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numa só, por essência inqualificável, escrever não passa de publicidade. Mas a maior parte das
vezes não tenho opinião, vejo que todos os campos estão abertos, que não haveria mais
paredes, que o escrito já não saberia onde se meter para se esconder, se fazer, se ler, que a
sua inconveniência fundamental deixaria de ser respeitada”
Não sei se todos os que ganham prêmios literários estão nessa condição. É
possível. Ou não. Sei lá. O que parece certo, mas não incluindo o caso do
próprio Rilke. Mas de Proust, e de Joyce. De Duras, de Dujardim. Dostoievski.
Clarice. As irmãs Bronte. Etc. De qualquer escritor que tenha de escrever
romances ainda que não viva disso – a contos, acredito, todos em algum
momento se arriscam (exceções como Katherine Mansfield, penso, confirmam a
regra); e poesia está numa outra dimensão do que se trata neste texto: a
dimensão de Rilke e Eliot. Após a lei da obrigatoriedade de diploma de
jornalismo, eu perco o emprego, mas continuo escrevendo; quando o mercado
de livros de bolso acaba, continuo escrevendo; passando fome e frio nas ruas,
eu precisava tanto de um caderno e caneta quanto de comida e teto. Vaidade
dizer isso? Só se for como a vaidade da beleza física, de cuja feitura quem é
belo não participou. Não virtude mas condenação.
Quando Joyce diz “Escreva, desgraçado, escreva sobre isso! Pra que mais você
serve?” (Giácomo Joyce) não deixa espaço para grandes teorias. É assim e
pronto, e ponto. Quem escreve serve para escrever e olhe lá. Quando escrever
traz celebridade em vida, e tudo o que, por exemplo, seria bastante adequado
a um diplomata ou um cientista, parece que há no ar um cheiro de arroz
queimado. Esse escritor talvez tenha sua única referência na qualidade de seu
sentir e de seu ser que devem estar de algum modo melhores após o livro – um
sentir que é ainda mais subjetivo porquanto estará também ligado ao sentir de
seu leitor. Então escreva, desgraçado.