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Licenciatura em História e Arqueologia

Unidade Curricular: Sociedades e Culturas Pré-Clássicas


Docente: André Carneiro
Discente: Miguel Gegaloto Gonçalves (48592)

Tróia

Évora, 18 de janeiro de 2021


Resumo

Palavras-chave: Escavações; Estabelecimentos; Papel comercial; Religiosidade; Práticas


funerárias.
No âmbito unidade curricular de Sociedades e Culturas Pré-Clássicas, este trabalho pretende
explorar a cidade de Tróia especialmente durante a Idade do Bronze. Inicia-se o trabalho pela
delimitação geográfica e temporal desta cidade e civilização, sendo seguidamente abordada a
história da exploração arqueológica do local. Subsequentemente, serão examinados os
sucessivos Estabelecimentos que compõem a história do local, bem como as questões a nível
económico, religioso e ritos funerários.

Abstract

Key-words: Excavations; Establishments; Commercial role; Religiosity; Funerary practices.


Within the curricular unit of Sociedades e Culturas Pré-Clássicas, this paper aims to explore
the city of Troy especially during the Bronze Age. The paper begins by the geographical and
temporal delimitation of this city and civilization, and then addresses the issue of toponymy
and the history of archaeological exploration of the site. Subsequently, the successive
establishments that make up the history of the site will be examined, as well as the questions
of economics, religion and funeral rites.

1
Sumário

Resumo ......................................................................................................................... 1
1 Introdução .................................................................................................................. 3
2 Localização ................................................................................................................ 4
3 Descoberta e excavações ............................................................................................ 5
4 Tróia I ........................................................................................................................ 6
5 Tróia II....................................................................................................................... 8
6 Tróia III a V ............................................................................................................. 10
7 Tróia VI ................................................................................................................... 11
8 Tróia VII .................................................................................................................. 13
8.1 Tróia VIIa ............................................................................................................. 13
8.2 Tróia VIIb ............................................................................................................. 13
9 Papel comercial ........................................................................................................ 14
10 Religiosidade ......................................................................................................... 16
11 Ritos funerários ...................................................................................................... 17
12 Conclusão .............................................................................................................. 18
Fontes e referências bibliográficas .............................................................................. 19

2
1 Introdução

No âmbito unidade curricular de Sociedades e Culturas Pré-Clássicas, este trabalho


pretende explorar a cidade de Tróia e a sua cultura referente. Embora a época abordada de
destaque seja a Idade do Bronze, outros períodos anteriores e posteriores serão referenciados
para melhor compreensão do tema.
A história de Tróia encontra-se estreitamente associada com as obras homéricas da
Odisseia e Ilíada, especialmente nesta segunda que revolve à volta do mítico episódio da
Guerra de Tróia. e também na Odisseia. A intenção e efetivamente a exploração do local
deve-se sem dúvida ao facto da perduração do interesse destas obras clássicas ao longo da
história.
A estrutura do trabalho é iniciada pela definição da sua localização geográfica e
temporalmente, sendo seguidamente abordada a história das diferentes expedições
arqueológicas deste local. Subsequentemente, é feita uma descrição dos sucessivos
Estabelecimentos e referentes estratos que os compõem. Depois de discutida a questão do
papel económico da cidade, religiosidade e ritos funerários, será possível retirar conclusões e
interligar as diferentes componentes referentes à história da cidade.

3
2 Localização

2.1 Localização geográfica:

O local credibilizado como a Antiga Troia é um


monte chamado de Hissarlik, situado na Anatólia, parte da
atual Turquia. Encontra-se numa relação de proximidade
geográfica para oeste com o Mar Egeu, para norte com o
estreito dos Dardanelos (antigo Helensponto) e,
consequentemente, com o Mar Negro. A proximidade
com estes dois elementos leva a sua localização a ser
considerada como estratégica.
Figura 1. Mapa da região do Egeu
Fonte: Recuperado de
http://factsanddetails.com/world/cat56/sub367/item2017.html

2.2.1 Cronologia dos Estabelecimentos1:

 Tróia I (3000 - 2500 a.C.)


 Tróia II (2500 - 2200 a.C.)
 Tróia III (2050 - 1900 a.C.) Idade do Bronze Antiga
 Tróia IV (2050 - 1900 a.C.)
 Tróia V (1900 - 1800 a.C.)
 Tróia VI (1800 – 1300 a.C.)
Idade do Bronze Média e Recente
 Tróia VIIa (1300 – 1180 a.C.)
 Tróia VIIb 1 (1180 – 900 a.C.)
Idade do Ferro
 Tróia VIIb 2 (1190 – 1100 a.C.)

1
Datação apresentada por Blegen em “Tróia e os Troianos”, embora tenham sido feitas algumas alterações desde
o final de Tróia VIIa, assumindo a datação da exposição “Troy: Myth and reality” elaborada pelo British
Museum.
4
3 Descoberta e excavações

A procura e posteriormente excavações ao sítio arqueológico de Tróia têm sido


condicionadas ao longo da história pelo que Frank Kolb chama de “síndrome de Ilíada” 2,
tendo ao longo do tempo persistido a questão: "Terá Tróia sido apenas uma lenda ou terá a
Ilíada de Homero sido baseada em factos? E se realmente existiu, onde seria localizada?" 3
(Kolb, F. 2004; Uslu, 2017)
Dado o abandonamento da cidade romana (cerca do século VI d.C.), a sua localização
permanecerá esquecida até muito mais tarde.
Embora os primeiros paços tenham sido dados já desde o início do século XVII, é no
século XIX que sucedem os maiores avanços quanto ao estudo do local. No seio da Guerra da
Crimeia, em 1855, é feita a primeira escavação ao local por parte de uma ema equipa do
exército britânico (sem qualquer experiência no ramo), onde encontram os primeiros vestígios
da cidade romana.
Em 1871 inicia-se a primeira das várias expedições arqueológicas por parte do
empresário de sucesso e arqueólogo de naturalidade alemã, Heinrich Schliemann. estas que
irão durar (com várias interrupções) até aos primeiros anos da década seguinte. Muitos serão
os obstáculos postos à frente de Schliemann pelas autoridades e poder Otomanos. Intendendo
em descobrir a cidade do episódio da Guerra de Tróia, o arqueólogo manda escavar uma
trincheira com cerca de 20 metros de profundidade a meio do local, o que irá afetar
gravemente os estudos futuros da cidade. Após a morte de Schliemann, será Wilhelm
Dörpfeld a conduzir o projeto.
Em 1932, é iniciada a expedição organizada pela Universidade de Cincinnati dos
Estados Unidos dirigida pelo arqueólogo Carl W. Blegen, que irá publicar futuramente em
1963 a obra intitulada por “Tróia e os Troianos”.
Finalmente em 1988, o alemão Manfred Korfmann irá retomar a exploração do local
com a criação do “Project Troia”, que irá alargar seriamente a área de terreno explorada, uma
vez que as expedições antecessoras terão estado restringidas apenas à cidadela.

2
“Iliad Syndrome”. (Kolb, F. 2004)
3
“Was Troy just a legend or was Homer’s Iliad based on fact? And if it really existed, where was it located?”.
(Uslu, 2017)
5
4 Tróia I

Este primeiro Estabelecimento compreende-se no seio da Idade do Bronze Antiga, esta


que se terá estendido no local durante cerca de 1200 anos (indo desde Tróia I a V).
A primeira cultura a habitar Tróia ter-se-á estabelecido primeiramente na elevação de
Kum Tepe, na margem esquerda do rio Scamander, na fase final do período neolítico. Só no
princípio da Idade do Bronze é que se terão deslocado para o Interior. Acredita-se que o
principal motivo para esta deslocação terá sido o facto deste novo local situado na outra
margem estar relativamente mais elevado que o anterior, não estando sujeitos às inundações
frequentes nas margens do rio.
É possível distinguir dez estratos correspondentes a Tróia I. São estes: Ia – Ic (I
Antigo); Id – If (I Médio); e por sua vez, Ig – Ij (I Recente). “O estudo dos objetos recolhidos
revela mudanças extremamente diminutas, de qualquer estrato para o seguinte”, podendo
concluir-se através desta observação que o ritmo evolutivo neste período terá sido lento.
(Blegen, 1963)
Logo no período inicial dá-se a construção da primeira muralha a rodear toda a cidade.
Serão as suas fortificações que persistirão como o elemento mais emblemático da história de
Tróia. Acompanhando o ritmo de prosperidade do espaço, houve necessidade da expansão da
cidadela e consequentemente da construção de novas fortificações, em ambos os subperíodos
seguintes.
No seu interior, as habitações estariam separadas, sendo provável que estivessem
dispostas seguindo um sistema de alinhamento regular. Estas consistem geralmente apenas de
uma divisão singular retangular com uma lareira ao centro.4 “A parte central [da cidadela],
onde naturalmente se erguia a residência do dirigente, não pôde ser escavada”, uma vez que
estava sobreposta pelos edifícios de Tróia II. (Blegen, 1963)

4
Figura 3.
6
Figura 3. Casa da fase Ib
Fonte: De Blegen, C., 1963, Tróia
e os Troianos.

As peças de cerâmica eram moldadas à mão e apresentam tons escuros (negro,


cinzento escuro, verde-azeitona, castanho ou vermelho) decoradas com motivos incisivos
retos ou curvilíneos5, salientando-se também representações de feições humanas6.
É na forma de um incêndio que destrói toda a cidade que porá fim a este primeiro
período.

Figura 4. Motivos Figura 5. Representações de feições


incisivos na cerâmica humanas na cerâmica
Fonte: De Blegen, C., Fonte: De Blegen, C., 1963, Tróia e os
1963, Tróia e os Troianos.
Troianos.

5
Figura 4.
6
Figura 5.
7
5 Tróia II

Inicia a cerca de 2500 a.C. com a reconstrução da antiga cidadela destruída,


evidenciando uma “continuidade inalterável”. Embora relativamente mais ampla., mantém o
caráter defensivo da sua antecessora, com a construção de novas estruturas defensivas, estas
novas marcadas pela sua heterogeneidade. (Blegen, 1963)
No interior, destaca-se um propileu semelhante aos vistos mais tarde no período
clássico, que daria para um pátio interior contornada por colunas todas à sua volta. Perto deste
este espaço estava um grande edifício provido de características arquitetónicas diferenciadas
em termos de grandiosidade, com dois outros edifícios nas suas laterais. Em virtude destas
particularidades, assume-se este edifício como tratando-se de um megaron, a sede do poder
local, e os seus adjacentes e dependências são chamados de “megara”.7

Figura 6. Planta da cidadela da Fase IIc.


Fonte: De Blegen, C., 1963, Tróia e os Troianos.

Acredita-se que esta fase tenha sido uma de grande prosperidade, o que se comprova,
por exemplo: nas casas mais cómodas com paredes de maior solidez; ossos de animais
encontrados que sustentam a hipótese da abundância de gado que, por sua vez, tenha
proporcionado um aumento substancial da produção de lã; e pela abundância de objetos
(predominantemente de adorno) de ouro e prata8 e ocasionalmente de cobre.

7
Figura 6. Megaron corresponde ao edifício A. Os megara correspondem aos edifícios B, E, F, H e R.
8
Figura 7.
8
A cerâmica inicial caracteriza-se como quase indistinguível da produzida em Tróia I,
mas é na fase IIb introduzida a roda de oleiro, que manifestará uma influência duradora na
olaria. Quanto aos hábitos decorativos, existe uma escassez de decoração, persistindo os
antigos motivos incisivos preenchidos em branco (marcando um contraste com os tons
escurecidos das peças) e o hábito da decoração com características faceais 9.
No que diz respeito ao desfecho de Tróia II, sabe-se que terá sido destruída mais uma
vez na ocasião de um incêndio. Persistem, todavia, dúvidas quanto à se origem: Se terá tido
início internamente ou na circunstância de um conflito externo.

Figura 7. Tesouro de Príamo. Figura 8. Cerâmica representativa de Tróia II.


Fonte: De Schliemann, H., 1874, Fonte: De Blegen, C., 1963, Tróia e os Troianos.
Atlas trojanischer Alterthümer.

9
Figura 8.
9
6 Tróia III a V

Os seguintes Estabelecimentos compreendem-se todos ainda no período da Idade do


Bronze Antiga, terminando apenas a cerca de 1800 a.C.
O modelo habitacional de Tróia III (2050 – 1900 a.C.) irá persistir nos
estabelecimentos seguintes. Consiste em grandes estruturas divididas em apartamentos
e.“casas individuais . . . eram aparentemente raras.” (Blegen, C. 1963).
Acredita-se que a população tenha sofrido um aumento, embora acompanhada de um
declínio da prosperidade a nível material, uma vez que não são encontradas habitações de
moradores abastados como em Tróia II.
Dá-se início em Tróia IV à prevalência de uma abundância de ossos de veado. O que
poderá justificar a hipótese de um aperfeiçoamento das técnicas de caça. Esta abundância,
bem como um desenho encontrado de um veado real gravado num exemplar de uma tampa de
loiça, “pode talvez ser encarado como mais uma prova do papel importante desempenhado
por . . . [estes] animais”. Data também deste período a introdução do forno em cúpula,
localizado na maioria dos casos no espaço exterior. (Blegen, 1963)
A cerâmica é marcada pela prevalência dos estilos e métodos já utilizados
anteriormente, sobressaindo porém um aperfeiçoamento a nível do acabamento, mais
sofisticado, possuidor de cores mais vivas e de um aspeto vidrado. Aparecem também um tipo
de tijelas decoradas no seu interior com uma grande cruz avermelhada. 10

Figura 9. Restos de tigelas de Tróia V


Fonte: De Blegen, C., 1971, Tróia e os Troianos.
10
Figura 9.
10
7 Tróia VI

O período (1800 – 1300 a.C) corresponde ao sexto Estabelecimento, que se


compreende desde a Idade do Bronze Média à Recente. Acredita-se que tenha sido este
mesmo a dar palco à eventual Guerra de Tróia narrada na obra homérica.
Foram descobertos pela Expedição de Cincinnati oito estratos (numerados de “VI a” a
“VI h”), sendo possível o reconhecimento de três fases gerais: VI Antiga, Média e Recente.
Feita uma análise dos vestígios civilizacionais encontrados proveniente deste
estabelecimento, denota-se uma grande mudança manifestada que se manifesta em várias
áreas: Na engenharia militar, planeamento urbano, cerâmica, etc. “A única explicação [para
este fenómeno] é . . . uma quebra com o passado e a chegada e estabelecimento, no local, de
uma população nova, portadora de uma herança própria”. Uma verdadeira quebra cultural.
(Blegen, 1963)
No que toca a metais, pouquíssimo foi recolhido, mas é provável que o bronze
autêntico fosse mais geralmente usado do que antes e o marfim torna-se muito reconhecido no
VI Recente.
Destaca-se o surgimento do cavalo, provavelmente trazido pelos recém-chegados que
tomaram o domínio do local no limiar da Idade do Bronze Média. Este animal “que lhes teria
dado, sem dúvida, . . . [uma vantagem de superioridade em relação aos] Troianos da Idade do
Bronze Antiga.”
Relativamente à cerâmica, manifesta-se uma rutura na continuidade apreciada
anteriormente, regista-se o abandono virtual da decoração incisa altamente popular de II a V.
Surgem uma coletânea de novas formas. Esta apresenta uma tonalidade acinzentada e motivos
idênticos aos da loiça Mínica do território grego.11 Cerca de meados deste período começam a
surgir um número crescente de loiça importada micénica, o que sugere a existência de firmes
relações com o a Grécia continental.
A zona central da cidade terá sido removida nos períodos posteriores helénicos e
romanos para dar lugar ao Templo de Atena e ao seu pátio, e posteriormente no âmbito das
escavações de Schliemann.

11
Figura 10.
11
Quanto às muralhas monumentais de Tróia VI, foi nesta que se “edificaram a mais
forte das fortalezas que ocuparam o local”. Destacam-se três projetos sucessivos de
construção de fortificações, possivelmente relacionados com as três fases gerais. (Blegen,
1963)
Dentro dessas muralhas, “dispuseram a cidade de maneira sistemática e ordenada”.
Distinguem-se estruturas individuais de grandes dimensões, possuidoras de características
inovadoras. Para confirmar esta ideia, seguem os exemplos de estruturas como: A Casa dos
Pilares, uma das maiores estruturas encontradas no local, com pilares feitos de calcário 12;
Casa VI F, cujo método de construção acredita-se ser um sistema primitivo de arquitetura
antissísmica; e a Casa VI M, edificada em forma de “L”. (Blegen, 1963)
Do desfecho desta cidade de Tróia VI, sabe-se que parte da muralha superior terá
ruído, bem como outras casas que terão eventualmente ido abaixo também. “A Expedição de
Cincinnati ficou convencida de que o desastre foi obra de um violento tremor de terra, que
deixou toda a cidade em ruínas”, uma vez que “a grandeza dos troços que caíram neste ponto
e mais a sul, revela indubitavelmente uma força para além das possibilidades humanas”.

Figura 10. Cerâmica micénica Figura 11. Cerâmica micénica de Tróia VI


de Tróia VI Fonte: De Blegen, C. (1971). Tróia e os Troianos (xa ed.). Lisboa:

Fonte: De Blegen, C. (1971). Tróia e Verbo.

os Troianos (xa ed.). Lisboa: Verbo.

12
Figura 11.
12
8 Tróia VII

8.1 Tróia VIIa

Representa uma continuação direta do Estabelecimento anterior, sendo embarcado um


processo de recuperação e reconstrução da antiga cidade destruída. “Parece que todo o
decurso da vida de Tróia VIIa se passou numa fase única, . . . que pouco ou nada mais durou,
provavelmente, do que uma geração humana.” Cultura anterior prevalece, sem qualquer sinal
de quebra. (Blegen, 1963)
Acredita-se que tenha sido este mesmo Estabelecimento a dar palco o célebre cerco e
Guerra de Tróia narrada na obra homérica. São encontradas ao longo da cidade várias provas
que possam sustentar esta hipótese, como por exemplo: Restos humanos completamente
desfeitos ou dispostos fora da posição própria de disposição fúnebre; os destroços
habitacionais perecidos pelo fogo; e a própria disposição das casas e o seu interior,
consistindo num amontoado de casas dentro das muralhas e na instalação de inúmeros potes
de armazenamento debaixo do chão de todas as casas. Os destroços da cidade “oferecem a
imagem vívida do destino cruel que caía geralmente sobre qualquer cidade cercada, capturada
e saqueada . . . pelo inimigo”, o que é descrito poeticamente nos versos de Homero. (Blegen,
1963)
1184 a.C. é tida como a data fixa da queda de Tróia pelos cálculos de Eratóstenes,
embora esta varie consoante os autores e as suas publicações. Esta data não se distancia
efetivamente do colapso do mundo micénico e da chegada de novas populações a estes locais.

8.2 Tróia VIIb

A respeito deste estabelecimento, persiste efetivamente uma série de dúvidas. Sabe-se


que na sua fase inicial (Tróia VIIb 1) tenha sido reconstruído pela cultura anterior. Na sua fase
seguinte (Tróia VIIb 2) terá sido habitado por uma nova cultura recém-chegada que estabelece
lá os seus costumes e será por fim destruído pelo fogo na sequência de uma invasão particular
das que marcam este período de transição para a Idade do Ferro.
13
9 Papel comercial

A localização entendida como estratégica de Tróia de proximidade com o estreito dos


Dardanelos leva a que se estabeleçam teorias sobre a hipotética importância da cidade no seio
das relações comerciais na Idade do Bronze.
O arqueólogo responsável pelas escavações ao sítio arqueológico desde os anos 80 do
século passado até aos primeiros anos do século XXI, Manfred Korfmann, apresenta a
hipótese de Tróia terá efetivamente sido que como um ponto importante a nível económico
nas rotas comerciais ligadas ao Mar Negro, estados do Mar Egeu, Anatólia e do Mar
Mediterrâneo. Assumindo a cidade como uma “cidade comercial” ou uma “metrópole
comercial”, ligada à atividade desde o segundo Estabelecimento. O arqueólogo admite que os
Troianos devem ter tratado da comercialização de “cavalos das estepes a norte do Mar Negro
e . . . da Anatólia central”; “âmbar da região balcânica”; “ouro da Tróade ou da Cólquide”;
“ferro das regiões costeiras do Nordeste da atual Turquia”; “escravos”; “madeira e até navios
completados da costa turca do Mar Negro”; “têxteis da Crimeia”; “faiança do Egipto”, etc. 13
(Korfmann, 1997, 2001, como citado em Kolb, 2004)

Figura 12. Rotas comerciais no segundo milénio a.C.


Fonte: Recuperado de “Troy VI: A Trading Center and a Commercial
City?”, de Kolb, F., 2004, American Journal of Archaeology, 108, p.579.

13
“Horses from the steppes noth of the Black Sea and . . . Central Anatolia”; “amber from the Baltic region”;
“slaves”; “timber and even finisehd ships from the Turkish Black Sea coast”; “faience from Egypt”. (Korfmann,
1997, 2001, como citado em Kolb, 2004)
14
Consequentemente, a partir desta ideia, nasce a teoria de que tivessem existido uniões
comerciais como a Liga Hanseática medieval14 e que a Guerra de Tróia tivesse causas
comerciais, onde os estados micénicos se tivessem aliado com o intuito de controlar este
ponto de grande importância.
Frank Kolb contradiz a teoria de Korfmann no artigo intitulado por “Troy: A Trading
Center and a Commercial City?” publicado em 2004. Neste analisa tanto os achados
arqueológicos de Tróia e os encontrados noutros territórios que poderiam provir do local,
como as características das trocas comerciais neste período e compara as estruturas e achados
encontrados em Tróia com outras cidades que terão efetivamente desempenhado um papel
importante nesta área.
Arquivos encontrados no Egipto poderão esclarecer sobre o caráter das relações
comerciais. Estas eram feitas na forma de trocas de presentes entre os estados, uma conduta
bastante importante politicamente. Existe porém o problema de que nestas transações não
estava presente o fator do lucro, sendo assim baseadas nos princípios da equivalência e
reciprocidade. O baixo volume de objetos encontrados em Tróia e as estruturas da cidade
mostram-se insuficientes para suportar a teoria deste eventual papel. Quanto à travessia para o
Mar Negro, só será possível através de inovações navais mais tardias, nem o porto da cidade
(devido ao fator dos ventos) apresentava condições favoráveis para tão grande frequência de
tráfico.
Apesar destes fatores, poder-se-á porém admitir que terão existido relações com o
mundo egeu, uma vez que a maioria de objetos que não eram de origem local terão vindo
desta zona. É frequente encontrar-se cerâmica e outros materiais micénicos em Tróia em
todos os Estabelecimentos, bem como similitudes culturais. Quanto ao resto da Anatólia,
embora também se encontrem algumas semelhanças culturais e objetos, estes são por sua vez
mais escassos. Desta forma, será possível admitir a preferência da cidade ao manter relações
com os povos do litoral em relação ao interior.
Por fim, acredita-se que a sua economia se tenha baseado na agricultura, uma vez que
possuí condições favoráveis para esta atividade; recursos florestais; pastorícia; produção de
lanifícios; e na produção cerâmica. Artigos que poderiam eventualmente ser exportados.

14
If Troy . . . was allied with its main overseas trade partners and suppliers of goods, if there existed a king of
Hanseatic League” (Korfmann, 1997, como citado em Kolb, 2004)
15
10 Religiosidade

Ao longo de todos os Estabelecimentos até Tróia V são encontrados vários Ídolos


feitos de mármore ou outras pedras, osso e terracota, evidenciando uma continuidade de
culto.15 Acredita-se que estes se possa tratar de deuses dos lares, difundidos nas habitações
particulares. Uma vez que predominantemente femininas, as figuras têm sido associadas aos
cultos de fertilidade. Apesentam também uma semelhança com figuras contemporâneas da
Egeia Antiga de Cíclades.

Figura 13. Ídulos encontrados em Tróia II


Fonte: De Blegen, C., 1971, Tróia e os Troianos.

Já no estabelecimento de Tróia VI é encontrada ao longo da frente sul da Torre VIi


“uma fileira de pilares monolíticos retangulares ou menires”. Terá sido descoberta pela
primeira vez por Dörpfeld, que os interpretou como a prova da existência de uma espécie de
culto associada a esta área. Existe mesmo a possibilidade que houvesse um santuário dentro
desta torre. Num edifício relativamente perto, foram encontrados uma quantidade
surpreendente de ossos de animais, acompanhada de inúmeras manchas de queimado, de onde
se retira a teoria de que este espaço tenha sido um santuário onde fossem realizados sacrifícios
pelo fogo. (Blegen, 1963)

15
Figura 13.
16
11 Ritos funerários

“A raridade da ocorrência de sepulturas no interior . . . [dos Estabelecimentos] torna


claro o facto de, com exceção talvez do caso de crianças, não ser comum enterrar os mortos
adentro das muralhas da cidade.” Ao longo dos primeiros Estabelecimentos em Tróia são
encontradas frequentemente sepulturas de crianças enterradas sob o chão das casas. Os
exemplares eram enterrados ou “num poço baixo [coberto, ou] . . . numa urna de barro16”,
nenhum destes acompanhado por qualquer objeto.
Em Tróia II são encontrados pela Expedição de Cincinnati três corpos infantis
depositados, deitados sobre o lado de esquerdo17, numa pequena depressão escavada na
muralha.
Só referente ao Estabelecimento de Tróia VI é que é encontrado um grande cemitério
na Baía de Beşik, relativamente perto do local. Foram encontradas cerca de 20 urnas que
continham ossos e cinzas de adultos e crianças queimadas. A arqueóloga americana Maureen
Basedow interpreta este cemitério no contexto da sua semelhança com outros cemitérios
costais no oeste da Ásia Menor, onde não existe uma diferenciação direta entre a variedade
dos túmulos referentes às suas posições sociais em vida. Esta diferença é refletiva apenas na
arquitetura e nas escassas oferendas despostas acompanhando os corpos, destacando-se a
presença de vasos micénicos.

Figura 14. Urna contendo ossos de uma criança Figura x. Esqueleto de criança
em Tróia I. enterrada pertencente à fase
Fonte: De Blegen, C., 1971, Tróia e os Troianos. IIg.
Fonte: De Blegen, C., 1971, Tróia e
16
Figura 14. os Troianos.
17
Figura 15.
17
12 Conclusão

A Antiga Tróia encontra-se localizada geograficamente do monte de Hisarlik na região


da Anatólia, na atual Turquia. A sua história é composta por diversos Estabelecimentos
(também chamados de “cidades”), desde Tróia I até Tróia IX.
Só na segunda metade do século XIX, graças à imortalização que a literatura homérica
lhe providenciou é que a cidade será de novo redescoberta por Heinrich Schliemann.
Desde a sua fundação no início da Idade de Bronze Antiga até ao final do quinto
Estabelecimento, uma cultura que se terá fixado anteriormente relativamente perto do local no
Neolítico Final terá perdurado e deixado rastos de uma cadeia de progressão cultural sem
quaisquer sinais de quebra. Esta manifesta-se em várias áreas, como: Nas técnicas construção
das estruturas e planeamento urbano; costumes religiosos; ritos funerários; e no domínio da
cerâmica.
Apenas no Estabelecimento de Tróia VI é que se encontram provas de uma derradeira
quebra cultural, indicando a chegada de um novo povo que se terá estabelecido no local. Este
Estabelecimento terá perecido numa violenta perturbação sísmica que terá devastado toda a
cidade, mas esta que será reconstruída pelos seus resistentes, iniciando-se assim Tróia VII.
É Tróia VII que se acredita como ter sido o palco do lendário conflito armado tratado
na Ilíada, onde os destroços podem fornecer uma imagem do que este cerco e invasão terão
efetivamente sido, sem o envolvimento das figuras mitológicas, sem mesmo talvez dos seus
heróis. Após este acontecimento, a história da cidade torna-se mais incerta, no período
correspondente à transição para a Idade do Ferro.
Outra questão que tem gerado controvérsia, é referente ao papel desempenhado por
Tróia nas rotas comerciais de então. Duas hipóteses são apresentadas: Uma do professor
responsável pelas expedições nos finais do século XX, Korfmann, e outra de Franz Kolb. A
primeira confere-lhe um papel de derradeira importância, o que irá ser contraposto pelo
segundo, considerando esta hipótese como infundada e até anacrónica.
Para concluir, sabe-se que ao longo da sua existência, duas patentes prevalecem: O
caráter defensivo como fortaleza, imortalizada também no cerco de Tróia; e o contacto que
esta cidade terá tido com o outro lado do Egeu.

18
Fontes

Blegen, C. W. (1963). Tróia e os Troianos (2a ed., Coleção Historia Mundi). Lisboa: Editorial
Verbo.

Referências bibliográficas

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