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A ILÍADA E A ODISSEIA, DE Matrizes Clássicas 2017.

1
HOMERO: REVISÃO DOS TEXTOS Revisão feita pela
Monitora Rafaela Sabino
TEÓRICOS TRABALHADOS
TEXTO “CARACTERÍSTICAS
BÁSICAS DA EPOPEIA CLÁSSICA”,
DE NELY MARIA PESSANHA
“CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA
EPOPEIA CLÁSSICA”, DE NELY MARIA
PESSANHA
• “A palavra epopeia abriga a justaposição de duas
outras: toé pos e poiéo. Toé pos que, no singular, tem o
sentido primeiro de “palavra”, donde “discurso”,
“narrativa”, “verso”, é usado no plural – tàé pea– em
oposição a tà méle. Assim tàé pea, poesia épica, é a
palavra que narra algo em determinado tipo de verso,
cedo desvencilhado do acompanhamento musical. Opõe-
se à tà méle, poesia lírica, palavra cantada em metros
vários, ao som de um instrumento musical. Poiéo tem o
sentido denotativo de “fazer”, “criar”. Logo, do ponto de
vista etimológico, epopeia é a criação narrativa em
versos. Assim é que a epopeia clássica é toda ela tecida
no verso hexâmetro dactílico.” (Página 31);
“CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA
EPOPEIA CLÁSSICA”, DE NELY MARIA
PESSANHA

• “São, pois, as epopeias da Grécia Antiga um produto


histórico, transcendem, porém, a História, na medida em que
ultrapassam o tempo cronológico, não só pela conversão do
passado num tempo sempre presente, graças aos rituais
reatualizadores da recitação nos tempos de outrora e aos
ritos sempre renovadores da leitura nos tempos de agora,
mas também porque se transformaram em experiência
concreta, viva, da comunidade. Desta maneira, o passado se
transforma em tempo ideal, em tempo arquétipo. (...) Ela
apresenta os fatos, ou seja, torna presente o passado,
presentifica tudo aquilo que é digno de ser rememorado.”
(Páginas 32 e 33);
“CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA
EPOPEIA CLÁSSICA”, DE NELY MARIA
PESSANHA

• “Por isso, a causa da Guerra de Tróia, do ponto de vista mítico


(entendendo-se mito, aqui, como história verdadeira, sagrada, que
explica a origem do que aconteceu), está no mito do julgamento de
Páris. Realidade histórica e universo mítico se fundem num todo uno e
indivisível.” (Página 33);

• “Como vemos, a epopeia clássica nutre-se de uma matéria a ela


preexistente, relíquia de toda uma comunidade: o passado em sua
dimensão histórico-mítica.” (Página 34);
“CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA
EPOPEIA CLÁSSICA”, DE NELY MARIA
PESSANHA

• “Para que este passado seja rememorado, a epopeia, forma narrativa que
é, não pode prescindir da mediação de um narrador. Onisciente e
onipresente, tudo sabe, tudo vê, a tudo assiste. Isto porque é ele o
intérprete do canto da Musa. Recebe a inspiração do Alto, visto que, não só
para os gregos homéricos, mas também para os de épocas posteriores, a
criação poética era dom das Musas. O narrador, reportando-se a fatos
acontecidos numa época remota, contempla-os maravilhado, extasiado.
Mantém-se à distância, numa atitude em que qualquer envolvimento lhe é
interdito. Face à matéria narrada assume uma visão objetiva e não crítica.
Registra, conta, apresenta os acontecimentos, mas se isenta de revelar seus
sentimentos ou de julgá-los. O narrador é onisciente, distanciado, porém, da
matéria-prima narrada. Para que este distanciamento possa
operacionalizar-se, predomina a narração em terceira pessoa.” (Página
34);
“CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA
EPOPEIA CLÁSSICA”, DE NELY MARIA
PESSANHA

• “(...) Como sabemos, nela distinguem-se três partes: proposição, invocação


e narração. Na proposição, o poeta apresenta, de maneira sintética, o
tema a ser narrado: na Ilíada, a cólera de Aquiles; na Odisseia, as
aventuras de Ulisses; na Eneida, a fundação de Roma. Na invocação, o
poeta solicita que a Musa lhe faça dom da inspiração poética. Proposição e
invocação encontram-se de tal modo fundidas que constituem o exórdio do
poema: a narração é a própria trama. Esta estrutura tem, a nosso ver, uma
explicação: articular a diversidade dos fatos a serem narrados na unidade
da ação que o poeta o privilegia. (...) É bom assinalar que, na Ilíada, a
narração ainda que estruturada sob forma de episódios, segue a lei da
sucessão do tempo cronológico.” (Página 35);
“CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA
EPOPEIA CLÁSSICA”, DE NELY MARIA
PESSANHA

• “Na epopeia clássica, personagens humanos e divinos são postos, lado a


lado, num interagir constante.” (Página 37);
• “O herói épico é, pois, portador de uma areté, isto é, de qualidade no
mais alto grau de excelência. (...) Representa ela a projeção da
concepção grega de excelência guerreira. Isto porque os deuses
homéricos, que habitam o Olimpo, concebidos à semelhança do homem,
encarnam as diversas faces do ideal humano de perfeição.” (Página 37);
• “Como vemos, na epopeia clássica, a ação dos personagens humanos
jamais se dissocia da interferência do agir divino. Isto não significa,
contudo, minimização da grandiosidade do personagem épico. É, antes, a
ratificação da crença comum dos gregos de que, a despeito do mérito
individual, o homem só conhece o êxito se os deuses quiserem.” (Página
38);
“CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA
EPOPEIA CLÁSSICA”, DE NELY MARIA
PESSANHA

• “Resta, por fim, enfocar a epopeia clássica quanto à sua linguagem, ou seja,
ao uso que faz ela da língua. A grandiloquência com que esta forma
narrativa apresenta o passado, se evidencia, na linguagem, pelo uso de
adjetivação intensa, de epítetos majestáticos, de metáforas e símiles que
buscam o segundo termo da comparação em elementos da natureza e
animais, símbolos de grandeza, de força ou de luz. São frequentes, ainda, as
repetições, os epítetos, o emprego do discurso direto, o que confere à
narrativa um certo traço de oralidade.” (Páginas 38 e 39).
TEXTO “HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE JACQUELINE “Os deuses e o maravilhoso”

DE ROMILLY
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY
• “Ora, uma apreciação análoga é igualmente válida para um outro
problema que nem mesmo os Gregos da época clássica apresentavam a si
mesmos tão claramente como nós e que não deixamos de suscitar a
propósito de Homero: o da dupla causalidade, divina e humana.” (Página
77);
• “Em Homero, tudo vem dos deuses: não só o resultado de empresa, mas a
própria ideia que a faz nascer. Um deus inspira o receio ou a cólera;
concede o ímpeto da ação, ou contém-no. E, todavia, temos o sentimento de
que os heróis são grandes e responsáveis, e que a sua vontade, o seu
caráter, a sua reflexão têm valor determinante.” (Página 77);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY
• “[...] o natural e o sobrenatural, o humano e o divino, se aproximam, se
combinam, se sobrepõem.” (Página 80)
• “Mas, se o uso de sobrenatural é o mesmo e serve, nos dois poemas,
para marcar com um brilho acrescido os momentos decisivos da aventura
humana, sucede que além disso a Odisseia ainda apresenta uma outra
forma de sobrenatural, que não revela da intervenção direta dos deuses,
mas de todo um mundo mágico, e povoado por divindades obscuras, que
como que estão a meio caminho entre os homens e os deuses do Olimpo.”
(Página 81);
• “Em contrapartida, parece-nos que este aspecto mágico e fantástico
está quase totalmente ausente da Ilíada; e apreciamos assim uma nova
prudência de Homero.” (Página 81);
• “Esta mistura de maravilhoso e de humanidade encontra-se assim a
todos os níveis.” (Página 84);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “Encontra-se o mesmo espírito, bem entendido, no modo como


os homens são evocados. Por um lado, são heróis
<<Semelhantes aos deuses>>; mas, mesmo nesse caso,
continuam à frente de todos os mortais; cuja condição limitada
é constantemente lembrada. E os dois aspectos completam-se e
corrigem-se um ao outro.” (Página 85)
TEXTO “HOMERO: INTRODUÇÃO
AOS POEMAS HOMÉRICOS”, DE “Os heróis <<Semelhantes
aos deuses>>

JACQUELINE DE ROMILLY
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “[...] Só os heróis contam. Só eles são dignos de atenção. É


precisamente por isso que a guerra e o combate são apresentados
como uma série de façanhas individuais, realizadas por eles, só
intervindo os outros participantes nas pelejas confusas, apresentadas
nalguns versos de introdução a estas façanhas.” (Página 88);
• “O rei pode maltratar sem piedade; mas também pode amar com
ternura.” (Página 88);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “Na Ilíada, temos uma sociedade um pouco artificial: os reis que


acompanharam Agamémnon não são seus súditos; e a autoridade que este
exerce sobre eles não está livre de dificuldades: a cólera de Aquiles é prova
disso. Aliás, o rei consulta os outros, em conselhos restritos ou em assembleias,
nas quais ele se explica e pede conselhos. Existe uma certa colegialidade
entre os guerreiros. [...] Embora a sua composição e o seu poder sejam incertos,
é evidente que o soberano mantinha, pelo menos, um diálogo com aqueles que
comandava. [...] este estado patriarcal não tem nada de absolutismo.
Agrupados em volta do rei, os súditos contribuem para a sua prosperidade e
ele, por meio das suas expedições ou da sua força, contribui para a sua,
assegurando a sua segurança.” (Páginas 88 e 89)
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “Aqui se revela o novo sentido do termo herói, o novo sentido de


heroísmo. Porque estes reis são, por definição, bravos.” (Página 89);
• “Em particular, impelindo até ao limite a coragem e a generosidade que
os caracterizam, estão sempre prontos a aceitar nobremente a morte,
quando é preciso. Aquiles sabe que, se matar Heitor, ele próprio morrerá:
aceita-a para vingar o seu amigo. Até mesmo Heitor, ao ver-se perdido,
a aceita; e, assim, aproxima-se de Aquiles. Ele diz mesmo que faz esse
sacrifício em nome daquilo que a que todos aspiram – a saber o renome
e a glória.” (Página 89);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “[...] Há, primeiro, todas as regras negativas e tudo aquilo que um


herói não seria capaz de fazer: fugir, bem entendido, mas também
lesar outrem, faltar à sua palavra, matar voluntariamente, trair. Isto
pode parecer um pouco negativo; mas o facto é que Homero recusou
deliberadamente todos os crimes com que, depois do ciclo épico, a
tragédia se deleitou: [...] Todos estes silêncios são eloquentes acerca
das exigências morais de Homero.” (Página 92);
• “Podemos mesmo ir mais longe; porque os heróis de Homero, sem
dúvida, não são desumanos.” (Página 92);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY
• “Primeiro, porque esses excessos são censurados na própria narrativa.
Homero não tem medo de descrever as feridas e os golpes, porque isso
faz parte da atividade guerreira. Mas quem quer que triunfe demasiado
tem imediatamente prometida uma mudança da sorte. E todo o final da
Ilíada se orienta precisamente para uma renúncia destas violências sem
medida. [...] Mas já a narrativa faz sentir piedade por esse jovem morto,
que todos choram em Tróia. Imediatamente os deuses se intrometem,
comovidos com a intervenção de Apolo, chocados com esse comportamento
cruel; e então Zeus prepara esse grande momento que o último Canto
constitui: a visita do velho Príamo, pai de Heitor, à tenda de Aquiles, onde
este continua a conservar o corpo. [...] No seu último Canto, a Ilíada é a
narrativa de uma violência que se apazigua e de respeitos que se
instauram entre os piores inimigos.” (Página 93);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “Na Ilíada Homero mostra bem uma tendência para a obstinação (face a
Aquiles) e para a incerteza (no seu papel de chefe das tropas). [...].”
(Página 96);
• “A glória dos heróis homéricos não é, então, o efeito de uma exaltação
arbitrária acima da condição humana: provém essencialmente do fato de o
poeta desconhecer as vilezas. Por outro lado, apesar do sentido que o
vocábulo heroísmo adquiriu, o seu mérito não é exclusivamente guerreiro,
longe disso. Talvez esteja aí a explicação do paradoxo que pretende que,
destas duas epopeias pejadas de batalhas e de mortos, ou de mortos e de
perigos, a impressão final, na leitura, deixe sobretudo emergir as cenas mais
humanas – [...]” (Página 97).
TEXTO “HOMERO: INTRODUÇÃO
AOS POEMAS HOMÉRICOS”, DE “Os heróis enquanto
<<mortais>>”

JACQUELINE DE ROMILLY
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “Particularmente na Ilíada encontramos muitas vezes, na morte de um herói,


a menção à felicidade que teria tido no regresso (Il., XVII, 24 ss.), ou ao
amor que o rodearia (XX, 408 ss.), ou à mulher com quem acabara de casar
(XI, 241 ss.). Até mesmo na simples referência a lugares transparece uma
recordação dos dias de paz, como a menção, em plena perseguição de
Heitor por Aquiles, aos <<grandes e belos lavadouros de pedra, onde as
mulheres e as belas jovens de Tróia lavavam os fatos brilhantes, outrora, nos
dias de paz, antes de chegarem os filhos dos Aqueus>> (XXII, 153-156).
Neste caso, o contraste não opõe apenas ao sofrimento a felicidade
concreta dos palácios, mas a vida simples, quotidiana, familiar.” (Página
100);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “[...] E sem dúvida que este princípio, que associa a coragem à morte que se
vai seguir, é a explicação para todas essas profecias que, de todas as vezes,
anunciam ao herói aquilo que o espera: a sua reação sobressai com mais
brilho. [...] É também por isto que estes heróis ao morrer predizem a morte de
seu adversário. E até mesmo aqueles que duvidam ainda recebem sinais
indubitáveis: é assim que Heitor, que, no momento crítico, se vê enganado
pelos deuses, o compreende e aceita: [...] Aí está a morte próxima,
evidentemente; e é ela que, de todas as vezes, dá à coragem a sua
verdadeira medida.” (Página 101);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY

• “De qualquer maneira, esta tragicidade da condição mortal está


constantemente presente na Ilíada; e ressalta de todos os processos
literários que foram notados neste estudo. Assinalámos, por exemplo, como
é que, na estrutura do poema, as cenas entres os deuses alternam com as
cenas humanas: ora, esta alternância tem por resultado lembrar
constantemente a dependência do homem e a fragilidade da sua sorte.
Também referimos a quantidade e o à vontade das intervenções divinas
[...]” (Página 101);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY
• “Mas, ao mesmo tempo, ela adquire um outro sentido. Porque esta
insistência sobre aquilo que constitui o traço dominante da condição
humana também explica que, sem prestar atenção às
particularidades individuais e unindo-se sempre às emoções
fundamentais, Homero tenha conseguido, para terminar, tornar os seus
heróis simultaneamente mais próximos uns dos outros e também mais
próximos dos leitores de outras épocas. Com todo o seu gosto pelo
concreto, Homero vai sempre, contudo, ao essencial: o receio de
morrer e o orgulho de correr o risco, a dor da separação e a alegria
do reencontro, todos estes sentimentos estão ligados à própria
condição do homem. E também são comuns, em larga medida, a todos
os homens, ao longo do espaço e do tempo. [...]” (Página 104);
• “Para dizer a verdade, este traço é característico de toda a arte
homérica na qual a própria sobriedade da evocação contribui
sempre para a sua dimensão humana.” (Página 104);
“HOMERO: INTRODUÇÃO AOS
POEMAS HOMÉRICOS”, DE
JACQUELINE DE ROMILLY
• “[...] Graças a esta sobriedade, Helena e Nausícaa são tudo aquilo que
podemos imaginar de belo, quaisquer que sejam o nosso gosto, o nosso
país ou a nossa época: escapam aos de Homero para se unirem a nós na
itemporalidade.” (Página 105);
• “Ora, é claro que a epopeia, ao evocar apenas as grandes emoções da
vida e da morte, escapa do mesmo modo à temporalidade.” (Página
105);
• “[...] Os traços que Homero empresta às suas personagens tendem, muitas
vezes, a suprimir qualquer barreira de país ou de classe social.” (Página
108);

• “[...] Aparentemente, eram a tal ponto humanos e vivos, tão pouco


carregados de escórias, tão simples, que durante séculos serviram como
símbolos e como linguagem.” (Página 108).
TEXTO “A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA
ANÁLISE DE SUA ELABORAÇÃO”, DE “Palavras e conceitos”

DONALDO SCHÜLER
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER
• “[...] A noção de responsabilidade humana e da retribuição divina é
introduzida aqui (canto IX) num mundo que se lhe opõe e a rejeita.”
(Página 109);
• “[...] Encontramos hýbris a primeira vez no início da Ilíada. Aquiles,
ofendido por Agamênon, puxa da espada, pronto para investir
contra o ofensor. Atena, enviada por Juno, aparece a Aquiles para
impedir que o conflito dos chefes aqueus frustre a destruição de
Tróia. Quando o Pelida a percebe, pergunta: Por que vieste, filha de
Zeus, portador da égide, acaso para veres a hýbris do Atrida
Agamênon? Na denúncia de Aquiles, a hýbris de Agamênon é
transgressão culposa. A transgressão do chefe não atinge só Aquiles;
interessa, na opinião do ofendido, também aos deuses que fiscalizam
a conduta dos homens. Associar a presença de Atena à hýbris de
Agamênon é reação espontânea de Aquiles.” (Páginas 109 e 110);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER
• “No período arcaico, posterior a Homero, Zeus torna-se juiz universal, pune
com rigor toda hýbris do homem, empalidecem as vontades antagônicas dos
deuses em favor da autoridade absoluta do deus supremo. [...] Está claro
que em parte alguma da Ilíada se formula um princípio geral de culpa e
castigo. Não tivessem as deusas interesse pessoal no sucesso das armas
gregas, a ofensa de Agamênon lhes teria sido indiferente. Sublinhe-se a
embrionária consciência de culpa e a retribuição divina.” (Página 110);
• “Os substantivos hyperbasie e hýbris nos introduzem num mundo em que o
homem começa a sentir-se responsável a princípios que o excedem.”
(Página 110);
• “Hiperbasie é uma falta arriscada. Os moços, por serem irrefletidos, estão
expostos a ela; os velhos, ao contrário, comedidos, agem com a devida
cautela. O homem sabe que certas coisas lhe são proibidas e que é
castigado quem as comete. [...] Não importa que os próprios deuses o
tenham incitado a quebrar o juramento. [...]” (Páginas 110 e 111);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “[...] No canto XVI, Aquiles põe a morte dos aqueus e hyperbasie em


relação causal: na opinião dele, os aqueus morrem por causa de sua
própria soberba: “Ou lamentas a morte dos aqueus junto às côncavas
naus, por causa da hyperbasie deles?””(Página 111);
• “[...] A insolência ofende também deuses. Numa sociedade patriarcal
o pai é a lei, é a ordem. Zeus pai ouve a súplica de Menelau. Dá-lhe
a coragem pedida. Menelau mata Euforbo. A ação da Ilíada começa
com a punição do exército maculado pela culpa de seu chefe. O
episódio inicial da Ilíada lembra o início de Édipo Rei, a tragédia de
Sófocles. [...]” (Página 111);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “Acontece, porém, que ate pode sobrevir ao homem como castigo.”


(Página 112);
• “Page argumenta que o homem, na Ilíada, está inteiramente à mercê
dos deuses e do destino. Já que tudo é, segundo ele, determinado
pelas forças que transcendem o homem, ninguém recrimina o
transgressor. Considera a Embaixada o único momento discrepante,
logo, estranho ao mundo da Ilíada. Isso nos leva ao exame da
responsabilidade humana na Ilíada.” (Página 112);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “[...] Homero não se preocupou em formular relação coerente entre o


destino, a vontade dos deuses e a vontade dos homens. Defrontou-se
intuitivamente com a questão. [...]” (Página 113);
• “A moira (destino) não determina em Homero a vida em todos os
detalhes. É predominantemente uma força negativa relacionada com a
morte. Limita a ação dos deuses não porque seja uma força pessoal acima
dos deuses. Está, como toda a realidade, dentro do domínio da natureza.
A morte, diferença principal entre deuses e homens, é a porção que a
moira destinou aos homens. Os deuses são deuses por serem imortais; os
homens são homens por estarem sujeitos à morte.” (Página 113);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “A Homero não é estranha a medida, noção que atravessa o pensamento


grego por inteiro. Os deuses velam para que a desmedida não perturbe a
ordem universal. [...]” (Página 113);
• “Não é vontade de Zeus, nem do destino, que Tróia seja tomada por
Pátroclo. A cegueira momentânea levou o amigo de Aquiles a ultrapassar o
limite que lhe fora traçado pelo destino. Ainda desta vez os deuses intervêm
em favor do destino e da ordem. Também Apolo abandona Heitor na hora
derradeira, não porque o herói fosse odioso aos deuses, mas porque era
necessário que ele cumprisse o destino. A moira é um dos instrumentos de
ordem universal. Os deuses cuidam para que se cumpram os seus desígnios.
A moira está longe de determinar tudo. Para a ação responsável do homem
a margem é larga. [...]” (Página 114);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “[...] A ira que acometeu (Aquiles) não foi obra de alguma cegueira
enviada pelos deuses. Aquiles tinha plena consciência de seus sentimentos e
lucidamente os alimentou até a morte de Pátroclo. A epopeia não surge do
decreto do destino, nasce da ira de Aquiles. Não são os deuses que agem
sobre Aquiles. É Aquiles que age sobre os deuses. [...] O destino é indiferente
à ação central da Ilíada. Os soldados que morrem no período compreendido
entre o princípio e o fim do poema também poderiam ter morrido sem que
tivessem brigado Agamênon e Aquiles. O destino determinara a destruição
de Tróia. Terminada a Ilíada, porém, Tróia ainda está de pé como antes. A
Ilíada toda se desenrola num período que o destino deixou livre.” (Páginas
114 e 115);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “Dizer que o homem “só pode fazer o que o destino lhe predeterminou”
é que é colocar-se fora do mundo da Ilíada. A moira determinara para
Aquiles o que determina a todos os homens, a morte. Aquiles revela ter-
lhe sido dito que o destino (keres) lhe permitira escolher a modalidade da
morte: [...] O homem com suas ações pode apressar ou retardar o
irromper do previsto. [...]” (Página 115);
• “[...] O destino não anula a ação dos homens, o que tornaria impossível
uma epopeia de homens. A escolha de Aquiles não é diferente. Evitar a
morte não lhe é permitido. Morrer cedo ou em idade avançada está no
raio de suas opções.” (Páginas 115 e 116);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “A intervenção dos deuses é frequente. As divindades, contudo, não


transformam os homens em instrumentos passivos. Os homens nunca
deixam de agir com responsabilidade e autonomia. [...] A intervenção
divina não determina a ação, apoia-a, dá-lhe força.” (Página 116);
• “[...] Homero fala raro e esquematicamente dos sentimentos das
personagens. A subjetividade deles objetiva-se. Objetividade e
visualidade são características da epopeia. Homero recorre com
frequência à intervenção dos deuses para objetivar o que se passa na
psique. É o que se dá com a intervenção de Atena. Nem de longe a
intervenção divina irresponsabiliza ou anula a ação. A divindade parece
prolongamento do homem. A ênfase está no homem.” (Páginas 116 e
117);
“A CONSTRUÇÃO DA ILÍADA: UMA ANÁLISE
DE SUA ELABORAÇÃO”, DE DONALDO
SCHÜLER

• “Nem sempre a vontade dos homens e a vontade dos deuses se


completam. Quando o homem, por cegueira, ousa ultrapassar os limites
que o destino lhe determinou, os deuses encarregados da ordem se
opõem. Nem aí se irresponsabiliza o homem. Pelo contrário, diante da
consciência do limite, o homem se torna inteiramente responsável. [...]”
(Página 117);
TEXTO “ESTUDOS DE HISTÓRIA DA
CULTURA CLÁSSICA – CULTURA GREGA”, “A Questão Homérica”

DE MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA


“ESTUDOS DE HISTÓRIA DA CULTURA
CLÁSSICA – CULTURA GREGA”, DE MARIA
HELENA DA ROCHA PEREIRA
• “Se a Antiguidade era firme em acreditar na existência de Homero, no
entanto, já na época alexandrina houve quem atribuísse um autor diferente a
cada um dos Poemas. [...]” (Página 49);

• “[...] Partindo da observação direta dos processos de composição de bardos


servo-croatas, chegou à conclusão de que os Poemas Homéricos assentavam
numa técnica de improvisação oral, que explicaria as repetições e pequenas
incongruências da narrativa. Esta doutrina consiste, muito resumidamente, no
seguinte: os Poemas Homéricos repetem frequentemente epítetos e até versos
inteiros, porque eram obra de improvisação oral, que necessariamente tem de
ter pontos de apoio, frases armazenadas, que dêem tempo de pensar no verso
seguinte, enquanto se vai cantando o anterior. [...]” (Páginas 51,52 e 53);
“ESTUDOS DE HISTÓRIA DA CULTURA
CLÁSSICA – CULTURA GREGA”, DE MARIA
HELENA DA ROCHA PEREIRA
• “Os nomes dos heróis com os seus atributos ocupam meio verso (do começo
até à cesura, ou desta até ao fim), ou mesmo um inteiro, como é o caso
deste:
o herói Atrida, Agamémnon de vasto poder (I. 102)
Estes epítetos (formados, geralmente, por um adjetivo composto, que quase
sempre temos de traduzir por uma perífrase) não são, porém, empregados
ao acaso. Embora condicionados pela métrica (mas não exclusivamente,
como alguns afirmam), a sua presença ajuda a caracterizar o herói e a
insistir sobre qualquer qualidade sua, que naquele momento tem relevância
especial. [...] Os epítetos de Aquiles acentuam a sua superioridade física. [...]
É frequente que cada herói ou povo tenha os seus epítetos distintivos, os
quais, conforme a descoberta do Prof. PAGE, ascendem, em grande parte, à
época micénica, de cuja tradição derivavam. [...]” (Páginas 55 e 56);
“O OFÍCIO DE HOMERO”, DE “As representações dos

ALEXANDRE SANTOS DE MORAES aedos”


“O OFÍCIO DE HOMERO”, DE ALEXANDRE
SANTOS DE MORAES
• Ilíada e Odisseia: relação de complementariedade;
• Os aedos não apenas divertiam e alegravam os banquetes, mas, também, informavam
(Exemplo de Fêmio e de Demódoco: responsáveis por informar a aristocracia palaciana sobre
os acontecimentos);
• Para Luis S. Krausz, é difícil imaginar aedos permanentemente estabelecidos em algum lugar;
• Para ter o material de seu canto, os aedos necessitam da itinerância para que, desse modo,
possam ampliar seu repertório e apreender novas matérias para seu canto.
•“ A itinerância implica o reconhecimento da diversidade e da afetação que diferentes culturas e
formas de sociabilidade helênicas provocaram nos aedos” (Página 73);
• Aedo – responsável por consolidar a identidade helênica nas regiões conquistadas no processo
expansionista.
• Aedos profissionais – “ornamentos dos banquetes” (Página 52);
com o início da pólis, o espaço do aedo deixa de ser o palácio e passa a ser o
público.
“O OFÍCIO DE HOMERO”, DE ALEXANDRE
SANTOS DE MORAES
• Odisseia: “poema em que o contato com o outro é mais evidente.”
(Página 75);

Odisseu assume o papel de aedo, colhendo


informações ao longo de sua viagem para encantar os feaces,
encantando-os e fazendo com que eles tenham contato com o
desconhecido.
• Odisseia
Fusão de três grandes tradições míticas:
- Telemaquia (Canto I ao Canto IV);
- Odisseu entre os feácios (Canto V ao Canto XII);
- Retorno de Odisseu (Canto XIII ao Canto XXIV).
“O OFÍCIO DE HOMERO”, DE ALEXANDRE
SANTOS DE MORAES
• A hospitalidade é uma das principais instituições helênicas do
período;
• Homero apresenta personagens que desrespeitam essa instituição:
-Polifemo, o Ciclope: “[...] no lugar de oferecer comida, Polifemo
transforma os companheiros de Odisseu em seu próprio jantar.”
(Página 76);
- Circe: “Ao receber os viajantes em sua ilha, faz com que entrem eu
seu palácio e, com o auxílio de um phármakon, transforma os
companheiros de Odisseu em animais.” (Página 76).
“O OFÍCIO DE HOMERO”, DE ALEXANDRE
SANTOS DE MORAES
• Fiação e a tecelagem – atividades e funções próprias das mulheres
(Penélope, paradigma homérico de esposa ideal, é constantemente
associada aos trabalhos de roca e do tear);
• “[...] Observa-se um duplo esforço que fundamenta a lógica da
itinerância e a prática enunciatária dos aedos gregos: em primeiro
lugar, a necessidade de consolidar uma identidade helênica; em
segundo lugar, o projeto de difundir essa tradição e estendê-la ao
espaço Mediterrâneo, buscando consolidar redes de sociabilidade
pautadas em um ideal panhelênico.” (Página 80);
• Aedos gregos: uma de suas funções era consolidar a cultura helênica;

“[...] , se consolidaram como um mecanismo precipuamente político


para o exercício de poder dessa aristocracia colonizadora.” (Página
82)
“O OFÍCIO DE HOMERO”, DE ALEXANDRE
SANTOS DE MORAES
• Associação do Deus Hermes com os aedos:
-Mobilidade espacial (Hermes possui o caduceu e as sandálias aladas);
- Uso habilidoso com as palavras e, por isso, servindo como mensageiro dos
deuses (Vê-se nos epítetos do deus Hermes “porta-voz divino”, “cursor-veloz”
e “mensageiro”);
- Hermes impede os desvios dos valores helênicos (Episódio de Circe e do
pharmakón);
- Hermes é um deus que frequenta o mundo dos homens;
- Assim como Apolo, Hermes é um deus civilizador e colonizador: “[...] ele
altera o rumo dos acontecimentos para que os valores helênicos tenham
sempre proeminência sobre as ações dos povos não-gregos.” (Página 87);
- Hermes: assume a itinerância e o helenismo dos aedos;
- Hermes, desde a Odisseia, é o deus responsável por levar os mortos até o
mundo subterrâneo.
“O OFÍCIO DE HOMERO”, DE ALEXANDRE
SANTOS DE MORAES
• “[...] O uso da memória permite ao aedo percorrer distâncias
inimagináveis, entrar em contato com o não-visto, sondar o improvável.
Para Vernant, a memória transportaria os poetas ao coração dos
acontecimentos antigos, em seu tempo (VERNANT, 1990, p. 138);
• “[...] a memória dos gregos não responde, de modo algum, aos mesmos
fins que a nossa; ela não visa, em absoluto, reconstruir o passado
segundo uma perspectiva temporal. A memória sacralizada é, em
primeiro lugar, privilégio de alguns homens organizados em confrarias:
assim sendo, ela se diferencia radicalmente do poder de se recordar que
possuem os outros indivíduos. Nesses meios de poetas inspirados, a
Memória é uma onisciência de caráter divinatório (DETIENNE, 1991, p.
17). O fato de os aedos terem construído as características desse Hermes
viajante, que fazem sua memória resistir ao Hades, nos ajuda na tarefa
de associá-las às práticas enunciativas desses poetas, do mesmo modo
que essa itinerância de Hermes nos ajuda a validar os argumentos que
sustentam as itinerâncias aédicas.” (Página 91).
BIBLIOGRAFIA
• PESSANHA, Nely Maria. Características básicas da epopeia clássica. Rio
de Janeiro: Editora Movimento/SBEC.
•PEREIRA, Maria H. da Rocha. Estudos de História da Cultura Clássica:
Cultura Grega. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2000. (pp. 49-56);
• ROMILLY, Jacqueline. Homero: Introdução aos Poemas Homéricos. Leonor
Santa-Bárbara. Lisboa: Edições 70, 2001. (pp. 72-109);
• SCHÜLER, Donaldo. A construção da Ilíada: uma análise de sua
elaboração. Porto Alegre: L&PM Editores, 2004. [1972] (pp. 108-123);
• MORAES, Alexandre S. O ofício de Homero. Rio de Janeiro: Mauadx,
2012. (pp. 49-92).

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