Você está na página 1de 14

ABORTO: OS CONFLITOS DE

AUTOPROPRIEDADE ENTRE MÃE E FILHO


COLOCANDO O PONTO FINAL NO PRINCIPAL CONFLITO LIBERTÁRIO
Por Vinicius de Sousa
Ao longo da história humana, um dos debates mais acirrados sobre
direitos individuais é o polêmico Aborto, isto por que a mãe possui direitos
exclusivos de decisões a serem praticadas sobre o próprio corpo enquanto o
filho em seu ventre também é dotado da presunção de direitos naturais à vida,
liberdade e propriedade. Esta análise será realizada sob o ponto de vista da Ética
Libertária do tema, não do direito constitucional brasileiro, autores
conservadores, liberais sociais ou afins.

O QUE É A AUTOPROPRIEDADE?

A autopropriedade é o direito natural que todo indivíduo possui de uso


exclusivo sobre seu próprio corpo. É Direito Natural pois ele não é escrito, não
é criado pela sociedade, nem é criado pelo estado. Ele é intrínseco à todo ser
vivo portador de Razão ou de Consciência se assim preferir, naturalmente ele
é característico dos indivíduos da espécie humana por serem capazes de
interagir e resolver conflitos através do reconhecimento do direito alheio,
diferente de animais que apesar de terem cérebros, não possuem racionalidade
em nível de compreensão da existência do direito de propriedade que outros
possuem sobre recursos escassos. Logo, a autopropriedade é um direito
exclusivamente da natureza humana por ser a única espécie que evoluiu sua
racionalidade.

Murray Rothbard diz que os demais direitos humanos (Liberdade, Vida e


Propriedade) derivam da autopropriedade e do direito de propriedade de bens
escassos, o fundamento deriva de uma versão da noção lockeana
de homesteading (um indivíduo se apropriando de algo sem dono, em seu
estado natural, tornando-se assim o proprietário), o libertarianismo corretamente
se foca no conceito do primeiro uso de um recurso escasso e previamente sem
dono como sendo o teste essencial para se determinar a propriedade deste.
Pode ser identificada sua visão em seus livros, em especial Manifesto Libertário
e A ética da Liberdade sobre a autopropriedade.

O professor Hans Hermann Hoppe é o que o discípulo e continuador do


trabalho de Rothbard, fazendo a derivação ética do direito de propriedade de
forma lúcida e coerente que muitos juristas e acadêmicos do direitos pecam
fortemente em não lerem a respeito. É impossível argumentar contra a
autopropriedade sem entrar em contradição performativa ao tentar faze-lo. Se
uma pessoa propõe um argumento, ela ao fazer uso exclusivo do próprio corpo
é dona daquela ação, se tentar argumentar que tal proposição não é verdadeira
ela falha ao argumentar, pois ao concebe-lo será dono de sua ação, sendo sua
única alternativa não o proferir, o que impede o argumento ser criado. Esta é
uma explicação curta e muito resumida do argumento de Hoppe, mas é o que
deriva o axioma da autopropriedade, pois o propósito do artigo é falar sobre o
aborto no título seguinte.

Dito estas coisas, o Libertarianismo possui como consequência da


autopropriedade o Princípio da Não-Agressão (PNA), já que a autopropriedade
é um direito derivado a priori, por resultado lógico existe o princípio da não-
agressão, pois é uma lei natural, é válido universalmente, é imutável e não é
afetado pelo tempo. Veja bem, ao ser dono do próprio corpo (direito de
propriedade = uso exclusivo de algo), você tem o direito de fazer livre uso dele
(direito de liberdade) e se alguém atentar contra seu corpo, estará agredindo
seu corpo e lhe privando da liberdade de viver (Direito à vida). Ao iniciar uma
agressão à outro indivíduo, socialmente você não está reconhecendo tal
princípio como válido e portanto legítimo de ser praticado, inclusive contra a si
próprio, desta forma a vítima ou até mesmo terceiros, podem fazer uso de força
defensiva para parar cessar a agressão. O PNA não é um princípio pacifista
que rejeita o uso da força, ele é baseado em mutualidade e uso legítimo da
força. Se uma pessoa diz que a agressão contra seu corpo é legítima, então
não será uma violação, mas um ato consentido (como lutadores de MMA ou
Boxe), e deixará de ser legítima quando não mais consentir com isto (briga nos
bastidores).
A QUESTÃO DO ABORTO

O polêmico debate travado entre libertários tem início com o Rothbard no


Manifesto Libertário na seguinte citação:

A maioria das discussões a este respeito fica atolada em


minúcias a respeito de quando se inicia a vida humana, quando e se o
feto pode ser considerado um ser vivo etc. Tudo isto é realmente
irrelevante à questão da legalidade (mais uma vez, não
necessariamente à moralidade) do aborto. O católico contrário ao
aborto, por exemplo, afirma que tudo o que ele quer para o feto são os
direitos de qualquer ser humano — isto é, o direito de não ser
assassinado. Mas há mais questões envolvidas aqui, e esta é a
consideração crucial. Se vamos tratar o feto como tendo os
mesmos direitos que os seres humanos, então devemos
perguntar: que ser humano tem o direito de continuar, sem que
isto tenha sido algo voluntário, a ser um parasita indesejado do
corpo de outro ser humano? Este é o ponto essencial da questão: o
direito absoluto de todas as pessoas e, logo, de todas as mulheres, à
propriedade de seu próprio corpo. O que uma mulher está fazendo,
num aborto, é fazer com que uma entidade indesejada dentro de seu
próprio corpo seja expulsa dele; se o feto morrer, isto não refuta o ponto
de que nenhum ser tem o direito de viver, sem que isto tenha sido
desejado, como um parasita dentro ou sobre o corpo de qualquer
pessoa.

A réplica comum de que a mãe ou desejava, originalmente,


ou pelo menos foi responsável por colocar o feto dentro de seu
corpo passa, mais uma vez, longe do ponto da questão. Mesmo
no caso mais forte em que a mãe tenha originalmente desejado a
criança, a mãe, como possuidora da propriedade de seu próprio
corpo, tem o direito de mudar de ideia e expulsá-lo. (ROTHBARD,
M. 1950)

Este posicionamento gera fortes debates no meio libertário por haver


quem diga que ao expulsar o feto, haveria a violação da autopropriedade da
criança sobre seu próprio corpo. Que a ação da mãe equivale ao assassinato. O
mais famoso exemplo foi dito por Paulo Kogos a seguir:

“[o aborto] a mesma coisa que uma pessoa convidar alguém a


passear de avião e depois querer expulsar dele em pleno vôo e sem
paraquedas. Claro que tal expulsão resultaria na morte do convidado.
O mesmo é com o feto, a sua expulsão (dependendo do mês de
gestação) resulta na sua morte.” – Paulo Kogos

Dito isto, há libertários que alegam ser o aborto uma iniciação de violência
contra a criança no interior do útero materno, nem invadiu o corpo da mãe, mas
foi colocada ali por ato sexual anterior. Vejamos os principais argumentos:
“A mãe apesar de ser dona do próprio corpo,
não pode violar o PNA do feto que também é auto
proprietário do próprio corpo.”

Neste argumento o defensor dá ao feto o direito de autopropriedade sem


primeiro definir em qual momento o feto se torna portador de tal direito. Stephan
Kinsella no artigo “Quando nos tornamos donos de nós mesmo” 1 explica de
forma excelente, com citações contundentes de Hans Hermann Hoppe sobre a
autonomia da mãe nesta escolha.
O direito de propriedade é objetivo, para possuir alguma coisa deve-se
adquiri-la como primeiro usuário. A mãe, no entanto, é aquela que inicialmente
produz o feto, concede material genético, sangue, nutrientes e desenvolvimento.
Por pouco poder-se-ia alegar que a mãe é dona do mesmo por homestead,
porém com a atividade cerebral da criança, há o surgimento de consciência e
portanto ele se torna primeiro usuário, capaz de fazer ações exclusivas com o
corpo (como mover braços, algo que a mãe seria incapaz) e possuidor com elo
objetivo e direto sobre ele. Kinsella ainda argumenta que a apropriação do corpo
é um direito ligeiramente diferente em função da natureza dele:
Então, para objetos originalmente apropriados — recursos
previamente sem dono —, o elo objetivo é o primeiro uso. Tem
de ser assim pela natureza da situação.
Mas para corpos, as coisas não são as mesmas. Como
observado acima, uma pessoa não é de fato a “primeira usuária”
de seu corpo da mesma maneira que uma pessoa é a primeira
usuária de um objeto previamente sem dono que se torna sua
posse. Não é como se o corpo estivesse lá, a esmo e sem uso,
solitário, esperando que um ocupante se apropriasse dele. E tem
mais: como observado acima, o ocupante não é exatamente o
primeiro usuário de seu corpo, em relação a seus pais.
Adicionalmente, apropriar-se originalmente de um recurso
sem dono pressupõe que uma pessoa já tenha um corpo, o qual
ela usa para agir no mundo e para se apropriar originalmente de
objetos sem dono. Mas esse não é o caso quando se trata de
“apropriar-se originalmente” de um corpo. Uma pessoa só vai ter
um corpo quando já tiver ganhado direitos sobre ele.
(KINSELLA, S.)

Porém qual momento o feto deixa de ser um amontoado de células para


se torna alguém vivo e usuário exclusivo daquele corpo? Existem teorias

1
Disponível em: <http://rothbardbrasil.com/como-nos-tornamos-donos-de-nos-mesmos/> Acesso em
20 de jun. 2018
jurídicas a respeito, a naturalista alega que no momento do nascimento o bebê
se torna portador de direitos da personalidade; a concepcionista que o direito
é o momento da concepção; e a que tem sido mais aceita atualmente e que no
ponto de vista de muitas pessoas é mais plausível e moralmente aceitável é que
se justamente quando se encerra as atividades cerebrais é que o indivíduo será
dado oficialmente como morto, podendo ter seus órgãos transplantados em
outras pessoas caso seja doador, a vida tem origem no momento que inicia-
se a atividade cerebral.
Para muitos libertários, esta última é a mais plausível, tanto pela moral
quanto pela ética libertária, pois para o naturalista um bebê de 8 meses e 29 dias
não tem direito algum, apesar de ser capaz de pensar, sentir dor, reconhecer a
mãe, fazer uso dos sentidos e ter sentimentos; o concepcionista trata o
amontoado celular como um ser humano, o que faria várias clinicas de
inseminação artificial serem consideradas assassinas por não fecundarem as
clientes com os zigotos excedentes que não serão implantados no útero
materno.
Stephan Kinsella argumenta o seguinte:

Então, quem é o dono do corpo de uma criança? Inicialmente,


os pais o são, como um tipo de tutor temporário. Os pais, como os
produtores da criança, têm um elo objetivo ao corpo da criança, um elo
que anula qualquer reivindicação por parte de estranhos (a menos que
os pais rompam esse elo ao abusarem de sua posição). Ou seja: os
pais têm mais direitos sobre a criança do que quaisquer
estranhos, por causa de seu elo natural com a criança. Entretanto,
quando a criança se “apropriar” de seu corpo, estabelecendo o
necessário elo objetivo suficiente para estabelecer a auto-propriedade,
a criança se torna um adulto, por assim dizer, e agora passa a ter uma
melhor reivindicação sobre seu corpo em relação a seus pais.
(KINSELLA. S)

Hoppe reconheceu essa conclusão em seu tratado de 1989, no qual ele


escreveu:

É valioso mencionar que o direito de propriedade proveniente da


produção encontra sua limitação natural somente quando, como no
caso das crianças, a coisa produzida é ela mesma um outro agente-
produtor. De acordo com a teoria natural da propriedade, uma
criança, uma vez nascida, é tão dona de seu próprio corpo quanto
qualquer outra pessoa. Então, não apenas a criança tem o direito de
não ser fisicamente agredida, mas como dona de seu próprio corpo a
criança tem o direito, em particular, de abandonar seus pais uma vez
que esteja capaz de fugir deles e dizer “não” às suas possíveis
tentativas de recapturá-la. Os pais apenas têm direitos especiais com
relação à sua criança — proveniente de seu status único de produtores
da criança — enquanto eles (e ninguém mais) puderem reivindicar o
direito de serem os tutores da criança. E isso só acontece enquanto ela
for fisicamente incapaz de fugir e dizer “não”. (HOPPE, H.H. 1989)

Sem dúvida fica muito claro o que os escritores libertários argumentam a


respeito, QUE O BEBÊ SÓ POSSUI PNA APÓS NASCIMENTO COM VIDA.
Todavia, em respeito daqueles que acreditam que ninguém é perfeito e
acabam escrevendo coisas moralmente questionável, o argumento defendido
neste artigo será que a criança é autoproprietária com atividade cerebral.
Há quem afirme que a atividade cerebral não é parâmetro para definir se
um indivíduo é dotado do direito de não sofrer agressão, pois poder-se-ia
justificar alguém dar facadas em uma pessoa em estado vegetativo, em coma
ou dormindo. Porém tal argumento é uma falácia, tais indivíduos já são
proprietários de seus corpos e não podem sofrer agressão, enquanto o zigoto e
o feto ainda não realizaram a apropriação deles. Uma prova interessante a este
respeito é o bebê anencefálico, pois desenvolve no útero sem formação cerebral,
causando longo sofrimento pela mãe durante o período da gestação e quando é
separado dela ao nascer, é um natimorto. Ele nunca foi um ser vivo durante a
gestação portador de direitos individuais, pois sua consciência nunca existiu.
Mas todo ser humano que tenha atividades cerebrais, apropriou-se do seu corpo,
é dotado de direitos e caso venha ficar deficiente no futuro, ainda possui
atividade cerebral mesmo que ínfima, se tornando morto com a ausência
completa.
Dito isto, antes de acontecer a apropriação original pela atividade cerebral
do usuário o feto é um corpo que a mãe é possuidora e única com direito
exclusivo de tomar decisões a respeito do aborto ou continuidade da gravidez
mais do que qualquer terceiro que queira opinar sobre o assunto, o pai também
tem o direito de tratar o assunto com a mãe, pois como cedeu metade do material
genético, também é coparticipante nas decisões sobre a vida do feto da mesma
forma que também é coproprietário em zigotos de inseminação artificial (mas
não é sócio sobre o uso do útero, apenas sobre o feto).
Portanto, sobre este argumento fica claro: O ABORTO ANTES DA
ATIVIDADE CEREBRAL É TOTALMENTE COERENTE COM A ÉTICA
LIBERTÁRIA SEM QUALQUER DÚVIDA A RESPEITO DISTO. Este é o
argumento mais protetivo possível que um libertário de viés mais conservador
pode conseguir defender em prol do feto. Mas PARA ROTHBARD, HOPPE E
KINSELLA O ABORTO É COERENTE COM ÉTICA EM QUALQUER
MOMENTO DA GESTAÇÃO.

“O direito à vida é o mais importante de todos, pois é


a partir dele que se pode adquirir o direito de
propriedade, liberdade e os demais”

O “direito à vida” apesar de soar bonito, pela lógica libertária, não é o


direito originário, mas uma consequência do direito de propriedade como foi dito
anteriormente, é graças ao direito de autopropriedade que outras pessoas
devem se abster de iniciar agressão ao indivíduo, portanto vida é uma condição
estar vivo e não um direito propriamente, o direito que todo indivíduo possui é de
não ter seu corpo agredido e de não ser impedido de viver pois violaria o seu
direito de propriedade, o “direito à vida” portanto é um direito negativo.

“O feto tem o direito de não sofrer violência por estar


involuntariamente dentro da mãe, afinal de contas ele
não invadiu o corpo dela, ele não é um agressor e por
isso não pode ser punido pela genitora”

Este argumento é interessante de ser citado, pois quando Rothbard fala a


respeito da mãe poder expulsar o parasita de seu corpo se assim decidir, trata
como se o feto fosse um invasor, tal como um ladrão que adentra a propriedade
de uma pessoa e tenta viver ali contra sua vontade. Libertários contra o aborto
alegam que a criança não pediu pra existir e foi colocada ali por outros, que
podem ser por ação da mulher em ato sexual consentido com um homem ou
fruto de ato não consensual na qual um estuprador pratica atos libidinosos com
a mãe.
O aborto em ambos casos para os pro life não deve ser aceito, pois a
criança é vítima das ações de terceiros assim como uma vítima de sequestro é
colocada contra a vontade dentro de um carro roubado, se o dono legítimo do
veículo decidir mata-la seria homicídio, pois estaria transferindo a culpa do
agressor para uma vítima dele. Este argumento apesar de correto a respeito da
criança não ser uma invasora, está errado em dizer que a mulher não pode
remove-la. Pois o dono do veículo no exemplo citado, pode remover o indivíduo
de dentro da propriedade dele fazendo uso proporcional da força e razoabilidade.
O mesmo se aplica à mulher que deseja retirar uma pessoa de dentro de
sua propriedade, cito o texto destacado na citação anterior de Rothbard: “Se
vamos tratar o feto como tendo os mesmos direitos que os seres humanos,
então devemos perguntar: que ser humano tem o direito de continuar, sem
que isto tenha sido algo voluntário, a ser um parasita indesejado do corpo
de outro ser humano?” A ação da mãe portanto não trata se o feto é agressor
ou não de seus recursos intrauterinos, mas se seu direito de propriedade é válido
ou não. Pois ao admitir que “um ser humano pode ser um parasita involuntário
na propriedade de outro ser humano”, por consequência, admite-se que se uma
pessoa sequestrada for colocada dentro da casa de alguém, esta pessoa está
fadada a cuidar da vítima pelo resto da vida caso sua vida dependa disto.
Imagine então, se esta pessoa está ligada, através de aparelhos, ao corpo do
indivíduo que deverá ceder sangue e nutrientes para sua sobrevivência? Tal
direito é inexistente, admiti-lo seria dizer que pessoas não possuem direito
exclusivo sobre seus corpos, mas que é apenas parcial.
Se uma pessoa possui apenas direito parcial sobre o próprio corpo,
quanto é esta fatia? Qual é a fatia que outras pessoas podem usar contra seu
consentimento? Se as pessoas possuem em média 28.251 dias para viver a sua
vida (pressupondo que você é inteligente o suficiente para sobreviver todo esse
tempo), mesmo que você viva até 100 anos, isso é 36.500 dias. Agora,
suponhamos que você diga que as pessoas possuem poder apenas sobre 99,9%
de autonomia e uso exclusivo do próprio corpo. Você estará admitindo que outras
pessoas, contra sua vontade, possuem direito violar o consentimento no uso de
seu corpo por 28 à 36 dias de estupros coletivos inacabáveis, mutilações,
exposição à risco de vida e todo tipo de atrocidade desumana, se tais
barbaridades são crimes abomináveis quando praticada uma única vez contra
alguém, pode-se alegar então que o consentimento no uso pode ser ignorado,
mesmo que seja uma pouquinho? “Mas manter o feto vivo é uma boa causa,
mesmo que seja cedendo seu sangue, nutrientes e ter a própria vida vulnerável”.
Então se depender de salvar a vida de pessoas, alguém deve ser forçado a doar
metade do fígado?
Portanto, para ética libertária Rothbard, Hoppe e Kinsella estão corretos
em NÃO ADMITIR QUE O DIREITO DE AUTOPROPRIEDADE DA MULHER
SEJA RELATIVIZADO PARCIALMENTE. O argumento de expulsão de
Rothbard está coerente, por mais frio e desumano que possa parecer, mais
desumano ainda seria violar a necessidade do consentimento da mulher sobre
o uso do corpo dela.

“A liberdade é acompanhada de responsabilidade.


Quando homem e mulher se unem na prática sexual,
eles sabem que existe a possibilidade de suas ações
gerar uma gravidez, mesmo que indesejada, portanto
se tornam responsáveis pela vida do feto e não
podem aborta-lo” – Raphael Lima

Este argumento trata-se de culpabilidade dos agentes, pois o ato sexual


consentido implica no reconhecimento que esta ação livre pode gerar uma
gravidez indesejada, na qual ficam obrigados a se responsabilizar.
É importante ressaltar que o consentimento dos envolvidos é com o ato
sexual, não com a gravidez, não há de se falar que isto implica em manter a
gravidez, seria o mesmo que dizer “Se uma pessoa fuma cigarro, ela reconhece
o risco de contrair câncer, portanto ela não poderá realizar tratamento que tente
remove-lo” ou ainda, “Se uma pessoa saiu de casa e deixou a porta destrancada,
ela consentiu em ser invadida e roubada”. Ora, é evidente que presumir a
responsabilidade ou consentimento dos agentes é um argumento estapafúrdio.
Mas por amor ao debate e não ficar dúvidas a respeito, é importante
explicar que no Direito a culpa das pessoas podem se dar por diversas formas e
seu grau de responsabilização é proporcionalizado, lembre-se que o aborto
antes do feto ter atividade cerebral já está resolvido, aqui se trata da
responsabilidade com o bebê após se tornar um ser consciente:

• Dolo Direto: O autor prevê um resultado e possui intenção de realiza-lo;


• Dolo Indireto Eventual: O autor não quer realizar o resultado, mas
assume o risco. Ex: O casal pratica sexo desprotegido, eles sabem que
há o risco de gravidez, mas assumem o risco e irão cuidar do bebê;
• Culpa Consciente: O autor prevê um resultado, mas acredita que não
acontecerá ou que pode evita-lo com sua habilidade. Ex: O rapaz faz sexo
sem camisinha, mas acredita que é capaz de controlar sua ejaculação e
evitar gozar dentro da parceira;
• Culpa Inconsciente: O autor não prevê o resultado da sua ação, que era
objetiva e subjetivamente previsível, mas acaba causando o resultado.
Geralmente por imprudência, negligência ou imperícia. É o caso de
adolescentes que não tiveram educação sexual na escola, ou não tem
internet para aprender a respeito, ou não foram orientados em casa sobre
métodos de prevenção pois a família é conservadora demais para
conversar sobre o assunto, aconselhando apenas que não façam sexo
antes do casamento. Estes adolescentes, motivados pelo ímpeto sexual,
fazem sexo desprotegido e se fodem (literalmente);
• Acidente: O autor não quer gerar o resultado, mas acaba gerando o
resultado por causa de circunstâncias alheias à sua vontade ou sobre o
qual não tinha controle. Ex: A camisinha estourou ou as pílulas
contraceptivas que a garota ingeriu não funcionaram corretamente,
causando a gravidez acidental;

Neste argumento, os defensores pro life acreditam que os genitores


possuem compromisso com o bebê e por causa do sexo são responsabilizados
pela consequência deste ato. Se libertários forem tratar tal relação como ato
criminal, só haverá punição onde houve dolo, não há responsabilização nos
casos e culpa ou acidente, quando há previsão legal de punição para atos
culposos, a punição geralmente é reduzida ou ignorada. Se libertários forem
tratar tal conduta na esfera cível, os agentes são responsáveis pelos atos
dolosos e com culpa consciente, mas no caso de culpa inconsciente os prejuízos
é dividido entre o agente e o prejudicado, e, nos casos de acidente, o agente não
possui qualquer reponsabilidade, ficando o prejuízo totalmente com o
prejudicado.
Sabendo disto, os libertários pro life terão de acusar a responsabilidade
nos casos específicos e individualizados, pois a reponsabilidade dependerá do
caso concreto. Portanto, em alguns deles, como acidentais ou
inconscientes o aborto seria legítimo, livre de responsabilização. Se o dolo
e culpa estão internalizados nas pessoas de forma subjetiva, como
exatamente libertários irão apurar a intenção dos agentes no ato sexual se
não há nenhuma testemunha da vontade além dos acusados?
É curioso imaginar libertários católicos tentando forçar os acusados dizer
que estavam pensando no momento do sexo e quais os detalhes do coito para
apurar o grau de responsabilidade que tinham com o bebê abortado, pois na
esfera penal eles tem direito ao silêncio e de não produzirem provas contra si
mesmos. Se a responsabilidade for na esfera Cível, após apurado a
responsabilização, quem será indenizado? O bebê está morto e os herdeiros são
os pais, como proceder? A exclusão por indignidade é fruto de direito positivo,
na qual o estado regula e cria norma nos direitos de sucessões dizendo que
aquele que atentou contra a vida de alguém não será herdeiro do mesmo, mas
não é lei natural derivada da ética, é fruto da moralidade de legisladores.
Libertários pro life se tornaram conservadores a ponto de criar um estado privado
para regular isto?
Neste tipo de argumento sobre responsabilidade objetiva, fica dito: O ATO
DE ABORTAR NÃO CONFLITA COM A ÉTICA LIBERTÁRIA EM SI, POIS A
RESPONSABILIDADE É IMPRECISA DE SER APURADA E APLICA-SE O
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.

“[o aborto] a mesma coisa que uma pessoa


convidar alguém a passear de avião e depois querer
expulsar dele em pleno vôo e sem paraquedas. Claro
que tal expulsão resultaria na morte do convidado. O
mesmo é com o feto, a sua expulsão (dependendo do
mês de gestação) resulta na sua morte.”
– Paulo Kogos

Paulo Kogos em seu exemplo tenta argumentar sobre a presunção de


tutela segura do convidado, pois ao aceitar a viagem o indivíduo presume que
será levado em segurança do ponto A ao ponto B. Ele reconhece que sim, o
proprietário tem direito de mudar de ideia sobre o acordo, a natureza do seu
argumento está na execução imediata desta expulsão que resultará na morte do
passageiro quando o certo e proporcional é faze-lo retornar no mesmo grau de
segurança que estava anteriormente antes do acordo.
Baseado nisto, o que Paulo Kogos não percebe ou propositalmente ignora
simplesmente por que seu viés Católico corrompe a coerência que deveria ter
com a ética libertária (e abdicar da razão quando ela conflita com sua fé), é que
diferente do passageiro do avião que a condição anterior ao acordo de viagem é
estar em segurança em terra, a condição anterior do nascituro é a inexistência
de vida.

“A expulsão precoce da criança ainda incapaz de


sobreviver sozinha viola o princípio da
proporcionalidade do direito materno de propriedade
sobre o próprio corpo, ela deve esperar o tempo
necessário para retira-lo em segurança”

Uma interpretação diferente do argumento anterior, mas igualmente


discutível, pois a princípio da proporcionalidade trata-se do uso moderado da
força para cessar uma injusta violação ou o risco de violação de direito.
Este princípio é de suma importante para a Ética Libertária, pois ele
previne a escalada da violência, se uma pessoa invade o quintal da sua casa e
pisa na grama, não justifica dar um tiro de bazuca nela por ter violado o PNA, a
ação proporcional é pedir que se retire e se ela recusar, remove-la com uso
moderado da força necessária apenas para cessar a violação. Violência é a
última opção a ser utilizada, mas que é admissível se não for possível usar outros
meios menos agressivos.
O problema no aborto é a impossibilidade de diálogo com o feto, ou de
remove-lo em segurança sem que isto lhe cause uma inevitável morte. Se fosse
possível transferir o bebê intocado para um útero artificial, o aborto sequer seria
um problema a ser discutido, o debate seria acerca da reponsabilidade e tutela
com a criança e não da retirada precoce com resultado morte. A grande
dificuldade da proporcionalidade no aborto é ser impossível sua remoção sem
uso da violência.
Neste sentido existe duas formas do bebê morrer:
• Morte durante o aborto: Mesmo que cause a morte, a retirada é
proporcional por ausência de outros meios eficazes para retira-lo com
vida, em alguns casos quando ele já está com vários meses de gestação,
é possível remover com o nascimento precoce para que ele sobreviva em
incubadora.
• Morte após o aborto: Neste caso, o bebê é retirado com vida, porém ele
morre por ser incapaz de viver de forma independente.

É importante lembrar novamente que o direito à vida como dito em


páginas anteriores, é um direito negativo e não um direito positivo, ninguém
é obrigado a manter alguém vivo contra seu consentimento, seria absurdo
imaginar que alguém fosse obrigado a doar um rim para um parente que faz
hemodiálise. Ninguém é forçado a pagar as custas de tratamento hospitalar para
alguém em coma no leito de hospital. Assim sendo, a mulher que se recusa a
manter o feto vivo em seu útero não pratica homicídio ao retira-lo e sobrevir a
ele sua inevitável morte natural.
Vejamos o que diz Rothbard sobre os direitos e obrigações serem de
natureza positivas ou negativas no capítulo As crianças e seus direitos no livro
A Ética da Liberdade:
Se considerarmos primeiro o argumento do desamparo, então
antes temos que considerar a questão geral de que é uma falácia
filosófica afirmar que as necessidades de A justamente impõem a B
obrigações coercivas de satisfazer estas necessidades. Porque, deste
modo, os direitos de B são violados. Segundo, se é possível afirmar
que uma criança indefesa impõe obrigações legais a alguém, por que
especificamente a seus pais e não a outras pessoas? O que os pais
têm a ver com isso? A resposta, obviamente, é que eles são os
criadores da criança, porém isto nos leva ao segundo argumento, o
argumento da criação.
Então, considerando o argumento da criação, ele imediatamente
exclui qualquer obrigação de uma mãe manter vivo um filho que tenha
sido resultado de um ato de estupro, já que este não foi um ato
livremente empreendido. Ele também exclui qualquer obrigação de um
padrasto, madrasta, tutor ou pais adotivos que não participaram de
maneira alguma da criação da criança. (ROTHBARD, M.)
CONCLUSÃO

Espero que este artigo tenha finalmente instruído os leitores na


compreensão deste tema tão desnecessariamente polêmico no meio libertário,
a uniformidade dos principais teóricos libertários sobre o tema em manter a
posição da legitimidade da mulher praticar o aborto ser um direito exclusivo
inegável.
Para aqueles que tentam a todo custo afirmar que existe algum tipo de
responsabilidade para com o nascituro na ética libertária, resta claro que estão
errados, nenhum dos principais argumentos pro life citados ao longo do artigo
entram em conflito com a ética libertária, sendo muito deles resultado do viés
conservador de uma pequena parcela de libertários brasileiros que se recusam
a aceitar a liberdade como ela é por inteiro, querendo selecionar aquilo que
convém, rejeitar quando conflita com sua moralidade e fazer todo tipo de falácia
para induzir pessoas ao erro nos grupos do Facebook e Hangouts ao vivo ao
tentar impor suas opiniões como arautos da justiça e sabedoria universal. É triste
ver que isto acontece inclusive com os libertários que se proclamam
céticos/agnósticos mas que defendem argumentos religiosos.
Tem que saber distinguir a moralidade que é subjetiva por ser intra
persona, da ética que é objetiva por ser extra persona, não são as mesmas
coisas e trata-los como semelhantes é nocivo e perigoso para o desenvolvimento
e educação das pessoas sobre o a ética da liberdade. Moralmente posso me
opor ao aborto, mas devemos ser obrigados a reconhecer que não há conflito
ético.
É importante denunciar a desonestidade intelectual que é praticada por
membros notórios do Libertarianismo Brasileiro em tentar tornar suas opiniões
pessoais conservadoras como “Ética Libertária”. A desinformação que manipula
os leigos nas páginas e grupos do Facebook, no Youtube e nos Hangouts é
lamentável e deve ser combatida de maneira intransigente por todo Ancap que
tenha compromisso com a verdade e seja ideologicamente honesto. A fama
subiu à cabeça e pior, se acham em condições de chamar outros de burros,
libertinos, abortistas, irresponsáveis, assassinos de bebês e o que mais acharem
conveniente do alto de suas torres de marfim, com seus egos super inflados e
vaidade que mancham e envergonham seus precursores.

Você também pode gostar