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Soügrato à William Kimber and Co.

por me permitir citar um


trecho deÀüll,Àew:s.Condor .(A Londres de Mayhew), de Peter Quen- {

nell; agradeço também aos editores da Revfew o/.Fng/&à Sfzzcífei e dos g


.Ekiqvson Crífícísm por me deixarem u%ilizar-- sobretudo nos capí- $

tulos 1, 3 é 8 -- material originalmente publicado em .suaspáginas.


Nãopossodeixardemen ' ' e a dedicação
=ionara competência ; " deCecilia
'''"'''' /

Scurfield e Elizabeth Walser, que se incuúbiram da datilografia e da


\\

criptografia; e sou pmfundamente grato pela ajuda .financeira. entre /

outras, que.recebido St. John's College, em Cambridge, do Common'


wealth Funil of Neú York e do premi.dente da University ,of .Califomia. O REALISMO}A FORMA ROMANCE
A maioria das fontes é mencion?danas notas bibliográficas mas 'r
o mencionar o grande estímuloqué no início de minha pesquisafoi
a leitura de /Tctfon and f#e readí;zgpuó/fc, de Q. D. Leavis. Minhas
outras dívidas são extensas. Mrs. A; D. M. de Navarro, Eric Twist e
Hugh SykesDâvieslinteressaram:-sê
pelo trabalho desde o início; sou
grato a eles e aos muitos,estudiosos eú vários campos dê interesse que Ainda não há respostas inteiramente satisfatórias para muitas
tllts perguntas genéricasque qualquer pessoainteressada nos roman-
:m.::::l':'t:,#h=:!t=!=.:=. ÜÊÍIÍlil$g cistas de inícios do século XVlll poderia formular.. O .romance é uma

==xw:::a::t'.zm:lllÜEquül
'""'": ini'iria literária nova? Supondo que sim, como em geral se supõe, e que
i: iniciou com Defoe, Richardson e Fielding, em que o romance difere
sons;-Pe.terLaslett, Hrqthgar Hab4kkuk e John H. Raeikh l)evo tln prosa de ficção do passado,da Gfécia, por exemplo, ou da Idade
muito a eles êrtambéü àqu(Êlesque numa posição mais formal porém Média, õu da França do século XVll? E há algum mo.tive para essas
igualmente amistosa orientaram meus estudos eM vamos momentos e ilifcrenças terem aparecido em determinada época e em determinado
çlcal?
lugares: a Louis Cazamian e ao falecido F. T. Blanchard, com os quais
trabalhei breveperíodo; e sobretudoa John Butt, Edward Nunca é fácil' abordar questões~tão amplas, muito menos :res-
Hooker e.Gçorge Sherbum, cujo estímulo :critérios(i, combinado com p(}ndê-kçs,;
e noite caso elas são particularmente difíceis, pois a rigor
uma crítica irrefutável, pouparam-me muito;s esforços iàfi'utíferos. 1:)cfoe,Richardson e Fieldjng não cón$titueín uma escalaliterária. Na
vc:idadesuas obras apresentam tão poucos indícios de influência recí-
ZP.w. l)t'oca é são de natureza tão diversa /hue à l)romeira vista parecia que
/

University (3fCalifornia, nossacuriosidade sobre o surgimento do romance dificilmente encon-


Berkeley, li':tqa algqmã4sàtisfaçãoalém daquela oferecida pelos termos ''gênio'' e
fevereiro de 1956 ''acidente''; a dupla faca'desseJanoklo beco semsaída da história lite-
rliiia. Certamente.não
podemosdéscartâ-los;por outro lado não nos
citode grande valia. Assim,,o presente estuda.toma outra direção: con-
si(lcrandoque o surgimento dos três primeiros romancistasinglesesn\
incsmageração provavelmente não.foi Mero acidente e que seu gênio só
l)aderia ter criado a nova forma se as condições da ép(ica fossem favo-
\

l ílveis,este.trabalho procura ideÚtific4r tais condiçõesdo ponto de vista


Ifterário e social e descobrir tomo beneficiaram Defoe,' Richardson e'
liielding.
g Para tal exame .precisamosinicialmente de unia'boa definição
'©: ..""dascaracterísticas do 'omance
' '
-- uma defíniçãó bastante estrita pêra
g..


\

excluir tipos dé narrativa anteriores e contudo bastante ampla para li\timamente associado ao fato de Moll Flanders ser ladra, Pamela ser
abranger tudo que-em geral se classifica coma romance. Quanto a isso Itlpócrita e Tom Jones ser fornicador.
os romancjstas~'não
nop ajudam muito. Ê verdadeque Richardsone Entretanto esseemprego do termo ''realism.o'' tem o grave defeito
Fielding se consideravãln criadores de uma nova forma literária e viam ilc esconder,or:queé provaveltnente a característica mais original do
em sua obra uma ruptura com a ficção antiga; porém nem dês nem llêiicro romance. Se este fosse realista só~porver a vida pelo lado mais
seus contemporâneos nos forneceram o tipode caracterização do novo ftlio não'i)àsgaria de uma espéciede romantismo às avessas;na ver-
gênero do qual precisamos; na herdade sequer assinalaram a diversi- cln(\c.porém, ceftaménte procura retratãi' todo tipo de çxperiêncig:hu-
dade' de sua ficção mudando-lhe o nome -- o termo '-romance'' só se ll\nna e não só 4s que se prestam a determinada perspectiva literária:
consagrou no final do século XVIII. Hcttrealismo não está na espéciede vida apresentada, e sim na maneira
Graças a sua perspectiva mais ampla os historiadores do romance C:olmoa apresenta.
Evidentemente tal posição se assemelha muito à dok realistas
conseguiram contribuir muito mais:para determinar as$eçuliaridades
da nova.forma. Em resumo consideraram o ''realismo'' -adiferença. es- li'nnceses, os quais diziam que, se seus romances tendiam a di.ferenciar-

sencial eütrê a obra dos romancistas do início do século XVlll e a ficção so dos quadros lisonjlir(iS da humanidade mostrados por muitos códi-
antepor. Di4hte desse quadro :- escritores distintos que'têm em. co- goséticos, sociais e literários estabelecidos, era apenas porque cohsti-
jttiíim o produto de uma análise da vida mais desapaixonadae cientí-
mutn o !.'realismo''=-- o estudioso sente a necessidade de maiores expli-
caçõessobre o próprio termo,aquando menos.po(que Jisá-l(i aleatoria- .flclt do qué sa.tentara antes. Não há evidência de que.esseideal de obje-
mente como uma característica essencial do romance poderia sugerir llvidade científica soja desejável e com certeza não se pode concre-
que todos ós escritores e as formas literárias anteriores perseguiamo Llv.ít-lo:no entanto é' muito significativo que, do primeiro esforçosiste-
r
irreal tndtico para definir os objetivoê e métodos do:novogêhero, os realistas
.tntnçesestivessem atentado para uma, questão que o romance coloca de
As principaisgssocii:leões críticas do termo ''realismo'' são com a
intldo.mais agudo qu'e qualquer outra forma literária --. o problema da
escoladoslealistàs franceses.Coma definição estética a palavra ''iéa- c'(!i'tespondência
entre a -obra literária e a realidade que ela imita.
//sme'' foi usada pela primeira vez em 1835 i)ara denotar a ."vérffé .ca- 'l'i-ilha-sede um problema essencialmente epistemológico e, ,assim, pa-
ma//ze'' de Rembrandt em oposição à ''fdéa//fé póérfqzze'l da pintura I'lIGoprovável qüe a natureza do realismo do- {omahce no século
neoclássica;mais tarde consagrou-ocomo termo especificaiáentelite- XVI ll ou mais tarde '- pode se elucidar melhor com a ajuda de profis-
rário a fundação, em 1856.,do Réa/;sme,jornal editado por Duranty.i çi{)maisvoltados para a analise dos conceitos, ou seja, os filósofos.
Infelizmente a utilidade do termo em grande parte se perdeu nas
azedas controvérsias sobre os temas ''vulgares''-ç as ''tendências imo-
rais'' de Flaubert .e seus suceÉiores. Em conseqüência a palavra ''rea- /

lislnou-passoua serusada basicamentecomo antânimo de.''idealismo''


e cessesentido -:. que na verdade rêflete a posição dos inimigos dos Por um pâradoxb qüe só surpreenderáó neófitos,o termo ''rea-
realistas franceses --: permeou boa parte dos estudos críticos e históri- lismo'' aplica-seem filosofia estritamentea uma visão da realidade
cos do romance. Comumente se considera a pré-história do,género ape- c l)lista à .db uso comum -- à visão dos escolásticos réálistas da Idade
nasuma questão de traçar a continuidade entre toda a ficção anterior Média segundo osl.quaisas verdadeiras ''realidades!' são os universais,
que retratava a .vida vulgar: a história da matrona de Éfeso é!'realista' c1lnssesou abstrações, e não os bbjetos particulares,. concretos, de per.
porque mostra que d-..apetitesexual :supera a tristeza de esposa; e o /a- c'llpçãosensorial. Ã.primeira vista isso parece inútil, pois no romance,
b/fau ou a picaresca são fjrealistas'' porque, ao apresentar o comporta- ittnis que êm qualquer outro género, as verdades gerais só existem posa
mento humano, privilegiam motivos económicos ou.carnais. De acordo r'í-.t;entretanto a própria estranheza da l5osiçãodo realismo escolástico
com a mesma premissa, considera-se que o auge dessa tradição está nos !itlivc pelo menospara chamar a atençãopara uma característicado
romancistas ingleses do século XVII.l e nos franceses Furetiêre, Scarron .fomaiíce que é análoga ao atual significado filosófico do ''realismo'
e Lesage: o ''realismo'' dos romances de Pef(ie, Rjchardson e Fiélding é n Hênerosurgiu 'na êra moderna, cuja orientação intelectual geral se

/2 \
.,r

afastou decisivamente de sua herança clássica e medieval rejeitando ---


ou pelo menos tentando rejeitar -- os universais.2 tln(licional do phncipal testeda verdade:os enredos.daepopeiaclás-
ih'u c renascentista,por exemplo,baseavam-se na História ou na fá-
apentê o moderno reali$mç)parte qo princípio de que o indi-
htila c avaliavam-se.ob Inéritos do tratamento dado pelo autor segundo
víduo pode descobrir a verdade através'dos sentidos: teh suas origens

l wii:lU::\':=:':=U= Ü=i::'lijiqli'! :
sentidos nos dão uma percepção verdadeira desse mundo não esclarece
iiilla concepção de/decoro derivada dos modelos aceitas no:gênero. O
l)t'itnciro grande desafio a essetradicionalismo partiu do romance, cujo
çt'iléi'io fundamen.tal era a fidelidade à experiência individual -- a qual
Óscn pre única e,.portahtQ, nova. Assim; Qromance é o veículo literá!:b.
muito o realismo literário; calmopraticamente todas 'as pessoasem to-
das as épocas se viram.forçadas, de um modo OH de outro, a tirar al- f/llilgQ.de um4 cultura auç,.nos-úl yeW
l)i'cc'cientesà originalidade, à novidade.
guma conclusão sobre o mundo exterior á'partir da própria experiên-
cia, a literatura em certa medida seinprê esteve sujeita .à mesma inge-
'G

Essaênfase na novidade esclarecealgumas das dificuldades crí-


nuidade epistemológica.'Além disso os princípios característicosda ticils que o romance apresent41Ao avaliarmos uma obra de outro gê-
epistemologia realista e .ps controvérsias a ebei ligadas são em geral $ iiç:1loeln geral é importante e às vezesessencialidentificam'seus mode-
los literários; nossa avaliação depende muito da análise da habilidade
dema$ado especialiàâdos na natureza Rara ter grande relação com a

.{
literatura. A importância do realismofUõsóficopara o romanceé muito ilu autor em mandar as convençõesformais adequadas. Por outro lado,
menosespecífica; trata-se da postura geral do pensamento re.alista, dos
çl0t'liutienteprdudica o.romanceo fato de sêr em algum sentido urna
métodos de investigação utilizados, do tipo de problema levantado. iliiilação de outra obra literária e pareceque a razão é a seguinte:já
A,.P9stlua«e.r'aJdo real smo filas.ófiçp..tem.sida.Êlítiç&. antitradi- tliic o romancista tem por função primordial dar a impressão de fideli-
{ln(lc à eípériênêia humana, a obediência a convenções formais preesta-
'®Q31.g.bwadWeiL-Mtade.]çn.çonsi$ydç, Qp;S:tu4i'i;l;.;ll;;ili=-
llolccidas só pode colocar em risco geu sucess:o.Çgl1112913çlo
à tragédia
lares da experiêncianor' n.a!!E.gg.E!!gly:4dclt indii idua], } que, pelo x.
menos idealmente, está livre do conjunto de suposições passadas e con. ttli à .gç!%..g
romance parece amorfo --- .impressão que provêy9j!!1liljtê'se
vicçõestradicionais; e tem dado partiêülar importância' à semântica. 'ã
(luva,4oJ4t9 çk.gye-a-pob1leza de iüãÍêijQlqnKõe$ fórmais seria o preço
ao problema da natureza da correspondência 'entre palavras e reali- tlu scu reajj$1llp.
?#'lT9111.= @n.êb4®'; Entretanto a ausênciade convençõesformais no romancenão
'9i!.g!.uêÊ@llwuç@Qg..ga.é lom importância diante de sua recusa aos enredos tradicionais. Eviden-
mam a atenção para o tipo característico de correspondência entre vida lcotçnteo enredo não é uma coisa simplese nunca é fácil determinar o
e litetptura obtida na pro?a de ficção desde..os mmanbes de'Defoe e lei'nude sua originalidade; todavia a comparaçãoentre o romance e as
Riéhardson.
1 1Masliterárias anteriores rebelauma diferença importante: Defoe e
llichqr(lson são os primeiros grandes escritores ingleses que não extraí-
I'uDtseusenredos dã mitologia, da História, da lenda ou de outras fon-
?

(a) tes literárias do passado. Nisso difetlcm de Chaucer, Spenser, ShakeÉ-


llcaie e Milton, poí' exemplo, que, como os escritores gregos e romanos,
A grandeza de Descartesreside sobretudo no método. na firme cn\ geral utilizaram enredos tradicionais; e em última analise ó fizeram
determinação de.não acoitar nada passivamente; e seu.Discurso sobre o Ílorque aceitavam a premissa comum de sua.época segundo a qual,
méfddo (1637) e suas )b/edífaçõei codtribbíram muito para a concepção sendoa Natureza essencialmentecompleta e imutável, seusrelatos --
moderna da busca da verdade:como uma questão inteÚamente indivi- llíl)licor, lendários ou :históricos-- constituem um repertório definitivo
dual, logicamente iiidependentê da tradição do pensamento e que tem tln cxperiência humana.
maior probabilidade de êxito rompendo cõm essatradição. Esse ponto de vista persistiu até b século XIX; os adversários de
Q.!9111êBçg-é.©fçljna:.!jlç$!joguereflyç.D4iiplenamentmss. Ê li:tlzac, por exemplo, utilizaram-no para ridicularizar sua preocupação
as literárias anteriores com a realida«e contemporânea e -- achavam eles -- efêmera. Ao mes-
refletiam a tendência geral de suasculturas a conformarem-se à prática
{ iiio tempo, contudo,, desdeo Renascimentohavia uma tendência cres-

/
»

çqnte.a substituir a tradição coletiva pela experiên(lia individual como


'{ (b)
. 3.:.:',

árbitro decisivo da realidade; e essatransição constituiria uma parte


importante do panorama cultural em que surgiu o romance.
E significativo ó fato de a corrente partidária da originalidade ter Era preciso mudar muitas outras çoi$asna tradição da ficção
l)nia que o roníãnce pudesseincorl)orar a percepção-individual da reali-
encontradosua primeira grandeexpressãona Inglaterra e no século
du(lc com a mesma liberdade com que o método de.Descartes e Locke
XVlll;. a própria palavra ''original'' adquiri\l nessa época suã acepção
J i){:emitia qüe sçu pensamento brotasse dos fatos imediatos da consciên-
moderna graç?s. a uma inversão semântica que constitui tim paralelo da
}!in. Para começar os agentes no enredo e o local de suamações deviam
mudança dó sentido de I''realismo''. Vimos qde da convicção medieval
içt' situados numa nova perspectiva literária: o enredo envolveria pes-
sobre a realidade dos universais o '.'realismo", acabou por indicar- uma
igns específicas em circunstâncias específicas, e não,,.como fora usual
eónvicção'cobre a percepção individual da realidade através dos senti-
ím t)assado, tipos humanos genéricos aquando num cenário basica-
dos:-da lesma turma o termo ' .e!.Ig!!!êi ' -- qge-na!!!ade lylédjlL!jgni-
iitcittq determinado pela con+en#ãoliterária adçqüada:
!!
vadó, independente! de llr!!1lKj11g.!!!êg:) e quando, em suas Cb/l/ecrtzres $'' Essa mudança na literatura foi análoga à rqeição dos universais
ç}à ênfasenos particulares que caracterizam o realismo filosófico. Aris-
oiiõr@íiãcz/cõhBõxlrfo/z (Conjeturas sobre a composição original) (1759)
r lr)tulestalvez tivesseconcoi:élaüocom a premissa básica de Locke, se-
-- obra que marcou época --, Edward Young saudou Richardson
Êltindoá qual o$ sentidos são ''os primeiros a introduzir idéias partia:
coiro,t'üm génio mÕra]e original'',4 b temo podia-ter o elogiososen-

,{
tido: de ''novo em caráter ou êsti16' calares e aYlabastecer o armário vazio'' da~mente.s Mas teria prosse-
O uso de enredos.. não .tradicionais no romance constitui' uma Htiido, insjktindo eú que o exame de caias particulares. era de pouca
sctventia; a ihissão intelectual do homem consistia em combater o fluxo
manifestação mais antiga e provavelmente inQependénte desse.enfoque. litcxpressivgda sensaçã(ie adquirir .um conhecimentodos iiniverÉais
Quando começou a :escreverficçã.o, Defoe não deu grande atenção à cINeconstitui a.realidade definitiva g imutável.ó Esseenfoque generali-
teoria crítica predominante em sua época, á qual ainda se inclinava
para os enredostradiêionaii; ao contrario, deixou a narrativa fluir es-
pontaneamente a .partir de sua~próprla concepção dê.uma conduta
3 /.ítclorconfere à maior parte do beniamçnto ocidental até d séculoXVll
tina forte semelhançaque supera~todas a! suasmúltiplas diferenças:
[lü inestna forma, 'quando o Philonous de Berkeley afirmou, eh 1713,
plausível das persõhagens. F com isso inaugurou uma nova tendência cine ''é uma máxima univêrsalmenté aceita a 'de qiie fzzdo que exlsfe é
na ficêãoi suã total subordinação do enredo ao modelo dp ,memória
/}arflcu/ar.':, 7 ele estava expressando a tendência m(}derna opostas que
autobiográfica afirma a primazia dà experiência individual nó romance dá certa unidade de pempectiva e método ao pensamento posterior a
da mesma forma que o cogífo ergo sum de.Descartes na filosofia. 1.)êscartes.
Depois de Defoe, Richardson e Fielding cÓntinualam, cada qual
a sua maneira, o que se tornaria a pratica geral do romance, o uso de
enredos não tradicionais, ou inteiramente inventados au baseados par-
;3 Maia uma vez as novas correntes filosóficas e as referentes carac-
lci'ísticasformais do romancefaçamcontráriasà opinião literária predo-
minante. Pois no:início do século XVlll ainda determinava a tradição
$.

3.
cialmente num incidente contemporâneo. Não$e.pode dizer que algum crítica a forte preferência clássicapelo geral e universal: o ob.tetaade-
deles conseguiu realiapr plenamente essa interpenetração de enredo, (suado...daliteratura continuava sendo quod semper qzzod zzbíque ab
personageme finalidade. moralizante encontrada nos melhores exem- or?ln/bui esf. Tal preferência era especialmente pronunciada na cor-
plos da.arte-do romance. Convém lembrar, no entanto,, que a tarefa tciite neoplatõnica,,.quesemprefora forte na literatura de ficção e ad-
não erâ fácil, ainda mais numa épocaêm qüe a imaginação criadora sâ ã ,cluiria crescente.importância iia crítica literária e na estética de modo
podia seexpressarsob forníâ literária evocandoum modeloindividual e Rural. Em seu Essày on f#e/reajam.o/wíf a/zd Àumozír (Ensaio sobre a
extraindo üfn dignificado êbntempórâneode.um}enredo qué em si não liberdade' qe espírito e humor) .(1709), por exemplo, Shaftesbury ex-
constituíanovidade. v'
f pressou en#aticamente a aversão dessa escola de pensamento à particu-
&
ku'idade na literatura e na arte: *'
A variedadÊI.danatureza é de tal ordem que distingue todas as coisas que
éla-forma através de un} carâter'original peca//lar; que. se estritamente

.( .s/
/7
#'
'/

k.

observado,fará o assunto parecer diferente de tudo que existe no mun- O conceito de paràcularidade realista na literatura é algo geral
do. Mas esse;efeitoo bam poeta e o bom pintar diligentemente procuram tlcmais para que sepossa demonsti'á=lo(concretamente: tal demonstra-
evitar. Eles detestam a mílzzzdêlzcfae temem a sfPzgu/arldade.8
ç'ãodemanda que antes se estabeleçaa relação,entro a particularidade
E prosseguiu: . \. l ealista:B alguns aspectos específicos da' técnica narrativa. !)gi&.dçs$çs
11$pççlos;..sÃQ,
de.sspeclal import4pci4. pai'à o rQ111gnçç;
catgcterização e
Q simplespintor de rt)stop.na verdade.tem pouco em comumcom o
.ill) lqsentaç4o .dó .am1lLenlçl,c.et.lamente ..o..:rolDênçç;: se..diferpDçja..dQS
poeta; contudo, coma o simples historiador, copia o que vê e minuciosa-
mente traça cada feição e cadamarca estranha. l)u tios gçnçros e de.forma!. anteriores.de. ficção-pçlg.g(êy. dq;.êtçn.ção
tltic dispensa. !:.jndlyjdua!.iz4çã9 d41 personagens .s..&,detalhada..apre-
E concluiu, arrogante: ' 'Éldiferente com homens inventivos' ã NctHt&cãode seu ambiente.
Entretanto, apesarda determinaçãode Shaftwbury, uma ten:
dêhcia estética contraria, fai?arávelà particularidade; logo começou a
se firmar, em grande parte graçasà aplicação da abordagem psicoló-
gica de Hàbbes e Locke. Lord Kames foi talvez o porta-voz mais diféto
8 (à)

dessatendência. Em seusE/eme/zfsof Crítlc;sm (Elementos da crítica)


(1762) déclarõu que ''tertnõs abstratos ou gerais não produzem bons
ã Filosoficamente a abordagem paEticularizante da personagem se
Ei'açluzno problema de definir a pessoa individual. Depois que Descar-
resultadi3s numa composição destinada à distração; porque é somente lus conferiu importância suprema aos processos4e pensamentona
cóm objetosparticulares que as imagenspodem sç formar'';9 e prosse- t'niisciênciado indivíduo, os problemas filosóficos relacionados com a
guiu, dizendoque, aÉ)conÜário da opinião geral, o atrativo de Shakes- i(lcntidade pessoal despertaram grande atenção. ,Na lqglaterra, por
peare reside nl) fato .de que ''cada item de suas descrições é particular, llxcmplo, Locke, o bispo Butler,-Berkeleyl 'flumê e'Raid debateram a
cabo na natureza': (questão,e a controvéi:$ja até foi parar nas paginas do Specra/or. i2
Nesseaspecto, como tlambém na questão (!a Qrúgjnalidade,.D.etoe Q paràlelq. çn.tre.a çradjçãqdtQ pe.tl!BÍLIS!!!Q.real!$!g:s 4$.inovações
e Richald$9©.Gslâl2qlçç9nam-a-QarQgtçJ:Íglç1.41r.eção.Jiteráúada.forma
$ l;u!1llq!!gg! p111111ylq$.{oman.cislgs.É .widentez ,!!!ólg fQ».e. rym 4Dçi$tas
!gUgEçç.a111ila.antes.dea.tenda É[Ülç+.fU]Recç!.q!!g! g!!E=fundamen to . .dc.diçêlgllL.aíi..iiüivíduol.padiculg!.!naiW4tenção do quç .e.she.mççb6.rê
Nem todos concordarão com Kames que ''cada item'' dQSdescrições de ll!.Q*ÊIUêQ:.:.Entretanto
a grande atenção que o romance dispensou à
Shakespeare é particular; mas a particularidade da descrição sempre ll:titicularização dà personagemé um tema tão amplo que considera-
foi tida como elemento típico do estilo narrativo de Roblnso/z,Crusoe e I'amosapenasum de seusaspectosmais maleáveis:a maneira pela qual
Fama/a. Na verdade a primeira biógrafa *de Richardson, mrs. Bar- i! romancista tipicamente indica süa intenção de apresentar uma perso-
bãuld, descreveuseu génio em termos de tema analogia que tem figu-
rado éonstaíÍtémente na controvérsia entre generalidade neoclássica-e
g nagemcomo um indivíduo particular nomeando:ada mesmaforma
que os indivíduos particulares são nomeados na vida real.
particularidade realigtâ. Sir JoshuaReynolds, por exemplo, expressou' Logicatnente o problerüa da identidade individuQI tem íntima re-
sua Convicção neoclássica declarando preferir ''as grandes idéias ge- laçãocom o status epistemológico dos nomes próprios; assim, nas pala-
rais'' da pintura italiana à ''verdade literal e (...) à minuciosa ex'ã- vi'nsde.Hobbes, ''os nomespróprios trazem à mente,uma única coisa;
tidão'' da escola holandesa; 'o cabe lçhbrar que os realistas franceses !
os universais lembram muitas a todos''. 13Os nomespróprios têm exa-
seguiam a ''vérifé /zzzmaíne'' de Rembrandt e não a ''ídéa/ílé poérlqzíe' la mente a mesma função iía vida social: são a expressão verbal da iden\
da.escola clássica. Mrs. Barbauld acuradamente indicou a posição de $

li(lide particular de cadaindivíduo. Na literatura, contudo, foi o ro-


Richardson nesseconflito ao esérQverque seu biografado tinha ''o aca-
bamento preciso de um pintor holandês (...) contente de produzir efei-,
$ IDanceque estabeleceuessafunção.
Nas formas literárias anteriores evidentemente as personagens
@

tos com a pacientelabuta da minúcia''..I' Na yerdadeÍtantoele como tlu geraltinham nomepróprio,'mas o tipo de nomeutilizado mostrava
Defoe não seperturb.arar com o desdém de Shaftesbury e, como Rem- tl\te o autor não estavatentando cria-las doma êhtidades inteiramente
brandt, .estavam contentes de ser.'='simples pintores de rosto e histo- individualizadas. Os preceitos. da crítica clássica e rerlascentista con-
riadores' cordavamcom a pratica literária, preferindo nomesou de figuras histó-

J

@
:@
ricas ou .de tipos. De quãjquer modo.os nomes situavam as personagens
©
no .contexto de um amplo conjunto de expectativas formadas basica- lltiç o autor visavatanto ao tipo geral gamo ao indivíduo particular.
mentea partir da literatura pasgãda,e não do contexto da vida con- y
}

Ipso. contudo, não contradiz o presenteargumento, pois com certeza


temporânea. Mesmo iíã comédia, onde em geral as personagens não llíi concordância geral'quanto ao fato de qué og nomesde Fielding e na
eram históricas, mas sim inventadas, ós nomes deviam ser 'qcaracterís- g vcidacle toda a construção de suas personagens constituem uma rup-
ticos''jcõmo nos diZ Arístóteles,i4e tenderam a permanecercomo tal tuí'ü com o tratamento habitual dessas questões no romance. Não que,
muito depois do surgimento do romance.
Tipos anais antigos de prosa de ficção também tendiam a utilizar
nomes4iróprioícaracterÍsticof, ou não partjcularçs e de algum modo
irrealistas; nomes que, como os de Rabelais, Sidney ou Bunyan, deno-
$ .ifi)nlo vimos no caso de Richardson, não haja lugar iio rom alce.para
ltnllics próprios que de algum modo são adequados à personagem em
''"(liicstão, porém essa adequação não deve interferir na função 'primor-
Cllnldo nome: mostrar que a personagemdeveser vista como uma pes-
tavam qualidades particulares ou dize, como os de L9ly, Aphra Behn ou cou pai'titular, e não como um tipo;.
mrs. Manley, tinham conotaçõesestrangeiras,arcaicasou literárias verdade parece'que Fíelding comlireéndeu isso quando escre-
que excluíam qualquer sugestão'de vida real e contemporânea. Con' VCttscu último romance, ,4me/fa: sua preferência neoclássica' por no-
firma o caráter basicamente literário e convencionaldesses nomes pró- íitCSde tipos encontra expressão apenas em personagens menores como
pr.ios o fato de que em geral eram um só -- mr. Badman ou. Eu- íü$1ice Thrasher e Bondum,{.o meirinho; e tôdas as personagens prinq-
phues --; ao contrário das pessoas reais, as personagens de ficção não }lltis -- os Booth, miss Matthewg, ç) dr(-Harrison, ;o coronel games: o
tinha:m nome e sobrenome..
jitt'gesto Atkinson, o capitão Trent é mri. Bennet, por exemplo :-- têm
bllgsosf+primeiros romancistas!imperam
gPIP'vv"'"''vunPP-P nH---
com.4.tlg;dk49.g.bgli-
enaiy.ein-n=r
'h'n9-)f'--:-bn-\iWU«K-'=sqa::çi?9xxnsi:C -)n-mü;3==i ?p.s :,»:$:re=lti=};rt€3.-rv=n-P+p p llüines usuais na época. N.averdade há alguma evidênciaxée que, conho
zaram suampefsõnagens de mo({13a sugerir que fos$ém çncal.1144ã.fo.Ud c-üftosromancistas modernos, Fiçlding recolheu essesnoi;tês ao acaso
trrdivíü\üõg>ãftiêülãiBi"iiõõõhtéitd sõêiãrilêj:Êmporânea-Defoe uSa os llliinü lista de Contemporâneos --:, todos os sobrenomes mencionados
nomespróprios de modo displicente e às Vezescontraditório; porém ra' Reina êónstam de uma relação de assinantes da edição de 1724 da .17ís-
ramente escolhe nomes convencionais ou extravagantes -- uma possível ÍÜa o/XÜ ow/z f;me (História .de seu tempo), de Çilbert Bürnel, edi-
exceção, Roxana, é um pseudónimo bem explicado --; e a maioria de çi\i) que;. como se sabe, o autor de Tom Jorzespossuía.ió
seusprotagonistas, como Robinson Cru'soe ou Mail Flãnders, têm no- De qualquer modo, é certo que Fieldink fçz consideráveise cres-
mese alcunhas completos e realistas. Riêhardson prosseguiu nessapra- ç'eltlesconcessõesao costumeinaugurada'por Dêfoe e Richardson de
tica, porém fói muito mais cuidadoso e deu nome e sobrenome a todas 1)111izaras personagenscom nomeshabituais em silo épocas.Alguns ro-
as suaspersonagensprincip4iÊ, bem coco à maioria das secundárias. R)üncistasdo final do sécuk)XVlll, comi) Smollett e Sterne, nem sem:
Também se defrontouêóm um problema menor, porém não desprovido 1)1'c seguiram êssecostumo, que, no entanto, Sefi)kou ,mais tarde como
\
de importâncias ná elaboração de um romance: escolher nomes sutil- jlni'te da tradição do gêneró; e, conforme Henry James assinalou com
mente adequadose $ugêstivos,ainda que pareçam banais e realistas. IWlhçãoao fecundo cléílgo mr. Quiverful, de Trolloge,n ,o romancista
Assim as conotações românticas de Pamela esbarram no sobrenome i$Ê:]6; l)ode rompem'-com a tradição destruindo a crença7do leitor na reali .
comum de Andrêws; Clari$sa Harlowe e Robert'lsovelace são batizados )l:;,,tlHdeliteral da personagem.
adequadamente; e na verdade quase:todos os nomes próprios de'Ri-
chardson, de mrgi .Sz'Pzclair
a sir Charles Gra/zdison, parecem autênticos
(d)
e condizentes com a personalidade de seus portadores:'
Como assinalou üm crítico contemporâneo, .Fielding b4tizóu suam
personagens"não.com grahdiloqüentes nomes fantásticos, mas com Locke definiu a identidade pessoal como uma identidade de cans-
nomes que, embora às vezes tenham alguma relação com a persona- ei meiaao longo de um período no tempo; o indivíduo estava em con-
gem, possuenfüma terminação mais moderna''.is Heartfree, Allworthy litl!) coiB.sua identidade-contínua através da lembrança de seuspensa-
e Square, certamente versõesmodernizadas do nome de um tipo, não hlcntos e atou passados. '8 Hume retomou essa localização da fonte da
deixam de ser convincentes; mesmo Western ou Tom Jones sugerem Itlcntidade pessoal no repertório das lembranças: ''Se não tivéssemos
memória, nunca teríamos noção de causalidade neiÚ, conseqüente-
20
)' 21
r
B mente, daquela cadeia de causas e efeitos que.constitui nosso se/y ou TINO
tendea dar ao romance-uma estrutura muito mais coesa.Ainda
innis importante, talvez, é o efeito sobrea caracterização da insigtêúcia
pessoa:.. '9 Essa posição é típica do romance; 111XIÇgE.[Qpançj$!a$de
B Sterne a Proust, ,$xplara[4p..g.pçÇ]Q]Uliçl.açlg.confgrlRqê 4e!!pjdê:.D3
in torpe!!!!11gçêg.ge sy.í!.pçtçepçãqpasl4d4 Q presente:
d(i i'omance no processo temporal. O exemplo mais evidente e extremo
o romance de fluxo .de consciência, que se pi'opõe apresentar uma
Otempo é uma categoria:essencialem outra ab:órdagemsimilar i1ltltçãodireta do que S)correna mente do indivíduo sob o impacto do
g porém mais superficial do problema da definiçã,ç)da individualidade de fluxo temporal;.em geral, porém, mais que qualquer outm gênerolite=
#

qualquer f)bjeto. O ':;lLti!!çjlljQ4eúHdilCidyêçãg:J.qçç!!Q.Ibid.ocke.erao tái io, o romance se interessoupelo desenvolvimentode suas personaj
ç!!.11i:!!ê!!çia,,nly]!.lg!!j].a;!jc.Bjêr. dQ.çlpêçg ! telnpQL pais,-.coma.e$:.. Runs,nocurso do tempo. Por fim, a descrição detalhada que ó romance
creveu, ''as içléiêg.sejQEn.am.gçCêbjçpqlgd9:!gyBlps-ascitéulllilâpçjas litz das preocupações da vida cotidianá também depende de:seu poderá
i41.B!!!Ég.d11941:::.!pglb.uto-selornam-paríiwjãtQS.$Ó.gW!!dg.Êgg«s itõllre a dimensão tempo: T. H. Green mostrou que grande parte da
dp41EJBUD51â11çjêuêue3pÊçjficêdu..lt).ê.Qçs.p.a: ff!!gl3.jl1:2111gDaggg.s Vlçlüdo homem tendia a sér quaseinacessívelà representaçãoliterária
do.romance.só pçld6i!!$er, !ndilrlduallj4âãêlfêg:S$Jlêg:$!!ygdêS:llBQLCDD' (lbvicloa sua lentidão;u a fidelidadedo romanceà experiênciacota.
Ê.
tHbsQülçinl©.glgçêl2âlti nb iz !d J d.aii l depende diretamente de seu emprego de uma escala'temporal
Na ÇrÉcia e em Roça a filosofia e a literatura receberampro- liltiito mais mjpuciosado que aquelautilizada pela narrativa anterior.
funda influência da concepçãoplatónica segun'doa qual as Formas ou . .Q.P.PPçl.dQ .tempo na literatura antiga, medieval e renascentista
Idéias eram asrealidades definitivas,por trás dos objetos concretos do curlümentedifere muito do que tem no romance.A restrição da ação
mundo temporal. Esíãs formas eram concebidas como atemporais e l n tragédia a 24 horas, por exemplo? a decantada unidade de tempo,
imutáveiszi e, assim, refletiam a premissabásica.desua civilização em lln verdade equivale a uma negação da importância ãa dimensão tem-
geral: não aconteceu nQm podia acontecemnada .cujo significado funda- lioi'nl na vida humana; pois, de acordo çõm-a concepção da realidade
mental não fosse independente do fluxo do tempo. Tãl premissa é dia- i)olü mundo clássico -- êEhs!$tin.dge+y:bBiversais atemporais -- im-
metralmente op(isto à. concepçãoque se impôs a partir do Renasci- pllcüqueayçldaded4. ' ""-.--
xistência Pode -«-
se revelar r-:--
inteiramente ,--'es-
no
mento segundo.a qual o tempo é não só uma dimensão crucial do lylça de.um dia como no espaço'deuha .vidatoda--.Asdecantadasper-
HOPificações do tempo co -" ''
rnoo carro alado ou o sombrio ceifeiro revelam
mundo físicoconio ainda:á força que molda a história individual e cole-
tiva do homem. í.$- uinn concepção essencialmente siinilgr. Concentram a atenção não no
] Em nada o romance é tão característicode nossacultura comona fluxo temporal, mas na morte, que é.atemporal; cabe-!hç$a função de
foi'ma Pala qual reflete essa orientação típ.ica do pensamento moderno. íitl i:i:lll nossa pe1lcepção gà vida.çól44ian+ a,8p de que .nQi..preparemos
E. M. Forster considera o retrato da ''vida através..dotempo'{ como a llllrll çncarpç ê.eteiDídade. Na verdadebisas personificações se asseme-
função distintiva que o romance acrescentouà preocupaçãomais an: llutm à .; a da unidade do tempo por gerem fundamentalmente
liga da literatura pelo retrato da''vida através dos valores'';a Spenglef Hh.istórÍêãÉe, portanto, típica:14a.lpÊ89t.!!DPQrtâticia imbuída à di.
ã IQÇ.nsãp tempos.!! . n4 mp1Oria ggs..gbrq$ 1iürárias anteriores ao ro-
atribui o surgimento do romance à necessidadeque o homem moderno
}
!11ilnce.
'urra-ltistórilp'' sente de uma forma literária capas de abordar ''a to' ãt
tülidadq da villa!';a mais recentementeNorthrop Frye vê a "aliança 1:: A noção)de passadohistórico.em Shakespeare,por exemplo, é
entre tempo e homeih ocidental'' como a característica definidora do lüUito diferente da concepçãomoderna. Traia e Romã, os Plantageneta
I'nuance comparado com outros geQeros.24 í-i'tiN Tudor,
.....- nada
- -.está suficienlémente
. longe para ' "'-'---''
diâêrirmuitodopre-
Já examinámos um .4s©ççto:daimportância qpç o romance atri- 2
lente.ou entre si. Nesse aspecto.Shakespeare reflete a concepção de sua
bui.à dimensão;tempo: sua.mptur4 êÓm.a.tradição. literária:aRIBrioJ= de :' ' Élloca: morrera .tonta abas antes de o termo "anacmnismo" ser usad(i
3
psüi' .:histórias .atempQ[4i$ b4r4 refletir verdades morais imutáveis. O
t:ltFcdodo fbmaiÍée também se distingue da maior parte da ficção an- R:lE:!:: u:H:;:=;.::'É='ÜWÍl?i.EiE
1'0(indo teihpo .revolve os mesmos exelizp/a eternamente aplicáveis
ta'ior por utilizar a experiência passadacomo â causa da açãopresente:
tin.lü i'ilação causal atuando através do tempo substitui a confiança que Essa conéepKão aliistórica está ligada a uma surpreendente falta
}

üs nlu'nativasmais ,a=ntigafldepositavam nos disfarces e coincidências, e $ tlt} interessepelo detalhaiúdnto do tempo hirsuto ---""}
- La minuto e dia a'u''n
dia
:© B n .:<

22 H 23

R
/

-- falta de interesse que lwou o esquetna temporal de tantas peças de .} i:itlticz.a dê detalhes sem precedentes:,o sobrescrito de'cada carta nos
lilfoi'nla o dia da semanae muitas-vezesa hora do dja; e isso compõe

g
Shakespéare e dç:muitos de seus predecess(ires, apartar de Esquilo,
EÍaturdir editores é:críticos. Na ficção mais antiga a atitude cdm rela- tml:t~estruturaobjetivo"pára o detalhe temporal ainda maior das pró
ção ao tempo ê bastante parecida; a seqüênéia de acontecimentos situa- pi'ins cartas -- sabemos,por exémpló,'que Clarissa faleceu numa
se nüm' conffntzum de tempo e espaço muito abstrato e atribui bem tluinta-feira, 7 de setembro, ãg dezoito .horas.e quarenta
pouca importância ao tempo como.um fator dos.relacionamentos hu- tltnpregd da forma epistolar também. leva o leitor a sentir que'realmente

.$
manos. Coleridge. apontou a ''mai'avilhosa independência e a verda- llnilicjpa da ação, com umã intensidade até então inédita. Ríchardson
deira ausênciaimaginativa de todo espaço ou tembó particular em The sltllia, conforme escreveuno .''Prefaciar de C/arüxa, que as ''situações
ciilicas (...) com ó que se pode chamar de descrições e reflexões instan- r
/aerü quee/ze(A rainha das fadasy';2' 'e a dimensão temporal das ale- g
gorias de Buóyan óu 4as n4rrativàs épicas também é vaga e não parti- lilneas'' píéndem melhor a atenção; e em muitas cenas o ritmo..da nar-
l nlivq: diminui, ''graças a ' descrições ,menu(idosas,aproximahdd. se bas-
cularizada.
Umt?~dãquelg da expe4:íência real. Nessas 'cenas Richardsoó conquistou
li)go,.porém, a moderóân(4ão de.tempoComeçoua permear pniaó romance o que a técnica do ''c/oiêTzzp''de D. W. Griffith fez
muitas áreas de pehsamento. O final. do século XVll 'assistiu ao surgia
mentode um estudo'dà História cais objetivo e, por Conseguinte,de :paro o cinema: acrescentou uma nova dimensão à .representação da
i'€1ulidade.
uma compreensãomais pfpfunda dardiferença entre passadoe pre-
.sente,3ãNewton e Locke apresentaram uma nova análise..dg.processos
'.

Fielding trata)uo problema do tempo em seusromances a partir


tlc uma posição mais exterior e tradicional. Em .SÀame/azomba do
}eGÓI,raio'êiÉ='iõãói3h'pMãl;lÇ,ÜÜàiãã:JiÜ!.;içii&.êmeiâ-/
tempo presente.utilizado por Richardson:
nicoí determinado CQlnpreq$êç)syfigiçptç p:a{4.Qed+ agRç44..dg$p!# W
jetos ou a sucessão dos pensamentosn Mrs. Jélvié"e..eu estamos áa cana, a porta não está .trancada: se meu
Essesnovos enfoques refletem-se nos romances.de Defoe. Sua
ficçãoé a primeira-qüe nos.,apresenta
um quadro da vida individual &
:$
patrão chegam(...) escuto:o chegar\à porta. Vês que escrevo no presente
como diz o pastor Williams. Bem; ele está na cama, eptfe nós.30
numa perspectiva mais ampla como um processo histórico e numa \risco ã Utn Tom danes ele indicou sua intenção de sêr muito mais seletivo que
}nais~estreitaque mostra.o processodcscnrolanddzÉccontra o pano de ltichardson ao trabalhar a dimensão. tempo:
fun49 dós pensamentose açõesmais efémeros.Ê vefd+de que as esca- \l
las de-'tampo .de seus romances às vezes são contraditórias em. si mes- Pretendemos (...) perseguir o método daqueles escritores que declaram
mas eem-relação a sita suposta ambientação históãca, mas o simples g. revelamãs revoluções dos países, e não imitar o historiador difícil e pro-
lixo que, para preservara~regularidadede sua sequência,julga-se na
fato de eXisthem. tais objêções certamente constitui um tributo à ma-
neira:como o leitor sente o arraigamento das personagens na dimensão
temporal:.Evidéntemente~ Dão pensaríamos eM levantar as mesmas ob-:
$ obrigação de encher tanto papel com o detalhe de mesese anos em que
nada digno de nota ocorreu quanto o que se utiliza para épocas notáveis
em que as iüaiores cenasse deserífolaram no palco da vida humana.3i
jeçõesquanto a .4rcadla de SidnFy ou The pí/grfm 's progress(A jor-
nada do peregrino); a rêajidadeteml)oral üão se evidencia o suficiente l)üralelamente, contudo, Tom Jo/zes introduziu uma inovação interes-
para~permitirqualquer tipo de discrepâncias.Em Defoe essarealidade Énnteno tratamento do tempo em obras de ficção. Fielding parece ter
se evidencia. Em seus.melhores momentos ele nos convenceinteira- usadoum almanaque! essesímbolo da difusão de uma noção objetiva
mente de quê suã narrativa. se desenrolaem determinado lugar e em rlo'tempo pela imprensa escrita; salvo.ligeiras exceções,praticamente
determinado tempo, e ao lembrarmo-nos-de deus romances pensamos ltldos.os fatos de sêü roniánée possuem uma coerência cronológica não
basicamente naqueles momentos intensos. da vida das personagens, l6 em relação uns aos outros e.à época em que ocorreu cada estágio da
encadeadosde maneira a compor umã perspectivabiogrâfiçd convin-
cente.;Perceb»mós um sentido de identidade pessoal que subsiste atta-
lléi dadurãção e no entanto se altera em função da experiência.
Essa percepção.é mais intensa em Richardson, que teveo cui-
ã .viagemdas.'vái'iaspersa)nagenide West Country a Londres, mas tam-
.l)ém em:ralação a consideraçõesexternas como 'as fases adequadas da.
Lua .ea.programação da:revõltajacobita de 1745, ano em que presumi-
vclmentp transcorre a ação.32
dado dêsituar os.fatos de sua narrativa num esquema temporal de uma

24 ' 25
g:
$'
(e)
litnto Tom Jo/zescontéma primeira mansãogótica da história do ro-
lnnilce;3se Fielding é tão cuidadoso com a topografia da ação quanto
No presente contexto, como em muitos outros, Q..espê.ÇQ.é.ngç.es-
uoma cronologia; cita o nome de muitos lugares percorridos por Tom
gar!êOepte..Q.ç9rEçlg:tília..do-+emlD.
O caso individual e particular logi-
$

'ã© Joncs em sua viagem a Lorrdres e fornece vários indícios da localização '
camente é definido com relação a di#a$..ÇQQçdç!!!!dê$;.e6R4çg..!!empa. 8 (lc outros.
Como Coleridge assinalou, psicologicamente nossa ideia de tempo esta {

Em geral, portanto, embora não haja no romance do século


sempre misturada com a idéiá de espaço'. n Na verdade para muitos
XVI ll nada que seiguale aos capítulos iniciais de .Lerouge ef /e naif (O
propósitosas duas dimensõessãoinsei)aráveis,como sugereo fato de
g vt:imelhoe o negra) ou Z;epêra Gorzof(O pai Goriçt) -- os quais indi-
as palavras .I'preseiíte'' e ''minuto'' poderem referir-se a qualquer di- c'liin de imediato a importância- qué ,Stendhal e,Balzac conferem ao
mensão;e a inà'ospecçãomostra que não conseguimosfacilmente vi- indo ambiente em seu retrato total da vida --:, sem dúvida a busca da
sualizar um momento particular'da existência sem situa-lo também em
vciossimilhança levou Defoe, Richardson e Fielding a iniciar aquele
seucontexto espacial. q
poder de ':colocar o home.h inteiramente,eln seucenário físico'', o que
Na tragédia, na comédia e na narrativa o lugar era tradicional- pnt'aAllen Tate constitui a característica distintiva do gênero roman-
mentequase tão genérico e vago quanto o tempo. Como nos informa g;3.
clc;3'e a considerável extensão de seu sucesso não constitui o menor dos
Johnsón, Shakespeare ''não considera a diferença de tempo ou local'';s4
lütores que os distinguem dos fic.cronistasanteriores e explicam sua
e a .4rcàdía de $idney.é tão solta no espaço quanto os limbos boémios
Importância na tradição«da nova f(bi'ma. ' ' ~
da palco elisabetano. Ê verdadeque na picaresca,*bemct)moem. Bu-
nyan, hâ muitas descrições físicas, vív+dase i)articularizadas;-são, con-
tudo, incidentais e fragmentárias: Deàoeparece ser ó primeiro dos es- m
'critores inglêsesque visualizou o conjunto da narrativa como se esta se 's t' ,l. !: LÍ} k' fb'

desenrolasse num ambiente físico real.-Seu cuidado com a descrição do


B Parece que todas as caractéríÉticas 'técnicas do romance descritas
ambiente ainda Rintermitente, mas os detalhes vividos conquanto oca- ã acima contribuem para a consecuçãode um objetivo que o romancista
sionais suplementam a .Contínua implicação de sua natlativa e nos
t'ompartilha com o filósofo: a elaboração do que pretende ser um relato
levam a relacionar muito mais completamente Rob.inson Crusoe e Moll &

;«} }
}tulêntico das verdadeiras experiências, individuais. Tal objetivo envol-
Flanderta seus respectivos hçios do. que fazíamos com as personagens
via muitas outras rupturas com.as tradições da ficção, além dasjâ men-
de ficção anteriores. Essa firmeza' da ambientaçãoldestaca-se particu- /
../
larmente na maneira como Defoe trata os objetos móveis dQ mundo fí-
sico: emÀ/o// F7a/zdershâ muito linho e ouro, enquanto a ilha de Ro- ! tlionadas. A mais impor:tanto talvez -- a adaptação do estilo da prosa a
[im de dar uma impressão de absoluta autenticidade -- também se
iclüciona intimamente com uma das ênfases metodológicas distintivas
binson Crusae está.cheia de roupas e ferramentas. '' ;' ,;.;' rlo realismo filosófico.

â
Novamente no centro do desenvolvimerítoda técnica da narrativa
Assim como foi o ceticismo nominalista com relação à linguagem
realista, Richardson levou Ó;processoainda mais longe. Em seus ro- (luc começou a minar a atitude dos realistas escolásticos diante idos
mances faz poucas desci'ições do cenário natural, porém dispensa con-
uitiversais, assim também o moderno realismo logo se defrontou com o
siderável atenção aos interiores. As í'esidênciasde Pamela em Lincolh-
l)roblema semântico. Nem todas as palavras representam objetos reais,
shire e Bedfordshire são.prisões bastante reais; Grandison Hall é.des-
crito com numerosos detalhes; e algumas descrições 4e C/arlssa ante- /
l)u nãoos representamda mesmaforma, e portanto a filosofia-se viu
(liltnte do problema de definir gualógica. Os capítulos finais do terceiro
cipam a habilidade de Balzac eà construir o cenário do romance de
modoa conferir-lhe força dramática-- a mansãoHarlowe torna-se um
ambiente'físico e moral terrivelmente real. -: ' -
g. livro do Essas concernfng ;zuman zzndersfa/zdlng (Ensaio sobre o enten-
(lamentohumano), de Locke, constituemprovavelmentea evidência

3
ntnisimportante dessacorrente no século XVII. Muitos dos comentá-
Nesseaspectotambém Fielding se afasta um pouco da particula- l lossobre o uso adequadodas palavrasexcluiriam.boa parte da litera-
ridade de Richaçdgon. Não nos'apresentainteriores completas, e suas tura, pois, como j:ocke constata com tristeza, ''a eloquência, tal qual o
freqüéntes descrições de paisagenssão bastante convencionais. No eh- Nexofrágil'', implica um prazerosoengano.aZ
Por outro lado é interes-
2Ó 27
k / /' /
.... santc notar. que 41guns dos 'jabusos de linguagem'' especificados .por 1)6inmais adequadoao romancerealista do que aquele que.existia
.l Lockc --~como a .linguagem figurãtivat por exemplo - constituíram < nittes; enquanto a concepção.lockeanada linguagem Começavaa ré-
um,acaracterística da narrativa de ficção, poréní$ão muito mais raros rlçtir-sê na teoria. literâtia -=.John Dennis, por exemplo, baniu as ima-
na prosa de Defoe e Richardson do que em qualquer ficcionista an- /
tciior \
'$ licns em determina(4ascircunstâncias por julgâ=lasnão realistas: ''Ne-
nhumtipo de imagem pode expressar.a dor. Se um homem sê lamenta
, A tradição estilística da ficção.mais antiga não se preocupava por símiles, eu .Ho ou durmo''.n Não obstante)a norma dá prosa no
lauto coM a correspondênciaentre palavras e coisas quanto com as
belezasçxtrínsecãs que o usQ da retórica podia conferir à descrição e
ação. A -4efÃloplca de Heliodoro estabeleceua tradição-aa ornamen-
ã- período augustano+ continuava sendo literélria demais para ser a voz
natural de Mail Flanders ou P4mela Àndrews: e etnbora a prosa de
Addison, por exeml)lo, ou de Swift sda bastante simples:e direta, sua
tação linguística na narrativa grega e a .tradição prosseguiu no eufuís- ordenada'economiatende a sugerir mais um resumo sucinto que um
mg de John Lyly e Sidney anos conceitos elaborados, õu "p#éózzs", ê relato completo. -l' .:; : '-" .R-.-
de.La Calprenêde e Madeleinê de Scudéry. Assim, mesmo que os novos g Assim, quando Defoe e Richards(ip rompem com os cânonesdo
accionistas tivessem rejeitado a velha tradição de misturar poesia e estilo da prosa, devemosconsiderarsua atitude não como uma falha
prosa-- tradição seguidaaté ém narrativas tótalmentededicadas a re- g .\ Incidental, e sim como o preço que tinham de pagar para manter-se
tratar yma vida desprezível,corno o SaQrfcon, de Petrânio --, ainda riéigao que descreviam.Em D.êfoe.essafidelidade é sobretudo física,
restaria: a forte uçpectativa-literária de que usariam a' linguagem como om Richardson é basicamente emocional; mas em ambos sentimos que o
uma fonte de interesse .em si mesma e não como um simples veículo propósito primordiÜ consisteem fazer aspalavras trazerem-nos seuob-
referencial. ../ / jeto em toda a sua particularidade concreta, mesmoque issolhes custe

De qualquer modo evidentementeà tradição crítica çlássicaem repetições, parênteses, verbdsidade,...
Evidentemen.teFielding'não rom-
geral não via utilidade na descrição realista despojada que tal. emprego 3 peu Qom as ti'adições do.estilo da prosa augustana ou com a abordagem
lla linguagem implicaria. Quando o nono Zaf/erl' (1709) apresentou a .}
da épica. Mas pode-sedizer que isco depõecontra a,autenticidade de
Description of the morning''.(Descrição da manhã) de Swift coma á
suas narrativas. Ao ler Tom Jo/zes não imaginamos que es'lamas esprei-
upa i)brâ em que o autor ''segue um caMinhg inteiramente novo e des- tando uma nova exploração da realidade; a prosa imediatamente nos
creve as coisas tal qual ocorreram'','o tom era irónico. A suposição U informa que as operaçõesexploratórias terminaram há muito tempo, .
implícita de escritoras ç.críticos cíiJtos éra â.de que a habilidade de um 4ue podemos nos pouparo trabalho, e nos fornece um relato selecio-
autor se revelava não na fidelidade com que fazia suas palavras çorres- B nado eclaro das'dêscobertag..
ponderem aos respectivos óbjetos, mas na se.nsibilidade literária com
j Aqui há üma curiosaantinomia: Por um lado Defoee Richard-
\

qué squ estilo refletia o decoro lingüístico adequado ao,assunto, Assim, soninflexivelmente aplicam a posiçãorealista à estrutura da linguagem
é natural que devamos.nos voltar para escritores ex.ternos aos círculos e da prosa,desprezandooutros valoresliterários. Por outro lado as vir-
Intelectuais.parabuscar nossosexemplosmais antigos da narrativa de tudesestilístic.asde Fielding tendema interferir em sua técnicade
ficçãoelaboiada numa prosa praticamente restrita a um empregodes- romancista,~porque uma evidente seléçãodç. Visão destrói nossa con-
\ critico p.denotativoda linguagetn.Também é natural qye muitos escri- fiança na realidade do 'relato óü~:pelo menos desvia nossa atenção do
tores cultos.téhhatn atacado Defoe e Richardbon por sua força
Iríl e em geral descuidada.
canhes-
'g â
\
conteúdo da narrativa pára a habilidade do narrador'. Parece haver
uma contradição inerente entre os valores literários antigos e perma-
nentes e a técnica narrativa característica do romance.
Por certo luas intenções basicamente.realistas demandavam algo
muito djfefente dos padrões estabçldêidosda prosa literária. É verdade Sugere isso um paralelo com a ficção francesa: Na França a po-
quc o,moviméhto em díreçãoa 'üma.prosa clara e fácil no final do sição critica clássica, . com suq ênfase na elegância e na concisão, per-
sét:uloXVI l contribuiu muito para a criação de um modo de expressão
$
i
'/
(+) Aug\istano: referente ao período neoclássicodaliteratura inglesa, na primeira
(8)) Tule Ta//er: periódica escrito, editado e publicado na Inglaterra, entre 1709 e {
metade.do século XVlll; o refinamento e a profusão de grandes escritores lembravam a
171 1. ll(}r Ricltatd Steelê com a colaboração de Joseph Addison. (N. T.) Épocade Augu$to, o imperador romano. (N.~T.).
/

28 29
.}'
©
J
/'
maneceu incontestada até o :advento do Romantismo. Em parte por
isso, talvez, .a ficção francesa desde Z,aprlncesse de C/aves (A princesa
'g: Ç
Aqui, .no entanto, estamos in«eressadosnuma concepção muito
iltitis limitada, na êxtensãgem que a analogia com o realismo filosó-
de Clêves) até .[es /fafsons da/zgerçtiies (As ]igações perigosas) perma- {
fico ajuda a isolar e definir o estilo narrativo específico do romance.
nece à margem da principal tradição ào romance. Apesar de toda asua .3Í.'e
$ I'ctn-se dito que est? é'a soma das técnicas literárias através das quais o
I'omance imita a vida seguindo os procediipentos adotados pelos rea-
acuidadepsicológica e de sua habilidade literária, é elegante demais
lismo filosófico em sua tentativa de investigar e relatar averÜade. Tais
\

para ser autêntica. Nesse.aspectomadame de La Fayette e Choderlos


l)i'occdimentosabsolutamentenão se restringem à filosofia; na verdade
de Lpclos são os opostos de Defoe e Richardson, cuja prolixidade tende
a constituir uma garantia da autenticidade de sçu .relato, cuja prosa 4 lcitdenl a ser adgtadpi sempreque seinvestiga a relaçãoentre qualquer
ilc$criçãode um fat(l e a realidade.Assiinlpode-se dizer que o romance
visa exélusivamente~aoque Locke definiu como o olÜetivo próprio da
Intitít a realidade anotando procedimentos de outro grupo de especia-
linguagemj-''transmitir o conhecimento das coisas'',3P e cujos romances
càmõ um todo pretendem não ser mais que uma' transcrição da vida 8 listas em,epistemologia, o júri de um tribunal/ As, uépectativas deste.
~ como as do, leitor de um romance, coincidem sob muitos aspectos:
real -- nas palavras de Flaubçrt, ''/e' rée/ écrlf g .çi nlnbos 'querem conhecer ''todos. os particulares'' de determinado caso
Parece, portanto, que á função da linguagem é muito mais refe-
t,época e o local da ocorrência; ambos exigem informações sobre a
rencial no romance que eh outras formas literárias; que o género.fun-
:!© ltlentidade das partos envolvidas e não aceitai:ão.provas relativas a gente
ciona. graças .mais à apresentação exaustiva que à concentração ele- « :ellnnlada sir Toby Belch ou mr.;Badman -- menos'ainda referentesa
gante. Essafato seh dúvida explicaria por que o romance é o mais tra- l
U tisnaChloe sem sobrenomee ''tão comum quanto o ar''; e também es-
duzível de todos os gêneros; por qúe muitos romancistas incontestavel-
mente grandes, de Richardson e Balzac a Hardy e Dostoiévski, muitas
8 l)cl'itm que as testemunhas contem a história ''com suas próprias pala-
vl:ns" Na verd:ade o júri adóta a ,I'visão circunstancial.da vida'', que,


vezesescrevem sem elegância e algumas vezes até com declarada vulga-
BcgugdoT. H. Green,40é a característica do fomahce.
ridade; e por que o romance atem menos necessidade de comentário
hist6[ico e literário que.outros gêneros=- sua convenção.formal obri- \lO método .ntlrratlyo. .pejo. qual g.rplRance incorpora essa.v.bãQ
ga'o a fornecer suas próprias notas de pé de pagina. çl!;çpnstênF ia!. dê:.xifb-Êadü.ser-çlM mádQ..wu.=âaliMmm ailb.forra al
'@ p!.!rqHç:aqi4i.Qtsl:plç)=Jlçg#!!!!gl:.p99.iQ.ilglçlg..â.JBnhumá doutrina ou
p.llopésitgli.bládo .espççí.Qççb-Mê!..!pçp;q!.â.!H..çgiill2:Çg..!!Ê.Mgceai
\

$ ttlcntos narrativos que sê encontram tão comumente no romance e tão

q [-iii'dmente em outros..gêRçrQ$..]itçtâ,tiQ$.,.qUe..P9çlÊU..$êt..EQD$iderados
tÍpIco.s.deita forma. Na vçl4êçlç Q,rçallgnlQ.fQ[QpLé3.e]çpBêgãç!.Dêt.[p-
iiv:\ de.uma premi?sa que Defoe !.Rich.arçllop.3çÊÜg:rêú.aU.ú:d4 let[4.
Até aqui tratamos das principais analogias entre o realismo na
filosofia e na literatura. Não as consideramosperfeitas:. a filosofia é i)lns que.está: implícita. no gêy959..romance de.ma(!g.gp!:aj:.&.p.!iplDigga,
uma coisa e a literatura é outra. Tampouco as analogias dependem da çlu..cona?nção.básica,,4ç qpeEi11gtfiânce constitui pm relato .çgi11plçlg.S
!!çi.!êntiçcl.daexperlçgçjê
b!!np!!x. 2ort4nto:.:tema obógê!;ÃQAfpr-
hipótesede a tradição realistana filosofia ter suscitadoo realismono
romance. Provavelmente houve certa influência, sobretudo através de li.ecer !o leitgll detalhes d3:hi!!élílselEP.!. ndPk+W41i«.ade.dgs..âgentss
:PI.y111WdçU,.9ê,.llàüiçHlêlçEdqãÊpgÊã:'élócai!=d!$yg !çgç!= detalhes
Locke;,cujo pensamento permeia o século XVIII. Entretanto, se existe g.tlcsãoapresentados.aÇrlvés
deumempregodãiinjü;iÉÉ;ü'üi;ilã';iã'íi
uma ralação caiisal de alguma importância,. provavelmente-é bem me- iç.krencial,do-que.âcomliim,SJxi:iiiittíls.fox:alas.JitélCái:]ág]]
nos direta: tanto as inovações filosâficaÉ quanto asliterârias devem ser Como as regrasda evidência, o realismo formal obviamente não
encaradas como manifestações paralçjas dê uma mudança mais ampla
russa de uma convenção; e não há razão para que o relato da vida hu-
-- aquela vasta transformação da civilização ocidental desde o. Renas-
liinna apresentado através dele seja mais verdadeiro que aqueles apre-
cimento que substituiu a visão unificada de mundo da Idade Média por {

outra muito diferente, que nos apre.sentaessencialmenteum conjunto


á clíitüdos através das convenções muito diferentes de outros géneros
,8

literários. Na realidade a impressão de total aiitenticidade do romance


em ..evolução, mas sem planéÍamento, ,de indivíduos particulares vi-
vendo experiências particulares em épocas e lugares particulares. l)ode suscitar'certa confusão quanto a essa aspecto: e a tendência de
./
\

'1
alguns realistas e naturalistas de esquecerem que a transcrição fiel da
realidade não leva necessariamenteà criação de uma obra fiel à ver- uctos. La Calprenêde,Richard'Head, Grimmelshausen,Bunyan, Aphra
dade ou dotada de permanente valor literário sem dúvida é em parte llchn, Furetiêfe,4z l)ara mencionar apenas alguns, afirmaram que sua
liL:\'ãocorrespondiaà verdade; contudo não são mais convincentesdo
responsávelpela aversão generalizada que hde ém dia se vota ao rea-
t;l\tcil maioria dos hagiógtafos medievais, que fizeram declaraçõesse-
lismo e suasobras. Tal aversão, entretanto, também pode suscitar uma
uit1lhantes.Em nenhufn dos .casoso propósito da verossimilhança se
confusãocrítica, levando-nosao erro oposto; não devemosdeixar que
[ii'lutara o bastante para ]evar à rejeição total de qualquer convenção
bossapercepção de certas falhas nos objetivos da escola realista dimi- ltiüo i'ealista que dominasse o gênero.
nua a considerávelextensãoem que o romance em 'geral -- tanto de Por motivos que examinaremos no capítulo seguinte, Defoe e Ri-
Joyce como de.Zela -- emprega os meios literários aqui denominados
t-lini'dson tinham com relação às convenções literárias dma indepen-
realismo formal. Tampouco devemosesquecerque, embora seja ape-
nas uma convenção, o realismo formal, cdtno todas as convençõeslite- tlíliicia semprocedentesque podia ter interferido em suasintençõeses-
rárias, tem suas vantagensespecíficas.Há diferenças importantes no \tliicials e aceitaram com muito maior compreensão as exigências da
grau em que as diferentes formas literárias imitam a realidade; e o rea- vln'(jadeliteral. Lamb não poderia*ter escrito com ralação a nenhuma
lismo formal do romance permite uma imitação mais imediata da expe- licção anteri?r a Defoe, em termos:muito semelhantesaos que Hazlitt
iixnll ao tratar de Richardson:43 ''Ê como ler uma evidência na corte de
riência individual situada-num contexto temporal e. espacial do que
outras formas literárias. Por conséguinteCãscfinvençõés do romance
ilistlça''.« Se issoé'bom ou mau é uma questãoaberta;Defoee Ri-
:mini'dson
dificilmente mereceriamspa fama se não tivessemoutros mé-
exigem do público menos que a maioria das convenções literárias; e isso
com certeza explica por que a maioria dos leitores nos dois.últimos sé- I'lhos,muito maiores.Entretanto, hão háVúvida de .que a evoluçãode
culos tem encontrado no romance a forma literária que melhor satisfaz
iitii métodonarrativo capaz de criar tal 'impressão6 a iiíânifestação
lliuis .evidente daquela mutação dâ prosa de ficção que denominamos
seus anseios de-uQa estreita correspondência~entre a vida e a arte.
r\l.ntançp;a importância histórica de Defoe .e Richardson reside na ma-
Tampouco as vantagens da correspondência estrita e detalhada com a
tiz!it'urepentina e completa com que deram vida ao que pode ser consi-
vida real oferecidas pelo realismo formal se limitam a contribuir par.a a
ilL11-tido
o mínimo denominador comi)m do gênero romance como um
popularidade do roinpnce; como veremos, elas também se relacionam 1(}(1cl:
seu realismo formal.
com suasqualidades literárias mais características.
Evidentementeno sentido mais estrito Defoe e Richardson não
descobriramo realismo formal, apenaso aplicaram de.maneira mais
completa do que os escritores que os antecederam. Como Carlyle assi-
nalou,4i Homero, por exemplo, tinha em comum com eles essa''clareza
.dç visão'' qüe Semanifesta naÉ descrições "detalhadas, extensas e deli-
cia.samenteaceradas", abundantesem suas obras; e na. ficção poête-
.dor, de O asno aê puro a .4zzcasslne..N?co/arfa,.de Çhauêer a Bunyan,
hâ muitos trechos que mostram as personagens, suas açõese seu am-
bieiíte com uma pargcularidadetão autêntica quanto a de qualquer
romance do século XVIII. Contudo há uma diferença importante; em
Homefo e iíá prosa de ficção mais a1ltigaessestrechos são relativamente
rarose tendem a destacar-seda narlgtiva geral; á estrutura.literária
total não era o4entada no sentido do realismo formal, e o enredo sobre-
tudo z-. em geral-tradicional e quasesempre mtüto improvável -- es-
tava em conflito direto éom suaspremissas. Mesmo quando declara-
ram. perseguir um objetivo inteiramente realista, como foi o caso de
muitos autores dg século XVll, os escritores mais antigos não eram sin-

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