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12 a 14 de Junho de 2013
Introdução
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Considerações históricas
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assiste-se nos séculos XV e XVI a uma verdadeira recepção do direito romano como
direito subsidiário na maior parte dos países da Europa Ocidental”.
No século XIII os sistemas de provas racionais substituíram as provas
irracionais. Ocorre que “As partes deixam de recorrer a Deus para resolver seus
conflitos; pedem a juízes, ou mesmo a árbitros, para investigarem a verdade e decidirem
tendo em conta regras de direito. Justiça e equidade aparecem como fundamentos do
direito” (GILISSEN, 2003, p. 241).
No contexto, a formulação de um direito objetivo sobrepõe-se à massa dos
direitos subjetivos. O autor lembra que durante a época feudal a formulação de regras
jurídicas tende quase exclusivamente para o enunciado de direitos subjetivos, ou seja,
direitos de uma ou de certas pessoas em relação a uma ou algumas outras pessoas. As
obrigações do vassalo para com seu senhor são utilizadas como exemplo pelo autor.
Enfim, o fato é que desde o século XII, por toda parte na Europa, podem ser
percebidos os primeiros esforços de formulação de um direito objetivo. São regras
aplicáveis a todos os habitantes de determinado território ou a todos os membros de um
grupo social, gozando de certa autonomia política.
No que se refere à Época Moderna (séculos XVI-XVIII), o autor chama a
atenção para certa continuidade do medievo. A afirmação é de que “A maior parte de
seus aspectos característicos aparecem já no século XIV, ou até no século XIII;
desenvolvem-se progressivamente nos séculos XV e XVI e estabilizam-se nos séculos
XVII e XVIII” (GILISSEN, 2003, p. 244).
Na discussão que faz sobre a situação política dos principais Estados, o autor
possibilita compreender que, no geral, tentativa de unificação foi prática comum a
todos. Logo, no domínio jurídico, “a unificação do direito é um dos objectivos visados
pelos soberanos de tendência absolutista; vêem aí um meio para eliminar os
particularismos regionais e locais e destruir os privilégios de certos grupos sociais”
(GILISSEN, 2003, p. 247).
Vale ainda salientar o fato de, a partir do século XVI, as regras de direito serem
estabelecidas por escrito dando maior segurança aos interessados. Conforme Gilissen
(2003), a lei escrita suplanta o costume oral, o que também acontece com processos e
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provas. A legislação torna-se por excelência a fonte viva do direito, tendendo a eliminar
progressivamente o costume, que revoga ou suplanta. É o soberano que legifera.
O autor chama a atenção para o fato de o costume permanecer a fonte principal
do direito civil, mas ter seu caráter alterado. Acontece que “os soberanos ordenam a
redução a escrito dos costumes; uma vez escrito e homologado (o que quer dizer
reconhecido oficialmente), deixa de ser um verdadeiro costume para se tornar uma lei
de origem consuetudinária” (GILISSEN, 2003, p. 248). Os soberanos reservam-se o
direito de o modificar e o interpretar. Os costumes homologados adquiriram as
características essenciais da lei: certeza, estabilidade e permanência.
É importante mencionar ainda o declínio do direito canônico ocorrido a partir do
século XVI. Conforme afirma o autor, a Reforma subtrai uma grande parte da Europa à
religião católica e, mesmo na maior parte dos países que permaneceram católicos, as
matérias de direito civil regidas na Baixa Idade Média pelo direito canônico, escapam
finalmente aos tribunais eclesiásticos para entrarem nos domínios regidos pela
legislação real.
O fato é que toda atividade legislativa tinha praticamente desaparecido no
Ocidente entre finais do século IX e o século XII. Quando muito, afirma Gilissen (2003,
p. 291), “[...] havia alguns actos legislativos no Sul da Europa, nomeadamente em Itália
e na Península Ibérica”. Situação contrária é observada na época moderna, quando a
“[...] relação entre as duas principais fontes de direito é totalmente diferente: a lei
adquire a preponderância, eliminando progressivamente o costume”. É esta a situação
de Portugal no século XVI, um poderoso império colonial que sentiu a necessidade de
compilar grandes conjuntos legislativos, conforme discutiremos na sequência.
As ordenações portuguesas
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Direito e religião
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respectivas cortes. A fim de fundamentar tal tese, Kantorowicz (1998) recorre a uma
vasta documentação e aborda variadas temáticas, as quais não é o caso de aqui
reproduzir integralmente, mas trazer aspectos centrais da discussão.
No que se refere à ideia da realeza centrada em Cristo, questão imprescindível
para os objetivos propostos neste trabalho, elementos importantes são discutidos. Uma
de suas considerações é que a documentação analisada perpetua a figura gemina do
monarca, concentrada no poder divino e humano nela contida. A tradição religiosa cristã
medieval compatibiliza-se com o corpo político do rei exatamente por que nele está
contida uma condição religiosa perpetuada pelo cargo, apesar de sua natureza humana.
O rei, que aparece enquanto seguidor e imitador de Cristo, nada mais é do que o
mediador entre céu e a terra, entre a instância divina e a terrena (humana).
Na análise de Kantorowicz (1998), o rei aparece “como um ser temporal” (na
sua qualidade natural) e um ser atemporal (sujeito às coisas públicas de maneira
eternizada). É observado que, na Baixa Idade Média, a promoção dos mecanismos e
teorias de mistificação do aparelho político e religioso tendem a ser cada vez mais
fortes. Talvez, a aproximação, do ponto de vista normativo, entre a monarquia moderna
e o sistema medieval reside, exatamente, na racionalização corporativa e mística da
Igreja. Nesse caso, a figura do Papa, na junção entre Igreja e Estado, define uma
apropriação política do corpo místico da Igreja, o que, por fim, dá determinada
funcionalidade ao sistema, mesmo na Idade Média, antes do absolutismo.
O fato é que, em virtude de uma legitimação historicamente construída, à época
do Império português o soberano constituía o centro único e indissolúvel do poder,
responsável, portanto, pela organização do corpo social. Para tanto, uma estrutura
hierárquica de jurisdições e alçadas o possibilitava estar presente em todo o Reino. Na
sequência, discutiremos, além dessa organização, outras práticas desse modo de
conceber a política, que também se afirmava e se fazia presente por meio de
dispositivos simbólicos e rituais.
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Vale ainda refletir sobre aspectos da forma como era realizada a aplicação das
penas. Na maior parte das vezes as penas eram aplicadas em cerimônias conhecidas
como os autos-de-fé, ocasiões em que publicamente eram lidas e executadas as
sentenças da Inquisição. Os autos, com o tempo, passaram a constituir um grandioso
espetáculo, seguindo um cerimonial rigorosamente estabelecido. Além de autoridades
religiosas e civis, grande parte da população da cidade comparecia para assistir. Apesar
de rápida, a apresentação de tal cerimonial é aqui realizada com o objetivo de fortalecer
a ideia de uma pedagogia das penas. Ao tornar públicas as punições, se pretendia causar
medo na população, educado-a para que evitasse cometer os mesmos delitos.
Dessa forma, este trabalho apresenta uma compreensão ampla de educação, não
restrita a mecanismos formais, mas entendida como um processo de aprendizagem da
forma de ser que se dá em todas as relações humanas, no caso, as punições. Tal forma
de entendimento permite, com base nas Ordenações Portuguesas, refletir sobre o ideal
de homem que se queria formar naquele contexto.
Nessa perspectiva, a educação é entendida como a tarefa de suscitar valores ou,
em outras palavras, como uma possibilidade de adaptar o sujeito à sua sociedade. O fato
é que toda sociedade define qual o indivíduo ideal para nela viver e agir, o que permite
afirmar ser o fim da educação constituir um ser social nos seres humanos.
Com base no exposto, consideramos o direito um instrumento educacional, ao
passo que ensina e obriga os sujeitos a se adaptarem à sociedade em que vivem,
fazendo-os cumprir regras e deveres. Isso posto, passamos a analisar aspectos da
legislação portuguesa do XVII, consubstanciada nas Ordenações Filipinas, publicadas
em 1603, mais especificamente em seu livro V (parte criminal).
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Outros dois fatores, de certo modo combinados, são apresentados pelo autor a
fim de explicar o medo provocado no povo pelo Santo Oficio: “la memoria de infamia”
e a “amenaza de la miseria”. Sobre o primeiro, esclarece:
Considerações finais
Considerando que na lei estão presentes os valores que a sociedade quer proteger
e tutelar, o direito, como tentamos evidenciar, possui uma função educacional. No caso
do contexto e do código legislativo estudados, as punições previstas oferecem
possibilidades para refletir sobre essa hipótese, principalmente no que se refere ao medo
causado entre os súditos.
Além disso, as penas previstas nas ordenações portuguesas possibilitaram, ainda
que em linhas gerais, compreender aspectos daquela organização social. A
religiosidade, a Monarquia, a expansão marítimo-comercial e a hierarquia estabelecida,
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eram valores cujas penas estavam atreladas. Ou seja, as punições tinham o objetivo de
despertar nas pessoas a percepção de que tais questões eram socialmente relevantes para
a vida coletiva e, portanto, deveriam evitar qualquer infração aos referidos valores.
Enfim, na análise (pedagógica) das punições no Império português, a educação é
entendida como uma ampla experiência social, derivante das relações estabelecidas
pelos indivíduos ao longo de suas vidas. Trata-se de uma aprendizagem que ocorre na
interação e troca de experiências entre os indivíduos, uma aprendizagem que significa
incorporar elementos de uma forma específica de ser. Assim, os comportamentos
sociais provocados por iniciativas da legislação, ou pelo menos a tentativa de suscitá-
los, são analisados no âmbito educacional.
Concluímos que os elementos ritualísticos das situações punitivas somados aos
duros castigos aplicados causavam temor entre os súditos. Entre as maneiras de fazer
morrer há a “morte natural”, que podia ser causada por meio do uso de veneno, de
instrumentos de ferro ou ainda do fogo, além de uma modalidade de morte “civil”,
iniciativa de torná-lo infame pelo delito cometido. Ser lançado ao esquecimento
significava desonra e os prejuízos chegavam a atingir os herdeiros do condenado.
Nosso entendimento é que, independente da punição, a possibilidade de ser
exposto publicamente era motivo de temor ao português do século XVII. Vários são os
Títulos referentes aos humilhantes açoitamentos públicos, os quais podiam ser
combinados com outras punições, como o corte de membros ou o degredo, que
dependia da gravidade do crime cometido e/ou da posição ocupada pelo indivíduo na
sociedade.
Em suma, a legislação não estava descolada da realidade, podendo ser
considerada como fruto das ações humanas, refletindo aspectos importantes do
contexto. São elementos objetivos e subjetivos referentes aos valores culturais da
sociedade estudada, características do modo de circulação da riqueza, de ideias, de
crenças e elementos da cultura.
Para aceitar e perpetuar tudo isso as pessoas precisavam ser ensinadas. São esses
os elementos formativos que tentamos identificar com base no caráter punitivo da
legislação vigente, afinal o ato de educar insere-se em um extensivo processo, ao qual
todos nós estamos expostos. Independentemente da temporalidade ou localização
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REFERÊNCIAS
BENCI, Jorge. Economia Cristã dos senhores no governo dos escravos. São Paulo:
Grijalbo, 1977.
LARA, Silvia Hunold. (Org.). Ordenações Filipinas: Livro V. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.
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Chamava-se herege a pessoa que criava ou sustentava um sentimento declarado contra a Igreja. O
apostata era aquele que abandonava inteiramente a fé cristã, passando a pertencer à religião maometana,
judaica ou pagã.
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