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Cultura Indígena Nativa – parte 2

Pajé. Do tupi “pa’ye”, bruxo, feiticeiro. O pajé é igual ao xamã; É o ser encarregado de realizar
os rituais, curas, é o líder espiritual. É um sacerdote, profeta e curandeiro.

Certa vez, ouvi alguém dizer que é muito difícil extrair alguma palavra de um indígena,
principalmente se for um pajé. Achava que isso era mito. Mas, pelos poucos contatos com
esses seres, pude comprovar tal fato. Realmente, para eles, quando um juruá (homem branco
em tupi) abre dialogo, só interessa uma coisa: se realmente a intenção é de conhecer,
aprender e respeitar seu povo e sua tradição. Se for para adquirir conhecimento e se
beneficiar de algum modo, para ganhar dinheiro, ou mesmo para banalizar e deturpar a
cultura indígena, certamente não abrirão a boca. A sabedoria indígena permite que cada índio
sinta internamente o que o homem branco quer de fato quando há o contato. Mas, se a busca
é sincera e verdadeira, se você é humilde, você entra em sintonia. Há uma relação de honra,
de fato. Podemos ficar uma semana dentro de uma aldeia e não recebermos nenhuma
informação ou explicação do que está se passando, e de repente, no momento certo, alguém
da tribo, ou mesmo o pajé, diz algo, que você perceberá que é um aprendizado que será útil
por toda a vida. Tive a honra e a gratidão de um pajé, que não quis ser identificado, certa vez
me dizer: “A sabedoria ancestral nativa (indígena) é muito mais profunda do que imaginamos,
mas ela só pode ser acessada se a busca for real, se o coração for puro e se o espírito for
nobre.

Na tradição guarani, existem alguns rituais que são parte da identidade de sua cultura. Dentre
eles, o ritual do pôr-do-sol. Nhamandu (O Deus Sol em tupi) é desde os tempos mais remotos,
cultuado por vários povos. Com o guarani, não é diferente. A figura de Nhamandu, significa
que há um centro visível para nós que simboliza o Comando que Cuida de tudo, que é invisível.
A figura do Sol âncora uma Presença que está além de nossa compreensão.
A erva-mate (planta sagrada) simboliza a filha de Nhamandu, e a festa se inicia, assim que
Nhamandu se recolhe. O ritual é guiado pelo pajé, e o sentir, o se conectar, o silenciar e o
agradecer são o mais importante. Após a defumação do petynguá (cachimbo), que harmoniza
e reequilibra o ambiente e as pessoas, se faz uma oferenda à erva. Todos tem um pouco em
suas mãos, todas sentem, física e invisivelmente. O rito sagrado acontece no local sagrado – a
casa de rezas, ou opy, na língua nativa. Nhamandu abre passagem para a vinda de Jaci (O Sol
abre passagem para a Lua).

Para os guarani, os pontos cardeais tem seu aspecto, simbologia e importância.


Resumidamente, o Norte é Jakaira, deus que representa o trazer dos ventos e bons fluidos. O
Leste é Karai, deus do fogo e das forças de atrito e purificação. No Sul, Nhamandu, deus do Sol
representa a origem do tempo-espaço primordial. No Oeste, Tupã, é deus do trovão, mas
também é relacionado as águas do mar e das chuvas.

Viajando para Pernambuco, nordeste brasileiro, vamos encontrar, na etnia Pankararu, suas
cerimônias religiosas e tradicionais, como o caso dos “Praiá”, que é uma veste constituída de
algumas peças: tunã (máscara que cobre todo o rosto e o corpo, feita da fibra de kroá), um
saiote feito do mesmo material, uma coroa, um penacho feito das plumas das penas do peru e
uma cinta (representada por um tecido). Além disso a pessoa que participa como Praiá usa
uma maracá e uma flauta. Este ritual é uma festa cerimonial em homenagem a algo ocorrido
na comunidade, como uma cura, por exemplo. Se reverencia e agradece sempre, aos
Encantados (entidades sagradas que protegem a comunidade e permitem as curas). A forma
material dos Encantados se manifestarem é justamente representada nos “praiás”.
Estes seres denominados de Encantados, são entidades sagradas que habitam na natureza.
Não vivem mais entre os homens, e sim nas matas, cachoeiras e em toda manifestação de vida
na natureza, sendo considerados ancestrais do povo Pankararu. Se tornaram Encantados após
a passagem de plano existencial. Recorrem-se à eles, pois auxiliam na cura das pessoas,
orientação espiritual, prosperidade da comunidade, entre outras finalidades pessoais,
familiares e/ou comunitárias.

O ritual acontece num mesmo local para que se firme uma constância de algo sagrado num
espaço sagrado, que propicie cada vez mais a manifestação e relação direta e completa da
intenção da cerimônia. (1)

foto 1
Ritual dos Praiá – realizado no Real Parque, bairro da cidade de São Paulo.
Crédito: Rafael de Almeida Leitão
Imagens autorizadas por Maria das Dores C. P. do Prado (Dora Pankararu) - Presidente da
Associação Indígena SOS Comunidade Indígena Pankararu - Liderança Pankararu em São Paulo

Da tradição religiosa indígena nordestina, além do Toré, outro ritual muito antigo e conhecido
é a Jurema Sagrada – chamada também de Catimbó (remanescente do litoral da Paraíba, Rio
Grande do Norte e no Sertão de Pernambuco). Vamos citar aqui a maneira tradicional deste
ritual, conforme o conhecimento indígena das invocações dos espíritos de antigos pajés e dos
trabalhos realizados com os encantados das matas e dos rios.
A palavra jurema vem do tupi “Yu-r-ema” (planta com espinhos). É uma planta sagrada, repleta
de poder, simbolismos e tradições de encantamento para os indígenas. Suas cascas, raízes e
sementes são utilizadas em bebidas, banhos, remédios e defumadores para a cura de todos os
males, tanto físicos como espirituais.
A bebida ou o vinho da jurema (chamada garrafada nordestina), feita com a casca do tronco da
árvore, é bastante utilizada nos rituais religiosos.
Os pajés e caboclos acreditam no poder mágico da árvore e da planta juremeira.

A preparação começa antes do ritual, e a sintonia com os seres da natureza faz com que se
tenha sucesso em todo processo de cura. O Catimbó é um culto de possessão, de força, de
firmamento das raízes. Na ingestão da bebida, ocorre o contato com os Mestres – entidades
de outros planos, que se manifestam como espíritos ancestrais, muitas vezes de pajés,
curandeiros e chefes de comunidade. Estas entidades, se acoplam, e proporcionam no pajé a
possibilidade de ser um intermediário para a cura de doenças (físicas, emocionais e
espirituais), auxílio na tomada de decisões, reequilíbrio das pessoas e do ambiente, entre
outros benefícios.

Além da ingestão da bebida, o culto da jurema se caracteriza também pela utilização do fumo,
usado para o processo de defumação, que é obtida com a fumaça dos cachimbos. A fumaça
espanta as más energias, traz os ventos benéficos da harmonia e inspira à reflexão.
No contato com a bebida sagrada, a entrada num estado alterado de consciência, onde são
possíveis contatos com o mundo dos símbolos, o lado sombra da alma, as forças da natureza e
a troca de energia com todo esse ambiente favorável à interiorização e à cura (2).
Não podemos esquecer de alguns ingredientes fundamentais no Sagrado Catimbó – Culto à
Jurema: O respeito, a entrega, a vontade de crescer espiritualmente e a honra nas relações
com todas as formas de vida.

Comentários/Referências Bibliográficas:
1 – Alguns destes ensinamentos foram compartilhados pelos indígenas Pankararu que vieram
para São Paulo há aproximadamente 20 anos. Com a migração de alguns indígenas da etnia, se
instalaram na zona oeste da cidade, na comunidade no bairro Real Parque. Lá, continuam
mantendo sua cultura e tradições, como o ritual dos Praiás.

2 - BRANDÃO, Maria do Carmo Tinoco; NASCIMENTO, Luis Felipe Rios do. O catimbó-jurema.
Clio, Serie Arqueológica, Recife, v.1, n.13, p.71-94, 1998.
- ANDRADE, José Maria Tavares de. Jurema: da festa à guerra, de ontem e de hoje. Disponível
em: <http://www.ufrn.br/sites/evi/metapesquisa/velhos/jurema.html>. Acesso em: 26 set.
2011.

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