seguir
suas próprias inclinações na ausência de eficácia desta norma social, fazendo o que o resultado
seja diferente do pretendido.

O homem pode ter interesses que se contradizem. Nenhuma ordem social pode obstar as
inclinações dos homens, os seus interesses egoísticos, como motivos de suas ações ou
omissões. Podem criar para o individuo a inclinação ou interesse de se conduzir em harmonia
com a ordem social e se opor às inclinações e interesses que na ausência dela atuariam.
As normas sociais não necessariamente estão sempre em desacordo com os interesses
egoísticos. Não quer dizer que a moral prescreve que o individuo deve não realizar ou reprimir
suas inclinações. A norma moral apenas se refere aos motivos da conduta

Uma conduta apenas pode ter valor moral quando não só o seu motivo determinante como
também a própria conduta correspondam a uma norma moral. O motivo não pode ser
separado da conduta motivada, na avaliação moral

Kant distingue o Direito como regulamentação da conduta externa da Moral, como


regulamentação da conduta interna, ou seja, dos motivos da ação.

3. Moral como ordem positiva sem caráter coercitivo

Uma distinção entre o Direito e a Moral não pode encontrar-se naquilo que as duas ordens
sociais prescrevem ou proíbem, mas no como elas prescrevem ou proíbem uma determinada
conduta humana.

5. Relatividade do valor moral

Não se pode determinar qualquer elemento comum aos conteúdos das diferentes ordens
morais, ao longo da história, em vista da diversidade do que os homens consideram como bom
e mau, justou e injusto, em diferentes épocas e nos diferentes lugares.

Quando não há um valor moral absoluto não se tem qualquer possibilidade de determinar o
que é que tem de ser havido, em todas as circunstancias por bom e mau, justo e injusto.

O que é necessariamente comum a todos os sistemas morais possíveis não é outra coisa senão
a circunstância de eles serem normas sociais, isto é, normas que estatuem, quer dizer,
estabelecem como devida (devendo ser) uma determinada conduta de homens referida –
imediata ou mediatamente – a outros homens.

É moralmente bom o que corresponde a uma norma social que estatui determinada conduta
humana.

O valor moral relativo é constituído por uma norma social que estabelece determinado
comportamento humano como devido (devendo-ser). Norma e valor são conceitos
correlativos.
A questão das relações entre direito e moral não é uma questão sobre o conteúdo do Direito
mas uma questão sobre a sua forma.

Não se aceita a ideia de que o Direito é um mínimo moral exigido e que uma ordem moral
coercitiva, para poder ser considerada como Direito tem que satisfazer uma exigência moral
mínima.

O valor de paz não representa um elemento essencial ao conceito de Direito.

6. Separação do Direito e da Moral

A pretensão de distinguir Direito e Moral, Direito e Justiça, sob pressuposto de uma teoria
relativa de valores, apenas significa que, quando uma ordem jurídica é valorada como moral
ou imoral, justa ou injusta, isso traduz a relação entre a ordem jurídica e um dos vários
sistemas de Moral e não a relação entre aquela e <a> Moral.

A moral relativa não pode desempenhar uma função de fornecer uma medida ou um padrão
absoluto para valoração de uma ordem jurídica positiva.

7. Justificação do Direito pela Moral

A legitimação do direito positivo por uma moral distinta da ordem jurídica é irrelevante, pois a
ciência jurídica não tem de aprovar ou desaprovar o seu objeto, mas apenas tem que conhecer
e descrever.

O jurista cientifico não se identifica com qualquer valor, nem mesmo com o por ele descrito.

A tese rejeitada pela Teoria Pura do Direito mas muito espalhada pela jurisprudência
tradicional de que o direito segundo sua própria essência deve ser moral, de que uma ordem
social imoral não é Direito, pressupõe uma moral absoluta, valida em todos os tempos em
todos os lugares.

Capítulo VIII
1. A essência da interpretação. Interpretação autêntica e não autêntica.

A interpretação é uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do direito no


seu progredir de um escalão superior para o escalão inferior.

Existem duas espécies de interpretação que devem ser claramente distinguidas uma da outra:
a interpretação do Direito pelo órgão que o aplica, e a interpretação do Direito que não é
realizada por um órgão jurídico mas por uma pessoa privada e, especialmente, pela ciência
jurídica.

a)Relativa indeterminação do ato de aplicação do Direito

A norma de escalão superior tem sempre um caráter de um quadro ou moldura a ser


preenchidos por quem a aplica.

b) Interpretação intencional do ato de aplicação do Direito

A indeterminação pode dizer respeito tanto ao fato condicionante quando a consequência


condicionada.

c) Interpretação não intencional do ato de aplicação do Direito

O sentido verbal da norma não é unívoco: o órgão competente para aplicá-la encontra-se
perante varias significações possíveis.

d) O Direito a aplicar como moldura dentro da qual há várias possibilidades de aplicação.

A interpretação de uma lei não deve conduzir necessariamente a uma única solução como
sendo a única correta, mas possivelmente – na medida em que sejam aferidas pela lei a aplicar
– tem igual valor. Sendo assim, uma determinada interpretação sobre uma lei não significa
dizer que esta é “a” norma individual, mas apenas “uma” das normas individuais que se
podem produzir dentro daquela moldura da norma geral.

e) Os chamados métodos de interpretação

Não há absolutamente um método segundo o qual, das várias significações verbais de uma
norma, apenas uma possa ser destacada como correta.

Todos os métodos de interpretação até o presente elaborados conduzem sempre a um


resultado apenas possível.
2. A interpretação como ato de conhecimento ou como ato de vontade

Saber qual das possibilidades aplicar é um problemas de política do Direito. A tarefa que
consiste em obter da lei a única sentença justa ou ato administrativo correto, é,
essencialmente, idêntica a tarefa que se proponha na Constituição, criar leis mais justas.

O juiz também é criador do direito, e também, relativamente livre para tal.

A aplicação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito. Os
tribunais de ultima instância, muitas vezes, criam Direito novo.

3. A interpretação da ciência jurídica

Diferentemente da feita pelos tribunais competentes, essa interpretação não é criação


jurídica.

O preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que


somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo.

A interpretação jurídico-científica tem que evitar, com o máximo de exatidão, a ficção de uma
norma jurídica e a criação de uma única interpretação tida como correta.

Nenhuma vantagem política pode justificar que se faça uso desta ficção numa exposição
cientifica do Direito positivo, proclamando como correto um único ponto de vista científico.

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