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br

ANO 14 | Maio 2016


R$ 19,90 | 4,90 €

Cérebro
ŠDm¹
amentas de pedra
ré-história moldou
a inteligência da
espécie humana

O O O O
Crise econômica e explosão do Células projetadas sob medida Tempo de vida da partícula
turismo ameaçam santuário vão diagnosticar doenças e é chave para entender
global da biodiversidade reparar danos ambientais mistérios do Universo
MAIO 2016

BRASIL ANO 14

PS I CO LO GI A CO GN ITIVA BIO EN GENHA RIA


24 Contos de um neurocientista 39 Computação vital
da Idade da Pedra Biólogos sintéticos estão perto de Ma o 20 6 www ciam.com.br

Ao afiar a habilidade de fazer macha- empregar células para fazer diagnósti- ANO 14 | no 168
R$ 19 90 | 4 90 €
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00

dos enquanto escaneiam os próprios cos de doenças humanas e reparar


76 79 06
ISSN 1676-9791

7
9

cérebros, pesquisadores estudam danos ambientais. Cérebro


ŠDm¹
como a cognição se desenvolveu. Timothy K. Lu e Oliver Purcell e
amentas de pedra
ré-história moldou
a inteligência da
espécie humana o

Dietrich Stout ECO LOGIA


debate sobre as
origens do homem

GALÁPAGOS BIOINFORMÁTICA NÊUTRON

F Í S I C A D E PA RT Í CUL AS 44 Debandada Crise econôm ca e explosão do


turismo ameaçam santuário
global da biodiversidade
Células projetadas sob medida
vão diagnosticar doenças e
reparar danos ambientais
Tempo de vida da partícula
é chave para entender
mistérios do Universo

32 O enigma do nêutron em Galápagos


N A C A PA
Dois experimentos de precisão discor- Um aumento incessante no número A fabricação de ferramentas cada vez mais
dam sobre quanto tempo os nêutrons de visitantes pode arruinar o famoso 三äîž_ClC䳸äù§îž­¸äöié­ž§šÆxälxC³¸äǸlx
îxß_¸³îߞTøŸl¸ÇCßCCxþ¸§øbS¸_xßxTßC§Í/CßC
sobrevivem antes de decair. A discre- foco de biodiversidade em apenas
x³îx³lxß­x§š¸ßxäîCCää¸_žCbS¸iÇxäÔøžäCl¸ßxä
pância reflete erros de medidas ou alguns anos. xäîS¸xäǞC³l¸Ǹßlx³î߸l¸_ßE³ž¸lx
indica algum mistério mais profundo? Paul Tullis þ¸§ø³îîDߞ¸äÔøxÇ߸løąx­ßyǧž_Cälx­C_šCl¸ä
øäC³l¸îx_³¸§¸žCÇC§x¸§Ÿîž_C
Geoffrey L. Greene e Peter Geltenbort Ilustração de Mark Ross.
BRASIL SEÇÕES

5 Carta do editor
6 Cartas
C IÊNC IA EM PAUTA
7 Sobre o lixo nuclear
Trinta anos após Chernobyl, os EUA devem encarar seus
desafios de segurança na área.
Pelo Conselho de Editores da Scientific American
TEC NOLOGIA
8 Design silencioso
Algumas pequenas mudanças poderiam facilitar o
uso de mídias digitais.
David Pogue
FÓRUM
9 Chernobyl não matou a energia nuclear
9 Acidente apenas contribuiu para torná-la
uma opção polêmica contra as mudanças climáticas.
Frank von Hippel
12 Avanços
Onde encontrar meteoritos em casa
Sete experiências de carona no maior foguete da Nasa
O meteorologista responsável pelo Monte Everest
Uma tumba no Tibete revela um trecho antes
desconhecido da Rota da Seda
C IÊNC IA DA S A ÚD E
18 O paradoxo da medicina de precisão
As primeiras tentativas de individualizar tratamentos
usando DNA obtiveram sucessos ambíguos, e levantam
12 dúvidas sobre iniciativa que irá impulsionar pesquisas.
Jeneen Interlandi
D ES A FIOS D O COS MOS & C ÈU D O MÊS
20 A controvérsia
da superterra superquente
Dois times enxergaram realidades bem diferentes em 55
Cancri e.

21 Mercúrio transita pelo disco solar


Fenômeno, que exige cuidados especiais para ser observa-
do, será visível no Brasil do começo ao fim.
Salvador Nogueira
C IÊNC IA EM GRÁ FICO
50 Viagens com o Zika
O vírus transmitido pelo mosquito migrou para os
Estados Unidos de várias partes do mundo.
Mark Fischetti
20
CARTA DO EDITOR
Pablo Nogueira é editor da 3`Ÿy´ïŸŠ` ®yàŸ`D´
àD埨.

Novos formatos e uma polêmica pré-histórica


Olá! Como recém-chegado ao cargo de editor da
edição brasileira de Scientific American, gostaria de
começar me apresentando a vocês, leitores. Me chamo
Pablo Nogueira, e desde 1998 atuo como jornalista na
área de ciências. Trabalhei ou colaborei com diversos
veículos, a maior parte deles, revistas: somando as
temporadas em Veja, Galileu e Unesp Ciência foram
quase 14 anos.
Conto isso para deixar claro que, para mim, fazer
revista é uma paixão. E fico especialmente contente
em poder exercer essa paixão a bordo de uma publi-
cacão com o perfil e a qualidade de nossa Sciam. Mi-
nha missão aqui, leitor, é colaborar para que você
possa mergulhar, com uma profundidade maior, no
vasto oceano da produção científica contemporânea
e, ao mesmo tempo, navegue este conteúdo com o
máximo de facilidade e clareza.
Não é por acaso que uso a palavra navegar aqui. Esta é a pri- evolução humana, mas depois foi quase descartada: a de que a pro-
meira edição da Sciam Brasil que será exclusivamente digital. dução de ferramentas de pedra teria contribuído decisivamente
A partir dela, vamos alternar, mês a mês, estes números digitais para o desenvolvimento cognitivo dos homininis, conjunto que in-
com as nossas edições de papel, que, aliás, desde o mês passado clui a espécie humana e seus ancestrais extintos.
ganharam formato premium e passaram a ter 100 páginas. Para Stout formulou novos argumentos para a antiga hipótese, ao de-
os assinantes nada muda: terão direito a ambas. E as edições de monstrar experimentalmente, que, quanto mais complexa a ferra-
papel também poderão ser adquiridas em formato digital. Bas- menta lítica produzida, maior a capacidade cognitiva requerida.
ta ir ao nosso site e encontrar lá os caminhos para baixar nosso Ou seja: é possível que, já nas priscas eras do Paleolítico Superior,
novo aplicativo. Convido vocês a explorar esses novos formatos remontando a 2 milhões de anos, o desafio de aprimorar a tecnolo-
para que constatem, por si mesmos, que a mudança é apenas de gia de então tenha contribuído para nos tornar mais inteligentes.
suporte: a qualidade editorial da Sciam permanece igual. Quem sabe o que ocorrerá com os cérebros das criancinhas que
Bem, uma vez feitas as apresentações, vamos à nossa capa do hoje brincam com tablets e amanhã vão projetar computadores
GREGORY MILLER

mês. O antropólogo Dietrich Stout, da Universidade Emory, nos quânticos? Enfim, mais uma comprovação de que pensar com pro-
EUA, recorreu às mais modernas técnicas de imageamento cerebral fundidade é ótimo para o seu cérebro. E aqui na Sciam, sua ginás-
para analisar uma ideia que chegou a ser popular na pesquisa sobre tica mental é garantida. Continue com a gente!

ALGUNS COLABORADORES

David Pogue é colunista- professor emérito de relações Jeneen Interlandi é Paul Tullis é editor na Salvador Nogueira é constrói biomateriais vivos.
âncora do Yahoo Tech. públicas e internacionais do jornalista freelance TakePart, revista digital de jornalista de ciência Ele é ganhador de um prêmio
Programa sobre Ciência e especializada em assuntos notícias. Ele já escreveu para especializado em Novo Inovador da Diretoria
Dietrich Stout é professor de Segurança Global da ambientais e de saúde. IY_[dj_ÒY7c[h_YWdC_dZ, astronomia e astronáutica. dos Institutos Nacionais de
antropologia na Universidade Universidade de Princeton. D[mOehaJ_c[iCW]Wp_d[ e Saúde (National Institutes of
Emory. Seu foco de pesquisa Oliver Purcell é associado IbWj[, entre outras. 5Ÿ®¹ï›Ă!Î"ù é professor Health Director’s New
sobre a fabricação de ferra- y¹‡àyĂ"Îàyy´y é de pós-doutorado no Grupo DÒÒ«Z”Df«rZrD«Í浫 Innovator Award), entre
mentas de pedra no Paleolíti- professor de física da de Biologia Sintética do MIT. Peter Geltenbort é de Biologia Sintética no outros. Em 2014, cofundou a
co integra métodos experi- Universidade do Tennessee Sua pesquisa abrange muitas cientista do Instituto Instituto de Tecnologia de empresa start-up de biologia
mentais de diversas disciplinas, e trabalha na Fonte de áreas da biologia sintética, da Laue-Langevin, em Greno- Massachusetts (MIT), que sintética Synlogic.
variando da arqueologia à Espalação de Nêutrons do concepção de partes biológi- -ble, França, onde utiliza integra circuitos computacio-
imagem cerebral. Laboratório Nacional de Oak cas sintéticas a abordagens uma das fontes de nêutrons nais e de memória em células
Ridge. Ele estuda as proprie- computacionais inovadoras mais intensas do mundo vivas, aplica biologia sintética
Frank von Hippel é dades dessas partículas há para o design racional de para pesquisar a natureza a importantes problemas
pesquisador sênior em física e mais de 40 anos. sistemas biológicos. básica dessa partícula. médicos e industriais, e

www.sciam.com.br 5
CARTAS
REDACAOSCIAM@EDITORASEGMENTO.COM.BR 3%<'"<'2 Jonatas Moraes Brito  3 %5  $2 %
2 3"i
% "35 3=
 Lucas Carlos Lacerda e Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar
Lucas Alberto da Silva CEP 05421-001 – São Paulo – SP
Brasil COORDENADOR DE CRIAÇÃO Cartas e mensagens devem trazer o
E DESIGNER Gabriel Andrade  nome e o endereço do autor. Por razões
A BUSCA PELO PRESIDENTE Edimilson Cardial de espaço ou clareza, elas poderão ser
DIRETORIA Carolina Martinez, Marcio ASSINATURAS publicadas de forma reduzida.
PLANETA X Cardial, Rita Martinez e Rubem Barros "' 3$%5'Mariana Monné
% "35 <% 3 <7"3 3  Cinthya Müller 07
"  
"A busca pelo planeta ANO 14 – MAIO DE 2016 EVENTOS ASSINATURAS Ana Lúcia Souza Anuncie na Scientific American e fale
ISSN 1676979-1 VENDAS GOVERNO Cláudia Santos  com o público mais qualificado do Brasil.
X" e o texto sobre a busca   <% 35"$ 2!5% 5<' almir@editorasegmento.com.br
pelas ondas gravitacio- 25'25'2 " Rubem Barros Cleide Orlandoni
EDITOR Pablo Nogueira %52 " 5%$%5' '"5'2
nais são as duas melhores EDITOR DE ARTE  João Marcelo Simões FINANCEIRO Para informações sobre sua assinatura,
ESTAGIÁRIA  Isabela Augusto (web) % "35 0" % $%5'  Cinthya Müller mudança de endereço, renovação,
publicações desta edição EDIÇÃO 166 '"
'2 '23 Luiz Roberto Malta FATURAMENTO Weslley Patrik reimpressão de boleto, solicitação de
e Maria Stella Valli (revisão); Aracy CONTAS A PAGAR Simone Melo reenvio de exemplares e outros serviços
de março/2016 (nº 166). Mendes da Costa, Laura Knapp, Suzana São Paulo (11) 3039-5666
Schindler (tradução) SCIENTIFIC AMERICAN BRASILé uma De segunda a sexta das 8h30 às 18h,
As ondas gravitacionais são mais uma publicação mensal da Editora Segmento, sob atendimento@editorasegmento.com.br
fonte, além da luz, para descobrir os segre- PROCESSAMENTO DE IMAGEM  licença de Scientific American, Inc. www.editorasegmento.com.br
Paulo Cesar Salgado SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL
dos do Universo, e a busca pelo Planeta X é PRODUÇÃO GRÁFICA  5'2% iMariette DiChristina Novas assinaturas podem ser solicitadas
Sidney Luiz dos Santos > 75<5'2iFred Guterl pelo site www.lojasegmento.com.br ou pela
mais um mistério da astronomia para ser   $ % %5'2iRicki L. Rusting %52 " 5%$%5' '"5'2
COMUNICAÇÃO E EVENTOS 3%'25'23iMark FischettijJosch
revelado. Ambos os temas são parecidos, GERENTE Almir Lopes Fischman, Seth Fletcher,Christine Gorman, Números atrasados podem ser solicitados
pois cada um é uma “perturbação” no almir@editorasegmento.com.br Clara Moskowitz, Gary Stix, Kate Wong à %52 " 5%$%5' '"5'2
3%2 5'2i Michael Mrak pelo e-mail
imenso Cosmos. ESCRITÓRIOS REGIONAIS: 0'5'2 0?5'2i Monica Bradley atendimentoloja@editorasegmento.com.br
Brasília – Sonia Brandão 023%5iSteven Inchcoombe ou pelo site www.lojasegmento.com.br
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Ëj ȹà yž®DŸ¨ (61) 3321-4304/ 9973-4304 > 75<< ž023%5iMichael Florek
sonia@editorasegmento.com.br $ 2!5%
Paraná – Marisa Oliveira 3 %5  $2 %'%ž"% Informações sobre promoções, eventos,
(41) 3027-8490/9267-2307 Visite nosso site e participe de reprints e projetos especiais.
CORREÇÃO parana@editorasegmento.com.br nossas redes sociais digitais. marketing@editorasegmento.com.br
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do planetoide Sedna é de 1.000 km. Andrade REDAÇÃO www.editorasegmento.com.br
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POR RESTRIÇÃO DE ESPAÇO, A REDAÇÃO TOMA GERENTE Ana Carolina Madrid tel.: 11 3039-5600 - fax: 11 3039-5610
A LIBERDADE DE ABREVIAR CARTAS MAIS EXTENSAS. EVENTOS Lila Muniz CARTAS PARA A REVISTA $662& $d®2 1$&,21$/ '( (', 25(6 '( 5(9,67$6

UM BRINDE À CIÊNCIA
Em 2016, o festival internacional de divulgação científica
Pint of Science chega a sete cidades brasileiras

Belo Horizonte (MG), Campinas (SP), Dourados (MS)


Ribeirão Preto (SP), Rio de Janeiro (RJ), São Carlos (SP)
e São Paulo (SP)
Nos dias 23, 24 e 25 de maio
você é nosso convidado especial
para um brinde à ciência no
Pint of Science Brasil

Confira a programação completa no site


www.pintofscience.com.br
Desenvolvido por Yasmim Reis
CIÊNCIA EM PAUTA
O PINI ÃO E A N Á LI S E D O
C O N S E L H O E D ITO R I A L DA SC IENTIFIC A MERIC AN

tar, numa catástrofe semelhante à de Chernobyl. À medida que os


anos passam e o lixo segue guardado em piscinas e plataformas
abarrotadas, o risco só tende a aumentar.
Uma solução satisfatória para essa situação inaceitável vem
sendo discutida há mais de 30 anos. A lei sobre Políticas de Rejei-
tos Nucleares de 1982 criou procedimentos para o descarte perma-
nente de lixo nuclear do país, e levou à escolha, em 1987, da monta-
nha Yucca, um pico estéril no deserto de Nevada, como sítio para
um depósito geológico profundo a ser erguido e operado pelo
Departamento de Energia dos EUA (DoE).
Em Yucca, o combustível residual conservado em recipientes
herméticos de aço seria selado dentro de túneis acima do lençol
freático para minimizar a corrosão e possíveis vazamentos de
material radioativo, mesmo por períodos geologicamente longos.
Mas diante da oposição dos cidadãos de Nevada, bem como de
incertezas científicas sobre a adequação geológica, o presidente
Barack Obama suspendeu o debate em 2010. Hoje o destino do
projeto segue no limbo. Além do perigo, a falta de um depósito
traz dúvidas sobre a energia nuclear como ferramenta viável de
baixa emissão de carbono para mitigar as mudanças climáticas.

Sobre o lixo nuclear Caso o projeto Yucca Mountain seja desativado, o DoE buscou
uma variada estratégia de manejo de lixo nuclear que inclui pla-
nos para consolidar instalações de armazenamento provisório,
Trinta anos após Chernobyl, os EUA devem testes de perfuração profunda como técnica de estocagem de lon-
x³`DßDßäxøälxäD‰¸älxäxøßD³cD³DEßxD go prazo, e a criação de protocolos de seleção de locais “baseados
em consenso” para obter apoio de prefeituras e estados. Mas com
Dos editores
essas medidas não iremos muito mais longe. Especialistas concor-
Abril marcou o 30º aniversário do pior desastre nuclear do dam que um depósito geológico é a única solução viável de longo
mundo, o incêndio do reator da usina de Chernobyl, na Ucrânia, prazo para descarte do lixo nuclear comercial.
na antiga União Soviética. Mais de 300 mil pessoas tiveram de Criar um depósito subterrâneo é possível, tanto política como
abandonar o local, e gerou-se uma área de dezenas de quilômetros cientificamente. A Finlândia mostrou isso ano passado ao aprovar
de extensão onde os níveis de radiação permanecem altos até hoje. a construção das instalações de Onkalo que deverá se tornar o pri-
É pouco provável um grave acidente com um reator nuclear meiro depósito geológico para combustível usado quando come-
nos Estados Unidos e em outros países que utilizam instalações çar a funcionar na década de 2020. E até nos Estados Unidos, a
seguras. Mas enfrentamos outro perigo que é, talvez, mais ameaça- Usina Piloto de Isolamento de Resíduos Nucleares (WIPP) no
dor: o acúmulo de lixo radioativo. Os EUA têm hesitado sobre esse Novo México, armazena atualmente resíduos da produção de
perigo claro que se arrasta há décadas, empurrando irresponsavel- armas nucleares. (O WIPP não foi planejado nem aprovado para
mente o problema com a barriga sem um futuro definido. armazenar combustível usado.)
Os resíduos de combustível nuclear gerado pelas usinas emiti- Logo outro presidente ocupará a Casa Branca e haverá nova
rão radiação prejudicial por centenas de milhares — até milhões — chance de tratar do lixo nuclear. A decisão de encerrar o projeto da
de anos. Cerca de 70 mil toneladas de lixo nuclear estão armazena- montanha Yucca precisa ser revista, e a escolha e caracterização de
das atualmente em 70 locais espalhados por 39 estados dos EUA. sítios alternativos precisam ser muito aceleradas. Nesse ínterim,
Um em cada três cidadãos do país num raio de 80 km de uma mais resíduos de combustível devem ser levados de piscinas res-
detas instalações. Os resíduos, quentes por causa do decaimento friadas para cascos secos, que oferecem melhor proteção.
radioativo, ficam em piscinas profundas de água ou em “cascos Se a busca de sítios baseada em consenso falhar, o governo pre-
secos” de concreto e aço assentados sobre plataformas reforçadas. cisa exercer o seu poder para vencer a oposição local, em prol do
Acidentes ou ataques terroristas poderão esvaziar as piscinas o bem comum, e criar um depósito geológico profundo. Quer o pró-
quebrar os cascos, com o risco de que os rejeitos expostos se incen- ximo presidente ser a favor ou contra a energia nuclear, ele precisa
deiam, espalhando fuligem radioativa e afetando a cadeia alimen- agir com firmeza para evitar envenenar nosso futuro comum.

Ilustração por Dave Murray www.sciam.com.br 7


TECNOLOGIA David Pogue é colunista-âncora do Yahoo Tech e apresentador
das minisséries DEL7 na rede pública de tevê PBS.

Design silencioso Mas, em muitos casos — mas muitos mesmo — parece que os
designers de interfaces ruins simplesmente não raciocinaram. Por
isso, na esperança de fazer essa discussão avançar, eu apresento
§ø­DäÇxÔøx³Dä­ølD³cDäǸlxߞD­ algumas sugestões sutis para melhorar os designs de softwares.
…D`ž§žîD߸øä¸lx­ŸlžDälžžîDžä São conselhos para os designers, mas também para todos nós,
para serem usados como parâmetro para avaliar a qualidade do
David Pogue
trabalho que realizam.
ïàŸUùï¹åmyù幆àyÕùy´ïymyÿyàŸD®yåïDàUy®ÿŸå ÿyŸåy´¹`y´ïà¹mDïy¨DÎ
Já tentou cancelar um serviço no site de uma empresa? Você Ao preencher seu endereço num site, geralmente você é solicitado
procura por todo lado e não encontra a opção Cancelar. É como se a escolher o nome de seu país num menu. Se você vive no Brasil,
tivesse sido escondida de propósito. ótimo, letra B, mas se você vive nos Estados Unidos, é preciso antes
Você acabou de sentir o poder do design da interface. E à medi- rolar por centenas de países em ordem alfabética!
da que mais objetos do dia a dia tornam-se computadorizados — A internet é uma aldeia global. Mas de longe, o maior número
carros, elevadores, fogões, refrigeradores — os designs de interface de visitantes on-line vive na China, Índia, e nos EUA. Os nomes
bons ou maus (e ardilosos) serão cada vez mais importantes. A era desses países não deveriam estar logo no começo do menu?
dos smartphones tornou o desafio ainda maior. É extremamente Melhor ainda: por que o campo País não sabe onde você está?
difícil comprimir uma quantidade enorme de aplicativos no espa- (Como os anúncios na internet deixam claro, é trivial para um
ço limitado da tela. webdesigner descobrir isso.)
Milhões de pessoas se culpam, confundidas por designs de sof- `¹´åŸåï{´`ŸDÿy®myȹŸåmD†àyÕù{´`ŸDÎLembra-se do organizador
twares terríveis. “Acho que sou tapado”, resmungam. “Devo ser de bolso PalmPilot? Naquela telinha, o aplicativo da agenda de
uma espécie de ludista.” endereços exibia um destacado botão Novo, e a opção Apagar esta-
Mas se o controle não funciona como deveria, ou não fica onde va escondida dentro de um menu. Um engenheiro da Palm me
deveria, é claro que não é culpa sua, mas dos designers. É hora de o explicou por quê: é mais comum pessoas entrarem na sua vida do
design de interface adentrar o debate público, e ser visto como que saírem. Usamos a função Apagar só quando alguém morre, se
algo tão importante quanto os custos ou a assistência ao cliente. muda ou nos exclui.
Às vezes, opções esquisitas do design são propositais. Não é por Ÿ®È¹àïD´ïy`¹´ïDà¹åÈDåå¹åÎ Um clique é sempre mais fácil de
acaso que o botão Registrar-se (para novos clientes) costuma ser aprender, e de lembrar, do que vários. Um exemplo clássico: se
muito mais visível que o botão Login (para quem já é cliente). houver apenas duas ou três opções — digamos, Hibernar, Reini-
ciar e Desligar — não devem ser colocadas num menu pop-up. Dei-
xe-as visíveis na tela: há espaço. Em geral, menus pop-up, deve-
riam ser o último recurso, pois ninguém sabe que opções ele
contém até que se resolve a clicar. E esse já é outro passo.
0D¨DÿàDååT¹†ù´mD®y´ïDŸåÎGeeks veteranos ainda riem da louca
ambiguidade das velhas caixas de diálogo do antigo Windows que
mostravam três botões: Abortar, Repetir e Falhar. Adivinha? Seus
descendentes estão aí. Eu apostaria uma grana alta que muitos
usuários do Windows ainda ficam confusos diante das opções OK
ou Aplicar nas caixas de diálogo — qual é a diferença?
As palavras também são importantes em outras situações: um
desenho vale mais que mil palavras, mas não quando se trata de
um ícone que mostra um rabisco críptico sem nenhuma legenda.
Gente! Rotulem seus ícones com palavras.
Muitos programadores são melhores em codificar do que em
escrever, e tudo bem. Mas alguém que sabe escrever melhor do
que codificar poderia dar uma boa olhada nisso, antes de se dar o
software por terminado.
Aqui estão quatro dicas para melhorar os designs de interface.
Na próxima vez que se sentir frustrado diante de um aparato tecno-
lógico lembre-se: fique fora disso. Pode não ser culpa sua.

8 Scientific American Brasil | Maio 2016


FÓRUM
Frank von Hippel é pesquisador sênior em física e professor emérito FRO N T E IR A S DA C IÊ N C I A
de relações públicas e internacionais do Programa sobre Ciência e C OM E N TA DA S P O R E S PE C I A LI S TA S
Segurança Global da Universidade de Princeton.

gia elétrica gerada. Segundo um estudo de 2010 do Conselho

Chernobyl não Nacional de Pesquisa, se em 2005 os 140 reatores nucleares dos


EUA à época tivessem sido substituídos por usinas a carvão, o

matou a energia aumento da poluição do ar teria causado milhares de mortes pre-


maturas a mais, anualmente.
Porém, as pessoas temem mais o impacto a longo prazo da
nuclear radiação do que os efeitos da poluição do ar. Uma pesquisa sobre o
bem-estar da população ucraniana, 20 anos após Chernobyl,
`žlx³îxDÇx³Dä`¸³îߞUøžøÇDßDî¸ß³E§Dø­D mostrou que uma dose extra de radiação, equivalente a uma
exposição ao background natural por um ano, associava-se a
¸ÇcT¸Ǹ§z­ž`D`¸³îßDDä­ølD³cDä`§ž­Eîž`Dä menor satisfação com a qualidade de vida, a mais diagnósticos de
Frank von Hippel transtornos mentais e à redução na expectativa de vida subjetiva.
Tais medos contribuíram para a queda na construção de novas
À 1:24 h, de 26 de abril de 1986, explosões estouraram usinas pós-Chernobyl, mas houve outras razões. Praticamente
a tampa e o teto da unidade 4 do reator nuclear na mesma época do acidente houve uma freada no
de Chernobyl, na Ucrânia, na ex-União crescimento do consumo de eletricidade
Soviética, espalhando material radioativo em países desenvolvidos, porque o preço
na atmosfera. O fluxo, produzido por se estabilizou. Em 1974, a Comissão de
um incêndio dentro do núcleo do Energia Atômica dos EUA projetava
reator, se espalhou em todas as para 2016 uma demanda equiva-
direções por mais de uma sema- lente à energia produzida por
na. No final, uma área de 3.110 quase três mil grandes reatores.
km2 estava contaminada por Hoje, apenas 500 dessas usinas ge-
césio 137, num nível tão alto rariam toda eletricidade que con-
que exigiu evacuação. sumimos em média, embora uma
Superficialmente, parece capacidade maior possa ser
razoável concluir que o medo necessária nas horas de pico.
gerado pelo desastre indis- Outra razão é que, ao contrário
pôs a opinião pública com a das alegações dos anos 1950 de que a
energia nuclear — com tan- energia nuclear seria “barata demais para
to vigor que mesmo três ser medida”, ela é cara. Os custos dos com-
décadas depois, há sérias dúvi- bustíveis são baixos, mas os de construção, enormes.
das se ela poderia ser uma opção importante Em especial na América do Norte e na Europa: de US$ 6
aos combustíveis fósseis que ameaçam o clima. Nos 15 anos antes bilhões a US$ 13 bilhões por reator. Essa despesa se deve, em par-
do acidente, 20 novos reatores, em média, começaram a funcionar te, à inclusão de padrões de segurança mais rigorosos, mas tam-
a cada ano. Cinco anos depois, a média caiu para quatro por ano. bém ao fato de que, com menos usinas em construção, há menos
Mas a história é mais complexa. Os efeitos sobre a população, tra-balhadores capazes de construí-las, levando a atrasos onerosos
embora importantes, não foram devastadores. Para além da área para corrigir erros. Hoje, o futuro está principalmente nas mãos
evacuada, estima-se que a radiação causará dezenas de milhares da China. Cerca de metade dos reatores em construção desde
de casos de câncer por toda a Europa por mais de 80 anos. Pode 2008 ficam lá, e a indústria nuclear chinesa está propondo proje-
parecer muito, mas é apenas um acréscimo imperceptível na taxa tos em outros países. Contudo, a taxa de construção chinesa ainda
geral de incidência de câncer. Com exceção do câncer de tireoide, está muito abaixo da dos EUA e da Europa Ocidental nos anos
causado pela ingestão de iodetos radioativos: houve epidemias 1970, enquanto o consumo mundial de eletricidade triplicou. A
perceptíveis (felizmente, com apenas de 1% a 2% de casos fatais) Agência Internacional de Energia projeta que em 2040 o percen-
nas regiões mais afetadas da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia. tual nuclear na geração de eletricidade na China será apenas 10%.
No entanto, apesar do número previsto de mortes por câncer Logo, a energia nuclear tornou-se um ator útil, porém, relativa-
após os desastres de Chernobyl e da usina de Daichi, em Fukushi- mente pouco relevante, na escala necessária para que a humani-
ma, em 2011, a energia nuclear ainda parece mais segura que o dade abandone combustíveis fósseis. Chernobyl prejudicou seus
carvão, se vista pelo número médio de óbitos por unidade de ener- projetos, mas não foi a única razão para o declínio da tecnologia.

Ilustração de Ross MacDonald www.sciam.com.br 9


INFORME PUBLICITÁRIO

ED. 04 - MAIO 2016

Brasil quer estar no patamar de pesquisas


de ponta contra Zika

O
governo lançou, em março, as ações do eixo de Butantan para imunização à dengue; e inovação em gestão de
desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa serviços de saúde, saneamento e políticas públicas.
do Plano Nacional de Enfrentamento ao Aedes aegypti Vinte editais para financiamento de pesquisas serão lançados.
e à Microcefalia, com recursos de quase R$ 1,2 bilhão. Estão previstos R$ 305,8 milhões para 2016, R$ 162,2 milhões
Os recursos serão aplicados em cinco frentes: diagnóstico; para 2017 e R$ 136,2 milhões para 2018. Para os anos
controle vetorial; vírus zika e relação com doenças e agravos, seguintes, o plano prevê R$ 44,9 milhões para custear toda a
como microcefalia e síndrome de Guillain-Barré; desenvolvimento duração de bolsas de doutorado e pós-doutorado, por meio do
de vacinas e tratamentos, a exemplo de um contrato de R$ 200 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
milhões estabelecido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia (CNPq/MCTI) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
e Inovação (MCTI) e Ministério da Saúde (MS) com o Instituto de Nível Superior (Capes/MEC).

Eixo de enfrentamento
As medidas começaram a ser discutidas no fim de
2015 no MCTI, em parceria com o MEC, MS, Casa Civil,
BNDES, Capes, CNPq, Finep, institutos e pesquisadores.
São parte de um projeto ímpar, que vai colocar o
Brasil em um patamar de pesquisa de ponta, na área
de combate à zika, à dengue, à chikungunya e seus
vetores. Os resultados desse eixo de enfrentamento
vão permitir ao governo brasileiro proteger, com mais
eficácia, a saúde da nossa população.
INFORME PUBLICITÁRIO

A
lei que aumenta os percentuais de adição de biodiesel combinação acarrete preços mais baratos para o combustível.
vegetal ao óleo diesel fóssil, usado como combustível O Brasil assumiu compromissos ambiciosos na última
para vários tipos de veículos, foi sancionada pelo Conferência do Clima, a COP 21, em Paris, tanto para a redução
governo. O índice da mistura passará dos atuais 7% para 8% de emissões quanto para a ampliação das energias renováveis
até 2017, com o incremento de um ponto percentual a cada na matriz energética nacional. A nova lei vai ajudar o país a
12 meses. cumprir esses compromissos.
Com isso, o índice passará para 9% até 2018 e para 10% até 2019,
podendo chegar a até 15%, mediante testes. A medida representa Biodiesel, combustível renovável e
uma garantia de demanda para o Brasil, segundo maior mercado biodegradável
consumidor de biodiesel do mundo. O biodiesel pode ser produzido a partir de plantas como o
Essa nova lei representa avanços importantes para o país pinhão-manso e a palma. Atualmente, a soja é uma fonte de
em muitos setores como a agricultura familiar, a agricultura energia renovável que produz menos danos ambientais. Ele
comercial, as usinas produtoras de biodiesel, o consumidor também pode ser produzido a partir de gordura animal.
e o meio ambiente. A expectativa é que a flexibilidade de

A
previsão do tempo é uma ferramenta importante “Por incluir processos físicos e biogeoquímicos mais realisticamente
para uma série de atividades. Seja para agricultores representados e integrados consistentemente em um único sistema
planejarem plantios e colheitas de culturas, seja para de modelagem, temos condições de fazer uma previsão climática mais
prevenir possíveis desastres naturais nos perímetros urbanos. Os precisa. Esse sistema unifica diversos módulos, trazendo um sistema de
meteorologistas buscam, então, fazer previsões cada vez mais modelagem de processos na atmosfera totalmente consistente, incluindo
precisas para dar subsídios exatos para a população. Para tanto, retroalimentações entre a superfície, atmosfera e biogeoquímica. Por
se valem de softwares e códigos computacionais complexos. isso, chegamos ao estado da arte”, explicou Saulo Freitas. “Isso significa
Um deles é o Brazilian Developments on the Regional Atmospheric que o Brasil está no estágio mais avançado da previsão climática.”
Modeling System (Brams), desenvolvido pelo Centro de Previsão Do menor para o maior
de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) do Instituto Nacional de Segundo o pesquisador, o Brams 5.2 permite uma avaliação mais
Pesquisas Espaciais (Inpe/MCTI). Com a nova versão, recentemente regionalmente localizada das condições climáticas. É possível fazer
disponibilizada, a Brams 5.2, é possível fazer previsões mais previsões para áreas de até cinco quilômetros com antecedência de
precisas em toda a extensão da América do Sul. um dia. Já as análises mais completas – que levam em conta os fatores
O principal diferencial desse sistema, de acordo com o pesquisador biogeoquímicos – servem para áreas de resolução de 20 quilômetros
do Cptec Saulo Freitas, é que ele unifica os modelos de previsão para um período de mais de três dias de antecedência. Juntando
do tempo e da qualidade do ar que a instituição utiliza atualmente. todas essas informações, é possível montar um mosaico de previsão
Outro ponto é que o Brams 5.2 permite uma avaliação simultânea climática para toda a América do Sul.
do impacto das queimadas no ciclo de carbono. Em resumo, a A questão da delimitação da área é fundamental para a previsão do
ferramenta contabiliza fatores físicos, químicos e o ciclo de carbono tempo. Isso porque quanto maior a área, maior a possibilidade de
para prever o clima. variação de cenários.

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AVANÇOS

Os leões do Parque Nacional Serengeti são


considerados a única grande população no
Leste da África que não está em declínio.

12 Scientific American Brasil | Maio 2016


C O N Q U I S TA S E M C IÊ N C I A , T E C N O LO G I A E M E D I C IN A NÃO DEIXE DE LER

• Onde encontrar meteoritos em casa

• Sete experiências de carona no maior


foguete da Nasa

• O meteorologista responsável pelo Monte Everest

• Uma tumba no Tibete revela um trecho antes


desconhecido da Rota da Seda

CONS ERVA Ç Ã O

Leões no limite
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…¸ß­DäøßÇßxx³lx³îx€­Dää¹ÔøD³l¸äT¸
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ÇDßD¸UîxߐD³š¸ä­Dž¸ßxäÕ
Em 2015, um único leão morto, Cecil, tomou
conta do noticiário. A caça a troféus é sempre
complicada, mas o Panthera leo enfrenta proble-
mas ainda maiores do que caçadores ricos com
grandes armas. Classificados como ameaçados, os
leões sofrem com a perda do hábitat, diminuição
de presas, matança retaliatória por perdas perce-
bidas ou reais de vidas humanas e rebanhos, caça
furtiva por remédios tradicionais, e outros pro-
blemas. Na África, esses grandes felinos foram
relegados a apenas 17% de sua população históri-
ca, e apenas um grupo sobrevive em outro local,
isolado na Índia. Nova pesquisa revela que, ape-
sar de o estado dos leões africanos parecer terrí-
vel, na realidade, em alguns locais eles estão pros-
perando. Mas essas histórias de sucesso não são
tão simples quanto parecem, e o bem-estar futuro
dos leões africanos não sairá barato.
Apesar de o rei da selva ser bem estudado, a
maioria das pesquisas se concentrou em popula-
ções individuais, e não na espécie inteira, reduzi-
da talvez a apenas 20 mil indivíduos. Combinan-
do esses dados, os pesquisadores agora têm uma
visão continental do estado do predador mais icô-
nico da África. No último estudo desse tipo, uma
equipe liderada pelo zoólogo Hans Bauer, da Uni-
MICHAEL NICHOLS Getty Images

versidade de Oxford, compilou levantamentos


sobre 47 populações de leões feitos nos últimos 20
anos. Eles descobriram que cada uma das nove
populações na África Ocidental, exceto uma, estão
em declínio (e é possível que duas estejam local-

www.sciam.com.br 13
AVANÇOS

Se os gestores na África tivessem a mesma verba tos parques e reservas africanos sofrem
que o Parque Nacional Yellowstone, poderiam por falta de recursos. Segundo uma análi-
se de Packer de 2013, é mais barato cuidar
bancar populações médias de leões não cercados de leões em reservas cercadas, por cerca
com dois terços de seu tamanho potencial, um de US$ 500 por km2 (sem contar o alto
passo à frente do status quo atual custo de instalar a cerca, em primeiro
lugar), do que em áreas abertas, onde US$
mente extintas). Os leões também não vão gem um tipo de zoológico embelezado, e 2 mil permitem apenas gerir uma popula-
bem no Leste da África; lá, a população do dos leões, uma atração turística cara? ção igual à metade de sua densidade
Serengeti é o único grande grupo para o Se a área cercada for grande — o Par- potencial. Mas uma avaliação feita pelo
qual há previsões otimistas. A estimativa que Nacional Kruger, na África do Sul, cer- pesquisador da Universidade Estadual de
conservadora é de 67% de chance de que a cado em sua maior parte, tem quase a área Montana, Scott Creel, descobriu que, dólar
população de leões do Oeste da África caia de Nova Jersey — então os leões ainda por dólar, gastar em áreas não cercadas
à metade em 20 anos, e de 37% para o Les- podem agir como predadores de topo e ajuda mais leões individualmente.
te da África. regular o ecossistema, controlando popu- De fato, se os gestores na África tives-
A análise também revelou um lampejo lações de antílopes, búfalos e outros ungu- sem tanta verba quanto o Parque Nacional
de esperança: a maioria dos leões na lados, o que ajuda a manter as comunida- Yellowstone, cerca de US$ 4.100 por km2,
região sul está prosperando. Nessa parte des vegetais. Apesar de suas fronteiras poderiam bancar populações médias de
do continente, “é bem provável que as artificiais, “ninguém duvida de que o Kru- leões não cercadas com quase dois terços
populações sobrevivam”, diz Craig Packer, ger seja um ecossistema real, com proces- de seu tamanho potencial, um passo à
da Universidade de Minnesota, que orien- sos reais de ecossistema nele”, diz Packer. frente do status quo atual. Apesar da utili-
tou o estudo, recentemente publicado em A maioria das áreas cercadas é bem dade do ecoturismo e da caça de leões
Proceedings of the National Academy of menor. “Se você restringe a vida selvagem para a conservação em geral, apenas uma
Sciences USA. Por quê? Ou eles vivem em em áreas pequenas, cercadas e abrigadas, fração dessa renda costuma ficar disponí-
desertos tão inóspitos, onde humanos precisa geri-las de forma intensiva, porque vel para gestores de vida selvagem.
representam poucas ameaças, ou vivem a dinâmica da população parece endoide- Nos locais onde a ecologia impede as
em parques e reservas cercados. cer um pouco”, diz Lindsey. “E os motivos cercas, o dinheiro é essencial para incenti-
Mesmo pequenas reservas cercadas para isso não são bem entendidos.” A ges- var os habitantes a tolerar os custos de
têm valor de conservação, segundo Peter tão intensiva pode incluir a implantação coexistir com grandes carnívoros, tais
A. Lindsey, da organização de conserva- de contraceptivos hormonais nas fêmeas como perder gado para leões famintos ou
ção Panthera, que não participou do estu- para evitar superpopulação, assim como a impedir o rebanho de pastar em terras
do. “Qualquer área que conseguirmos captura e a remoção de indivíduos para protegidas. De fato, se suas presas são
colocar sob proteção pode contribuir para outras reservas, para reforçar a diversida- expulsas pelo pasto dos rebanhos, os leões
a conservação. Quanto mais, melhor”, diz. de genética. Se novos genes não forem não terão opção além de passar a gostar
As cercas permitem aos leões e outros ani- inseridos com regularidade num grupo de bois. Isso levaria a mais matanças reta-
mais selvagens sobreviver em fragmentos pequeno, ele corre o risco de endogamia, liatórias, e os leões seriam pressionados
de terra nos quais, de outra maneira, seria que pode causar colapso populacional. por dois lados, já que sofrem tanto pelo
impossível preservar grandes mamíferos, Esse envolvimento ajuda, mas não é conflito direto com humanos quanto por
pois elas evitam conflitos com humanos, uma panaceia. “A comunidade de leões ter menos o que comer. Alguns ecossiste-
rebanhos e agricultura. Em vários luga- como um todo precisa lidar, de forma rea- mas se beneficiarão de cercas, enquanto
res, a única razão pelo qual as áreas de lista, com nossas prioridades e com as outras populações precisarão de projetos
conservação podem servir para restaurar prioridades das comunidades locais”, diz de mitigação de conflitos, mas todos os
as populações de alguma forma é porque Andrew Jacobson, pesquisador do Institu- esforços demandarão mais dinheiro.
foi assegurado às comunidades locais que to de Zoologia. Uma cerca seria inviável, Os últimos insights indicam um cami-
essas barreiras vão mantê-las seguras. por exemplo, em locais onde impedisse nho: leões ainda podem ter um lar na Áfri-
Mas nem todos os biólogos creem que animais de migrar, como o gnu, que todos ca, no futuro, se a comunidade internacio-
as cercas sejam a tábua de salvação. Leões os anos segue as chuvas pelo Serengeti. nal estiver disposta a bancá-lo. “Caso se
confinados fazem apenas “contribuições Qualquer que seja o “lado da cerca” possa elevar o financiamento para áreas
limitadas à funcionalidade do ecossiste- que escolham, a maioria dos pesquisado- protegidas da África”, diz Lindsey, “não há
ma”, escreveram Bauer e seus colegas no res concorda que o futuro dos leões depen- razão para que elas não possam abrigar
estudo. Será que as cercas fazem da paisa- de mais dos dólares do que de cercas. Mui- muito mais leões.” –Jason G. Goldman

14 Scientific American Brasil | Maio 2016


NU T R IÇÃO
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Um toque no ø­D¸ÇcT¸þxßlxK`Dß³xþxß­x§šDÍ3xøä
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hambúrguer impactos ambientais, mas Kirk Broders,
professor da Universidade Estadual do
de cogumelo ¸§¸ßDl¸jþzDŸø­DÇ߸­xääDÍÙ3xߞD
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pratos feitos só com carne por x­Ǹø`¸äßx`øßä¸äÇDßD‹¸ßxä`xßi
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só de carne, os estudantes em mais de `x­­øžî¸­DžäßEǞl¸Í
de maio 300 distritos escolares em todo o país ÇxäDßlxßx§Dî¸ää¸UßxäøUäîžîøžcÆxä
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þxßäÆxäx­­ž³žDîøßD³¸äU¸­UDßlxžD­äx­ ž³ž`žDîžþDlxÙäDU¸ßxääDølEþxžäÚjl¸ ø§ž ßD­`¸­Už³DcÆxälx`Dß³xDääDlDx
ÇDßDßÍ %DäDxäDÔøx`xß`Dlx¿ććlx ³Dßā³äîžîøîx¸… ­xߞ`DjÔøxäxø³žøD¸ ßx`šxž¸lxîD`¸`¸­lžþxßäDäǸß`x³îD
ǸxžßDxÇxlßDäxäÇD`žDžälxþEߞ¸älžF­xî߸ä $øäšß¸¸­ ¸ø³`ž§x­öć¿¿ÇDßDxĀǧ¸ x³älx`Dß³xx`¸ø­x§¸Í ÇxäDßlx
D¥D­D5xßßDî¸l¸lžDÍÙ3xþ¸`zUøä`D߸ä ßDß`¸­¸¸…ø³¸x­…¸ß­DlxøDßlD mais da metade ter favorecido misturas
Ôøxîz­¸îD­D³š¸lxø­DU¸§ž³šDlxølxj `šøþDǸlxߞDßxløąžß¸äÇx`Dl¸älžxîy lx`¸ø­x§¸`¸­îD`¸ä¸UßxDä­žäîøßDä
pode encontrar um a cada kmö da superfície îž`¸äl¸äÇßDî¸älx`Dß³x`¸­ø³äÍ ÇDßîžß `¸­`Dß³xj­øžî¸älxßD­Ǹ³îøDcÆxä
lD5xßßDÚjlžą¸Däî߸³DøîDx`DcDl¸ßlx lžää¸j¸äßøǸääxDää¸`žDßD­D xD³>D UDžĀDäK`Dß³xDääDlD`DßßxDlD`¸­
­xîx¸ßžî¸ä2ž`šDßlDßߞ¸îîÍÙ1øD³l¸äx þžxßøž³Dßlj`žx³îžäîDäx³ä¸ßžD§lD7³ž `¸ø­x§¸äjǸß`DøäDlxäøDîxĀîøßDx
ßxløą¸îD­D³š¸ÇDßD¸lxø­ßT¸lxDß߸ąj þxßäžlDlxlD D§ž…¹ß³žDx­DþžäjÔøx DÇDßz³`žDÍ3x¸äšD­Uùߐøxßxääxlxßx­
x§xääT¸­øžî¸`¸­ø³äÍÚ lžßžxø­§DU¸ßDî¹ßž¸lxäDU¸ßxäxäÇx`žD Ux­³Däxä`¸§DäjǸlx­xäîßxDߧ¸¸³Dä
x…Dî¸j¸äîx§šDl¸äǸlx­DUߞDßø­D §žąDl¸x­îxäîDßx`DßD`îxߞąDߐ¸äî¸äD§ž `D…xîxߞDäl¸äxä`ߞî¹ßž¸äÍ2xlxälxßxäîDø
­T¸`šxžDlx­ž`߸­xîx¸ßžî¸äÍ ­Dž¸ßžD ­x³îDßxäÍ­öć¿j³Dä`xø $žäîøßDÍ rante nacionais, incluindo Pizza Hut e
lxä`x³¸ä­Dßxäj­DäD§ø³ä`Dx­³Dä`žlD 0¸ßÔøxäøUäîžîøžßD`Dß³xǸß`¸ø 3xD丳äŠöjîD­Uy­þz­jlx­¸l¸䞧x³
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`šøþD`¸­…ßxÔøz³`žD¸ä§xþDÇx§Dä`D§šDäÍ Ôøx…¸ß³x`xø­äDU¸ßÙ`Dß³øl¸Ú`šD­D ßDl¸äx­äxøä`DßlEǞ¸äjx­ø­DUøä`D
0DßDx³`¸³îßDßDäÇxlßDä`šxžDälx³ŸÔøx§ l¸ø­D­žjîxß­¸¥DǸ³zäÇDßDÙlx§ž`ž¸ä¸ÚÍ Ǹ߸ÇcÆxä­DžääDølEþxžäÍää¸îøl¸䞐
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…x³lDäx³îßx§D¥¸îDälx¥Dßlž­j¸³lxlxä`xD ostentam menos calorias, menos sódio e Uùߐøxßl¸…øîø߸Íäî¸yjDîyÔøxäøߥD­
EøDlD`D§šDÍ%x­îøl¸Ôøx¸­D³xî¸ ³DlDlx¸ßløßDäDîøßDlDÍääxäUx³x…Ÿ ¸äšD­Uùߐøxßxä…xžî¸äx­§DU¸ßDî¹ßž¸Í
DîßDžîxßEþž³l¸l¸xäÇDc¸Í2xäî¸älx`¸³äîßø cios nutricionais convenceram os distritos —Natalie Jacewicz
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`¸­ÇDßšDßäxøäD`šDl¸äÍ–Jennifer Hackett lx­ž§žßD­Dälxä¹lž¸Í

Ilustração de Thomas Fuchs


AVANÇOS

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FA ZE N D O N OT Í CI AS O governo francês anunciou que vai “pavimentar” A polícia nacional holandesa se
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Notas Instaladas nos próximos cinco anos, as ruas high-tech
poderão fornecer eletricidade a cerca de 8% da
treinamento de aves de rapina a
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lago do país, quase secou como ´D ›Ÿ´DÎ
resultado de uma combinação entre
seca, uso de água para agricultura e
mineração, e as geleiras dos Andes, que
servem como sua fonte, mas que estão %0 "
y´`¹¨›y´m¹Î'ÕùyàyåïDm¹¨D‘¹†¹Ÿ Poucos indivíduos jamais alcançarão o Monte Everest, mas o estúdio Sólfar, de
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empresa vai lançar um software para fones de ouvido de realidade virtual que
¹†yày`yù®DïàŸ¨›Dåy®ÈyàŸ‘¹Dïz¹ȟ`¹®DŸåD¨ï¹m¹®ù´m¹Î

ESPA Ç O

Anunciados passageiros para


o maior foguete da Nasa
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îDäj­Dä¸ä¿ðäDîy§žîxäl¸îD­D³š¸lxø­D`DžĀDlxäDÇDî¸ä`šD­Dl¸älx øUx3Dîä PARTÍCULAS SOLARES)
ɸøäDîy§žîxä`øU¸jx­îßDløcT¸§žþßxÊþT¸äxDÇ߸þxžîDßlDþžDx­ِßEîžäÚäDž³l¸lD ääDxäîDcT¸­xîx¸ß¸§¹ž`Dþx­`DßßxDlD
5xßßDÍ2x`x³îx­x³îxD%DäDD³ø³`ž¸øø­Çø³šDl¸lxääDä­ž³ž­žääÆxäjxäxøä¸U¥xîžþ¸ä `¸­ø­­D³xxî߸jø­xäÇx`îß¹ßD…¸
äT¸îT¸lž…xßx³îxäø­l¸¸øî߸ÔøD³î¸D"øDylxø­Däîx߸žlxÍ §ø³äxĀx­Ç§¸äž³`§øx­i lxŸ¸³xø­îx§xä`¹Çž¸lxÇ߹x­­ž³žD
îøßDͧDþDž­¸³žî¸ßDßxþx³î¸äxäÇD`žDžäx­
CORTESIA DE NASA MARSHALL SPACE FLIGHT CENTER (concepção artística)

NEAR-EARTH ASTEROID SCOUT BIOSENTINEL îx­Ç¸ßxD§jž³`§øž³l¸þx³î¸丧DßxßDlžDcT¸


'äDîy§žîx% 3`¸øîþDžßx`¸§šxßlDl¸ä äîx øUx3DîþDž§xþDßäxßxäþžþ¸äD§y­lD recebida, na tentativa de compreender
ä¸UßxD`¸­Ç¸äžcT¸lDäøÇx߅Ÿ`žxjžß¸x ¹ßUžîDUDžĀDD¸ßxl¸ßlD5xßßDÇx§DÇߞ­xžßD `¸­¸Däîx­ÇxäîDlxäx¸­D³yîž`Dääx
î¸Ç¸ßD‰Dl¸Däîx߸žlx¿´´¿<jø­ þxąlxälx¿´èöi§xþxløßDäÍøßD³îx¿} …¸ß­D­xD…xîD­D5xßßDÍ
¸U¥xî¸Çß¹Āž­¸lD5xßßDÔøxǸlxäx ­xäxäjþEߞ¸ääx³ä¸ßxä­¸³žî¸ßDßT¸¸îžÇ¸x Projeto do Centro de Voo Espacial Goddard
î¸ß³Dßø­§¸`D§lxDîxßߞääDx­ÇDßD Dž³îx³äžlDlxlDßDlžDcT¸x³`¸³îßDl¸äjx da Nasa e do Instituto de Pesquisa do
…øîøßDäxäÇDc¸³DþxäÍ D³D§žäDßT¸¸xäîDl¸lD§xþxløßDÍ xĀǸ䞝 Sudoeste
Projeto do Centro de Voo Espacial Mar- cT¸KßDlžDcT¸yø­l¸ä¸UäîE`ø§¸äKä­žä
shall, da Nasa, e do Laboratório de Pro- äÆxäîߞÇø§DlDäÔøxxäîT¸ǸßþžßjÇDßDlxä LUNAR ICECUBE
pulsão a Jato da Nasa ¸ä­DžälžäîD³îxäjîDžä`¸­¸$DßîxÍ 1øD³l¸¸ßUžîDßD"øDj¸"ø³Dß`x øUxþDž
Projeto do Centro de Pesquisa Ames, realizar o mais completo escaneamento do
da Nasa äDîy§žîx³DUøä`DlxEøDÍ'øîßDä丳lDä

16 Scientific American Brasil | Maio 2016


A RQUEO LO GI A

A Rota da Seda O
B
I
G Dunhuang
se dirige às Kashi (Kashgar)

montanhas Hotan (Khotan)


Ngari (Ali)
TIBETE
Changan (Xi’an)
Mausoléu de Han Yangling
H Cemitério de Gurgyam CHINA
ßÔøx¹§¸¸äx³`¸³îßD­xþžlz³`žDälx I
M
um trecho previamente desconhecido A L A I A
l¸äžäîx­Dlx`¸­yß`ž¸D³`xäîßD§
ÍNDIA
`ßxlžîDäxÔøxDD³`xäîßD§2¸îDlD
3xlDj…D­¸äDǸß…D`ž§žîDßø­Dž³`ߟþx§î߸`D Sítio arqueológico
lx`ø§îøßDxUx³äx³îßx¸'ߞx³îxx¸'`ž Rota da Seda, caminho principal
lx³îxjäxßÇx³îxDääxǸߧ¸³DälžäîF³`žDä Ramo
Possível ramo
š¸ßžą¸³îDžäj³¸ä¸Çylx­¸³îD³šDäx³Dä
ǧD³Ÿ`žxäl¸lxäxßî¸lx¸UžÍ$D䳸þDä
xþžlz³`žDäDßÔøx¸§¹ž`Däxä`¸³lžlDäx­ ­Dl¸³Ÿþx§l¸­Dßj³¸lžäîߞî¸lx%Dߞ îø­UDlxž­ÇxßDl¸ß`šž³zälDlž³Dä
ø­ßD³lž¸ä¸îù­ø§¸ßxþx§D­Ôøxx§DîD­ l¸5žUxîxÍ1øD³l¸Däxä`DþDcÆxä îžDD³jlDîDlDlxöÍ¿ććD³¸äDîßEäjx
Uy­äxDþx³îøßDþDÇx§DäD§îDäD§îžîølxäl¸ `¸­xcDßD­x­öć¿öjDxÔøžÇxlxÇxä D­U¸äǸlžD­äxßßDäîßxDl¸äDþDߞx
Tibete — um trecho antes desconhecido ÔøžäDÔøxxĀD­ž³DþD¸äŸîž¸‰`¸øäøߝ lDlxälx`šE`ø§îžþDlDäx­?ø³³D³j
lD߸îD`¸­xß`žD§Í ÇßxäDD¸x³`¸³îßDßø­ßD³lx³ù­x߸ ³DßxžT¸äø§lD šž³DÍÙä丅¸ßîx­x³
xä`¸UxßîDx­öććŠǸß­¸³xäjDîø­ lxUx³ä`šž³xäxäÔøž³îxääx³`žDžä§E îxäøxßxÔøx¸`šEÉx³`¸³îßDl¸³D
UDlx¿Í}ććD³¸ä‰`DDjðÔøž§º­xî߸äD`ž lx³î߸Í'…Dßl¸§xþDKžlxžDlxÔøx¸ä îø­UDîžUxîD³DÊþxž¸lD šž³DÚjlžą"øÍ
­xß`Dl¸ßxäþžD¥DþD­lD šž³DÇDßD¸ As descobertas foram recentemente
5žUxîxDîßDþyälxø­îßx`š¸lD2¸îDlD publicadas na 2_žx³îž‰_1xǸßîäÍ
3xlDÔøxšDþžDäxÇxßlžl¸³Dšžäî¹ßžDÍ Contatos iniciais como esse entre o
Ù'äD`šDl¸ääT¸…DUø§¸ä¸äÚjlžą 5žUxîxxD šž³DÙDǸ³îD­ÇDßDø­
¸øāøD³"øjDßÔøx¸U¸îF³ž`¸l¸³ä `¸­Ç¸³x³îxlxD§îDD§îžîølxlD2¸îDlD
îøî¸lxx¸§¸žDxx¸…Ÿäž`DlD `D 3xlD³¸5žUxîxjÔøxîx­äžl¸§DߐD
lx­žD šž³xäDlx žz³`žDäx­ ­x³îx³x§žx³`žDl¸Újlžą$Dß ¸³xäj
0xÔøž­Í³îßx¸øî߸äDßîx…Dî¸äj¸ä DßÔøx¸U¸îF³ž`¸lD7³žþxßäžlDlxlx
DßÔøx¹§¸¸älxäx³îxßßDßD­ÇxcDä D­UߞlxÍ xþžlz³`žD`¸³îߞUøžøÇDßD
ßxÔøž³îDlDälxäxlDjîx`žlDä`¸­¸ä ¸ÔøDl߸x­xߐx³îxjäxø³l¸¸ÔøD§D
þžßD­îßDc¸älD­¸§y`ø§Dj­DäxäîD…¸ž¸îž­ž caracteres chineses wang houWÉ䞐³ž‰ 2¸îDlD3xlDÔøx¸­Çyߞ¸'
FONTE: “EARLIEST TEA AS EVIDENCE FOR ONE BRANCH OF THE SILK ROAD ACROSS THE TIBETAN PLATEAU”, POR

ąDlDÇDßDlxîx`îDßEøDx­î¸lDäD䅸߭DäÍ `D³l¸ÙßxžÚxÙÇߟ³`žÇxäÚÊjø­D­Eä`D ­D³¸…x`š¸ø³¸äy`ø§¸><xßDø­D


'D`xää¸Dßx`øßä¸ä³¸xäÇDc¸äxßExääx³ ßD …xžîDlx¸ø߸Çø߸j`xßF­ž`DxþDä¸ä ßxlxD§îD­x³îxîߞlž­x³äž¸³D§jÔøx³T¸
HOUYUAN LU ET AL. EM SCIENTIFIC REPORTS, VOL 6, ARTIGO NÚMERO 18955. 7 DE JANEIRO DE 2016

`žD§ÇDßD­žääÆxäîߞÇø§DlDä­Džä§¸³DäÍ lx U߸³ąxÍ 中x³îxDîßDþxääDþDþDäîDälžäîF³`žDä


Projeto da Universidade Estadual 5D­Uy­‰`DßD­xäÇD³îDl¸ä`¸­¸ §ž³xDßxäj­DäÔøxîD­Uy­xä`D§DþD
Morehead ÔøxÇDßx`žD­U߸î¸älx`šEÍ äÇߞ ­¸³îD³šDäD§îDäÍ
­xžßDäl¸`ø­x³îDcÆxää¸Ußx`šE³¸ 'øî߸äxäîøl¸äîD­Uy­l¸`ø­x³
CUBE QUEST CHALLENGE TOURNA- 5žUxîxlDîD­l¸äy¸äy`ø§¸lÍ Íj îDßD­䞳Džälx`¸­yß`ž¸Çx§Däîߞ§šDä
MENT WINNERS (VENCEDORES DO ­DäxääDääx­x³îxääxߞD­ćć¸ø das montanhas na Ásia de cerca de
TORNEIO DE DESAFIOS CUBE QUEST) ŠććD³¸ä­DžäD³îžDäÍ ‰­lx`¸³‰ߝ ðćććDÍ ߸îDäDîøD§­x³îx`¸³šx
­öć¿èjîßzä­žääÆxääxßT¸xä`¸§šžlDäD ­DßDžlx³îž‰`DcT¸j"øxäxøä`¸§xDä `žlDä`¸­¸¸ä ¸ßßxl¸ßxä³îxß³¸älDä
ÇDßîžßlxž³ä`ߞcÆxäÇ߸ǸäîDäǸßD­xߞ`D D³D§žäDßD­¸ä`¸­Ç¸³x³îxäÔøŸ­ž`¸ä $¸³îD³šDälDäžDÍÙää¸äøxßxÔøx
³¸ä³T¸‰§žDl¸äK%DäD¸øD¸øîßDäDz³ l¸äxĀx­Ç§Dßxäxlxîx`îDßD­ßD³lxä Dä­¸³îD³šDä³T¸äT¸UDßßxžßDäÚjlžą
`žD䐸þxß³D­x³îDžäÍ3xßT¸Çßx­žDlDäDä ÔøD³îžlDlxälx`D…xŸ³DxîžD­ž³Djø­ 2¸ÿD³§DljDßÔøx¹§¸¸lD7³žþxß䞝
xÔøžÇxäÔøxx³îßDßx­³D¹ßUžîD§ø³DßjþžD îžÇ¸lxD­ž³¸E`žl¸DUø³lD³îx³¸`šEÍ lDlxDßþDßlÍÙ§DäǸlx­äxß`D³Džä
¥Dßx­ÇDßD­Džä§¸³x³¸xäÇDc¸¸ø­D³ §y­lžää¸jDäž­ÇßxääÆxälžžîDžäÔøŸ x‰`DąxäÇDßDDî߸`Dlx`ø§îøßDäjžlxžDä
îžþxßx­D`¸­ø³ž`DcT¸­Džä§¸³D`¸­D ­ž`Däl¸äßxäŸlø¸älx`šExßD­䞭ž xîx`³¸§¸žDÍÚ
5xßßDÍJennifer Hackett §DßxäKÔøx§Däl¸`šEx³`¸³îßDl¸³D —Jane Qiu

Mapa de Mapping Specalists www.sciam.com.br 17


CIÊNCIA
DA SAÚDE Jeneen Interlandi é jornalista freelance especializada em
assuntos ambientais e de saúde.

Peça aos cientistas favoráveis à medicina de precisão um exem-


plo de sucesso e é provável que citem o ivacaftor, um novo fármaco
que melhorou os sintomas de um grupo muito pequeno e específi-
co de pacientes com fibrose cística. A patologia é causada por qual-
quer uma de várias falhas possíveis na proteína que regula a entra-
da e saída de moléculas de sal nas células. Um defeito impede que
a proteína chegue até a superfície da célula para poder transportar
as moléculas de sal de um lado para outro. O ivacaftor corrige essa
falha, que pode ser causada por uma série de mutações genéticas
diferentes e é responsável por quase 5% dos casos do mal. Os testes
genéticos revelam quem pode se candidatar ao tratamento.
A Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos
acelerou o desenvolvimento do ivacaftor há alguns anos, e o fár-
maco tem sido aclamado como a essência da promessa da medici-
na de precisão. De fato, quando o presidente Barack Obama anun-
ciou o lançamento do programa de medicina de precisão financia-
do pelo governo, em janeiro de 2015, ele também louvou o
ivacaftor: “Em alguns pacientes com fibrose cística, essa aborda-
gem reverteu a doença, até então considerada imbatível”. Depois,
Obama declarou que a medicina de precisão “traz oportunidades
para avanços novos da medicina como poucas vezes vimos”.
Agora, peça aos críticos um exemplo que mostre por que a me-
dicina de precisão está destinada ao fracasso, e eles, provavelmen-
O paradoxo te, também citarão o ivacaftor. O fármaco levou décadas para ser
desenvolvido, tem um custo anual de US$ 300 mil por paciente, e

da medicina não funciona em 95% das pessoas com mutações diferentes da-
quelas em que o efeito do ivacaftor é benéfico.
E um artigo recente do New England Journal of Medicine mos-
de precisão trou que, no caso do ivacaftor, os benefícios no tratamento de pa-
cientes-alvo comparavam-se aos de outros três tratamentos de tec-
As primeiras tentativas de individualizar nologia muito inferior e muito aplicados: altas doses de ibuprofe-
îßDîD­x³î¸äøäD³l¸% ¸UîžþxßD­ no, solução salina em aerossol e o antibiótico azitromicina. “Essas
inovações fazem parte de pequenas melhorias incrementais no
äø`xää¸äD­UŸø¸äjx§xþD³îD­lùþžlDää¸Ußx tratamento (de fibrose cística) que aumentaram de forma signifi-
ž³ž`žDîžþDÔøxžßEž­Çø§äž¸³DßÇxäÔøžäDä cativa as taxas de sobrevivência nas últimas duas décadas”, diz Ni-
gel Paneth, pediatra e epidemiologista da Universidade do Estado
Jeneen Interlandi
de Michigan. “Custam uma fração dos medicamentos de alta tec-
A medicina de precisão nos parece um bem incontestável. Ela nologia, e funcionam em todos os pacientes.”
começa com a observação de que a constituição genética das pes- O mesmo paradoxo se aplica a quase todos os exemplos encon-
soas é bastante variável, e logo as doenças e respostas aos trata- trados na medicina de precisão: para os clínicos, o uso do genótipo
mentos também diferem. Ela busca descobrir o remédio certo, do paciente para determinar a dose certa do fármaco anticoagu-
para o paciente certo, no momento certo. O conceito, é lógico, tem lante varfarina foi considerado uma dádiva divina, até que estudos
seus adeptos entre os especialistas clínicos. Mas para cada um des- mostraram que a abordagem não era melhor do que o uso de me-
tes, há em contrapartida alguém que crê que os esforços para che- didas clínicas em desuso como idade, peso e gênero. O fármaco
gar à medicina de precisão são uma perda de tempo e de dinheiro. Glivec foi aclamado como um símbolo da terapia alvo de câncer,
Com uma iniciativa de medicina de precisão multimilionária cus- por reduzir o tamanho de tumores em vários portadores de leuce-
teada pelo governo em andamento, intensificou-se o debate sobre mia com uma mutação tumoral muito específica. Mas, depois,
se essa abordagem poderá mesmo, assim como promete, revolu- muitos tumores desenvolveram novas mutações que os tornaram
cionar a saúde pública. resistentes à droga, e o câncer reincidiu. O resultado do Glivec

18 Scientific American Brasil | Maio 2016 Ilustração por Lorenzo Gritti


CIÊNCIA
DA SAÚDE

para os pacientes foi apenas um pouco mais de sobrevida — al- milhão de pessoas, acreditam que vão descobrir. “Garanto que, en-
guns meses aqui, um ano ali — mas não alterou o resultado final. tre eles, haverá algumas dezenas de milhares de usuários (da var-
O debate se fundamenta no Projeto Genoma Humano, um esfor- farina)”, diz Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de
ço de 13 anos, e US$ 3 bilhões (em valores de 1991) para sequenciar e Saúde. “Com tantas pessoas, você poderá dizer, ‘bem, na verdade,
mapear todo o conjunto dos genes humanos. A partir desse traba- parece que ajuda muito esse subgrupo, mas pode ser que ele tenha
lho, os cientistas criaram um atalho para associar variantes de genes uma alimentação diferente’”. Além disso, observa, entenderemos
a males específicos, usando o mínimo de sequenciamento possível. melhor as sutilezas que fazem o tratamento funcionar ou não.
O atalho, conhecido como Estudos de Associação Genômica Ampla Adeptos e críticos concordam que os desafios serão imensos.
(GWAS, em inglês) envolveu o exame de trechos selecionados de Será necessário integrar terabytes de dados dispersos em bancos de
todo o genoma para verificar quais eram sistematicamente diferen- dados com conteúdo e qualidade variáveis. E não é fácil estocar san-
tes em pessoas portadoras de certas patologias e em outras saudá- gue e de tecidos de um milhão de pessoas, em especial se as amos-
veis. Na esperança de tirar a sorte grande com novas drogas alvo, as tras forem coletadas em intervalos regulares. Se a iniciativa for bem-
empresas farmacêuticas investiram pesado no GWAS. Mas a abor- -sucedida — se os cientistas encontrarem traços confiáveis de uma
dagem mostrou ser incapaz de identificar as raízes genéticas dos patologia e depois criarem tratamentos com base nesses indicado-
males. Um estudo após outro revelava vários res — os médicos ainda terão de se tornar
grupos de variantes genéticos, sendo que qual- Teoricamente, fluentes nessa nova linguagem. A maioria não
quer um poderia predispor a pessoa a uma do-
ença. Na maioria dos casos, essas variantes,
D®ymŸ`Ÿ´D sabe interpretar os testes genéticos existentes,
nem há uma boa proposta para treiná-los.
quando muito, pouco almentavam ou dimi- Èyàå¹´D¨ŸĆDmD Em teoria, a medicina personalizada pode-
nuíam o risco. Os resultados lançaram uma pá ria agir como a Netflix ou a Amazon. Elas sa-
de cal na possibilidade de estudar a variabili- ȹmyàŸD†ù´`Ÿ¹´Dà bem de cada filme e livro que você comprou e
dade genética para desenvolver terapias alvo
em grande escala.
`¹®¹D%yā com base nessas informações podem prever o
que é provável que adquira na próxima vez. Se
Os defensores argumentam que o proble- e a Amazon. seus médicos dispusessem desse tipo de dado
ma não está na exploração das diferenças ge- — não sobre suas compras, mas como você
néticas em si, mas no escopo limitado do GWAS. Em vez de procu- vive, quais suas predisposições genéticas e que micróbios povoam
rar alguns tipos de variantes de genes comuns associados à doen- sua pele e intestinos — então talvez a cura possa aparecer, tal como
ça, os pesquisadores devem examinar o genoma inteiro: seis as sugestões de filmes.
bilhões de nucleotídeos. E precisam analisar esses dados junto Parece justo dizer que vai demorar até que a ciência possa ofe-
com outras informações, desde o histórico familiar até os micró- recer tratamentos personalizados para as massas, se é que conse-
bios que habitam o corpo (o microbioma) e as alterações químicas guirá. A questão é: devemos tentar? Embora a medicina de preci-
do DNA que afetam a atividade de genes individuais (o epigeno- são possa fazer sentido para pessoas com males difíceis e caros de
ma). Comparando todos os dados do maior número possível de tratar, os críticos dizem que, em geral, as abordagens mais simples
pessoas, poderão estabelecer uma correlação precisa entre os va- são melhores, porque mais baratas e benéficas para muito mais
riantes genéticos e as patologias associadas, definir a melhor for- gente. “Digamos que se descubra um fármaco (com alvo bem defi-
ma de identificar os variantes e formular tratamentos. nido) que reduza o risco de diabetes em dois terços”, diz Peneth.
A iniciativa de medicina de precisão que o presidente Obama “Custaria cerca de US$ 150 mil (por ano, por pessoa). Um progra-
anunciou ano passado tem esse objetivo exato. Sua peça central é ma focado em alimentação e exercícios teria o mesmo efeito. A ex-
um exército de um milhão de pessoas, das quais todos os dados pectativa de vida subiu uma década nos últimos 50 anos. E esse
possíveis, incluindo genoma, microbioma e epigenoma, serão co- ganho não se deveu ao DNA. Foi o aprendizado sobre tabagismo,
letados e inseridos numa base de dados gigantesca, a qual poderá dieta e exercícios. Coisas fora de moda.”
ser acessada por cientistas para gerar estudos e análises em série. No final, esse projeto ambicioso pode fazer mais sentido
Para entender como se espera que esses dados ajudem os cien- como esforço de pesquisa do que como iniciativa de saúde pú-
tistas, veja-se o exemplo da varfarina. A velocidade de metaboliza- blica. A cada dia aprendemos mais sobre as interações de dife-
ção ou a capacidade de a pessoa metabolizar uma droga são parâ- rentes variantes genéticos que causam as doenças. E é natural e
metros que deveriam facilitar a prescrição da dose ideal para o in- desejável que se comece a juntar essa informação de forma sis-
divíduo e, portanto, deveria levar a melhores resultados. Por que temática. Mas a sociedade não deve esperar que esses esforços
isso não ocorreu? A alimentação ou outros fatores podem ter in- possam transformar de forma expressiva a medicina num futu-
fluenciado? Os cientistas não sabem, mas com um exército de um ro muito próximo.

www.sciam.com.br 19
DESAFIOS DO COSMOS Salvador Nogueira é jornalista de ciência especializado em
astronomia e astronáutica. É autor de oito livros, dentre eles HkceWe
_dÒd_je0FWiiWZe[\kjkheZWWl[djkhW^kcWdWdWYedgk_ijWZe[ifW‚e
e ;njhWj[hh[ijh[i0EdZ[[b[i[ij€e[YeceWY_…dY_Wj[djW[dYedjh|#bei.

Concepção artística do planeta 55 Cancri e, uma superterra com duas vezes


o diâmetro do nosso planeta, a cerca de 40 anos-luz do Sistema Solar.

como 55 Cancri e (e recentemente nomeado Janssen pela


União Astronômica Internacional), uma atmosfera em que
predominam hidrogênio e hélio, similar à dos planetas gigan-
tes do nosso Sistema Solar. Além disso, havia sugestão de uma
pitada de cianeto de hidrogênio, ainda a ser confirmada.
Seria a primeira observação espectroscópica de uma super-
terra, não fosse por um detalhe: um estudo publicado subse-
quentemente, feito por Brice-Olivier Demory, do Cavendish
Laboratory, em Cambridge, e seus colegas, parece descartar
por completo a detecção.
Ele foi recebido pela revista Nature em 27 de agosto do
ano passado, antes, portanto, do outro estudo britânico
(embora tenha sido publicado depois, em 30 de março deste
ano), e faz uso do telescópio espacial de infravermelho

A controvérsia Spitzer. Os pesquisadores lançaram mão da instrumentação


do satélite da NASA para produzir um mapa de temperaturas
do planeta em seu lado iluminado pela estrela e em seu lado
da superterra escuro. (Por estar muito perto de seu sol, esse planeta certa-
mente mantém sempre o mesmo hemisfério voltado para o

superquente astro central, do mesmo modo que a Lua mantém sempre a


mesma face voltada para a Terra.)
O resultado indica que a temperatura no lado claro está em
¸žäxäx³ĀxߐDßD­ßxD§žlDlxäUx­ torno dos 3.000 graus Celsius, enquanto o hemisfério escuro
lž…xßx³îxäx­ŠŠ D³`ߞ fica em torno dos 1.600 graus. O trabalho parece suportar
Salvador Nogueira medições anteriores que sugeriam a presença de vulcanismo
intenso no planeta, mas parece refutar a hipótese de uma
Nem bem começou, a caracterização de exoplanetas – ou atmosfera dominada por hidrogênio e hélio, pois se ela existisse
seja, o estudo das propriedades desses mundos distantes a orbi- haveria distribuição muito mais eficiente de calor entre os
tar outras estrelas que não o Sol – já está causando controvér- lados claro e escuro do planeta.
sias. O alvo em questão é o planeta mais interno a orbitar ao Quem tem razão? Demory está apostando no seu trabalho,
redor da estrela 55 Cancri A. pelo simples fato de que ele não depende de modelagem para
Descoberto em 2004, esse planeta, que tem cerca de duas ser interpretado – trata-se de medições diretas. “Elas clara-
vezes o diâmetro da Terra e aproximadamente 8,5 vezes sua mente nos dizem que o planeta é ineficiente na recirculação de
massa, completa uma volta em torno de sua estrela – que por calor do lado diurno para o noturno, o que descarta a presença
sua vez é similar ao Sol, do tipo G – em apenas 18 horas. Por sua de uma atmosfera grande.”
órbita curta, rasante, é certamente inabitável. Mas também é É a palavra final? Ainda não. Precisamos nos lembrar de que
um ótimo alvo para estudos que tentem caracterizá-lo. esses são os primeiros passos efetivos na tentativa de caracteri-
Pois bem. Em 28 de novembro do ano passado, um grupo de zar exoplanetas. Tanto Hubble como Spitzer estão trabalhando
pesquisadores encabeçado por Angelos Tsiaras, do University no limite de sua capacidade para gerar dados a partir dos quais
College, em Londres, submeteu um artigo ao Astrophysical Jour- os cientistas podem extrapolar suas conclusões.
nal em que alegava ter feito a primeira detecção da atmosfera Apenas a próxima geração de telescópios espaciais e em ter-
dessa superterra, graças a observações colhidas pela câmera ra poderá dizer com alguma confiança quem tem razão. Em
NASA/JPL-CALTECH

WFC3, instalada a bordo do telescópio espacial Hubble. particular, o telescópio espacial James Webb, que a Nasa pre-
Ao “encaixarem” as observações com uma série de modelos, tende lançar em 2018, poderá bater o martelo a respeito da
os pesquisadores alegam ter identificado no planeta, conhecido natureza da atmosfera de 55 Cancri e.

20 Scientific American Brasil | Maio 2016


ASTROFOTOGR AFIA
061;126ĉĉ241&&4&1ĉĉ$ĉ2 ĉ#Õ2 1;ĉ/ĉ1ĉ
ĉ241&&4&1ĉĉR 4&1ĉ2#$4&Í &#Í
1 CÉU DO MÊS
ĉä…¸î¸äÇßx_žäC­äxßx­C§îCßx丧øbS¸i_¸­³¸­Ÿ³ž­¸ðććlǞiÇCßCäxßx­ÇøT§ž_ClCäÍ MAIO

Mercúrio transita pelo disco solar


x³º­x³¸jÔøxxĀžx`øžlDl¸äxäÇx`žDžäÇDßDäx߸UäxßþDl¸j
äxßEþžäŸþx§³¸
ßD䞧l¸`¸­xc¸D¸‰­

Observação celeste costuma ser algo que fazemos à noite. Mas por exemplo. Mercúrio deve aparecer como um pontinho
vamos subverter a regra geral no dia 9 deste mês, por uma oca- escuro muito pequeno em meio ao disco solar, similar a uma
sião especial – o trânsito do planeta Mercúrio pelo disco solar. das clássicas manchas do Sol.
Para quem não está familiarizado com o fenômeno, é como Além de Mercúrio, o mês também é muito bom para a obser-
se fosse um minieclipse, similar aos detectados pelos satélites vação de Marte, que estará em oposição ao Sol, com relação à
caçadores de planetas em outras estrelas. Com duas diferenças Terra, no dia 22 (é o momento em que o Planeta Vermelho se
importantes: este se dá em nosso próprio Sistema Solar e não aproxima mais do nosso e se torna um alvo mais fácil para
resulta apenas numa medição da quantidade de luz da estrela observações telescópicas).
que chega até nós – é possível observar um pequeno pontinho E, para quem gosta de chuva de meteoros, há uma boa em
preto, Mercúrio, se deslocando à frente do Sol. maio, com pico na virada do dia 5 para o dia 6. São os Eta-
Do ponto de vista da Terra, somente dois planetas podem Aquarídeos, que têm seu radiante (local de onde parecem
transitar à frente do Sol: Mercúrio e Vênus. Entre os dois, o emanar os bólidos celestes) na constelação de Aquário. Essa
fenômeno mais raro é o do trânsito venusiano, vísivel somente chuva acontece anualmente quando a Terra cruza a órbita do
um par de vezes a cada século. Já a passagem de Mercúrio pelo cometa Halley e detritos deixados pelo astro queimam na
Sol acontecerá 14 vezes só no século 21. Duas já foram, em 2003 atmosfera do planeta, proporcionando o espetáculo.
e 2006. A próxima será em 2019. Bons céus a todos! (S.N.)
O fenômeno será visível de todo o território nacional, do iní-
cio até o fim. Ele começa às 8h12 (com diferença de mais ou O astrofotógrafo amador Cassiano Carromeu, que é neurocientista e trabalha
menos dois minutos, de acordo com a localização de onde se em San Diego, na Califórnia, fez esse registro das Plêiades (M45), o famoso
conjunto de estrelas azuis da constelação de Touro.
observa) e termina às 15h42 (de novo,
com variação de dois minutos para mais
ou para menos).
Observar um trânsito de Mercúrio é
mais difícil que um de Vênus. Tenha em
mente que estamos falando do menor
planeta do Sistema Solar, com apenas
4.800 km de diâmetro, aproximada-
mente. Por conta disso, é impossível
acompanhar o fenômeno sem o auxílio
de um instrumento ótico.
E aí entra um segundo drama: você
nunca, jamais, pode olhar para o Sol
usando um binóculo, luneta ou
telescópio, a não ser que ele esteja equi-
pado com um filtro apropriado. Há risco
sério de cegueira.
Bem, então, o que fazer? Há duas
RODRIGO GUILHERME CARVALHO MELO

possibilidades. Ou acoplar um filtro


adequado no seu instrumento ótico,
que permita a observação solar com
segurança, ou projetar a imagem do Sol
produzida pelo binóculo ou telescópio
num anteparo – um papelão branco,

www.sciam.com.br 21
VISIBILIDADE DOS PLANETAS N

MERCÚRIO
Visível no oeste, ao pôr do Sol na constelação de Áries. Próximo da Lua em 6. Em conjunção inferior e
trânsito pelo disco solar em 9. Depois, passa a ser visto ao amanhecer. Em conjunção com Vênus em 13.
VÊNUS
Visível em Áries e depois em Touro ao amanhecer, na direção do nascer do Sol. Próximo da Lua em 6. Em
conjunção com Vênus em 13.
MARTE
Visível durante toda a noite. Primeiro em Escorpião e depois em Libra. Em conjunção com
Mercúrio em 21. Em oposição ao Sol em 22. Máxima aproximação com a Terra em 30.
JÚPITER
Em Leão. Visível na primeira metade da noite. Próximo da Lua em 15.
SATURNO
<”Òûèr›fæÍD§ÜrÜ«fDD§«”Ürr§ÜÍrDÒrÒÜÍr›DÒfDZ«§ÒÜr›D]õ«fr'ăZ«»
Ultrapassado pela Lua em 22.
URANO
Em Peixes, visível a leste antes do nascer do Sol. Ultrapassado pela Lua em 4.
NETUNO
Em Aquário, visível a leste antes do nascer do Sol. Ultrapassado pela Lua em 2 e 29.

DESTAQUES DO MÊS
Máximo da chuva de meteoros Eta-aquarídeos.
Mercúrio em conjunção inferior. Trânsito de Mercúrio pelo disco solar.
O
Oposição de Marte (máxima aproximação com a Terra).

CHUVA DE ETA-AQUARÍDEOS

C ALENDÁRIO LUNAR

S
22 Scientific American Brasil | Maio 2016
25  "350 2 '$3 DIA HORA EVENTO
Mapa mostra céu visível às 22h00 de 1º de
2 08h39 Lua passa a 2°N do planeta Netuno.
maio, às 21h00 de 15 de maio e às 20h00 de
30 de maio a partir da latitude de 23°27’ Sul 3 02h52 Melhor ocasião para visualizar o brilho
(Trópico de Capricórnio). fD5rÍÍDÍrrܔf«§D{DZrrÒZæÍDfD
lua minguante falcada (luz cinérea). O
horário refere-se ao nascer da Lua em
São Paulo.
4 23h33 Lua passa a 2°S de Urano.
6 00h19 Lua passa a 2,5°S de Vênus.
6 00h25 Lua no perigeu, mínima distância da
Terra (357.909 km). Diâmetro angular
aparente 32,8’.
6 – Máximo da chuva de meteoros Eta-Aqua-
rídeos (cometa 1P/Halley). Taxa de avista-
mento de cerca de 70 meteoros por hora.
6 16h30 Lua nova.
6 21h54 Lua passa a 4,9°S de Mercúrio.
9 12h06 Mercúrio em conjunção inferior. Trânsito
através do disco solar visível do Brasil.
9 17h34 Melhor ocasião para visualizar o brilho
fD5rÍÍDÍrrܔf«§D{DZrrÒZæÍDfD"æD
crescente falcada (luz cinérea). O horário
refere-se ao pôr do Sol em São Paulo.
9 19h41 Júpiter estacionário.
" 12 08h47 Lua passa a 4,4°S do aglomerado
estelar de Praesepe (Messier 44), na
constelação de Câncer.
13 04h54 Lua passa a 2,1°S da estrela Regulus
(alfa de Leão).
13 14h03 Lua em quarto crescente.
13 17h38 Mercúrio a 0,4°S de Vênus (Conjunção).
15 06h53 Lua passa a 1,8°S de Júpiter.
18 10h42 Lua passa a 5,6°N da estrela Spica (alfa
de Virgem).
18 18h54 Lua no apogeu, máxima distância da
Terra (405.955 km). Diâmetro angular
aparente 29,7’.
21 16h01 Lua passa a 6,6°N de Marte.
21 18h15 Lua cheia
21 19h02 Mercúrio estacionário.
22 03h58 Marte em oposição ao Sol (a Terra
entre o planeta e o Sol)
0 33 $'3'" 22 17h10 Lua passa a 3,7°N de Saturno.
0" 3 '%35" /3R
22 21h37 Marte atinge seu máximo brilho: -2,1
Áries de 19/04/2016 a 14/05/2016 magnitudes.
Touro de 14/05/2016 a 21/06/2016 29 09h13 Lua em quarto minguante.
* O limite das constelações foi estabelecido pela União Astronômica 29 16h54 Lua passa a 2°N de Netuno.
Internacional em 1930, o que permite estabelecer, com grande precisão, os
30 18h36 Marte atinge sua menor distância com
instantes de entrada e de saída do Sol em cada uma das 13 constelações
a Terra, 75,28 milhões de quilômetros.
que são atravessadas pela sua trajetória anual aparente, a eclíptica.
www.sciam.com.br 23
FERRAMENTEIRO: O professor de
antropologia Dietrich Stout trabalha
em uma ferramenta de pedra no
Laboratório de Tecnologia
Paleolítica na Universidade Emory
P S I C O L O G I A C O G N I T I VA

CONTOS DE UM
NEUROCIENTISTA
DA IDADE
DA PEDRA Ao afiar a habilidade de fazer machados
enquanto escaneiam os próprios cérebros,
pesquisadores estudam como
a cognição se desenvolveu
Dietrich Stout

Fotografias de Gregory Miller www.sciam.com.br 25


Dietrich Stout é professor de antropologia na Universidade

A
Emory. Seu foco de pesquisa sobre a fabricação de ferramentas
pedra no Paleolítico integra métodos experimentais de diversa
disciplinas, variando da arqueologia à imagem cerebral.

INDA TENHO O PRIMEIRO MACHADO DE MÃO DE PEDRA QUE FIZ. TRATA-SE DE UM


espécime bastante ruim, cruamente lascado de um pedaço de pedra fra-
turado pela geada que catei em um passeio pelas terras de um fazendeiro
em West Sussex, na Inglaterra. Não teria impressionado os ancentrais
humanos conhecidos por nós como Homo heidelbergensis. Esses primos
do Homo sapiens de 500 mil anos atrás deixaram machados de mão mui-
to melhores em um sítio arqueológico nas vizinhanças, em Boxgrove.

Mesmo assim, trabalhei duro para fazer essa simples ferramen- mosa resposta de 1960 ao primeiro relatório histórico feito por
ta de corte e tenho orgulho dela. O que importa, no entanto, não é Jane Goodall acerca do uso de ferramentas por chipanzés: “Agora
que eu esteja explorando um novo hobby. O que importa é que mi- precisamos redefinir ferramenta, redefinir o Homem, ou aceitar
nha exploração tinha a intenção de provar questões chave acerca que chipanzés são humanos”. Para muitos cientistas, relaciona-
da evolução humana e do surgimento da linguagem e da cultura mentos sociais complexos substituíram a fabricação de ferramen-
que são o selo de nossa espécie. tas como o fator central na evolução cerebral de primatas. Nas dé-
Reproduzir as habilidade de povos pré-históricos a fim de com- cadas de 1980 e 1990, as hipóteses influentes “inteligência maquia-
preender as origens humanas já foi feito antes: arqueólogos fazem vélica” e “cérebro social” sustentavam que o maior desafio mental
isso há décadas. Nos últimos 15 anos, contudo, levamos essa abor- que os primatas enfrentam é ludibriar outros membros da sua es-
dagem para novas e empolgantes direções. pécie, não dominar seu ambiente. Tais hipóteses ganharam apoio
Trabalhando em conjunto, arqueólogos e neurocientistas usa- empírico a partir da observação de que espécies de primatas que
ram máquinas de escaneamento cerebral para observar o que formam grandes grupos sociais tendem a ter cérebros grandes.
acontece por baixo do crânio quando um ferramenteiro moderno Mas trabalhos mais recentes, incluindo nosso próprio, mostra-
lasca com paciência uma pedra, moldando-a para se transformar ram que a abordagem “Homem, o fazedor de ferramentas” não
em um machado de mão. Com essa visão sobre o cérebro, espera- está morta (apesar de a linguagem de Oakley estar claramente
mos identificar quais as regiões que evoluíram ali dentro, a fim de desatualizada). A fabricação de ferramentas não precisa ser
ajudar os povos do Paleolítico a escavar um machado ou uma faca exclusivade humana para ter sido importante em nossa evolução.
bem trabalhados a partir de um naco de pedra sem forma. O que importa é o tipo de ferramenta que fazemos e como
Essas colaborações entre arqueólogos e neurocientistas revive- aprendemos a fazê-las. Entre primatas, os humanos na verdade
ram uma ideia amplamente desacreditada: fazer ferramentas foi sobressaem em sua habilidade de aprender um com o outro.
um fator importante na evolução dos humanos. O antropólogo Somos peritos em imitar o que outra pessoa faz. A imitação é um
britânico Kenneth Oakley assegurou há 70 anos, no seu influente pré-requisito para aprender habilidades complexas e acredita-se
livro Man, the Tool-maker (Homem, o fazedor de ferramentas) que que sirva como base para a incrível capacidade humana de acu-
fabricar apetrechos líticos foi “a principal característica biológica” mular conhecimento de maneira que outros primatas não conse-
da humanidade, algo que direcionou a evolução de nossos “pode- guem. Portanto, parece prematuro abandonar a ideia de que anti-
res de coordenação mental e corporal”. gos utensílios de pedra possam fornecer informações importantes
A ideia deixou de agradar quando cientistas comportamentais acerca da nossa evolução cognitiva. Ensinar e aprender a fabricar
documentaram o uso, e até mesmo a confecção de ferramentas, ferramentas cada vez mais complexas pode até ter representado
em espécies não humanas como macacos, corvos, golfinhos e pol- um desafio formidável para nossos ancestrais, estimulando a evo-
vos. Como lembrou o paleontólogo Louis Leakey em sua agora fa- lução da linguagem. De fato, neurocientistas acreditam que as ca-

EM SÍNTESE

Um meio de responder perguntas acerca alta tecnologia dessa abordagem usa má- machado de mão. ¹¨DU¹àDcÇyå `àùĆDmDå aprender o modo de produzir ferramentas
da evolução humana e, em particular, do quinas de escaneamento do cérebro para entre arqueólogos e neurocientistas revive- ´D mDmy mD 0ymàD ´D ÿyàmDmy 埑´ŸŠ`DàD®
desenvolvimento da linguagem e da cultura observar quais as regiões neurais que se ram a ideia desacreditada de que a fabrica- ù® myåDŠ¹ †¹à®ŸmEÿy¨ ¹ åùŠ`Ÿy´ïy ÈDàD
implica reproduzir as habilidades usadas tornam ativas quando um ferramenteiro ção de ferramentas foi um dos principais nossos ancestrais, a ponto de impulsionar a
pelos povos pré-históricos. Uma versão de lasca uma pedra para ter o formato de um motores da evolução humana. Ensinar e evolução da linguagem humana.

26 Scientific American Brasil | Maio 2016


7" " 3 2i%DlD!šßxžäšxšÉacima, extrema direitaÊx³äž³DD…Dąxß
­D`šDlž³š¸älx­T¸løßD³îxö暸ßDäǸßäx­D³Dx­ø­DEßxDxĀîxߝ
³D³¸"DU¸ßDî¹ßž¸lx5x`³¸§¸žD0D§x¸§Ÿîž`D³D­¸ßāÍ DlDD§ø³¸ßx`xUx
³¸î¸îD§¿ć暸ßDälxž³äîßøcT¸Í'­D`šDl¸lx­T¸lxÇxlßDÉdireitaÊ…¸ž
DÇߞ­xžßDlxääDä…xßßD­x³îDä…xžîDÇx§¸Døî¸ßÍ

pacidades linguísticas e as manuais se baseiam em algumas das


mesmas estruturas cerebrais.
Para testar essas ideias, tivemos de analisar com cuidado como
as ferramentas milenares eram feitas, e comparar as descobertas
com evidências sobre a evolução dos sistemas cerebrais relevan-
tes. Ao estudar essas questões, logo caímos em dificuldades, por-
que nem cérebros nem comportamento aparecem no registro fós-
seil. Dada a escassez de evidências, nosso único recurso foi estimu-
lar, em ambiente de laboratório, os tipos de habilidade que
passavam entre gerações, milênios atrás. Por isso, meus alunos, co- periências mais controladas agora estão bem estabelecidas no es-
laboradores e eu passamos muitos anos tentando imitar as habili- tudo da tecnologia lítica.
dades dos ferramenteiros do Paleolítico. O escopo dessas experiências aumentou nos últimos anos.
Meus conselheiros de graduação — Nicholas Toth e Kathy Schick,
ARQUEOLOGIA EXPERIMENTAL ambos hoje na Universidade de Indiana em Bloomington e no Ins-
Usar modernas técnicas de escaneamento cerebral para estu- tituto da Idade da Pedra — propuseram, em 1990, usar uma técni-
dar algumas das tecnologias mais antigas da humanidade pode ca de imagem então nova para investigar o que se passa no cérebro
parecer estranho. Algumas pessoas nos lançaram olhares descon- quando alguém constrói uma ferramenta lítica. Nos últimos 15
certados quando começamos a empurrar carrinhos com pedras anos, seguindo essa ideia, transformei em um dos principais in-
para dentro de um laboratório de neuroimageamento de última tentos de minha pesquisa descobrir o que acontece no cérebro
geração. Mas não há nada incomum em arqueólogos fazerem ex- quando a pessoa talha um pedaço de rocha.
periências. Faz tempo que estudar o presente é um dos métodos Hoje meu laboratório funciona quase como um programa de
mais importantes para entender o passado. Cientistas concebe- aprendizagem em fabricação de ferramentas de pedra. Enquanto
ram experimentos para replicar técnicas ancestrais de fundição escrevo, consigo ouvir o ruído de talhadores iniciantes acrescen-
(arqueometalurgia) e para observar a decadência implacável de tando ainda mais pedacinhos a uma pilha de pedra quebrada na
carcaças animais (tafonomia), para entender melhor a fossiliza- área de trabalho do lado de fora de meu escritório na Universidade
ção. Experiências casuais na fabricação de ferramentas – talha- Emory. No ano passado, essa pilha ultrapassou 3 metros de com-
mento, como os arqueólogos o chamam – datam do século 19, e ex- primento, com quase 13 centímetros de altura e contendo mais de
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1.360 quilos de pedra lascada. Observo através de uma janela en- le necessário através de uma prática longa e meticulosa.
quanto a pesquisadora de pós-doutorado Nada Khreisheh dá con- Nossos ancestrais enfrentaram os mesmos desafios quando
selhos a um estudante frustrado. aprenderam a fazer ferramentas de pedra, e suas vidas provavel-
Atualmente Khreisheh gasta cerca de 20 h por semana treinan- mente dependiam de serem bem-sucedidos. As exigências da pro-
do 20 alunos (cada um recebe 100 h de aula) na arte milenar de fa- dução de ferramentas, aliadas a interações sociais complexas para
bricar machados de mão. Até agora, este é nosso projeto mais am- ensinar essas habilidades, podem ter se tornado a força motora da
bicioso. Cada sessão de treinamento é gravada em vídeo para que evolução cognitiva humana. Classificamos essa reinicialização
possamos analisar mais tarde quais técnicas de aprendizado fun- moderna da hipótese do “Homem, o fazedor de ferramentas” de
cionam melhor. Coletamos e medimos cada artefato a fim de ras- Oakley como Homo artifex – a palavra latim artifex significa “ha-
trear o desenvolvimento de habilidades. Os estudantes precisam bilidade, criatividade e destreza.”
passar por repetidos imageamentos por ressonância magnética a
fim de examinar a função e a estrutura do cérebro em modificação, FERRAMENTAS NO CÉREBRO
assim como passar por testes psicológicos para ver se capacidades Ensinar aos alunos como trabalhar a pedra não é o único desafio
particulares, como planejamento ou memória de curto prazo, po- técnico em aprendermos sobre práticas pré-históricas. As imagens
cerebrais padrão não se adaptam a alguns aspectos do es-

'³x¹‰î¸Çßx`žäDl¸­ž³Dß tudo de produção de ferramentas de pedra. Se alguém já


entrou em um equipamento de ressonância magnética,

uma tecnologia percussiva provavelmente se lembra que lhe foi dito, enfaticamente,
para não se mexer, porque isso estragaria a imagem. Infe-

tão exigente que um lizmente, ficar imóvel dentro de um tipo de tubo de 60 cm


de diâmetro não conduz a lascar pedras, apesar de ficar-

pequeno erro pode mos tentados a dormir.


Em nossas primeiras experiências, driblamos esse

comprometer a peça inteira. problema ao usar uma técnica de imagem cerebral co-
nhecida como FDG-PET (tomografia de emissão de pó-
sitrons por fluoro-deoxiglicose). A linha intravenosa
dem estar relacionadas à aptidão para fazer ferramentas. Trata-se para fornecer a molécula radioativa usada no PET a fim obter ima-
de uma quantidade imensa de trabalho, mas essencial para com- gens da atividade cerebral precisa ser injetada no pé para permitir
preender as sutilezas dessa tecnologia pré-histórica. que os lascadores usem as mãos, um procedimento um tanto
No mínimo, o esforço nos ensinou que fabricar essas ferramen- quanto doloroso. O sujeito do teste pode então bater livremente no
tas é difícil, Mas o que queremos saber é por que é tão difícil. pedaço de pedra a ele destinado para se tornar um machado ou
Oakley e outros proponentes do argumento “Homem, o fazedor de faca, enquanto o marcador é levado por tecidos metabolicamente
ferramentas” achavam que a chave da fabricação de ferramentas ativos para o cérebro. Depois que o sujeito tiver terminado, faze-
era uma capacidade “exclusivamente humana” de pensamento mos uma imagem a fim de determinar o local onde o agente quí-
abstrato - isto é, a capacidade de imaginar tipos diferentes de fer- mico se acumulou no cérebro.
ramentas como um tipo de modelo mental a ser reproduzido. Res- Utilizando essa técnica, parti para investigar duas tecnologias
peitosamente, discordo. Como qualquer artesão experiente pode da Idade da Pedra – Olduvaiense e Acheulense antigo – que agru-
nos contar, saber o que queremos fazer não é a parte difícil. A difi- pam o começo e o final do Paleolítico Inferior, um período evolu-
culdade está em realmente fazê-lo. cionário crítico, de 2,6 milhões a 200 mil anos atrás, quando o cé-
Talhar um machado de mão exige que o artesão neófito domine rebro de hominins (humanos e seus ancestrais extintos) quase tri-
uma tecnologia de percussão que envolve o uso de um “martelo” por- plicou em tamanho. A questão que queríamos explorar em meu
tátil de pedra, osso ou chifre, para tirar lascas de uma pedra, moldan- laboratório era se o desenvolvimento dessas tecnologias significou
do-a numa ferramenta útil. O trabalho requer golpes poderosos da- novas exigências para o cérebro que, com o passar dos milênios,
dos com precisão de milímetros e rápidos demais para permitir cor- poderia haver levado, através da seleção natural, à sua expansão.
reção enquanto são executados. Como numa escultura de mármore, A produção de ferramentas Olduvaiense (denominada assim
cada golpe remove algo que não pode ser colocado de volta. Mesmo por causa do desfiladeiro Olduvai, da Tânzania, onde foi descrita
pequenos erros podem comprometer a peça por completo. pela primeira vez em meados do século 20 pela equipe de paleoan-
Usando um sistema de controle de movimentos, a cientista tropólogos-arqueólogos de Louis e Mary Leakey) envolve tirar las-
de movimentos Blandine Brill e seus colegas da Faculdade de cas afiadas de fragmentos da pedra. Essas simples lascas de pedra
Estudos Avançados em Ciências Sociais, de Paris, mostraram se tornaram as primeiras “facas” da humanidade. Conceitualmen-
que, ao contrário dos novatos, os lascadores experientes ajus- te, é a forma mais simples de fazer ferramentas. Mas os dados ini-
tam a força de seus golpes a fim de produzir lascas de tama- ciais de PET confirmaram que o processo real de talhar é uma ta-
nhos diferentes. Combinar uma série de golpes como esse refa exigente, que vai além de bater uma pedra na outra.
para chegar a um objetivo de desenho abstrato, como um ma- No estudo, deixamos que os alunos exercitassem a tarefa duran-
chado de mão, somente é possível depois de adquirir o contro- te 4 h sem nenhuma instrução. Depois de familiarizados, aprende-
28 Scientific American Brasil | Maio 2016
ram a identificar e prestar atenção às caracterís- I M AG E M
ticas particulares do núcleo, concentrando-se,
por exemplo, em áreas que sobressaíam e seriam Expansão do processamento cerebral
mais fáceis de quebrar. O aprendizado na verda-
de se reflete em diferentes padrões de atividade 5y`³ž`Dä lx xä`D³xD­x³î¸ ßxþx§D­ `¸­ ø­D ÇDßîx ­Dž¸ß l¸ `yßxU߸ y øäDlD ÔøD³
l¸ D Ç߸løcT¸ lx …xßßD­x³îDä äx î¸ß³D ­Džä 三äîž`DlDÍ ä ž­Dx³ä lžäøžßD­
no córtex visual, na parte posterior do cérebro,
EßxDä DîžþDlDä ÔøD³l¸ ø­ …xßßD­x³îxžß¸ ­¸lxß³¸ îßDUD§šDþD x­ ø­ ž­Ç§x­x³î¸
antes e depois da prática. Mas 4 h de prática não
ßx­ž³žä`x³îx lDä …xßßD­x³îDä '§løþDžx³äx 䞭ǧxä Éöjé ­ž§šÆxä D ¿jé ­ž§šT¸ lx D³¸ä
é muito, tempo, mesmo para a primeira tecnolo-
DîßEäÊj `¸­ÇDßD³l¸Dä `¸­ ßxžÆxä DîžþDä ÔøD³l¸ xäîDþD …Dąx³l¸ ­D`šDl¸ä lx ­T¸
gia da humanidade. `šxø§x³äxä É¿jé ­ž§šT¸ D öćć ­ž§ D³¸ä DîßEäÊÍ 'ä Ǹ³î¸ä Dąøžä lx³¸îD­ ßxžÆxä `xßx
Em talhadores bem experientes, que che- UßDžä øäDlDä ÔøD³l¸ §Dä`DþD îD³î¸ …xßßD­x³îDä '§løþDžx³äxä ÔøD³î¸ `šxø§x³äxäç ¸ä
gam perto das habilidades documentadas de þxß­x§š¸ä îD­Uy­ äx D`x³lxßD­ ÔøD³l¸ …DąžD ø­ ­D`šDl¸ lx ­T¸ `šxø§x³äxÍ
ferramenteiros reais Olduvaienses, algo dife- Ÿà¹
¹àïyāÈàzž®¹ï¹àm¹àåD¨
rente é visto. Como mostrado por Bril e seus co- †à¹´ïD¨
3ù¨`¹ Ÿ´ïàDÈDàŸyïD¨ m¹àåD¨ Ÿ´†yàŸ¹à
legas, eles se distinguem pela capacidade de
controlar a quantidade de força aplicada num Ÿà¹åùÈàD®Dà‘Ÿ´D¨
golpe percussivo, para destacar lascas do núcleo m¹¨¹U¹
ÈDàŸyïD¨
de forma eficiente. No cérebro dos experientes, Ÿ´†yàŸ¹à
essa habilidade estimulou o aumento de ativi-
dade no giro supramarginal no lobo parietal,
que está envolvido na consciência da localiza-
ção do corpo no seu ambiente espacial. 3ù¨`¹Ÿ´ïàDÈDàŸyïD¨D´ïyàŸ¹à
Há cerca de 1,7 milhão de anos, a tecnolo- Hemisfério ºàïyā Èàzž®¹ï¹à ÿy´ïàD¨ Hemisfério
gia Olduvaiense baseada em lascas começou a esquerdo direito
ser substituída pelo tecnologia Acheulense
(que deve o nome a Saint-Acheul , na França),
que envolvia a fabricação de peças mais sofisticadas, como ma- que fornece imagens de resolução mais alta. Para isso, tivemos de
chados de mão em forma de gota. Alguns machados do período achar um modo de manter os sujeitos imóveis. Trabalhando com o
Acheulense antigo – aqueles do sitio inglês de Boxgrove, que neurocientista social Thierry Chaminade, agora na Universidade
datam de 500 mil anos, por exemplo – eram modelados de for- Aix-Marseille, na França, pedi que ficassem parados no escâner e
ma delicada, com cortes transversais finos, simetria tridimen- assistissem a vídeos de talhamento, ao invés de fazer ferramentas
sional e pontas afiadas e regulares, todos indicativos de um alto reais. Essa técnica funciona porque, como Chaminade e outros
nível de habilidade de talhar. mostraram, usamos muitos dos mesmos sistemas cerebrais tanto
Talhadores modernos sabem que essa técnica exige não somen- para entender ações que observamos quanto para executá-las.
te controle preciso, mas um planejamento fundamentado. Como Apesar das diferentes metodologias, descobrimos que as mesmas
um golfista que opta pelo taco certo, talhadores usam diversos reações ocorriam nas áreas viso-motoras, tanto no método de
martelos “duros” (pedra) e “moles” (chifre/osso) quando traba- talhar Olduvaiense quanto no Acheulense: maior atividade no giro
lham em sequências de lascas planejadas, para que extremidades frontal inferior direito quando se assistia à produção de ferramen-
e superfícies fraturem-se no padrão desejado. Precisam alternar-se tas do Acheulense superior.
sem cessar entre diversas subtarefas enquanto mantêm a mente Concluímos que a capacidade de aprender habilidades físicas
firme no objetivo geral de um machado terminado, resistindo à exigentes teria sido importante nos estágios iniciais Olduvaienses
tentação de tomar atalhos. Sei, por amarga experiência, que não é da evolução tecnológica humana, mas que os métodos Acheulen-
COURTESY OF THIERRY CHAMINADE Institute of Neurosciences of Timone, Aix-Marseille University

possível enganar a física de fracionamento de pedras. É melhor ses exigiam um nível maior de controle cognitivo, fornecido pelo
parar por um dia quando se está cansado ou frustrado. córtex pré-frontal. Na verdade, essa observação concordou com a
As exigências para se produzir uma ferramenta no estilo do pe- evidência fóssil, que mostra que, nos últimos dois milhões de anos,
ríodo Acheulense tardio também produzem um traço característi- alguns dos incrementos mais velozes no tamanho do cérebro ocor-
co no escaneamento cerebral. Algumas das mesmas áreas estão reram no Acheulense superior. Mas essa descoberta não mostrou
envolvidas tanto no modo de talhar do período Oduvaiense quan- qual evento foi a causa e qual foi a consequência. Será que a
to no do período Acheulense. Mas nossos dados de PET do Acheu- produção de ferramentas realmente direcionou a evolução do
lense também mostram uma ativação que se estende para uma re- cérebro no H. artifex, ou apenas entrou de carona? A fim de res-
gião específica do córtex pré-frontal, chamada de giro frontal inte- ponder essa pergunta, precisávamos levar ainda mais sério o estu-
rior direito. Décadas de pesquisa feitas por neurocientistas como do de como o cérebro aprende a fazer ferramentas.
Adam Aron, da Universidade da Califórnia em San Diego, já liga-
ram essa região ao controle cognitivo necessário para se alternar APRENDIZADO E EVOLUÇÃO
entre tarefas diferentes, e para não dar respostas inapropriadas. Precisei de cerca de 300 h de prática para igualar a perícia dos
Desde então corroboramos os resultados do PET usando MRI, ferramenteiros do Acheulense superior em Boxgrove. A aprendiza-
www.sciam.com.br 29
0 %'3'2 '
"'
'iUm ferramenteiro novato
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habilidades motoras e de plane
¥D­x³î¸ǸääDäxßD³D§žäDl¸
lxîD§šDlD­x³îxÍ

to conhecido como acomo-


dação fenotípica. A plastici-
dade dá flexibilidade às
espécies para que ensaiem
novos hábitos, e testem os
limites da adaptação atual.
Caso se descubra um bom
truque, ele se integra ao re-
gem talvez pudesse ter sido mais rápida se tivesse um professor, ou pertório comportamental e a corrida evolucionária segue: a sele-
fosse parte de um grupo de ferramenteiros. Mas realmente não te- ção natural favorecerá quaisquer variações que gerem mais facili-
nho certeza. Apesar de décadas de talha experimental, quase não dade, eficiência ou confiabilidade através do aprendizado desse
foram feitos estudos sistemáticos sobre o processo de aprendiza- novo truque. Logo, nosso resultado gerou evidência importante de
gem. Em 2008, Bruce Bradley, professor de arqueologia da Univer- que a ideia do H. artifax era viável, e que a produção de ferramen-
sidade de Exeter, na Inglaterra, e um talhador de longa data, me tas poderia realmente ter guiado mudanças cerebrais através de
convidou a achar uma resposta para esse lapso em nosso conheci- mecanismos evolutivos conhecidos.
mento. Bradley queria treinar a nova geração de talhadores acadê- Tendo essa informação, precisávamos saber, a seguir, se as res-
micos britânicos, e achou que eu gostaria de coletar dados de ima- postas anatômicas observadas equivaliam a desenvolvimentos
gens neurológicas no processo, a fim de ter uma visão melhor so- evolutivos específicos no cérebro humano. Crânios fósseis não tra-
bre o processo de aprendizagem. Ele estava certo, e eu fiz isso. zem dados sobre as mudanças nas estruturas cerebrais internas,
Uma coisa que me animei a tentar foi uma técnica relativamen- então optamos pela segunda melhor opção: a comparação direta
te nova chamada imagem por tensor de difusão (DTI), uma forma com um de nossos parentes vivos mais próximos, o chipanzé.
de MRI que permite mapear as faixas de fibra de substância bran- Felizmente, eu já havia pedido auxílio a Erin Hecht, agora na
ca, que servem como a “fiação” do cérebro. Em 2004, um grupo li- Universidade Estadual da Geórgia, para colaborar na análise do
derado por Bogdan Draganski, então na Universidade de Regens- DTI. A dissertação de Hecht, comparando a neuroanatomia de
burg, na Alemanha, usou o DTI para mostrar mudanças estrutu- chipanzés com humanos, havia lhe dado acesso aos dados e a ex-
rais nos cérebro de pessoas aprendendo a fazer malabarismo, o pertise necessários. O resultado, publicado em 2015, foi uma disse-
que desafiou a visão tradicional, de que a estrutura do cérebro cação virtual, baseada em DTI, de traços de substância branca nas
adulto é relativamente imóvel. duas espécies, que identificaria quaisquer diferenças nos circuitos
Suspeitávamos que aprender a talhar também exigiria algum cerebrais relevantes. Ele confirmou nossas suspeitas: os circuitos
nível de religação neural. Se assim fosse, queríamos saber quais para produzir ferramentas vistos em nossos estudos com PET,
circuitos eram afetados. Se nossa ideia estivesse correta, esperáva- MRI e DTI eram, na realidade, mais extensos em humanos do que
mos vislumbrar se a fabricação de ferramentas pode, de fato, cau- em chipanzés, sobretudo em conexões com o giro frontal inferior
sar em um indivíduo, ainda que em pequena escala, o mesmo tipo direito. Esse achado se tornou a ligação final em uma cadeia de in-
de alterações ocorridas durante a evolução humana. ferências de artefatos antigos com evolução cerebral, comporta-
No final, a resposta foi um retumbante sim: a prática em talhar mento e cognição que eu reunia desde estudante de pós-gradua-
elevou os traços de substância branca conectando as mesmas re- ção. Ela fornece um poderoso novo apoio para a velha ideia de que
-giões frontal e parietal identificadas em nossos estudos com PET a fabricação de ferramentas no Paleolítico ajudou a formar a men-
e MRI, incluindo o giro frontal inferior direito do córtex pré-fron- te moderna. No entanto, isso ainda está longe do final da história.
tal, uma região essencial para o controle cognitivo. A extensão des-
sas mudanças podia ser prevista a partir do número real de horas PELO BURACO DA FECHADURA
de treino de cada indivíduo: quanto mais uma pessoa treinava, Adoro ferramentas de pedra, mas elas dão apenas a visão mais
mais sua substância branca mudava. estreita, como que pelo vão da porta, acerca da complexa vida de
Mudancas no cérebro – o que os cientistas chamam de “plasti- nossos ancestrais. Como um geólogo com um sismógrafo, o tru-
cidade” – trazem material bruto para modificações evolutivas, efei- que é transformar tais bits de saber sobre a neurociência de talhar
30 Scientific American Brasil | Maio 2016
ferramentas num modelo rico acerca da vida na Idade da Pedra. ponder os grandes mistérios acerca de quando e por que a lin-
Embora os dados obtidos por esses apetrechos sejam limitados, guagem humana evoluiu.
poderíamos ter nos saído pior. Aprender a fazer essas peças leva O ensino não é a única conexão possível entre a produção de
tanto tempo quando muitas habilidades acadêmicas: uma matéria ferramentas e a linguagem. Os neurocientistas reconhecem que a
típica de universidade nos Estados Unidos exige cerca de 150 h de maioria das regiões do cérebro desempenha computações básicas
trabalho. No estudo com Bradley, os alunoss registaram uma mé- ligadas a vários comportamentos diferentes. Tomemos, por exem-
dia de 167 h de prática, e no final ainda lutavam para fazer macha- plo, a área de “fala” clássica, no giro frontal inferior esquerdo, des-
dos de mãos Acheulenses. Talvez eu não devesse me sentir tão mal crita pelo antropólogo do século 19, Paul Broca.
sobre as 300 h de que precisei. Mas um regime de exercícios tão Desde a década de 1990, novas pesquisas mostraram que a área
entediante e frustrante exige motivação e autocontrole, atributos de Broca contribui não só para a linguagem, mas também para a
fascinantes numa visão evolutiva. música, a matemática e a compreensão de ações manuais comple-
A motivação pode vir de fora, de um professor, ou de dentro, da xas. Essa observação reforçou a ideia consagrada de que a produ-
antecipação de uma recompensa futura. Muitos pesquisadores ção de ferramentas, ao lado da propensão humana de se comuni-
creem que ensinar é a característica que define a cultura humana, car através de gestos, podem ter servido como precursores evoluti-
ao passo que antecipar o futuro é vital para tudo, de relações so- vos fundamentais da linguagem. Essa ideia foi desenvolvida de
ciais à solução de problemas técnicos.

Estudos com imagens


É óbvio que a motivação sem o autocontrole nós leva
só até certo ponto. O autocontrole, a inibição de impul-

indicam que circuitos neurais


sos contraprodutivos, é essencial para vários tipos de
habilidades cognitivas. Na verdade, um estudo recente

usados na produção de
dirigido por Evan MacLean, da Universidade Duke, des-
cobriu que autocontrole e planejamento futuro estão

ferramentas foram escolhidos


correlacionados com maior tamanho de cérebro em 36
espécies de pássaros e mamíferos. Nosso trabalho agora

pelo cérebro em formas


resultou no acúmulo de evidências que ligam a produ-
ção bem-sucedida de machados de mão a sistemas

primitivas de comunicação.
cerebrais de autocontrole e planejamento, fornecendo
uma ligação direta com essa evidência comparativa da
evolução do tamanho do cérebro entre as espécies.
Além de motivação e autocontrole, o ferramenteiro deve com- forma mais completa por Michael A. Arbib, da Universidade do
preender em detalhes as caraterísticas da pedra trabalhada, o que Sul da Califórnia, por exemplo, em seu livro de 2012 How the Brain
é muito difícil pelo autoensino. A curva de aprendizagem do talha- Got Language (Como o cérebro gerou a linguagem).
mento segue um padrão em forma de escada: na maior parte do Os achados de nossos estudos nos levaram a propor, há pouco,
tempo exercitamos e consolidamos habilidades, mas, de vez em que os circuitos neurais, incluindo o giro frontal inferior, passa-
quando, alguns conselhos nos levam ao próximo nível. Apesar de ram por mudanças a fim de se adaptar às demandas da produção
algumas vezes ser possível descobrir truques sozinho, existe uma de ferramentas do Paleolítico, e daí foram cooptados a apoiar for-
vantagem real em aprender com os demais. mas primitivas de comunicação, usando gestos e, talvez, vocaliza-
Um bom jeito de aprender é apenas observar. Embora chamar ções. Essa comunicação protolinguística teria sido então sujeitada
alguém de “bom imitador” possa ser ofensivo, psicólogos compa- à seleção, produzindo no final as adaptações específicas que dão
rativos veem a cópia fiel como um pilar da nossa cultura. O traba- suporte à linguagem humana moderna. Nossas experiências con-
lho de Andrew Whiten, da Universidade de St Andrews, na Escó- tínuas, além de criar um monte maciço de lascas quebradas, vão
cia, assim como o de outros, mostrou que primatas têm certa des- nos permitir testar essa hipótese.
treza em imitar, mas não chegam perto da habilidade para copiar,
compulsiva e de alta fidelidade, que possuem humanos. PA R A C O N H E C E R M A I S

A imitação basta? Alguém pode descobrir como funciona o 3§Ÿ¨¨ "yDട´‘ D´m ù®D´
àDŸ´ ÿ¹¨ù´i ´ āÈyàŸ®y´ïD¨ ÈÈà¹D`›Î Dietrich Stout e
xadrez ao prestar atenção a vários jogos, mas seria mais fácil se Nada Khreisheh em Cambridge Archaeological Journal, Vol. 25, Número. 4, págs 867–875;
Novembro de 2015.
outra pessoa explicasse as nuances de estratégia e tática. O que
Experimental Evidence for the Co-evolution of Hominin Tool-Making Teaching and
queremos saber é se isso também vale para talhar ferramentas "D´‘ùD‘yÎ T. J.H. Morgan et al. em Nature Communications, Vol. 6, Artigo 6029; 13 de
e outras habilidades pré-históricas. Thomas Morgan, da Uni- janeiro de 2015.
5›y 3Dȟy´ï $Ÿ´mi à`›Dy¹¨¹‘Ă $yyïå %yùà¹å`Ÿy´`yÎ Organizado por Colin Renfrew,
versidade da Califórnia em Berkeley, e colegas há pouco realiza- Chris Frith e Lambros Malafouris. Oxford University Press, 2009.
ram uma experiência com a produção de ferramentas de pedra, Publicações de Dietrich Stout: ›ïïÈåiëëå`›¹¨DàU¨¹‘åÎy®¹àĂÎymùëåï¹ùï¨DUëÈùU¨Ÿ`D´å
para avaliar como o saber passa de uma pessoa a outra. Eles
D E N OSSOS A RQU I VOS
mostraram que há um maior aprendizado quando o ensino en-
'àŸ‘y´å mD `àŸDïŸÿŸmDmyÎ Heather Pringle; abril de 2013.
volve a linguagem, ao invés de apenas demonstrações. Pesqui-
sas adicionais seguindo essa linha podem um dia ajudar a res-
www.sciam.com.br 31
F Í S I C A D E PA R T Í C U L A S

o
gm
enigma do
nêuu
uttron
t Dois experimentos de precisão discordam sobre quanto
tempo os nêutrons sobrevivem antes de decair. A
discrepância reflete erros de medidas ou indica algum
mistério mais profundo?
Geoffrey L. Greene e Peter Geltenbort

EM SÍNTESE

Os melhores experimentos do planeta não concordam sobre a nêutrons que sobrevivem depois de vários intervalos de tempo,
duração do tempo de vida dos nêutrons antes de decaírem em e os experimentos do feixe, que procuram partículas que resul-
outras partículas. Dois tipos principais de experimentos estão tam do decaimento dos nêutrons. Resolver a discrepância é es-
em andamento: a garrafa que aprisiona e conta o número de sencial responder a várias questões sobre o Universo.

Ilustração de Bill Mayer www.sciam.com.br 33


y¹‡àyĂ"Îàyy´y é professor de física da Universidade do
Tennessee e trabalha na Fonte de Espalação de Nêutrons do
Laboratório Nacional de Oak Ridge. Ele estuda as propriedades
dessas partículas há mais de 40 anos.

Peter Geltenbort é cientista do Instituto Laue-


Langevin, em Grenoble, França, onde utiliza uma d
fontes de nêutrons mais intensas do mundo para
pesquisar a natureza básica dessa partícula.

F ELIZMENTE PARA A VIDA NA TERRA, A MAIOR PARTE DA MATÉRIA NÃO É RADIOATIVA. ISSO É
inquestionável, mas é, na verdade, bastante surpreendente porque o nêutron, um
dos dois componentes do núcleo atômico (o outro é o próton), está sujeito a decai-
mento radioativo. No interior do núcleo, um nêutron típico sobrevive por muito
tempo e pode nunca decair, mas se estiver livre, se transformará em outra partícula
em mais ou menos 15 minutos. As palavras “mais ou menos” preenchem uma lacuna
perturbadora na compreensão física dessa partícula. Por mais que tentemos, não
conseguimos medir com precisão suficiente a vida média do nêutron.

O “enigma da vida média do nêutron” não é uma situação


embaraçosa apenas para nós, físicos experimentais. Sua solução
é vital para a compreensão sobre o Universo. O processo de
decaimento do nêutron é um dos exemplos mais simples de
interação nuclear “fraca” — uma das quatro forças fundamen-
mente. Alguns teóricos sugeriram que a diferença se devia à
física exótica — durante o experimento, alguns nêutrons podem
ter se transformado em partículas nunca antes detectadas, que,
por sua vez, podem ter afetado os dois experimentos de formas
divergentes. No entanto, suspeitamos de uma razão mais banal
tais da natureza. Para entender bem a força fraca, precisamos — talvez um dos grupos ou até os dois, tenha só cometido um
saber quanto tempo vivem os nêutrons. Além disso, esse tempo engano, ou mais provavelmente, tenha superestimado a pre-
de sobrevivência determinou como se formaram os primeiros cisão do experimento. A equipe dos EUA completou, recente-
elementos químicos mais leves depois do Big Bang. Para os mente, um longo e meticuloso projeto para determinar qual a
cosmólogos seria interessante calcular as abundâncias principal fonte de incerteza de seu experimento, na expectativa
esperadas dos elementos e compará-las com medidas astrofísi- de resolver a discrepância. Mas em vez de clarear a situação,
cas: se concordassem, confirmariam nosso cenário teórico, e, se esse esforço confirmou nosso resultado anterior. De forma si
divergissem, poderiam indicar que fenômenos desconhecidos milar, outros pesquisadores confirmaram depois as descober-
afetaram o processo. Para fazer essa comparação, no entanto, tas da equipe de Geltenbort. Essa discrepância nos deixou ain-
precisamos saber qual o valor da vida média do nêutron. da mais perplexos. Mas não estamos desistindo — os dois gru-
Há mais de dez anos, dois grupos experimentais, uma equi- pos e outros continuam a procurar respostas.
pe na França, liderada por um pesquisador russo e outra nos
Estados Unidos, tentaram separadamente medir com precisão MEDINDO O TEMPO DE NÊUTRONS
a vida média do nêutron. Um de nós (Geltenbort) era membro Em princípio, medir a vida média de nêutrons deveria ser
do primeiro grupo, e o outro (Greene), do segundo. Junto com um processo direto. A física envolvida no decaimento nuclear é
nossos colegas, ficamos surpresos e um pouco intrigados ao bem conhecida, e dispomos de técnicas sofisticadas para
descobrir que nossos resultados discordavam consideravel- estudá-lo. Sabemos, por exemplo, que se uma partícula tiver a
34 Scientific American Brasil | Maio 2016
possibilidade de se transformar em outra F U N DA M E N T O S
ou outras de massa menor e, ao mesmo
tempo, de manter suas características Como o nêutron decai
como carga e momento angular de spin,
ela o fará. Os nêutrons livres mostram essa ÇxäDßlxly`DlDälxîx³îDîžþDäj`žx³îžäîDä³T¸`¸³äxøžßD­­xlžßlx‰³žîžþD­x³îx
instabilidade. Num processo chamado ¸îx­Ç¸Ôøx¸ä³zøî߸³äþžþx­…¸ßDlx³ù`§x¸äDž`¸ä¸ä­x§š¸ßxä
decaimento beta, um nêutron se rompe, xĀÇxߞ­x³î¸äl¸­ø³l¸DÇßxäx³îD­ßxäø§îDl¸ä`¸³‹žîD³îxäÍ­U¸ßD¸þD§¸ßlDþžlD
­ylžDl¸³zøî߸³Dž³lDäx¥Dž³lxîxß­ž³Dl¸jD`DøäDl¸äxølx`Dž­x³î¸yUx­
dando origem a um próton, um elétron e
`¸³šx`žlDÍ0¸ß­xž¸l¸lx`Dž­x³î¸UxîDj¸³zøî߸³äxîßD³ä…¸ß­D³ø­Ç߹x
um antineutrino (a contrapartida de anti-
§žUxßDø­x§yî߸³xø­D³îž³xøîߞ³¸jD`¸³îßDÇDßîžlDlxD³îž­DîyߞDl¸³xøîߞ³¸Í'
matéria do neutrino). No entanto, a soma lx`Dž­x³î¸DßD³îxÔøxD`DߐDx¸­¸­x³î¸D³ø§Dßlxspin das partículas
das massas dessas partículas é ligeira- xßDlDä äx¥D­ žøDžä D¸ lD ÇDßîŸ`ø§D ¸ßžž³D§Í
mente menor, apesar de terem a mesma

!
Carga = –1
carga total, momento angular e outras pro- Elétron Momento angular
priedades. Entre as propriedades que se de spin = +½
conservam está a “massa-energia”, o que Carga = Carga = +1 Carga = 0
significa que as partículas resultantes Momento a n Momento angular Momento angular
de spin = +½ de spin = +½ de spin = +½
guardam essa diferença de massa na forma
Carga = 0
de energia cinética. Momento angular
Não podemos prever com exatidão de spin = -½
quando um determinado nêutron decairá
porque o processo é um fenômeno quânti-
co basicamente aleatório — só dizer quan-
to tempo os nêutrons vivem, em média. Por isso, para medir a corrigir os cálculos para termos certeza de estarmos contando
vida média dessas partículas precisamos estudar o decaimento somente partículas que de fato sofreram decaimento beta.
de uma grande quantidade delas. Para realizar essa correção, usamos uma técnica engenhosa.
Os pesquisadores utilizaram dois métodos experimentais O número de nêutrons perdidos que atravessam as paredes da
— um chamado técnica da “garrafa” e o outro, técnica do garrafa depende da taxa com que eles rebotam nas paredes. Se
“feixe”. O primeiro consiste em confinar os nêutrons num forem mais lentos ou a garrafa maior, a taxa de rebotes e por-
recipiente e contar quantos restam depois de um dado inter- tanto a taxa de perdas diminuirá. Variando tanto o tamanho da
valo de tempo. O método do feixe, ao contrário, não foca no garrafa como a energia (velocidade) dos nêutrons em sucessi-
sumiço de nêutrons, mas no aparecimento de partículas nas vos ensaios, podemos extrapolar até chegar a uma garrafa hipo-
quais eles decaem. tética onde não haverá colisões e, portanto, nenhuma perda nas
A abordagem da garrafa é em particular desafiadora porque paredes. Obviamente, essa extrapolação não é perfeita, mas
os nêutrons podem atravessar com facilidade a matéria e, con- fazemos o possível para levar em conta qualquer erro que essa
sequentemente, também as paredes da maioria dos recipientes. técnica possa introduzir.
Seguindo a sugestão apresentada de modo explícito, pela pri- No método do feixe — usado por Greene e outros no Centro
meira vez, pelo russo Yuri Zel’dovich, os físicos experimentais de Pesquisas de Nêutrons do Instituto Nacional de Padrões e
que utilizam a abordagem da garrafa — como Geltenbort e seus Tecnologia (Nist, na sigla em inglês) — enviamos um feixe de
colegas na França — contornam o problema aprisionando nêutrons frios ao longo do campo magnético no interior de um
nêutrons muito frios (ou seja, com energia cinética muito anel formado por eletrodos de alta tensão que aprisionam
baixa) dentro de um recipiente com paredes muito lisas (ver partículas de carga positiva (ver quadro na pág. 37).
quadro na pág 36). Como os nêutrons não têm carga, eles atravessam a armadi-
Se os nêutrons forem suficientemente lentos e a garrafa lisa lha sem sofrer desvio. Se, no entanto, um deles decair dentro da
o bastante, eles são refletidos pelas paredes e, assim, permane- armadilha, gerará um próton, que por ter carga positiva ficará
cem no frasco. Para produzir esse efeito, os nêutrons precisam “preso”. Periodicamente “abrimos” a armadilha, descarregamos
se deslocar a velocidades da ordem de metros por segundo, ao e contamos os prótons. Em princípio, o aprisionamento e a
contrário dos cerca de dez milhões de metros por segundo que detecção de prótons são quase perfeitos, e são necessárias ape-
costumam viajar quando são emitidos durante o processo de nas correções muito pequenas, na eventualidade de termos per-
fissão nuclear, por exemplo. Esses nêutrons “ultrafrios” são tão dido algum decaimento.
lentos que você pode ultrapassá-los correndo. Até hoje, o exper-
imento da garrafa mais preciso foi realizado no Instituto Laue- ONDE PODE ESTAR O ERRO?
Langevin (ILL), em Grenoble, França. Para uma medida ser confiável, é preciso que ela seja
Infelizmente, não há garrafa perfeita. Se os nêutrons por acompanhada de uma estimativa confiável de sua precisão: a
acaso escaparem, atribuiremos a perda ao decaimento beta e medida da altura de uma pessoa, por exemplo, com uma
obteremos um valor inexato para a vida média. É preciso então incerteza de um metro, é muito menos significativa que a
Gráfico de Nigel Hawtin www.sciam.com.br 35
EXPERIMENTOS

Técnicas diferentes,
resultados diferentes Cheio com
žx³îžäîDäîx³îDßD­­xlžß ¸ þD§¸ß ­ylž¸ lD þžlD ­ylžD l¸ ³zøî߸³ nêutrons
øäD³l¸løDäîy`³ž`DäÇߞ³`žÇDžäi D ِDßßD…DÚ x ¸ مxžĀxÚÍ ä þEߞDä ­xlžlDä
¸UîžlDä`¸­DDßßD…DD¸ §¸³¸ l¸ä D³¸ä îx³lx­ D `¸³`¸ßlDß x³îßx äžj Contagem #1
dentro das barras de erro calculadas, o mesmo acontecendo com as Contagem #2
­xlžlDäl¸…xžĀxÍ'äßxäø§îDl¸ä lDä løDä îy`³ž`Däj ³¸ x³îD³î¸j äT¸ Contagem #3
`¸³‹žîD³îxäÍ lžä`ßxÇF³`žD lx `xß`D lx ¸žî¸ äxø³l¸ä x³îßx Dä ­ylžDä
l¸äl¸žä­yî¸l¸äǸlx ³T¸ ÇDßx`xß ­øžî¸ ßD³lxj ­Dä y
䞐³ž‰`DîžþD­x³îx­Dž¸ß Ôøx D ž³`xßîxąD lDä ­xlžlDäj ¸ Ôøx 䞐³ž‰`D
ÔøxDlžä`ßxÇF³`žDßxÇßxäx³îD ø­ þxßlDlxžß¸ Ç߸U§x­DÍ 'ø ¸ä `žx³îžäîDä
äøUxäDßD­Däž³`xßîxąDä lx äxøä ßxäø§îDl¸ä ¸øj ­Džä x­Ç¸§D³îxj D
#1
lž…xßx³cDylxþžlDDD§ø­ …x³º­x³¸ …Ÿäž`¸ lxä`¸³šx`žl¸Í

Medidas da vida média do nêutron Número de


nêutrons #2
900 Método do feixe #3
Média do método do feixe* (zona azul): observados
Vida média do nêutron (segundos)

888,0 +– 2,1 segundos Método da garrafa Tempo


895

Método da garrafa
890
7®D†¹à®Dmy®ymŸàÕùD´ï¹ïy®È¹¹å´{ùï๴åÿŸÿy®zy´`›yàù®ày`ŸÈŸy´ïy
`¹®´{ùï๴åyyåÿDƟEž¨¹myȹŸåmyÿEàŸ¹åŸ´ïyàÿD¨¹åmyïy®È¹j®D´ïy´m¹žåyDå
885 Incerteza ®yå®Då`¹´mŸcÇyåjÈDàDåDUyàÕùD´ï¹åàyåïD®Îååyåïyåïy冹à´y`y®¹åȹ´ï¹å
que aparecem na curva que representa o decaimento do nêutron ao longo do
880
ïy®È¹Î ÈDàïŸàmyååD`ùàÿDj¹å`Ÿy´ïŸåïDåDȨŸ`D®ù®DyÕùDcT¹埮ȨyåÈDàD
`D¨`ù¨Dà¹ÿD¨¹à®zmŸ¹mDÿŸmD®zmŸDm¹´{ùï๴Î ¹®¹¹å´{ùï๴åȹmy®j
875 Média do método da garrafa (zona verde): Discrepância ocasionalmente, escapar pelas paredes da garrafa, os cientistas variam o tamanho
879,6 +– 0,6 segundos da garrafa e a energia dos nêutrons — os dois parâmetros afetam o número de
870 ÈDàï `ù¨DåÕùyyå`DÈD®mD‘DààD†D€ÈDàDyāïàDȹ¨DàDïzù®D‘DààD†D›ŸÈ¹ïzïŸ`D
1990 1995 2000 2005 2010 2015
`DÈDĆmy`¹´ïyà¹å´{ùï๴ååy®´y´›ù®DÈyàmDÎ
Ano do experimento

*A média do método do feixe não inclui a medida de 2005, que foi substituída pelo estudo do feixe de 2013.

mesma medida com uma precisão de um milímetro. Por essa cada uma no resultado final. Então somamos os erros sistemático
razão, ao fazer medidas precisas é sempre importante e estatístico para obter a melhor estimativa de confiabilidade geral
mencionar a incerteza experimental. Uma incerteza de um da medida. Em outras palavras, nos esforçamos muito em estimar
segundo, por exemplo, significa que nossa medida tem uma “incógnitas conhecidas”.
alta probabilidade de não ser mais de um segundo menor ou Obviamente, nosso maior medo é ignorar uma “incógnita
maior que seu valor verdadeiro. conhecida” — um efeito sistemático de alguma coisa que sequer
Em geral, qualquer medida tem duas fontes de incerteza. Os sabemos que não sabemos — que pode estar camuflada no
erros estatísticos decorrem de só podermos medir procedimento experimental. Embora façamos o possível para
experimentalmente uma amostra finita — no nosso caso, um calcular todas as incertezas possíveis, a única forma de superar
número finito de decaimentos de nêutrons. Quanto maior a esse erro adicional com total confiança é realizar outra medida,
amostra, mais confiável a medida e menor o erro estatístico. completamente independente, usando um método experimen-
A segunda fonte de incerteza — erro sistemático — é muito tal diferente que não esteja sujeito aos mesmos efeitos
mais difícil de ser estimada porque decorre de imperfeições no sistemáticos. Se as duas medidas independentes concordarem
processo de medida. Essas falhas podem ser simples, como uma dentro do intervalo de erro, então poderemos ter confiança nos
trena mal graduada usada para medir a altura de uma pessoa. Ou dois resultados. Se por outro lado elas divergirem, teremos um
podem ser mais sutis, como um viés de amostragem — uma pes- sério problema.
quisa por telefone, por exemplo, poderia se basear mais em chama- Atualmente, dispomos de dois métodos independentes
das de telefones fixos que de telefones celulares e assim não ser para medir a vida média do nêutron. São eles o feixe e a gar-
uma amostra verdadeiramente representativa de uma população. rafa. No mais recente experimento com o feixe, realizado no
Os físicos experimentais se esforçam muito para minimizar esses Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, o valor obtido para
erros sistemáticos, mas é impossível eliminá-los por completo. O a vida média do nêutron foi de 887,7 segundos. O erro
melhor que se pode fazer é analisar em detalhes todas as fontes estatístico estimado foi de 1,2 segundo e o erro sistemático
imagináveis de erro e depois estimar a contribuição residual de de 1,9 segundo. Quando se combinam os dois erros estatisti-
36 Scientific American Brasil | Maio 2016
pantes, outras pesquisas feitas com o feixe mostram bom acor-
do entre si, e o mesmo acontece com estudos usando a garrafa.
Método do feixe Suponha, por exemplo, que além do decaimento beta nor-
¹`¹´ïàEàŸ¹m¹®zï¹m¹mD‘DààD†DjDïz`´Ÿ`Dm¹†yŸāy´T¹åyÈày¹`ùÈD`¹®¹å mal, os nêutrons decaíssem por meio de um processo até ago-
´{ùï๴åj®Då`¹®ù®m¹åÈà¹mùï¹åmyåyùmy`DŸ®y´ï¹j¹åÈàºï¹´åÎ'å`Ÿy´ïŸåïDå ra desconhecido que não gera os prótons que procuramos no
y´ÿŸD®ù®†yŸāymy´{ùï๴åD¹¨¹´‘¹myù®DÚDà®DmŸ¨›DÛy¨yï๮D‘´zïŸ`D
†¹à®DmDȹàù®`D®È¹®D‘´zïŸ`¹yy¨yïà¹m¹åmyD¨ïDïy´åT¹y®†¹à®DmyD´y¨Î experimento do feixe. Os experimentos da garrafa onde o
'å´{ùï๴åjmyåÈà¹ÿŸm¹åmy`Dà‘Dy¨zïàŸ`DjÈDååD®mŸàyï¹j®Dååyù®my¨yåmy`DŸà número total de nêutrons “perdidos” é contado, contariam
dentro da armadilha, os prótons resultantes, com carga positiva, serão tanto os nêutrons que desapareceram via decaimento beta
DÈàŸåŸ¹´Dm¹åÎ'åÈyåÕùŸåDm¹àyå`¹´›y`y®¹´ú®yà¹my´{ùï๴åm¹†yŸāyjy
åDUy®ÕùD´ï¹ïy®È¹y¨yå¨yÿD®ÈDàDDïàDÿyååDàDDà®DmŸ¨›DδïT¹j`¹´ïD´m¹¹å
como aqueles que sofreram esse segundo processo desconhe-
prótons que estão dentro da armadilha, eles conseguem medir o número de cido. Poderíamos concluir então que a vida média do nêutron
´{ùï๴åÕùymy`D àD®´DÕùy¨yŸ´ïyàÿD¨¹ÎååD®ymŸmDzDïDāDmymy`DŸ®y´ï¹j seria mais curta que a de um decaimento beta “normal”.
Õùy`¹ààyåȹ´myKŸ´`¨Ÿ´DcT¹mD`ùàÿDmymy`DŸ®y´ï¹´ù®mDm¹Ÿ´åïD´ïyjyÕùy
Enquanto os experimentos do feixe registrariam apenas o
Èyடïy`D¨`ù¨Dà¹ÿD¨¹à®zmŸ¹mDÿŸmD®zmŸDm¹´{ùï๴Î
decaimento beta, que religiosamente produz prótons, resul-
Feixe de nêutrons Eletrodos Próton
(de intensidade tando numa vida média mais longa. Até o momento, como
conhecida) vimos, os experimentos feitos com o feixe de fato fornecem
atravessa + – +
o ane um valor da vida média pouco mais longo que os realizados
pelo método da garrafa.
Alguns teóricos levaram essa ideia a sério. Zurab Berezhi-
Armadilha ani, da Universidade de L’Aquila, na Itália, e colegas sugeriram
Conta-se o número de decaimentos num dado intervalo de tempo um processo secundário: eles propuseram que um nêutron
livre, às vezes, pode se transformar num “nêutron espelho”
hipotético que não interage mais com a matéria normal e,
assim, parece sumir. Essa “matéria espelho” poderia contribuir
para a quantidade total de matéria escura do Universo.
Inclinação Embora essa ideia seja bastante atraente, ela continua sen-
Número de medida
nêutrons que do altamente especulativa. É preciso ter uma confirmação
atravessa a definitiva sobre a discrepância entre os métodos da garrafa e
armadilha
do feixe para medir a vida média do nêutron antes que a maio-
Tempo
ria dos físicos aceite um conceito tão radical. É bem provável
que um dos experimentos (ou talvez até os dois) tenha subesti-
mado ou ignorado um efeito sistemático. Quando se trabalha
com montagens experimentais tão delicadas e sensíveis, essa
camente, obtemos uma incerteza total de 2,2 segundos. Isso possibilidade nunca está descartada.
significa que existe uma probabilidade de 68% de que o valor
da vida média do nêutron esteja 2,2 segundos acima ou IMPORTÂNCIA DA VIDA MÉDIA DO NÊUTRON
abaixo do valor medido. Descobrir o que pode ter sido ignorado obviamente pode
Por outro lado, o experimento da garrafa realizado no ILL trazer paz de espírito aos físicos experimentais. Mas há uma
resultou num valor de 878,5 segundos para a vida média do questão talvez mais importante: se chegarmos ao fundo desse
nêutron, com uma incerteza estatística de 0,7 segundos, um erro enigma e medirmos com precisão a vida média do nêutron, se-
sistemático de 0,3 segundo e uma incerteza total de 0,8 segundo. remos capazes de responder várias questões fundamentais
Esses são os dois experimentos mais precisos para calcular a sobre o Universo que perduram há muito tempo.
vida média de nêutrons no mundo, mas suas medidas diferem Antes de tudo, uma avaliação precisa da vida média do
em cerca de nove segundos. Essa diferença pode não parecer nêutron nos ajudará a entender como a força fraca funciona em
muito grande, mas é significativamente maior que as incertezas outras partículas. Ela envolve quase todos os decaimentos
calculadas nos dois experimentos — a probabilidade de se obter radioativos e comanda a fusão nuclear que ocorre no interior
uma diferença dessa magnitude devida apenas ao acaso é do Sol. O decaimento beta do nêutron é um dos exemplos mais
menos de uma parte em 10 mil. Precisamos então pensar com simples e genuínos de interação da força fraca. Para calcular os
seriedade na possibilidade de que a discordância resulta de detalhes de outros processos nucleares mais complexos
uma incógnita conhecida — e que alguma coisa importante envolvendo a força fraca, precisamos antes entender
pode ter sido ignorada. perfeitamente como ela funciona no decaimento do nêutron.
Entender a taxa exata de decaimento do nêutron também
FÍSICA EXÓTICA ajudará a testar a teoria do Big Bang no início da evolução do
Uma explicação atraente para a diferença é que ela reflete Cosmos. Nessa teoria, no primeiro segundo de vida o Univer-
um fenômeno físico exótico, ainda não descoberto. Uma razão so era formado por uma mistura densa e quente de partículas,
para acreditar nisso é que, embora os métodos sejam discre_ incluindo prótons, nêutrons, elétrons e outros. Nesse momen-
www.sciam.com.br 37
to, sua temperatura era de cerca de dez bilhões de graus — tão mente, se eles discordarem, esse modelo terá de ser modificado.
quente que essas partículas eram energéticas demais para se Certas discrepâncias poderão indicar, por exemplo, a existência
unirem e formar os núcleos e átomos. Depois de cerca de três de novas partículas exóticas no Universo, como um tipo dife-
minutos o Universo expandiu e esfriou até uma temperatura rente de neutrino, que pode ter interferido no processo de
em que prótons e nêutrons puderam se ligar para formar o nucleossíntese.
núcleo atômico mais simples: o deutério, que é um isótopo Uma forma de resolver a diferença entre os resultados da
mais pesado do hidrogênio. garrafa e do feixe é realizar mais experimentos usando métodos
A partir daí, outros núcleos simples conseguiram se formar com precisão comparável que não estejam sujeitos aos mesmos
— o deutério conseguiu capturar um próton para formar um erros sistemáticos que comprometem os resultados. Além de
isótopo do hélio, dois núcleos de deutério se uniram para for- continuar com os projetos da garrafa e do feixe, cientistas de
mar um elemento mais pesado, o hélio, e pequenos números vários outros grupos do mundo estão trabalhando em métodos
de núcleos mais pesados também se formaram, até chegar ao alternativos para medir a vida média do nêutron.
lítio (acredita-se que todos os outros elementos mais pesados Um grupo do Complexo de Pesquisa do Acelerador de Pró-
foram produzidos em estrelas vários milhões de anos depois). tons do Japão (J-PARC), em Tokai, está desenvolvendo um novo
Esse processo é conhecido como nucleossíntese do Big Bang. experimento com um feixe capaz de detectar os elétrons, e não
Se, enquanto o Cosmos estava se resfriando, os nêutrons tives- os prótons gerados no decaimento dos nêutrons. Outro desen-
sem decaído a uma taxa muito mais rápida do que a taxa pela volvimento muito interessante está sendo projetado por grupos
qual o Universo perdia calor, o resultado seria que não haveria do ILL, o Instituto de Física Nuclear de São Petersburgo, na

O equilíbrio entre a duração média da vida de um


nêutron e a taxa de resfriamento do Universo foi
fundamental para a formacão dos elementos que
constituem nosso planeta, e tudo o mais que existe por aqui

nêutrons disponíveis quando o Universo atingiu a temperatura Rússia, o Laboratório Nacional de Los Alamos, a Universidade
adequada para formar os núcleos. Somente os prótons teriam Técnica de Munique e a Universidade Johannes Gutenberg, em
restado, e todo o Cosmos seria formado quase que inteiramente Mainz, na Alemanha. Eles planejam usar garrafas para confi-
de hidrogênio. Por outro lado, se a vida média do nêutron fosse nar nêutrons ultrafrios com campos magnéticos em vez de
muito maior que o tempo necessário para o Cosmos esfriar o paredes materiais. Isso é possível porque essa partícula, embo-
suficiente para possibilitar a nucleossíntese do Big Bang, teria ra não tenha carga elétrica, se comporta como um pequeno
ocorrido uma superabundância de hélio. Esta por sua vez, teria ímã. O número de nêutrons perdidos acidentalmente nas late-
afetado a formação dos elementos mais pesados envolvidos na rais dessas garrafas deverá ser bem diferente das perdas em
evolução de estrelas e finalmente na criação da vida. Por isso, o medidas anteriores, e por isso devem produzir incertezas
equilíbrio entre a taxa de resfriamento do Universo e a vida sistemáticas bem diferentes. Esperamos com fervor que, jun-
média do nêutron foi fundamental para a formação dos ele- tas, a continuidade de experimentos com garrafas e feixes e
mentos que constituem nosso planeta e tudo o que nele existe. essa nova geração de medidas possam enfim resolver o enigma
A partir de dados astronômicos podemos medir a razão cós- da vida média do nêutron.
mica do hélio em relação ao hidrogênio, bem como as quanti-
dades de deutério e outros elementos leves que se encontram
PA R A C O N H E C E R M A I S
no Universo. Gostaríamos de ver se essas medidas concordam
com os números previstos pela teoria do Big Bang. A previsão ®Èà¹ÿym yïyட´D´ ¹† ï›y %yùï๴ "Ÿ†yyÎ A. T. Yue et al. em Physical Review
Letters, vol. 111, no 22, artigo no 222501; 27 de novembro de 2013.
teórica, no entanto, depende do valor preciso da vida média do 5›y %yùï๴ "Ÿ†yyÎ àym Î =Ÿyï†y¨mï y y¹‡àyĂ "Î àyy´yj y® Reviews of Modern Phys-
nêutron. Sem um valor confiável, nossa capacidade de fazer ics, vol. 83, no 4, artigo no 1173; outubro—dezembro de 2011.
essa comparação é limitada. Se a vida média do nêutron for $yDåùày®y´ï ¹† ï›y %yùï๴ "Ÿ†yy 7埴‘ D àDÿŸïD´D¨ 5àDÈ D´m D "¹Ā 5y®ÈyàD-
ïùày ¹®U¨Ÿ´ ¹D‘Î A. Serebrov et al., em Physics Letters B, vol. 605, no 1—2, págs.
conhecida com mais precisão, podemos comparar a razão 72-78; 6 de janeiro de 2005.
observada a partir de experimentos astrofísicos com o valor
D E N OSSOS A RQU I VOS
teórico previsto.
0à¹U¨y®D m¹ àDŸ¹ m¹ Èàºï¹´Î Jan C. Bernauer e Randolf Pohl; no 142, março de 2014.
Se eles concordarem, nosso cenário padrão do Big Bang
sobre a evolução do Universo será ainda mais confiável. Obvia-
38 Scientific American Brasil | Maio 2016
VITAL Biólogos sintéticos estão perto de empregar
células para fazer diagnósticos de doenças
humanas e reparar danos ambientais
Timothy K. Lu e Oliver Purcell

OS PRIMEIROS COMPUTADORES eram biológicos: ti- cisos de diagnóstico e terapia para patologias como câncer, doen-
nham dois braços, duas pernas e 10 dedos. “Computador” era a de- ças inflamatórias e disfunções metabólicas raras. Nós e outros que
signação de uma profissão, não de uma máquina. A ocupação de- projetamos sistemas celulares lógicos vislumbramos um futuro,
sapareceu depois que máquinas de calcular programáveis, elétri- não tão distante, em que eles serão seguros e inteligentes o bastan-
cas, surgiram no final da década de 1940. Desde então, pensamos te para tratar e identificar distúrbios. A tecnologia possibilitará
em computadores como dispositivos eletrônicos. novas formas, mais rápidas e baratas, de produzir substâncias quí-
No entanto, nos últimos 15 anos, a biologia tem passado por micas complexas, como biocombustíveis e produtos farmacêuti-
uma espécie de renascimento no campo da computação. Cientis- cos. Ela pode nos permitir responder a vazamentos de poluentes
tas em universidades e empresas start-up creem estar perto de ao permearmos ecossistemas contaminados com organismos con-
promover os primeiros biocomputadores de meros objetos de pes- cebidos para monitorar e degradar toxinas.
quisa a ferramentas do mundo real. Esses sistemas, construídos Isso não quer dizer que a tecnologia da bioinformática agora
com genes, proteínas e células, incluem elementos básicos da lógi- esteja avançada. O campo está em sua infância. Não pense iPho-
ca computacional: testes do tipo IF/THEN, operações AND e OR, e ne, pense Colossus. Colossus foi um dos primeiros computadores
até simples operações aritméticas. Alguns incluem memórias digi- eletrônicos programáveis. Se você tivesse entrado em Bletchley
tais primitivas. Se recebem os inputs biológicos certos, esses com- Park, no centro ultrassecreto de decriptação, ou quebra de códi-
putadores vivos costumam gerar resultados outputs previsíveis. gos, ao norte de Londres, onde Colossus começou a operar em
Nos próximos cinco anos, mais ou menos, os primeiros compu- 1944, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, você o teria vis-
tadores biológicos poderão ser usados como meios sensíveis e pre- to zumbindo sem parar, fitas de papel fluindo sobre polias, com
Ilustração de Sam Falconer www.sciam.com.br 39
seus 1.600 tubos de vácuo zunindo perfeitamente afinados. Pelos 5Ÿ®¹ï›Ă!Î"ù÷µÍ«{rÒÒ«ÍDÒÒ«Z”Df«rZrD«Í浫fr
”«›«†”D
Sintética no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que
padrões de hoje, Colossus era demasiado primitivo. Ele ocupava
integra circuitos computacionais e de memória em células vivas, aplic
toda uma sala, daí o nome. Ele só conseguia executar alguns pou- biologia sintética a importantes problemas médicos e industriais, e
cos tipos de cálculos e não podia armazenar seu próprio progra- constrói biomateriais vivos. Ele é ganhador de um prêmio Novo
ma. Levava dias ou semanas para desenvolver, carregar e testar Inovador da Diretoria dos Institutos Nacionais de Saúde (National
Institutes of Health Director’s New Innovator Award), entre outros. Em
um novo programa. Operadores tinham de religar a máquina fi- 2014, cofundou a empresa start-up de biologia sintética Synlogic.
sicamente toda vez.
Apesar de suas limitações, Colossus quebrou a criptografia que Oliver Purcell é associado de pós-doutorado no Grupo
os nazistas usavam para codificar suas mensagens mais importan- de Biologia Sintética do MIT. Sua pesquisa abrange
muitas áreas da biologia sintética, da concepção de partes
tes. Esse desajeitado computador, que mal havia começado a “en- biológicas sintéticas a abordagens computacionais
gatinhar” no mundo da informática, ajudou a vencer uma guerra inovadoras para o design racional de sistemas biológicos.
mundial. Seus descendentes catapultaram a civilização, décadas
mais tarde, da era industrial para a era da informação.
Os computadores celulares mais impressionantes feitos até dronizados de um catálogo e uni-los, ou interligá-los. Infelizmente,
agora na realidade são muito mais simples, lentos e menos capa- a biologia difere da eletrônica de maneiras que frustram essa am-
zes que o Colossus. Como os primeiros computadores eletrônicos, bição; mais detalhes sobre isso mais adiante.
nem sempre funcionam; executam apenas os programas mais O progresso tem sido lento, porém considerável. Os primeiros
simples e não são reprogramáveis fora do laboratório. Mas vemos grandes avanços aconteceram em 2000. Naquele ano, James
nesta tecnologia um pouco do mesmo potencial transformador Collins e seus colegas da Universidade de Boston “costuraram”
que a eletrônica digital tinha em seus anos iniciais. Mesmo um dois genes mutuamente interferentes para fazer um interruptor
pingo de inteligência, aplicada de forma engenhosa, pode criar re- genético que pode ser alternado entre dois estados estáveis; uma
sultados quase mágicos em um sistema vivo. memória digital de um bit. Além disso, um grupo liderado por Mi-
É provável que computadores celulares nunca substituam as chael Elowitz, então na Universidade de Princeton, inseriu um os-
variedades eletrônica e óptica. A biologia não ganhará nenhuma cilador rudimentar em uma cepa da bactéria Escherichia coli. O
corrida contra a física do estado sólido. Mas a química da vida tem microrganismo piscava como uma luzinha de Natal quando um
um poder inerente único e pode interagir com o mundo natural — gene fluorescente ligava e desligava com regularidade.
grande parte do qual, afinal, funciona com base em biologia — de Em 2003, Ron Weiss, então em Princeton, tinha projetado um
maneiras que sistemas eletrônicos não podem. biocircuito que leva uma célula a se iluminar quando a concentra-
ção de um composto ambiental está ideal: nem muito alta, nem
LIGA, DESLIGA muito baixa. Esse sistema ligava entre si quatro inversores, que
Toda célula em nosso corpo é, em certo sentido, um pequeno mudam um sinal HIGH para outro LOW, e vice-versa.
computador. Ela recebe inputs, muitas vezes na forma de molécu- Anos depois, Adam Arkin e seus colegas da Universidade da
las bioquímicas que se ligam à sua superfície, e os processa por Califórnia em Berkeley, criaram uma forma hereditária de memó-
meio de cascatas de interações moleculares. Às vezes, essas rea- ria que usa enzimas chamadas recombinases para cortar peque-
ções afetam o nível de atividade de um ou mais genes no DNA da nas seções do DNA, virá-las ao contrário e reinseri-las. O DNA mo-
célula; ou seja, determinam o quanto um dado gene é “expressa- dificado passa de uma célula para suas filhas quando ela se divide
do” ao ser transcrito em RNA e depois traduzido em múltiplas có- — uma característica útil, considerando que muitas bactérias se
pias da molécula proteica que o gene codifica. Essa computação reproduzem a cada uma ou duas horas.
química analógica gera outputs: um esguicho hormonal de uma Elaborar partes destinadas a realizar uma única operação é
célula glandular, um impulso elétrico de uma célula neural, uma uma coisa; juntar, ou agregar muitas partes para formar um siste-
corrente de anticorpos de uma célula imune, e assim por diante. ma integrado é muito mais complicado, porém mais útil. Biólogos
Nossa meta é explorar as habilidades naturais que as células sintéticos criaram componentes genéticos para realizar todas as
têm para processar informações e executar programas. Desejamos operações booleanas básicas da lógica digital (AND, OR, NOT,
ir muito além da engenharia genética convencional que apenas si- XOR, e assim por diante). Em 2011, dois grupos de pesquisadores
lencia um gene, intensifica sua expressão, ou insere um ou dois ge- tinham inserido portas lógicas individuais em células bacterianas
nes de uma espécie em células de outra. O objetivo é talharmos e programado-as para se comunicarem através de “fios” químicos,
sob medida, de maneira rápida e confiável, o comportamento de criando em essência computadores multicelulares.
muitas variedades de células como um engenheiro elétrico projeta Martin Fussenegger, Simon Ausländer e seus colegas do Instituto
uma placa de circuito: ao selecionar partes, ou componentes pa- Federal de Tecnologia da Suíça, em Zurique, montaram partes desse

EM SÍNTESE


Ÿ¹y´‘y´›yŸà¹å criaram células capazes de Esses biocomputadores se comunicam via dade para prever como se comportarão an- "DU¹àDïºàŸ¹å y y®ÈàyåDå estão testando
contar, somar, armazenar dados na sinais químicos, que são inerentemente ba- tes de serem construídos: não sabemos o aplicações, inclusive células ingeríveis, que
memória e fazer operações lógicas básicas. àù¨›y´ï¹åÎ y埑´yàå ïD®Uz® ï{® mŸŠ`ù¨ž åùŠ`Ÿy´ïy å¹Uày `¹®¹ `z¨ù¨Då †ù´`Ÿ¹´D®Î tratam de distúrbios metabólicos.

40 Scientific American Brasil | Maio 2016


tipo para criar sistemas que podiam realizar operações aritméticas coces de câncer ou IBD. Os dispositivos poderiam mudar a cor das
simples. Um de nós (Lu), junto com Collins, George Church, da Esco- fezes, ou acrescer a elas uma substância química detectável em um
la de Medicina de Harvard, e outros, combinou unidades hereditá- kit barato, semelhante a um teste doméstico de gravidez.
rias de memória em uma cascata para produzir uma cepa modifica-
da de E. coli capaz de contar até três. O estado de memória permane- AS PARTES DURAS DE WETWARE
ce intacto de uma geração celular para a próxima. Essa característica Sentinelas celulares como as que acabamos de descrever não
crucial permite armazenar informações sobre eventos passados para precisam de muito poder computacional para melhorar em muito
serem recuperadas no futuro. Em princípio, o contador que criamos os testes de diagnósticos já disponíveis. Um teste IF/THEN, algu-
poderia ser aprimorado para alcançar números mais elevados e re- mas portas AND e OR, e um ou dois bits de memória persistente
gistrar eventos importantes, divisão ou suicídio celular. são suficientes. Isso é uma sorte, porque engenheiros de bioinfor-
mática têm à frente uma lista de desafios que engenheiros eletrô-
UM ESPIÃO NO ORGANISMO nicos de computação nunca tiveram de enfrentar.
A computação biológica começou a ir além de demonstrações Comparada às velocidades em giga-hertz dos circuitos eletrôni-
de provas de conceitos; potenciais aplicações do mundo real estão cos, a biologia avança no ritmo de um caramujo. Quando aplica-
à vista. Nos últimos anos, nós e outros descobrimos muitas manei- mos inputs aos sistemas genéticos, costuma levar horas até que o
ras de projetar sensores, operadores lógicos e componentes de me- output surja. Felizmente, vários eventos biológicos interessantes
mória em circuitos genéticos que podem desempenhar tarefas não operam em escalas de tempo muito curtas. Ainda assim, pes-
úteis em células vivas. quisadores buscam acelerar a computação em células vivas.
Em 2011, um grupo criou um sistema de lógica genética capaz A comunicação é um problema à parte. Em computadores con-
de forçar uma célula a se autodestruir se contiver uma assinatura vencionais, evitar cacofonia é fácil: basta ligar componentes por
cancerígena específica. O circuito genético monitora os níveis de meio de fios. Quando muitos componentes compartilham um fio,
seis sinais biológicos; nesse caso, pedaços de RNA chamados mi- pode-se dar a cada um uma janela de tempo para falar ou ouvir, ao
croRNAs (miRNAs) que regulam a expressão gênica. Esses seis si- sincronizar cada parte com um sinal de um relógio universal.
nais formam uma assinatura distinta de células cancerosas de ori- Mas a biologia é wireless, e não existe um relógio mestre. A co-
gem humana, conhecidas como células HeLa. Quando o circuito municação dentro das células, e entre elas, é barulhenta. Uma ra-
está numa célula HeLa, dispara um interruptor genético assassino zão para o ruído é que partes biológicas usam substâncias quími-
e produz uma proteína que instrui a célula a suicidar-se. Na célula cas, em vez de fios físicos, para trocar sinais. Todos os componen-
não HeLa, o circuito está inativo e não provoca o suicídio celular. tes que usam qualquer “canal” químico podem se comunicar ao
Outros grupos, inclusive o nosso, apresentaram circuitos que mesmo tempo. E pior: as reações químicas subjacentes, que en-
realizam operações aritméticas básicas, calculam taxas ou logarit- viam e recebem sinais, são em si mesmas barulhentas; a bioquími-
mos, convertem sinais digitais de dois bits em níveis analógicos de ca é um jogo de probabilidades. Projetar sistemas que calculem
output de uma proteína, e registram e transmitem os estados liga- confiavelmente, apesar do ruído, é um desafio permanente.
do/desligado das portas lógicas da célula parental a seus filhos. Essas questões afligem em especial sistemas de bioinformática
No ano passado, nosso grupo e o de Christopher Voigt, ambos que usam computação analógica, como muitos fazem, porque,
no MIT, criamos um microrganismo que age no intestino de um como réguas de cálculo, dependem de valores (os níveis de proteí-
mamífero. Trabalhamos com camundongos, mas a espécie bacte- nas ou RNAs) que podem variar quase todo o tempo. Sistemas di-
riana que modificamos, Bacteroides thetaiotaomicron, vive em ní- gitais, em comparação, processam sinais que são HIGH ou LOW,
veis muito elevados no intestino de cerca de metade dos humanos TRUE ou FALSE. Embora isso torne a lógica digital mais robusta a
adultos. Antes disso, Pamela Silver, da Escola de Medicina de Har- ruídos, existem menos partes disponíveis que funcionam assim.
vard, e seus colegas modificaram genes de bactérias de E. coli para O maior problema é a imprevisibilidade. Engenheiros elétricos
operar no intestino dos roedores. têm modelos que preveem, com grande precisão, o que um novo
O biocircuito faz da bactéria um espião. Enquanto está ociosa, design de circuito fará antes de o construírem. Biólogos não com-
ela usa parte de seu DNA como um notebook para detectar se coli- preendem bem o suficiente como células funcionam para fazer
diu com uma substância química selecionada. Adotamos como tais previsões. Tateamos o caminho, muito por tentativa e erro, e
alvo compostos inócuos, mas poderia ser uma molécula tóxica ou muitas vezes descobrimos que os sistemas agem só por algum
um biomarcador presente só quando o hospedeiro tem certo mal. tempo. Depois colapsam. Muitas vezes não entendemos por que.
Depois de ingerir os compostos, os camundongos excretam as Mas estamos aprendendo, e uma razão forte para construir
bactérias em suas fezes. Nos microrganismos expostos ao alvo, os computadores com células é que esse processo de construir, testar
circuitos desencadeiam a produção de luciferase, uma enzima que e “debugar” computadores biológicos pode revelar sutilezas da
brilha no escuro. O brilho é tênue, mas visível ao microscópio. biologia celular e genética que ninguém havia notado antes.
Não é difícil imaginar como esses sistemas poderiam ser úteis
para pessoas que têm um problema intestinal, como a doença in- NASCIMENTO DE UMA NOVA MÁQUINA
flamatória intestinal (IBD, na sigla em inglês) [ver box na próxima Superar esses desafios pode levar décadas; alguns, como a velo-
página]. Em breve, talvez possamos programar bactérias inócuas, cidade algo lenta de processamento, talvez sejam intratáveis. Pare-
que ocorrem naturalmente, para identificar e “relatar” sinais pre- ce improvável que a bioinformática cresça em desempenho na
www.sciam.com.br 41
A P L I CAÇ Õ E S M É D I CA S

Diagnóstico por biocomputador


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Dßž`ø§îøßDj ž³lùäîߞD …Dß­D`zøîž`D x ­xlž`ž³DÍ $xä­¸ D ž³äxßcT¸lxø­lž­ž³ø
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UD`îyߞDä Ôøx ǸlxߞD­ äxß x³¸§žlDä x­ äxøßD³cD `¸­¸ ø­Dǟ§ø§DjþžD¥Dß
DîßDþyä l¸ äžäîx­D lžxäîžþ¸ x lxîx`îDß äž³Džä xäÇx`Ÿ‰`¸ä lx l¸x³cD³¸ž³îxä¸Í
$ylž`¸ä ǸlxߞD­ x³îT¸ …Dąxß ßDǞlD­x³îx ø­ lžD³¹äîž`¸ `¸³‰Eþx§D¸
`¸§¸`Dßx­ ø­D ÇxÔøx³D D­¸äîßD lx …xąxä l¸ ÇD`žx³îx x­ ø­
§xžî¸ß DøEîž`¸Í ääD îx`³¸§¸žD ǸlxߞD x§ž­ž³Dß U¸D
ÇDßîx lD ž³`xßîxąDj DîßDä¸ x lžD³¹äîž`¸ä xÔøžþ¸`Dl¸ä
Ôøx ­øžîDä þxąxä ¸`¸ßßx­ x­ Däîßx³îx߸§¸žDÍ

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Bacteroides thetaiotaomicronj Õùy
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42 Scientific American Brasil | Maio 2016 Ilustração de Bryan Christie


mesma trajetória exponencial da computação digital. Não esperamos
que computadores biológicos sejam mais rápidos que os convencionais.
Como funciona No entanto, engenheiros de bioinformática se beneficiam de um au-

Ÿ¹y´‘y´›yŸà¹åȹmyàŸD®ïàD´å†¹à®DàUD`ïzàŸDåÿŸÿDåy®ù®
®yŸ¹mŸD‘´ºåïŸ`¹ÈDàDm¹y´cDŸ´ŒD®DïºàŸDŸ´ïyåD¨D¹†DĆyày®
mento cada vez mais acelerado da taxa com que conseguimos ler e sin-
DÈy´DåD¨‘ù®DåÈyÕùy´DåDmŸcÇyåD¹‘y´¹®DmDUD`ïzàŸDÎååDå tetizar DNA bruto. Como a lei de Moore, isso reduz o tempo gasto para
DmŸcÇy埴`¨ùy®m¹Ÿååy´å¹àyåÕùy†ù´`Ÿ¹´D®¦ù´ï¹åj`¹®¹ù®D projetar, construir, testar e refinar circuitos gênicos todos os anos.
ȹàïDU¹¹¨yD´D %Z[j¦ù´ï¹`¹®ù®`Ÿà`ùŸï¹my®y®ºàŸDyù®
Embora ainda seja cedo, aplicações de bioinformática comercial-
‘y´yÕùyÈà¹mùĆù®埴D¨myåD mD (output)¨ù®Ÿ´yå`y´ïyÎ
mente viáveis estão chegando. Células podem navegar por tecido vivo,
distinguir sinais químicos e estimular crescimento e cura de maneiras
A 3y m¹Ÿå UŸ¹®Dà`Dm¹àyå ÈDàD D m¹y´cD DïŸÿD® ÊDïàDÿzå my que nenhum microchip já conseguiu. Se os diagnósticos por biocompu-
®¹¨z`ù¨Då Ÿ´ïyà®ymŸEàŸDåj´T¹ ®¹åïàDmDå DÕùŸË D ày‘ŸT¹ my tadores funcionarem bem, o próximo passo é empregá-los para tratar
`¹´ï๨y m¹ ȹàïT¹ % my ù®D åº ÿyĆjù® ‘y´y Dm¦D`y´ïy
de doenças, quando e onde eles as detectarem.
åy ï¹à´D yāÈàyåå¹ y ®D´mD D `z¨ù¨D Èà¹mùƟà ù®D y´ĆŸ®D
Õùy ày‘ŸåïàD D myïy`cT¹Î Clínicas oncológicas já começaram a isolar células do sistema imune,

Ÿ¹®Dà`Dm¹à
 chamadas células T, de pacientes com câncer sanguíneo, para inserir
nelas genes que as instruem a matar o câncer, e depois as reinjetam no

Ÿ¹®Dà`Dm¹à

corpo. Pesquisadores trabalham para acrescer lógica ao pacote genético
´ĆŸ®D inserido nas células T, de forma que elas detectem várias assinaturas de
ày`¹®UŸ´Dåy câncer e estejam equipadas com interruptores de desligamento, aos
quais médicos possam recorrer para controlá-las. Outros tipos de cân-
cer poderiam ser tratáveis por esta abordagem.
Em 2013, Collins, Lu e outros biólogos fundaram a Synlogic, uma
empresa para comercializar medicamentos que utilizam bactérias pro-
Porta AND % UD`ïyàŸD´¹ bióticas modificadas, que podem ser engolidas com segurança. Agora, a
start-up aperfeiçoa biocomputadores para tratar fenilcetonúria e dis-
funções do ciclo de ureia, dois distúrbios raros, porém graves, que afe-
B ' `Ÿà`ùŸï¹ my ®y®ºàŸD †ù´`Ÿ¹´D D¹ Ÿ´ÿyàïyàù®‘y´y
àyȺàïyàj Õùy ¹àŸ‘Ÿ´D¨®y´ïy †¹Ÿ Ÿ´åyàŸm¹D¹`¹´ïàEàŸ¹j tam pessoas desde o nascimento. Ensaios com animais já começaram,
ÈDàD ï¹à´Ež¨¹ Ÿ´DïŸÿ¹Î 7®D ÿyĆ Õùy zŸ´ÿyàïŸm¹y com resultados encorajadores.
àyŸ´åyàŸm¹j ¹ ‘y´y àyȺàïyà åy ï¹à´DDïŸÿ¹Î À medida que entendemos mais como o microbioma afeta a saúde
humana, devemos descobrir que bactérias modificadas podem ser be-
¹à ïDàÎÎÎ néficas para um conjunto crescente de males, incluindo distúrbios infla-
matórios, metabólicos e cardiovasculares. Com mais experiência e uma
biblioteca cada vez maior de biopartes, medicamentos “inteligentes” se
tornarão mais comuns e poderosos. E é provável que a tecnologia alcan-
ce outras áreas. No setor de energia, microrganismos inteligentes pode-
Î ÎÎÿŸ àDàÎÎÎ rão produzir biocombustíveis. Em engenharia química e de materiais,
biocomputadores podem ser úteis para sintetizar produtos hoje difíceis
Gene repórter
de fazer, ou exercer um controle pontual sobre a bioprodução, ou manu-
Î ÎÎàyŸ ´ ïy‘àDàyDïŸ ÿDà fatura. Na conservação ambiental, poderiam monitorar locais remotos
para detectar qualquer exposição cumulativa a substâncias tóxicas e en-
tão realizar reparações necessárias.
O campo está, literalmente, evoluindo muito rápido. Quase com
C 1ùD´m¹ ¹ ‘y´y àyȺàïyà z DïŸÿDm¹j y¨y Èà¹mùĆ `ºÈŸDå my certeza, as aplicações mais incríveis de bioinformática ainda têm de
ù®D Èà¹ïy ´D ¨ù®Ÿ´yå`y´ïy Õùy Èyà®D´y`y® ´Då †yĆyå y
UàŸ¨›D® ÕùD´m¹ D D®¹åïàD z `¹¨¹`DmD y® ù® ¨yŸï¹à yåÈy`ŸD¨Î ser concebidas.

PA R A C O N H E C E R M A I S

0à¹ïy ´DåàyȺàïyà Programming a human commensal bacterium, Bacteroides thetaiotaomicron, to sense and


¨ù®Ÿ´yå`y´ïyå àyåȹ´m ï¹ åù¨Ÿ Ÿ´ ï›y ®ùàŸ´y ‘ùï ®Ÿ`à¹UŸ¹ïDÎ Mark Mimee et al. em Cell Systems, vol. 1, nº 1,
págs. 62–71; 29 de julho de 2015.
3Ă´ï›yïŸ` D´D¨¹‘ D´m mŸ‘ŸïD¨ `Ÿà`ùŸïå †¹à `y¨¨ù¨Dà `¹®ÈùïD´ D´m ®y®¹àĂÎ Oliver Purcell e
Timothy K. Lu em Current Opinion in Biotechnology, vol. 29, págs. 146–155; outubro de 2014.
®¹åïàDå $ù¨ïŸžŸ´Èùï 2% ŸžUDåym ¨¹‘Ÿ` `Ÿà`ùŸï †¹à Ÿmy´ïŸŠ`D´ ¹† åÈy`ŸŠ` `D´`yà `y¨¨åÎ Zhen Xie et al.
ȹåŸïŸÿDå em Science, vol. 333, págs. 1307–1322; 2 de setembro de 2011.
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Output
<ŸmD 埴ïzïŸ`DÎ W. Wayt Gibbs; edição nº 25, junho de 2004.

www.sciam.com.br 43
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marinha (topo à direita)xþžlDþxxîD§…ßEž§³D§šD
äDUx§D(abaixo à direita).

ECO LO G I A

DEBANDADA EM
GALÁPAGOS
Um aumento incessante no número de visitantes pode arruinar o
famoso foco de biodiversidade em apenas alguns anos – Paul Tullis

Na ponta sul da ilha de Santa Cruz em Galápagos, um porosa que forma o desfiladeiro íngreme. Em meio a isso tudo, a
desafiladeiro conhecido como Las Grietas é o lar de uma espécie população do pequeno peixe-papagaio vem se desenvolvendo no
de peixe-papagaio: uma criatura de cores brilhantes de cerca de 46 lago, com água tão clara que é possível ver, através de quase 20 m,
cm de comprimento. O lago onde o peixe vive foi criado há muito os vertebrados escondidos no fundo.
tempo, quando ondas grandes se esparramavam por sobre a orla Em agosto de 2014, programei para fazer uma caminhada ali
elevada da ilha e caíam em uma fenda profunda. Hoje em dia é com o naturalista Andrés Vergara. Nos encontramos no Hotel
refrescado por água da chuva que se infiltra pela rocha vulcânica Finch Bay Eco e andamos cerca de 10 min por areia e terra irregu-
44 Scientific American Brasil | Maio 2016
lar em um ritmo tranquilo. Então pegamos o trecho final da trilha
sobre rochedos, depois para baixo pelas paredes de pedra do desfi-
ladeiro, escalando feito caranguejo, até a borda do lago. Esse tre-
cho era perigoso o suficiente para espantar o turista casual; só uns
poucos aventureiros na verdade chegavam ao lago. É um local lin-
do. Nas bordas da rocha, 9 m acima, há lugar a partir do qual um
visitante com coragem pode pular para a água lá embaixo.
Tivemos sorte de fazer a visita naquela época, porque logo Paul Tullis é editor na TakePart, revista digital de
depois Las Grietas foi fechada para que as trilhas fossem melhora- notícias. Ele já escreveu para IY_[dj_ÒY7c[h_YWdC_dZ,
D[mOehaJ_c[iCW]Wp_d[ e IbWj[, entre outras.
das. Reabriu em dezembro de 2014. Vergara, que trabalha como
guia no Parque Nacional Galápagos, me ligou então e disse que
agora o local tem calçadão sobre as rochas, uma escada sofisticada
que leva até a água e uma plataforma de madeira para o pulo no
lago. “Faz parte de um plano do Parque Nacional Galápagos de tor-
nar as coisas mais fáceis para a comunidade e para os visitantes”,
disse. As melhorias elevaram dramaticamente o número de visi-
tantes, que triplicou entre julho de 2014 e julho de 2015, quando Pinta
7.109 pessoas fizeram a caminhada.
O que todos esses humanos significam para a viabilidade dos Marchena Genovesa
Ilhas EQUADOR
peixes-papagaio não está claro. Será que a quantidade maior de Galápagos
migalhas de sanduíche, protetor solar na água e as inevitáveis Enseada San Salvador
embalagens de plástico vão poluir seu hábitat único – e acabar de Tagus Bartolomé
Seymour
arruinando o apelo turístico do lago? Baltra
Desde que Charles Darwin visitou as ilhas em 1835 e as enxer- Fernandina
Santa Cruz San
gou como um laboratório vivo de seleção natural, Galápagos se Isabela Puerto Ayora
Cristóbal
tornou globalmente conhecido como um dos melhores lugares Baía da Las Santa Fé
Tortuga Grietas
para ver a vida selvagem. As ilhas contam com 14 espécies de saí-
ras (conhecidas como tentilhão-dos-galápagos) e 12 espécies de Santa María
Española
tartaruga. Pinguins e flamingos vivem a alguns poucos quilôme- 0 20 40 milhas
tros uns dos outros. Leões-marinhos são tão bem alimentados com 0 20 40 quilômetros
peixes em abundância que nem se importam com os pinguins, que
em outras partes do planeta caçam com rapidez. A lista de atra-
ções selvagens, divulgada em panfletos jeitosos e em sites na web,
é o motivo pelo qual alguns turistas aventureiros (e ricos) têm sido
compelidos por décadas a fazer a longa viagem até o arquipélago.
Nos últimos anos, no entanto, o número gotejante de turistas bilidade causa impactos, e não é mais o único tipo de turismo que
se transformou em uma enxurrada. No começo dos anos 1990, 41 está sendo feito em Galápagos. A afluência de viajantes está em
mil pessoas visitavam Galápagos anualmente. Em 2013, o número rota de colisão com aquilo que todos querem apreciar: a vida sel-
ultrapassou 200 mil pela primeira vez. Mais de 224 mil visitantes vagem. De 20 espécies endêmicas criticamente ameaçadas, 16
vieram em 2015, outro recorde. Esse aumento é alimentado em vivem nas quatro ilhas habitadas que mais recebem visitas. Novas
parte por necessidade. O Equador está se debatendo em termos espécies invasoras, trazidas em grande parte pelos visitantes, estão
financeiros. O petróleo é responsável por 44% de sua renda com dominando alguns nichos ecológicos. Uma iguana verde, que pode
exportação. A fim de reforçar suas finanças e compensar a queda transmitir doenças do continente para espécies endêmicas, foi
nos preços do petróleo, o governo se voltou para o turismo, permi- capturada em Puerto Ayora, em Santa Cruz, em agosto; ninguém
tindo que a indústria se desenvolva com mais facilidade nas ilhas e sabe como ela chegou lá ou quantas podem ter vindo com ela.
colaborando com projetos como o feito em Las Grietas. As Ilhas Galápagos não seriam o primeiro lugar sensível em
“O governo está trabalhando para aumentar de forma significa- termos ecológicos a ser danificado permanentemente por turistas.
tiva o turismo em Galápagos; não há dúvida quanto a isso”, diz Visitantes desbastam corais em busca de suvenires na Grande Bar-
Swen Lorenz, que tem conhecimento em finanças e que, de 2011 reira de Corais. A frágil Antártida está sendo descoberta por navios
PÁGINAS ANTERIORES: ERIN KRUSZEWSKI Getty Images(leões-marinhos); MATT MOYER

até 2015, foi diretor-executivo da Fundação Charles Darwin, que de cruzeiro. Agora há uma loja Walmart em Teotihuacán, a mile-
aconselha o governo em relação a questões ecológicas. nar cidade mesoamericana no México, que foi exumada e restau-
É possível fazer turismo de forma a preservar áreas naturais, rada. O Equador, ao deixar que a indústria do turismo se desenvol-
Getty Images (iguana); DOUG CHEESEMAN Getty Images (turistas)

beneficiar a população local e até financiar a conservação de va de forma intensa, pode estar presidindo a destruição de uma
hábitat e de espécies. Mas mesmo esse “ecoturismo” de responsa- joia da biodiversidade. Se isso acontecer, as ilhas também pode-

EM SÍNTESE

Um crescimento acentuado no número de turistas que como especialistas independentes de vida selvagem, dizem Rafael Correa o ignorou. Nesse meio-tempo, a administra-
visitam as Ilhas Galápagos ameaça a própria biodiversidade que o país precisa estabelecer um limite anual de visitantes ção do parque está construindo passarelas e outras in-
que as pessoas vão para observar. O Equador encorajou o ou as ilhas serão arruinadas. Os especialistas ŠĆyàD® ù® fraestruturas para facilitar o acesso a locais ecologicamente
Dù®y´ï¹ D Š® my y´‘¹àmDà åyù ¹àcD®y´ï¹Î $Då ¹ yāž`›y†y relatório, no início de 2014, recomendando um limite de 242 åy´å ÿyŸåj Õùy ȹmyàŸD® åyà mD´ŸŠ`Dm¹åÎ  ›¹ïzŸå ÈyÕùy´¹å
do Parque Nacional Galápagos, que foi demitido, assim mil pessoas, mas dizem que a administração do presidente e ilegais se expandiram para trazer ainda mais turistas.

46 Scientific American Brasil | Maio 2016 Mapa de Mapping Specialists


riam perder o interesse para os turis-
tas e a renda que eles trazem.
Em 2013, o Equador deu um pas-
so para colocar Galápagos em uma
trilha sustentá vel. O presidente
Rafael Correa encomendou um estu-
do sobre o impacto do turismo cres-
cente nas ilhas. O relatório que vol-
tou foi grave: caso não se estabele-
cesse com rapidez um limite máximo
em relação ao número de visitantes
por ano, o desenvolvimento contí-
nuo colocaria em perigo a biodiversi-
dade do arquipélago e sua atrativida-
de para os turistas. Mas, até agora, o
governo de Correa não prestou aten-
ção a essa advertência.

LIMITE POLÊMICO SOBRE TURISTAS


O movimento para avaliar o impac-
to do turismo começou no final do %'< 30 33 2" 3xxä`DlDäj`¸­¸xääDä³Dž§šD
Dß¸­yj
verão de 2013, quando Arturo Izurieta î¸ß³D­­Džä…E`ž§Ôøx³ø­x߸ä¸äþžäžîD³îxäD¥D­§¸`DžäÇߞä
recebeu de surpresa um telefonema de ¸äjD­xDcD³l¸DÇDžäDx­xDþžlDäx§þDx­³¸`D­ž³š¸Í
Lorena Tapia, na época ministra do meio ambiente do Equador.
Izurieta, nativo do Equador, que viveu mais de 25 anos em Galápa-
gos, trabalhava como conservacionista na Austrália. Tapia lhe ofe- humana, ela afeta como Galápagos será no futuro”, diz Walsh.
recia uma chance de voltar para casa, para o arquipélago, e um Walsh e Mena criaram modelos matemáticos dos ecossistemas
cargo que ocupara no começo dos anos 1990: diretor da Reserva das ilhas, a fim de determinar como diferentes níveis de cresci-
Marinha e Parque Nacional Galápagos. mento, para diferentes perfis de turistas, afetariam diversos aspec-
Além disso Tapia queria que Izurieta assumisse o problema do tos do meio ambiente. As 19 ilhas, e seus cerca de 145 locais prote-
desenvolvimento sustentável, de acordo com Izurieta. (Tapia, por gidos, sofrem impactos diferentes dependendo se o turista está
um porta-voz, rejeitou o pedido para ser entrevistada.) O presiden- hospedado ali ou em um navio ancorado, por exemplo. Até a
te Correa, ela lhe disse, havia acabado de pedir um estudo sobre nacionalidade importa: a produção de lixo cresce mais rápido, por
quantos turistas os Galápagos podiam acomodar. Quantos locais exemplo, quanto maior a porcentagem de turistas dos EUA. A
podiam ser abertos com segurança? Qual era o impacto geral da equipe incorporou décadas de dados e os inseriu em algoritmos
presença humana nas ilhas? O último item “era uma questão bas- para entender como a mudança de um fator afetaria os outros.
tante empolgante”, lembra Izurieta. “Ela me perguntou: ‘Como Quando Walsh e Mena elevaram o número de visitantes anuais,
vamos descobrir isso?’”. Correa queria a resposta em um ano. os modelos reveleram limites críticos — pontos nos quais os efei-
Izurieta começou em setembro. Logo reuniu uma comissão de tos negativos começaram a modificar o ambiente de forma dramá-
especialistas, tais como Stephen J. Walsh, geógrafo que dirige o tica, enviando algumas espécies para a ruína. Basicamente os
Centro para Estudos sobre Galápagos na Universidade da Carolina modelos mostraram uma espiral de morte caso houvesse um cres-
do Norte, e Carlos Mena, que, com Walsh, codirige o Centro de cimento descontrolado do turismo. As exigências para o desenvol-
Ciência de Galápagos, que é gerido em conjunto pela Universidade vimento privado, a fim de sustentar o crescimento, destruiriam
da Carolina do Norte em Chapel Hill e pela equatoriana Universi- hábitats, e vegetação e animais seriam extintos. Depois de uma
dade de San Francisco em Quito. Esse grupo incluía biólogos, geó- década mais ou menos, o declínio das espécies se tornaria tão evi-
grafos e um professor de faculdade de administração. dente que, como resultado, a indústria de viagens se reduziria.
A equipe decidiu definir cenários de crescimento do turismo e Programas financiados pelos turismo, para restabelecer as espé-
deixar que o governo decidisse qual gostaria de atingir segundo cies em dificuldades, ficariam sem recursos. “Se continuarmos a
seu objetivo, fosse a geração de renda, a conservação das ilhas, ou crescer”, diz Izurieta, “logo atingiremos o ponto sem volta.”
um equilíbrio entre os dois. “A escolha se baseia na quantidade de Quão logo? O relatório de Izurieta, conhecido por Cenários
risco que se está disposto a correr”, diz Walsh, e no que o governo para a Sustentatibilidade, define essa data como 2017. O cresci-
JOEL SARTORE Getty Images

valoriza. Se o governo decide duplicar o número de turistas, por mento ilimitado traria mais renda nos próximos 10 anos do que
exemplo, deve aceitar um risco maior de que o hábitat seja piso- outros cenários. Mas a renda do turismo atingiria um pico em
teado e ocorram mais vazamentos de diesel e mais poluição de 2027 e depois declinaria. “O número de visitas ficará abaixo do
barcos. “Toda vez que é tomada uma decisão sobre a dimensão que temos agora”, diz Izurieta.
www.sciam.com.br 47
O cenário alternativo de estabilização, que limita-
ria o número de visitantes a 242 mil por ano, repre-
sentaria menos renda entre hoje em dia e 2027, mas
vir-tualmente garantiria renda anual contínua por
décadas. O limite, diz Izurieta, está baseado na capaci-
dade de carga (total de visitas em certo período de
tempo) de locais dentro das áreas protegidas. Ele
reduziria o mercado dos hotéis gigantes e também
diminuiria a procura por hotéis pequenos e ilegais,
mas permitiria que o ecoturismo, de preço mais alto e
pegada de carbono leve, que sustentou as ilhas por
décadas, continuasse mais ou menos desimpedido.
O grupo de Izurieta apresentou seu relatório em
fevereiro de 2014. Durante a maior parte de 2014, de
acordo com Izurieta e dois outros conservacionistas
com quem conversei, Tapia discutiu o relatório com o
atual ministro do Turismo, o diretor nacional de pla-
25 35 25 27 3 %53`¸³äxøžßD­ßxî¸ß³DߐßDcDäDx䅸ßc¸älx`¸³
nejamento, o dirigente do conselho de governança de
äxßþDcT¸‰³D³`žDl¸äx­ÇDßîxÇx§D`¸UßD³cDlxx³îßDlD³¸ÇDßÔøxÍ Dä¸äx¥D
Galápagos e o diretor dos parques nacionais. O grupo Dl­ž³žäîßDl¸`¸­‰ß­xąDj¸îøߞ䭸ǸlxߞD`¸xĀžäîžß`¸­DäxäÇy`žxä³DîžþDäÍ
“fez várias reuniões a fim de polir a apresentação que
seria feita ao presidente Correa”, diz Izurieta. “Nessas
reuniões, havia um consenso de que seria aconselhado o cenário que no mar podem tornar Galápagos “um destino de férias como
de estabilidade.” No entanto, foi difícil conseguir que políticos qualquer outro, com hotéis de spa e ruas cheias de lojas de camise-
nacionais se concentrassem na política ambientalista no começo ta”, diz Lorenz, ex-diretor da Fundação Charles Darwin.
de 2015. Os legisladores estavam muito ocupados com a revisão da O governo de Correa parece não estar tomando nenhuma
Lei Especial de Galápagos de 1998, que determina coisas como o medida para retardar o crescimento, apoiando, ao invés, mudan-
salário mínimo e o número de licenças para barcos. O grupo deci- ças na Lei Especial que espera que desencorajarão o turismo. Ao
diu adiar a apresentação até que uma nova lei fosse aprovada, o não fazer uma escolha, os líderes do Equador estão optando, por
que aconteceu em junho de 2015. omissão, pelo crescimento descontrolado. Concedem às compa-
Dois meses antes, no entanto, o ministro do Meio Ambiente nhias aéreas voos extras para o aeroporto Seymour, o maior das
despediu Izurieta — sem explicação, ele diz. Tapia, por um porta- ilhas, na árida ilha de Baltra. Dão aos turistas licenças de entrada
-voz, se recusou a comentar. Desde então, o relatório está esqueci- nos parques mesmo quando os requerentes não conseguem mos-
do em uma prateleira, de acordo com diversas fontes. trar que possuem reserva em um hotel legalizado, como é formal-
mente exigido (há hotéis não licenciados em todo lugar). Funcio-
HOTÉIS ILEGAIS, VISITANTES ESTRANGEIROS nários do governo emitem as chamadas permissões de residência
Izurieta está convicto de que é essencial limitar os turistas. temporária sem data de expiração.
“Galápagos é o destino turístico gerenciado com mais cuidado no Observadores próximos dizem que a limitação ao número de
mundo”, diz Matt Kareus, diretor executivo da Associação Interna- visitantes não está próxima, porque os conselheiros de Correa evi-
cional de Operadores Turísticos do Arquipélago de Galápagos. tam dar a má notícia de que o turismo terá que ser reduzido. “Não
“Enquanto [Izurieta] estava no comando [do parque], não houve acho que o limite será estabelecido”, diz Juan Carlos Garcia, dire-
um impacto maior nos locais protegidos — nenhum. Estava muito tor de conservação da filial equatoriana do World Wide Fund for
bem administrado.” Mas qualquer número de turistas, não impor- Nature. “Todo mundo está com medo de dar qualquer número.”
ta quão “eco” eles sejam, acarreta riscos. O simples ato de trazer Duas modificações incluídas na Lei Especial revisada, que
combustível para apoiar até mesmo viagens de baixo impacto foram aceitas em abril, podem gerar mais problemas. Uma elimi-
aumenta os vazamentos, a emissão de carbono e a degradação da nou a exigência de que os residentes de Galápagos fossem majori-
terra. Os ecoturistas podem, sem querer, trazer espécies invasoras tários em qualquer investimento feito nas ilhas; agora, os locais
para as ilhas, assim como qualquer outra pessoa. A mosca parasita devem apenas estar “envolvidos” no novo projeto, um termo passí-
que está exterminando o pássaro do mangue provavelmente foi vel de várias leituras. A segunda permite mudar os limites do par-
introduzida na década de 1960, quando as visitas turísticas eram que. Tecnicamente, essas duas modificações poderiam possibilitar
MANFRED GOTTSCHALK Getty Images

menos de um vinte avos do que são hoje. que os investidores estrangeiros corram para lá, desenvolvam o
“Ainda temos tempo de estabilizar o número de turistas, mas que já foi área de parque e deixem os habitantes com pouco ganho
precisamos começar já”, disse-me Izurieta por telefone em abril de econômico pelas perdas no ecossistema.
2015. “Se não, não sei o que vai acontecer.” É fácil ver como as Sem um limite, é quase certo que o número de turistas com
praias de areia branca do arquipélago, a água do oceano a 27° C, as base em terra aumentará, diz Kareus, da Associação Internacio-
paisagens lindas e atividades como mergulho com snorkel e caia- nal de Operadores Turísticos do Arquipélago de Galápagos.
48 Scientific American Brasil | Maio 2016
Eles usam mais energia e deixam mais lixo do que os viajantes bilheteria do parque financiou grande parte do trabalho, ao lado
que passam as noites em navios. O Serviço Nacional de Parques de fundos vindos de organizações ambientalistas. As condições da
dos Galápagos regula, pelo sistema de gerenciamento, as visitas vida selvagem nas ilhas desabitadas, onde espécies invasoras como
de turistas a áreas sensíveis, como as ilhas de North Seymour, as cabras também já fizeram estragos, estão também melhorando
onde aves-de-fragata e patolas-de pés-azuis magníficas ani- graças a programas de conservação financiados pelo turismo.
nham e criam seus filhos, e a Baía de Tortuga, onde tartarugas Eliécer Cruz, ex-diretor do Serviço Nacional do Parque Nacio-
marinhas enterram os ovos. Mas o sistema foi projetado para nal Galápagos, que o presidente Correa tornou presidente do con-
uma proporção de leitos nos navios em relação a camas nos selho de governança do arquipélago em abril de 2015, me contou,
hotéis entre 1:1 e 1:2. em outubro último, que estava trabalhando em modificações no
Hoje há quase cinco vezes mais camas em hotéis do que leitos sistema de imigração, a fim de limitar os número de visitantes.
em navios, de acordo com estatísticas citadas por Izurieta, que Também disse que ele e os ministros relevantes haviam conversa-
substituiu Lorenz como diretor da fundação Darwin. E elas não do, no dia anterior, sobre finalmente apresentar Cenários para a
incluem muitos hotéis não licenciados em crescimento, especial- Sustentabilidade para o presidente Correa. Segundo ele, um limite
mente em Santa Cruz. Estipulou-se uma moratória na expansão e de 242 mil visitantes por ano, o número que o relatório diz ser sus-
na construção de novos hotéis há cerca de uma década, mas nunca tentável, é “realmente importante”. Mas, em fevereiro, o atual che-
foi aplicada, de acordo com Felipe Cruz, vice-diretor-executivo da fe do Sistema Nacional do Parque Galápagos, Walter Bustos, con-
fundação, que vive nas ilhas há 30 anos. Ele conta que uma casa firmou que o relatório ainda não havia sido apresentado.
em seu bairro ganhou mais dois andares, e ele se surpreendeu ao Bustos me contou que o novo ministro do Meio Ambiente,
ver uma placa de “hotel” quando a construção foi finalizada. Daniel Ortega, decidiu “atualizar os dados” do relatório de Izurie-
Muitas das construções, dizem Cruz e outros, são de instalações ta. Perguntado sobre isso, Walsh disse por email que o pedido “não
baratas que atendem universários mochileiros e pessoas da Amé- é para mudar os resultados do modelo usado”, mas para “observar
rica do Sul que vão para lá passar o fim de semana. Para a classe de forma explícita a economia do turismo em Galápagos”.
média em expansão da região, uma viagem aérea de US$ 300 de De todo modo, disse Bustos, “não é tão fácil” pôr o limite de 220
Santiago ou Buenos Aires para Baltra está ao alcance de mais gen- mil por ano, aduzindo que “acho que podemos alcançar 220 mil
te do que jamais esteve. por outras políticas.” Ele disse que a restrição a 35 quartos para
Izurieta aplaudiu a abolição da moratória para hotéis porque novos hotéis e a exigência de aprovação pelo conselho de Galápa-
crê que levará a novas construções mais bem reguladas. Legalizar gos como modelos de medidas que vão “reduzir o ritmo de cresci-
o que ocorria de qualquer jeito colocará esses locais sob o olhar mento” do turismo nas ilhas. A questão é se isso pode ser feito
das autoridades. Apesar de o Ministério do Turismo dizer que antes de o patamar de 242 mil ser ultrapassado, o que no ritmo
novos hotéis serão limitados a 35 quartos, será preciso resistir à atual acontecerá na primeira metade de 2017.
pressão da indústria, diz ele. Lorenz me enviou documentos pro- Quanto ao motivo pelo qual Izurieta foi demitido, ele não dará
duzidos por uma consultora financeira chamada Stock & Fund sua opinião de forma oficial. Dias depois de perder seu emprego
Managers, que assegurava que ela e um grupo de investimento em abril, ele escreveu que se tratava de uma “decisão política” e
haviam “garantido dois locais privilegiados” para erguer 39 “vilas” que”embora a respeite, não concordo necessariamente com ela”.
e dois hotéis totalizando 95 quartos, sendo que um dos projetos Nesse meio-tempo, a construção turística continua em ritmo
oferecia “restaurantes, áreas de diversão, salas de reunião, spas e rápido. Um projeto de infraestrutura de US$ 2,5 milhões está em
piscinas”. Lorenz diz que em 2014 o Kempinski Hotels, da Alema- andamento. Parte dos recursos irá para a enseada Tagis, na ilha de
nha, e o Waldorf Astoria Hotels & Resorts apresentaram planos de Isabela, onde, em 29 setembro de 1835, Darwin se deparou com
grandes empreendimentos para Correa. Os hoteleiros disseram lagartos grandes e pretos, com entre 1 e 2 m de comprimento. Não
não ter projetos confirmados nas ilhas, e o ministério do Turismo fica claro em seu diário se ele chegou ali por barco ou fez a desa-
não quis comentar, apesar de ter emitido um anúncio, em 9 de fiante escalada para baixo a partir das montanhas ao redor, mas de
setembro de 2015, reconhecendo que a aprovação, pelo conselho qualquer modo é difícil chegar à enseada. A administração do par-
de governança de Galápagos, de três projetos somando 36 quartos que pretender construir escadas.
“reasseguram o banimento dos mega-hotéis dos Galápagos”.

VONTADE POLÍTICA PA R A C O N H E C E R M A I S

A conservação e o turismo em Galápagos não são incompatí- 5›y D¨EÈD‘¹åi %DïùàD¨ Ÿåï¹àĂÎ Henry Nicholls. Basic Books, 2014.
veis; a renda dos visitantes pode ajudar a proteger o hábitat e a D¨DÈD‘¹å Dï ï›y à¹ååà¹Dmåi 0ŸàDïyåj
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DàĀŸ´Ýå àDm¨y ¹† ÿ¹¨ù´Î Carol Ann Bassett. National Geographic, 2009.
vida selvagem. Visitei um berçário que trabalhava para recuperar
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uma espécie de tartaruga gigante que quase havia sido extinta por Harper, 2002.
ratos que devoram seus ovos. Logo após, um estudo publicado na 5›y
yD§ ¹† ï›y Ÿ´`›i 3ï¹àĂ ¹† ÿ¹¨ù´ Ÿ´ 'ùà 5Ÿ®yÎ Jonathan Weiner. Knopf, 1994.
PLOS ONE relatou que um programa de reprodução cativa similar
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para a população de tartarugas gigantes na ilha de Española,
' ¨y‘Dm¹ ÿŸÿ¹ my DàĀŸ´Î Gary Stix; Fevereiro, 2009.
somado a esforços de erradicação de cabras por lá, havia sido tão
bem-sucedido que hoje sua população é considerada estável. A
www.sciam.com.br 49
CIÊNCIA
EM GRÁFICO

Viagens com o Zika


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O surto de Zika explodiu nos noticiários internacio- Como os Centros para Prevenção e Controle de Doen-
nais este ano, juntamente com alertas aos viajantes, ima- ças dos Estados Unidos não fornecem uma análise deta-
gens desoladoras de bebês afetados durante a gestação e lhada dos casos de Zika estado por estado, a Scientific
uma ligação com uma doença autoimune que pode causar American reuniu e analisou informações das secretarias
paralisia. A notificação do vírus nos Estados Unidos data da saúde de 50 estados e do Distrito de Columbia e acom-
de 2007, quando médicos voluntários americanos contraí- panhou funcionários da saúde de alguns municípios e ci-
ram a doença num surto na Micronésia e apresentaram os dades. O resultado foi este mapa exclusivo que mostra as
sintomas depois de terem voltado para o Alasca. Desde primeiras rotas que o vírus seguiu até chegar aos Estados Flórida
então, mais 50 casos foram identificados nos Estados Uni- Unidos. —Dina Fine Maron Texas
dos. Praticamente todos esses pacientes contraíram o ví-
rus enquanto estavam no exterior, mas pelo menos duas 'ú´Ÿ`¹`Då¹myïàD´å®ŸååT¹¨¹`D¨m¹ÿ àùåBŸ§DÿŸDày¨DcÇyå
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infecções foram adquiridas por relações sexuais. Dùï¹àŸmDmyåmyåDúmy†ymyàDŸåyyåïDmùDŸåyåïT¹åy
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2007 2008 2013 Nova
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FONTE: CENTROS DE CONTROLE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS DOS ESTADOS UNIDOS (PAÍSES COM TRANSMISSÃO EFETIVA)
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francesa
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(Chile)
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DŠà®DÕùy¹ÿ àùåBŸ§DD‘¹àDȹmyåùà‘Ÿà País com transmissão efetiva do
vírus Zika (atualizado até 8 de
y®ÕùD¨ÕùyàÈDàïymDå ®zàŸ`Dåjyā`yï¹´¹ fevereiro de 2016)
Geórgia
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2016 (atualizado
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8/fevereiro/2016)

50 Scientific American Brasil | Maio 2016 Mapa por Mapping Specialists, gráficos por Jen Christiansen

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