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ANEDOTAS PORTUGUESAS

E MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS
DA CORTE QUINHENTISTA
ISTORIAS E DITOS GALANTES QUE SUCEDERAÓ
E SE DISSERAÓ NO PAÇO

[CONTENDO MATÉRIA BIOBIBLIOGRÁFICA INÉDITA


DE LUÍS DE CAMÕES E OUTROS ESCRITORES DO SÉCULO XVI]

LEITURA DO TEXTO, INTRODUÇÃO, NOTAS E ÍNDICES POR

CHR D

LIVRARIA ALMEDINA — COIMBRA — 1980


A Nancy, minha mulher, e aos meus filhos:
Christopher, Benjamin, Gretchen e Jeremiah
«Nenhiia cousa he mais estimada no mundo, & saber cousas antigas»
— O licenciado Paulo de Távora, 1631
CONTEÚDO

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en aa re erra
erre cccc
Glossário. ....cccccccc 15

Introdução. ...ccc cec


ea era a lll ra re
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Abreviaturas empregadas nas notas aO texto. . ..ccccrccccraraca


co. 27

Anedotas. ....cclcicccccccc ce PP 29

Índice onomástico e toponomástico. erra


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ccca
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Tabuada das anedotas... ccccccclccic 215
Desejo agradecer as bolsas que me foram concedidas por The American Philosophical
Society e por Rutgers University Council, graças às quais e ao tempo livre proporcionado
por um Rutgers University Research Council Junior Faculty Fellowship, me foi possível
realizar os trabalhos de investigação consubstanciados na obra que agora se edita. Agradeço
também o interesse com que o meu estimado colega Vítor Manuel de Aguiar e Silva acompa-
nhou a publicação deste manuscrito.
GLOSSÁRIO DE PALAVRAS QUE, POR ABREVIADAS, ANTIQUADAS, OU MAL
ESCRITAS, PODEM DIFICULTAR A LEITURA DO TEXTO

abel hábil
afregia afligia
agardecim.tº agradecimento
apricar aplicar
asse há-se
aud.? audiência
cav.º cavalo
coantos quantos
colegio coligiu
crocofício crucifixo
der.te direito
descavagaldo descavalgado
desp.º despacho
detreminar determinar
D.s Domingos
Deus
embargo
excelência
geral
ir
lesão
mercê | mercês
misericórdia
meio
mossa moça
n.ºc | necess.ºs necessário/ necessários
ojeto objecto
p. para
perlizia paralisia
Ss. senhoria
S. A. Sua Alteza
sarrar cerrar
serv.ºs serviços
son, e sentença
tardição tradição
test.? testemunha
tit.ºs títulos
vicem vissem
INTRODUÇÃO

Quando, em 1976, preparávamos um catálogo descritivo da Colecção de manus-


critos portugueses na Divisão de Manuscritos da Biblioteca do Congresso, deparámos
com uma colecção de anedotas em que apareceu o nome de Luís de Camões. Relemos
cuidadosamente a obra toda e, tomando em consideração o rico acervo de nomes
quinhentista, concluímos que não editá-la seria um desserviço prestado aos estu-
diosos da história e da literatura portuguesas.
Grande foi o nosso alvoroço quando descobrimos que, além de anedotas biográ-
ficas não conhecidas do autor d'Os Lusíadas, havia também entre elas poesias desconhe-
cidas atribuídas a Camões e, se atendermos ao seu contexto ingénuo e aparentemente
autêntico, a ele certamente atribuíveis. Como famos dizendo, Camões não é o único
autor escondido entre as folhas da obra. Nomes já consagrados na história e na
literatura de Portugal como D. Francisco de Portugal, Jorgede Montemayor, Fr.
Bartolomeu dos Mártires, D. António de Ataíde, Pantalião de Sá, Cristóvão de
Moura, Tomás Jordão de Noronha, o Duque de Bragança, etc., saltam à vista a
cada folha, junto a nomes menos conhecidos, mas em anedotas igualmente interessantes.
Estas anedotas serão representativas do Portugal quinhentista, como indicamos
no título? Tendo sido coligidas nos próprios séculos xvI e xvir e não sendo destinadas
a figurar em crónica oficial de qualquer rei, talvez a resposta deva ser afirmativa.
Mas, apesar das variadíssimas personalidades (reis, militares, eclesiásticos, poetas,
chocarreiros, atafoneiros, sapateiros, etc.) de que tratam— mais de 500 nomes
—, há-de levar-se em conta, para citar o exemplo de apenas um reinado, que D. João IL
mantinha uma corte de mais de 2 500 homens, todos com as suas vidas particulares,
provavelmente também cheias de amores e aventuras interessantes e narráveis.
Mesmo assim, chegamos a apreciar um panorama de uma época áurea na história
portuguesa fornecida ingenuamente pela visão anedótica e viva — se bem que menos
sofisticada e «literária» que a dos cronistas ou, digamos, de um Francisco Manuel de
2
18

Melo, ou de um Francisco Rodrigues Lobo — de uma sensibilidade (ou sensibilidades)


que soube estimar e anotar o picante e salgado dela. A função das Anedotas é a de um
primitivo e primoroso jornalismo cultural nascido na tradição das crónicas (como a
de D. João II por Garcia de Resende, por exemplo) e alimentado pelos ares huma-
nísticos havidos em Portugal ao longo do século xvr. Se Gonçalo Trancoso pôde
dizer no seu primeiro conto que «escreveu o que aprendeu, ouviu ou lew !, bem podiam
dizer os compiladores das Anedotas que escreveram o que aprenderam, ouviram,
leram ou viram; algumas anedotas foram escritas por testemunhas oculares, outras
são narradas já em segundã ou terceira mão.
Por falar em Gonçalo Trancoso, convém notar que, se há certo parentesco lite-
rário entre o autor das Anedotas portuguesas e o dos Contos e Histórias de Proveito, é mais
por nascerem no mesmo. século e usarem essencialmente a mesma aparelhagem
linguística 2 do que por qualquer influência directa. Há tantas dissemelhanças como
semelhanças entre cles. Se Trancoso moraliza no fim ou no começo de quase todos
os seus contos, o autor das Anedotas raramente o faz ?. Neste sentido, achamos as Ane-
dotas portuguesas muito mais modernas do que os Contos e Histórias de Proveito; evitam
o sermão editorial 4. Além disso, achamos nas Anedotas certos temas, como nas anedotas
escatológicas do Chiado (no. CVII) ou de Francisco Lobo e o alcaide (no. XCIV), que
o bom Trancoso certamente teria evitado ou excluído por pouco edificantes. As
Anedotas portuguesas tendem a apresentar uma gama mais ampla de experiência
humana. No entanto, o leitor moderno descobre nos interstícios semânticos das
anedotas uma moralidade não articulada, apenas matizada, que Gonçalo Trancoso
nunca conseguiu nem tentou, devido às suas reflexões morais pouco subtis.
As Anedotas parecem dividir-se em três partes. A primeira (-XXVII) consta de
matéria sebástica. Esta, por sua vez, se quiséssemos, admitiria as subclassificações

1 Contos e Histórias de Proveito & Exemplo, ed. João Palma-Ferreira (Lisboa: Imprensa Nacional
— Casa da Moeda, 1974), p. 5.
2 Como diz João Palma-Ferreira, «mpressionámo-nos como leitores modernos pela 'coordenação
sindética e o uso muito frequente de pronomes relativos para ligar orações” (p. xlviii).
“3 É claro que algumas anedotas, como a das duas endemoninhadas (XXIID, foram escritas num
tom didáctico e moralizante.. Referimo-nos mais à maneira de Trancoso intrometer a sua voz pessoal
de contista e moralizar com o leitor, por assim dizer, extra-textualmente. Isto é, não deixa que a moral
se insinue ou surja por 'si do conto; antes prega-a abertamente.
4 Por isso não nos achamos inteiramente de acordo com João Palma-Ferreira, quando alega que
«o contismo português nasce, assim, sob o signo didáctico do exemplo.» Se pudermos incluir a
título de contos algumas das Anedotas mais desenvolvidas, como as dos números LX, LXIIL LXVI, LXIX,
LXXXV, XCI, XCIV, XCVII, CVIL CXIV, CVI, CXXI— e são, de feito, mais contos do que
alguns de Trancoso (como, por exemplo, os contos IV e V da primeira parte, que sabem. mais à
anedota do que a conto propriamente dito) —, temos que admitir que foram incluídas mais para
proveito “chistoso, puro entretenimento, do que para «proveito e exemplo.»
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«biográfica» e «maravilhosa». A segunda parte é constituída pelas anedotas de Rui


Lourenço de Távora (XXVII-XLI) sobre D. João Il. A terceira e maior parte,
possivelmente iniciada pelo Trinchante Távora, é formada por «storias e ditos galantes»
(XLI-CXXVIN. Estas anedotas, se de facto foram iniciadas por Távora, certamente
foram completadas por outrem, pois algumas das passagens da terceira parte dizem
respeito ao fim do século xvI e às primeiras décadas do século xviI.
Enfim, a graça das Anedotas portuguesas é que elas, apesar de conduzirem do
quotidiano para o incrível, se estribam, quase todas, em acontecimentos que sustentam
ser verídicos ou em sucessos e personagens historicamente ou genealogicamente veri-
ficáveis. : |

DESCRIÇÃO DO MANUSCRITO

O códice, em bom estado, mede 20,8 cm X 16 cm X 2,5cm e leva agora a


cota na Divisão dos Manuscritos de P-129. A encadernação actual, em bezerro,
foi executada por Lesort em Paris, provavelmente nos fins do século xIxº,
e traz na capa as armas do 2º Conde de Olivais e Penha Longa (José de Araújo
Pinto Leite, 1871-1956) estampadas em ouros. Na lombada, lê-se «Relação de
D. Aleixo. Ms» é com esse título que abre o texto das Anedotas. Falta ao
texto, porém, a página do rosto que primitivamente trázia, tendo-se perdido eviden-
temente com a passagem dos anos. Assim, das 196 folhas enumeradas, há apenas 195,
por começarem as anedotas na folha 2. A letra parece-nos ser seiscentista, e o texto,
a julgar por pequenos lapsos e emendas, deve ser cópia.

AUTORIA: A HIPÓTESE DOS TÁVORAS

Acabamos de chamar a atenção para a falta da página do rosto. Isto não é inteira-
mente verdade. Falta, sim, a do documento original. Houve, porém, talvez na altura
da nova e actual encadernação, a inserção de uma folha de papel mais recente que

5 A actividade de Lesort como encadernador remonta a 1844, segundo Charles Ramsden,


French Bookbinders, 1789-1848 (London: Lund, Humphries & Co. Ltd, 1950), p. 129.
6 Segundo Henrique Nuno Gomes de Avelar, perito em assuntos genealógicos a quem
tivemos o prazer de consultar, José de Araújo Pinto Leite foi elevado a 2.º Conde de Olivais e
Penha Longa por carta de mercê de el-rei D. Carlos de 24-1X-1892; logo, é a partir desta data
que poderia ter usado as armas como super-libros.
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serve de página do rosto. Nela, também por mão alheia e mais recente (oitocentista),
a lápis, há o seguinte título:

Memorias biographicas e anecdoticas da


Corte, escriptas por Ruy Lourenço de
Tavora, Trinchante de ElRei D. João 3º
(em 1644)7
Pensámos de início que as anedotas e memórias poderiam na verdade pertencer
ao dito trinchante e que apenas tivessem sido recopiadas em 1644 por outrem 8. Uma
nova leitura das 127 anedotas revelou que, embora haja no texto um núcleo de
14 anedotas (XVIII-XLI) apresentadas com o seu próprio título de Memoria de algumas
couzas q Ruy L.º de Tavora Trinchante delRey D. João 3.º (7 morreo indo por VizoRey a
India [em 1576]) passou com o mesmo Rey D. João — de indiscutível autoria do mesmo,
pois em 10 anedotas aparece o seu «cw» narrativo — e embora mais de 90 por cento
das anedotas pertençam aos reinados de D. João HI e D. Sebastião, há no entanto
pelo menos quatro, e algumas referências em outras, que dizem respeito à primeira
metade do século xviI, já anos depois da sua morte.
Damos a seguir uma possível razão do aparecimento do nome de Rui Lourenço
de Távora pelo menos no título de 14 anedotas, senão no título a lápis que implica
a sua autoria da maioria delas. Desde logo, o problema complica-se com o facto
de que pelo menos três homens com o nome de Rui Lourenço de Távora, parentes,
é claro, brilharam ao longo do século xvr e todos eles teriam motivos e oportunidades
de coleccionar ou compilar anedotas. De que eram uma família voltada a actividades
literárias, não há dúvida.
Nos Anais de D. João III de Fr. Luís de Sousa, regista-se a venda do ofício
real de Trinchante por Simão da Cunha, e a sua compra por Rui Lourenço de
Távoraº. A seguir, relata-se o caso da serenidade de D. João III perante uma
tempestade que abalou o Paço. Estes trechos dos Anais foram reproduzidos ou

7 Como se vê, aproveitamos elementos deste título para o nosso. Rejeitamos o título a
lápis por não precisar suficientemente o conteúdo e por induzir, como adiante veremos, em erros
cronológicos. São de feito memórias biográficas e anedóticas, mas consideramos que sobressai a
importância das anedotas. Eis a justificação da troca de palavras no titulo que publicamos. Acrescen-
tamos o primeiro subtítulo, porque tem o sabor da época e encontra-se assim mesmo no texto, e O
segundo subtítulo, porque convém a um leitor do século xx saber de imediato da sua pérola de maior
valor.
8 Vide as Notas ao texto, n.º 65.
9 Anais de D. João III (Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1954), IE, 42-45, e Anedotas portuguesas,
n.ºs XXVIII e XXIX.
21

copiados quase textualmente — e na mesma ordem! — das memórias aqui atribuídas


ao mesmo Távora. A diferença entre a versão de Fr. Luís e a das Anedotas é que
nesta aparecem na primeira pessoa e naquela, um tanto resumidos, na terceira pessoa.
Além disso, Fr. Luís de Sousa, ao relatar o caso da tempestade, reconhece a sua
dívida aos Távoras como fonte:

Deixou-no-lo escrito o mesmo Rui Lourenço


de Távora em um caderno que de sua mão fez, de algumas
cousas que notou em Sua Alteza no tempo que o serviu,
e mo comunicou seu bisneto Álvaro Pires de Távora. 1º

Não há, que saibamos, outra cópia manuscrita destas memórias tavoranas senão
a do nosso Ms. Esta coincidência histórica persuade-nos a aceitar a sua autenticidade,
pelo menos a das 14 em questão.
Quanto a Álvaro Pires de Távora, bisneto do Trinchante e logo possível
candidato à autoria das anedotas mais tardias da colecção, sabemos de António
Caetano de Sousa que era «escritor genealógico» e que evidentemente já tinha
pronto o Ms. da Historia dos Varoens illustres do apellido Tavora, quando morreu
em 1640. Álvaro, também sabemos, teve um filho chamado Rui Lourenço de
Távora que, 8 anos mais tarde, publicou o Ms. do pai em Paris. Este Rui
Lourenço de Távora, filho de Álvaro, e trineto, portanto, do Trinchante, era também
homem dado às letras, como se pode deduzir da sua dedicatória a D. João IV na
dita Historia dos Varoens illustres:

Senhor. Entre outras doutrinas e memorias que herdey de


meu Pay Alvaro Pirez de Tavora foi a de maior estimaçam estes
papeis cuio concerto e escritura lhe levaram parte de
sua vida e estudos... e... se achando ia neste estado
a historia de suas obras, a nam publicara ao mundo.

Obviamente era a Historia dos Varoens de mais sólida base histórica, claramente
uma obra «política que celebrava a família Távora e, possivelmente por isso,
exclui matéria anedótica. Entre as outras memórias herdadas de Álvaro Pires de
Távora encontravam-se as Anedotas Portuguesas, antes herdadas por este do seu bisavô,
o Trinchante? Tê-las-ia começado a editar o trineto do Trinchante, do mesmo

10 Anais, II, 44.


22

nome, no mesmo período em que fazia publicar a Historia dos Varoens? As datas
das duas obras coincidem; colocam-se na década de 1640. Há também nas duas
obras a presença de uma mesma mão editorial. Nas últimas páginas da Historia dos
Varoens, Rui Lourenço de Távora, filho de Álvaro, refere-se a si mesmo, à sua falta
de geração, etc.. Como é contemporâneo da cópia das Anedotas portuguesas, é talvez
lícito conjecturar que ele lhes aplicasse também a sua mão editorial — assim se expli-
cando as anedotas e referências a sucessos posteriores a 1576, data da morte do seu
trisavô. Mas é apenas conjectura; nada, até agora, sabemos com certeza sobre a sua
autoria. ' |
Podemos trazer à baila ainda outro Távora por cujas mãos “poderiam ter
passado as anedotas e que poderia ter acrescentado algumas suas. No «Indice das
memórias e documentos citados por Fr. Luís de Sousa», nos ditos Anais !!, regis-
tam-se Tres livros de Lourenço Pires de Távora [1510-1573] mandados por seu neto
Álvaro Pires de Távora. Quer dizer que três livros do famoso e viajado diplomata,
pai de Cristóvão de Távora, e ele mesmo protagonista de algumas das Anedotas,
provavelmente se encontravam «entre as memórias» que o editor da Historia dos
Varoens herdou de seu pai.
Quem quer que fosse o compilador das Anedotas, era conhecido de Simão
Correia Baharém. Lêem-se as frases «contava Simão Correia Baharem» (n.º LXVIII)
— este, um amigo pessoal de Francisco de Portugal (3º Conde de Vimioso), por sua
vez, como já mencionámos, protagonista de algumas anedotas (vide n.º XLVIH
e XLVIII) — e «...Simão Correia Baharem de cuja boca eu a ouvi algumas vêzes»
(n.º CXIX). Referências aliciantes, mas por ora apenas aliciantes. €
Outra evidência circunstancial que sugere a autoria dos Távoras ou de alguém
muito próximo deles é a própria frequência do seu nome nas anedotas — há pelo
menos quinze pessoas deste nome mencionadas no texto — e o facto de serem elas
ligadas por casamento ou nascimento a muitos outros nomes nelas em evidência.

A HIPÓTESE DE OS TÁVORAS NÃO SEREM OS COMPILADORES

Perante as fortes indicações de autoria pró Távora, destaca-se a falta de o «cw


narrativo chamar a atenção para o seu parentesco com qualquer dos Távoras. Além do
«cw» das 14 anedotas claramente atribuíveis a Rui Lourenço de Távora, Trinchante

11º Anais, II, 227.


23

de D. João III, aparece o compilador na primeira pessoa em meia dúzia de outros


lugares 22, no |
Na memória «do valimento de Cristóvão de Távora» (n.º LXVIII) é realmente
curioso que o anedotista, se for um Távora, se limite a dizer «u ouvi contar a
Rui Lourenço de Távora que foi governador do Algarve e Vice-rei da Índia,
irmão do dito Cristóvão de Távora...» quando tem oportunidade propícia para
identificar-se como seu parente º, = =
Em resumo, quanto à autoria das Anedotas há apenas hipóteses.

A TRADIÇÃO ANEDÓTICA

Lembremos a definição primitiva da palavra anedota: do gr. anélkdotos, “inédito”,


e ainda modernamente definida como: 1) relato sucinto de um facto jocoso ou
curioso; 2) particularidade engraçada de figura histórica ou lendária 14. É isso exacta-
mente o que são as Anedotas portuguesas.
Procópio empregou a palavra no século vi para se referir à sua História secreta
do imperador Justiniano, que constava principalmente de relatos da vida privada
dos cortesãos. A voga de anedotas surge modernamente nos. séculos xv e xvI,
como uma das actividades satélites no desenvolvimento do humanismo, praticada
principalmente entre os italianos 8. Durante o século xvir, anedotas acompanham,
entretecem e, por vezes, desabrocham no aparecimento da prosa, visíveis nos contos,
novelas, romances e tratados pela Europa toda 16. O século xvrrr produziu, além de

12 E.g., termina o relato sebástico de «uma voz dolorosa» (nº XVII) com a frase: «Vasco
da Silveira ... o contou a D. João da Silva, Conde de Portalegre, de cuja mão eu vi tudo isto escrito».
No fim «de um crucifixo sangrento» (n.º XX), diz do retrato: « o tenho hoje em meu poder».
13 Não se confunda este Rui Lourenço de Távora (1552-1616) com o Trinchante, seu avô.
14 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa.
| 15 Poggio Bracciolino escreveu 272 anedotas (1438-1452) que se publicaram em 1470; vide
também os Motti e facezie (1514-1516?) de Piovano Arlotto (1396-1484), Facetie, motti et burle di
diversi signori et persone private (1564) de Ludovico Domenichi e obras semelhantes de Ludovico
Guicciardini (1521-1589), Ângelo Poliziano (1454-1494) e Nicolô Angêli dal Bucine (1448-1532).
O caso de Biicine é notável por oferecer paralelos sucessivos com o desenvolvimento e publicação das
Anedotas portuguesas. As anedotas deixadas por Nicolô foram muito acrescentadas por seu filho
Teodoro e depois dormiram um sono arquival até 1874, quando foram achadas e publicadas por
Gaetano Romagnoli, com o título Facezie e motti del secoli XV e XVI.
16 Vejam-se, por exemplo, na obra de Francisco Manuel de Melo, Francisco Rodrigues Lobo,
Gaspar Pires Rebello, Manuel Bernardes, etc.
24

muitas colecções de anedotas !7, uma notável apologia da anedota. No seu excelente
livro A Dissertation on Anecdotes (London, 1793), Issac D'Israeli louva a prática de
coleccionar e escrever anedotas. Diz ele: «se considerarmos as anedotas ligadas à
República das Letras, não hesito em declarar que oferecem requintado prazer» 'º,
Também sustenta que «as conversações dos grandes foram coleccionadas em todas as
idades. A única causa de cairem (às vezes) na infâmia, é porque não se formaram
com o cuidado e selecção que mereciam. Com tais substitutos, somos perfeita-
mente capazes de reconstruir a sociedade dos que já não vivem, e de nos tornarmos
mais realmente contemporâneos dos grandes homens de outrora, mais até do que
os seus próprios contemporâneos» 1º. E, numa frase que em parte justifica a presente
edição das Anedotas portuguesas, diz que «sem o uso da anedota literária é vão tentar
a biografia literária» 20. Haja em vista o caso de Luís de Camões perante as oito
anedotas camonianas (CIII-CX). Diz D'Israeli ainda: «quanto às anedotas que pareçam
triviais [e algumas poucas das Anedotas portuguesas na verdade o são], alguma coisa
se pode alegar em sua defesa. É certamente mais seguro para alguns escritores
darem-nos tudo que sabem do que permitirem-se o poder de censura; porque para
isso requer-se uma certa medida de erudição e discernimento, que muitos biógrafos
[ou anedotistas] desafortunadamente não possuem... Deve-se confessar que uma
anedota, ou circunstância, que pareça de pouca consequência a um leitor, pode trazer
alguma ligação remota ou latente, que uma retrospecção mais madura às vezes
descobre» 21,

A TRADIÇÃO ANEDÓTICA EM PORTUGAL

Até 1720, quando Pedro José Supico de Moraes publica a sua Collecçam Política
de Apophthegmas Memoraveis (Lisboa Occidental: na officina de Antonio Pedrozo
Galrão, 1720) 22, não há realmente uma tradição formal de anedotas portuguesas.
*7. Em Portugal, Pedro Joseph Suppico de Moraes, Collecçam política de Apophthegmas memoráveis
(Lisboa occidental: na officina de António Pedrozo Galraô, 1720) e reeditada em: 1733 e 1761; no
estrangeiro, para citar apenas uma, Amelot de la Houssaie, Memoires historiques, politiques critiques et
litteraires (Amsterdam: Michael Charles le Cene, 1722) — estas interessantes porque trazem anedotas
que se referem a reinados portugueses desde -D. João II até D. João IV.
18 P.31. A tradução do inglês desta e das demais citaçoes de D'Israchi é nossa.
19 “Thid., p. 50.
20 Ibid., p. 55.
21 Ibid., p. 79.
22 Das 127 Anedotas portuguesas a Collecçam Politica contém 28, algumas fragmentárias, que
parecem derivar por vezes textualmente do nosso Ms. Supico de Moraes, na sua busca de matéria
anedótica, com certeza terá consultado ou este Ms. ou alguma fonte comusm..
25

Há, sim, centenas de anedotas espalhadas pelas histórias e crónicas de reis, príncipes,
e instituições que se escrevem ao longo do século xvt — anedotas engajadas que,
por vezes, tendem a exagerar as teses dos respectivos historiadores. São escassas,
para não dizer ausentes, em Portugal obras como os motti e facezie italianos 2. Por
isso, parece-nos importante, historicamente, a publicação das Anedotas portuguesas;
preenchem em certo sentido uma lacuna até agora existente na história literária de
Quinhentos.
Em geral, os anedotistas italianos, todos de uma sólida formação humanística,
recorrem a fontes clássicas para muitos ditos, histórias e apotegmas. Assim o faz
também Supico de Moraes, imitando-os. Mesmo assim, Poggio, o pai moderno de
todos eles, inclui várias histórias «extraordinárias» que se dizia terem sucedido na
sua própria época 2%. O compilador das Anedotas portuguesas é ainda mais purista,
ou, para cunhar uma expressão, mais «contemporaneamente humanista»; não aproveita
matéria alguma que não seja nacional. Visão provincial? Evidência de uma limitada
formação clássica? Mas o latim lá está nas anedotas. Talvez se defina melhor o
fenómeno das Anedotas portuguesas como uma interpretação mais ou menos distintamente
portuguesa do ideal humanista e renascentista de guardar «ditos e istorias». E se
recentemente se tem dado nova ênfase ao papel pioneiro dos contos de Gonçalo
Trancoso na formação da prosa narrativa portuguesa , parece-nos que também
se deve prestar devida atenção à tradição anedótica— ainda muito por estudar em
Portugal —, pois além do valor intrínseco das anedotas biobibliográficas (o caso de
Camões, Francisco de Portugal, etc.), muitas delas, por possuirem elementos narra-
tivos ponderáveis, contribuem sensivelmente para a história do desenvolvimento
da prosa portuguesa.

23 A Miscelânia de Garcia de Resente obedece à intenção de uma colecção de anedotas, mas por
se esconderem os casos relatados, na sua roupagem rítmica, relegam-se definitivamente à poesia.
De cunho patentemente literário e didáctico, os Contos (1575?) de Gonçalo Trancoso, além de certos
aspectos estilísticos pertencentes à época, pouco têm em comum com as Anedotas. Tem-se identificado
uma tradição memorialista portuguesa na qual as Anedotas portuguesas também se filiariam. Isto entre-
vê-se no interesse genealógico na apresentação de quase todas elas — interesse que remonta aos livros
de linhagens medievais.
24 Charles Speroni, Wit and Wisdom of the Italian Renaissance (Berkeley and Los Angeles:
University of California Press, 1964), p. 127
25 Vide a referida edição dos Contos por João Palma-Ferreira (1974).
26

CRITÉRIOS ADOPTADOS NA TRANSCRIÇÃO DO TEXTO

A grafia dos vocábulos e a pontuação são as do códice, pois «tanto mais


pitoresco quanto mais se conservam na roupagem antiga» Mas é claro que, além
da qualidade do pitoresco, própria de uma anedota, há o interesse linguístico de uma
prosa ingenuamente séria, mas não abertamente literária, representativa do período
clássico na história da literatura portuguesa. É por isso que optamos por uma
edição mais ou menos diplomática.
Inserimos entre colchetes títulos de nossa invenção nas anedotas que não o
traziam no texto. Também fornecemos, um pouco arbitrariamente, confessamos,
uma numeração romana às anedotas; deixamos numa só anedota diversa matéria
referente a D. Francisco de Portugal (XLVIII), ao passo que separamos em duas uma
camoniana (CVIII, CIX). Indicamos também entre colchetes, na margem esquerda,
a numeração das folhas do Ms. Apontamos ainda o nosso acrescento do título seccional
de «Anedotas camonianas», que ajuda a dar um relevo maior àquelas oito anedotas.
Chamamos a atenção, em notas de rodapé, para lapsos cometidos pelo copista.
Prometemos a publicação em breve de uma selecção das anedotas mais interes-
santes, com ortografia e pontuação actualizadas.
ABREVIATURAS EMPREGADAS NAS NOTAS AO TEXTO

BA Biblioteca da Ajuda
BGUC Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
BNL Biblioteca Nacional de Lisboa.
I

2] Relação de quem foy D. Aleixo de Menezes 1, Ayo delRey D. Sebastião;


e de algumas couzas q com o d.º Rey lhe acontecérad,
e de outros acontecimentos daquelles tempos.

Dom Aleixo de M.ºs foy £.º de D. P.º de M.ss, pr.º Conde de Cantanhede, e de
sua 2.º mulher D. Beatris de Mello, £* do D.º: Ruy Gomes de Alvarenga, Chanceler
Môr destes Reynos, a qual D. Beatris levou em dote & seus jrmaôs lhe derão
vinte mil coroas, de cento e vinte 13 à coroa, q vem a somar seis mil cruzados,
conforme o contrato q se selebrou em Santarem em 20 de fev.'º de 1483 annos;
começou a servir em Africa m.*º mosso, e se achou com D. João de M.º o picasino,
seu tio, na tomada de Azamor no anno de 1513. Passou à India em comp.? do

1 A mesma relação, e as «práticas» que se seguem, com variantes, acham-se em Manuel de Meneses,
Chronica de D. Sebastião (1730), capítulos 25, 113, 126, e na História Sebástica (1735), liv. 1, cap. 16, de Frei
Manuel dos Santos, e em outras histórias impressas. Reproduzimo-las aqui, embora sejam de um relevo
bem menor que as demais anedotas (como se verá adiante), para obedecer a uma reprodução integral do
texto do Ms. Além disso, elas têm um certo interesse histórico, porque representam versões anteriores
às publicadas, setecentistas, talvez por serem as primitivas.
Estas mesmas primeiras quinze a vinte anedotas andam em diversos Mss. E.g., na mesma colecção
da Biblioteca do Congresso, deparamos, na folha 285 do códice P-197 (Memórias históricas), com o
título «Tratado em que se declara quem foy o Senhor D, Aleixo de Menezes e os cargos que teve, e alguãs
couzas q passou no tempo que foi Ayo delRey D. Sebastiad... com as cortezias que os Reys de Portugal
costumão fazer e Seremonias que se uzavad em Palacio. [As cortesias não se acham entre as Anedotas
portuguesas]. 'Tirado tudo das memorias originaes que ElRey Filipe avia mandado ajuntar para a Coronica
do d.tº Rey». Vide o mesmo título em BNL, Cod. 1461, f. 33, com algumas divergências, e BGUC
Cod. 167, ff. 2-60. Vide ainda as referidas «cortesias» em BNL Cod. 748, ff. 64-69 e BA Cod. 50-V-35,
ft. 418-421v.
Se foram coligidas «para a coronica» de D. Sebastião a pedido de D. Filipe II, o mesmo pedido
filipino por papéis históricos teria sido também motivo de reunir as «istorias e ditos que sucederam e se
disserão no Paço»? |
D. Aleixo m, em Lisboa em 1569. Embora exercendo importantes cargos na Índia portuguesa,
grangeou-lhe talvez mais fama ser aio de D. Sebastião. É deste ofício que tratam as primeiras 18 folhas
do Ms. É possível que a posição inicial destas folhas na obra tenha ocultado aos curiosos o seu alcance
maior — histórico, genealógico, e topicamente rico —, parecendo-lhes antes ser apenas mais um tratado
sebástico-dos muitos que povoam os arquivos portugueses e em especial a própria colecção de manus-
critos reunida pelo 2.º Conde de Olivais e Penha Longa, hoje na Biblioteca do Congresso.
30

G.”* Lopo Soares de Alvarenga?, seu tio, jrmão de sua may, aonde começou de
servir de Capitão Mór de huã escoadra de oito naos, com q correo a costa de
Arabia, e quando no ano de 1517 foy o d.tº G. ao mar roxo buscar a Armada do
Soldão de Babilonia, foy elle por Capitão da Não Almiranta, e peleijou com os
Mouros em Ejida: e se achou na tomada de Zeila de Ethiopia nas portas do estreito,
24] e de Calajate o mandou o G.º” a prestar as naos q avião de vir p.* o Rn.º [em] 1518.
Foy a Malaca meter de posse daquella fortaleza a A.º Lopes da Costa, aonde
pelejou com elRey de Bintaô, e lhe defendeo aquella fortaleza 3 tinha sercada, e lhe
tomou o forte de Muar q tinha feito sobre aquelle Rio, aonde entre os mais
despojos se ganharão mais de 70 peças de artelharia, e daqui aviou e despachou
pº Maluco a D. Tristaô de M.s; e se tornou p.' a India, aonde o G.% o deixou
em seu lugar; huã vez no anno de 1520 indo socorrer a fortaleza de Coulão 3 a
Raynha daquelle Rn.º tinha mui apertada: e outra no anno seguinte despedindoo
de Comorim aonde o fora acompanhando contra elRey de Cambaya, e com nome
de General das Galles, e navios de remos o fes hir governar em seu nome.
Pelejou contra o Melique Aoz, e com grande nome tornou ao Rn.º; aonde elRey o
mandou vizitar, reformar, e prover as frontr.'s de Africa, aonde estando por
Capitaês, em Arzilla Dom João Coutinho Conde do Redendo seu primo, em
Azamor o Conde de Prado D. P.º de Sousa, em Tanger D. Alv.º dAbranches.
Tornando desta comissão foy eleito no Cons.º por VizoRey da India, no que
celRey D. João o 3.º não veyo, pelo querer p.' outras couzas cá no Rn.º de
grande confiança, sobre as quais o mandou por Embax.º* ao Emperador Carlos 5.º,
e depois no anno de 1542 acistio e tratou dos neg.* do casam.'º da Princeza
BI] D. M.º, £* do d.º Rey D. Joaô com o Princepe D. Phelipe f.º do d.º Emperador,
e com ella foy a Castella por seu Mordomo Mór aonde assim do Emperador,
como do Princepe, foy tido em grande estima: e por voto e parecer de ambos foy
escolhido por padrinho do Princepe D. Carlos: o qual enquanto viveo, mandava
todos os anos vizitar D. Aleixo; ficou por testamenteiro da Princeza, a qual lhe
deixou sinco mil reales de renda nas alcavalas de Sevilha, e levandoce o testamento
ao Emperador lhe dobrou a quantia; e p.º effeito de possuirem estes dez mil reales
habilitou seus filhos; quando a Princeza morreo, recolhendoce o Princepe em hã
Mostr.”, ficou D. Aleixo entreg[ule de toda sua caza, e da pessoa do Princepe
D. Carlos q teve até o entregar em Valhadolid. Tornando a Portug! o quis
elRey D. Joaô fazer Ayo do Princepe D. Joaô seu f£º q elle não aceitou,

2 Por descuido, o copista (ou possivelmente o autor das Anedotas) chama a Lopo Soares de Alber-
gatria Lopo Soares de Alvarenga.
31

desculpandoce com a tristeza e sentim.tº da morte da Princeza, e por mais instancias


que nisto teve de parentes, e amigos, não se lhe pode perçuadir outra couza;
e quando depois sucedeo a lastimosa morte deste Princepe no principio de sua
idade; custumava elle a dizer, que se morrera estando encarregado delle, se fora a hi
dezerto, e vivera com o proprio desgosto q seu tio D. João de M.ss, pela morte
do Princepe D. A.º que morreo em Santarem correndo com elle parelhas, da
queda de hi cavalo. Aceitandolhe elRey taô piedoza desculpa, o fes Mordomo
Mór da Raynha D. Cn.º o qual officio servio até a morte de elRey D. Joaô,
q ja o tinha destinado p.* Ayo do Princepe D. Sebastião seu neto, e com esta tenção
fes sua Aya a D. Joana de M.ºs sua jrmã, mulher q fora de D. Bernardo Cout.,
Alcayde Mor de Santarem seu primo com jrmão, à qual entregou o Princepe em
nacendo, e lhe deu doze donas viuvas, que avião sido mulheres de fidalgos
e cavaleiros honrados, p.? q debaxo de sua obediencia, e ordem, acisticem ao
serv.º do Princepe, fora outras criadas infiriores; e deu ordem a D. Aleixo G
correce com a criassão do Princepe, e acudice ao & importace, e em seu testam.'º
o declarou por seu Ayo, acrescentando q em cazo q a Raynha falecece, ficace
elRey debaixo da criassão dos dous jrmãos, e da tutela do Cardeal D. Henrique,
até ser entregue do Rn.º, em todo este tempo q ouve até a entrega do Reino
teve D. Aleixo cargo do governo da pessoa, e caza delRey, cerrando, e abrindo
portas, despindo o, vestindo o, e acompanhando o em todo o tempo, e lugar
assentandoce em huã cadeira raza nas proprias cazas em q elRey estava, e cobrindoce,
Tinha superintendencia nos sumilheres & serviaô as somanas, e sobre todos os officiaes
da caza delRey, e no dia em & elRey tomou entrega do governo o acompanhou
até a cadeira real q estava em hã estrado, e a ella esteve encostado em pé
emquanto se fez a seremonia da entrega dos sellos, e sendolhe entregues pelo Cardeal
seu tio, como respondeo à pratica, se volveo p.º D. Aleixo e com m.':s mostras
de amor, e alguma sujeição lhos entregou, e elle os teve na mão emquanto duraraô
as mais seremonias: foy pessoa de sengular modestia, porã querendo o elRey
D. Joaô fazer Conde de Villa delRey, assi por seus serv.º* como pela autorid.e do
cargo q lhe queria dar, elle o não aceitou; dizendo q era pobre p. Titulo: e de elRey
D. Sebastião não teve, nem aceitou nenhuma m.“*, dizendo q emquanto o tivesse
em seu poder não pederia, nem aceitaria couza alguma, por que senão atribuice mais
a valia q a merecim.'º proprio, e cahio enfermo no prencipio do governo delRey
sem mais desp.º* que a Alcaidaria Mór de Arronches q se lhe deu em satisfação a
comenda da Redinha, q se tirou a seu fº por hã breve q então viera do Papa
[47] em que ordenava q as Comendas dos pais senão pudecem dar aos £.ºs. Tomou
elRey D. Sebastião à sua conta todas as obrigaçoés de seu Ayo, p.? despachar seus
32

£os com tits, e lugares, como cazasse; e como faltou sua vida e cazam.*º assi
ficaraô por garlardoar seus grandes serv.ºs, no prim.º dia em q elRey D. Sebastiaô
lhe foy entregue p.º o criar, apeyandoce à noite em sua caza lhe deu hi pagem
hã papel; e acabando de cear com sua mulher o abrio, e vio que tinha huã cota
q dezia assi; Se VM. quizer ver, e saber, a vida e espantozos sucessos dece Princepe
q hoje lhe entregaraô, leya esse papel. Acabando de ver isto o queimou; e estra-
nhandolho sua m.º*, lhe respondeo, q elRey Dom Joaô lhe entregara a Princeza
D. M.º sua f.º, que morrera de muy pouca idade, de que sempre tivera grande
disgosto: q D3 o livrara de outro mayor: q ouvera de ter se lhe morrera em seu
poder o Princepe D. João: ã agora queria criar o seu Princepe livre de tremores,
e sobresaltos, de maos agouros, e q DS dispuzece delle o que mais fosse servido.
Cazou Dom Aleixo de M.º duas vezes: a pr. com D. Joanna sua sobrinha f.º
de D. Henrique de Noronha jrmão de D. Pedro de M.ºs 3.º Marques de Villa
Real e de sua jrmã D. M.º, é deste matrimonio ouve a D. Luiza de M.º q
cazou com D. P.º de M.s S.º: de Cantanhede, por ajuntar a fazenda q tinha à
caza de seu pay e Avos; e porque esta sua £* morreo do pr.º parto sem £.ºº quis
D. Aleixo casar D. P.º seu genro com huã £*? de sua jrmã D. Joanna de M.º e do
d.e D. Henriã de Noronha, mas como D. P.º tinha olho à casa de Alconchel
cazou em Castella com sua prima D. Ines de Zunhiga f.º de D. Fadrique de Zunhiga
S.ºr de Mirabel, pla qual razaô sendo já D. Aleixo de setenta e sinco annos de idade
se cazou por ordem delRey com D. Luiza de Noronha, fz de Dom Alv.º de
N.::, da qual ouve a D. Luis de M.s, o qual avendo oito mezes q era cazado
com D. M.º de M.ºs comendador de Castelobr.eo, e de D. Phelipa de M.“:, e tendo
idade de 23 annos morreo na batalha de Alcacer; e ella por sua morte cazou com
D. constantino de Bargança primo com jrmão de sua may, £º do Marques de
Ferreira. Teve mais Dom Aleixo a D. Alv.º de M.ºs, o qual foy pagem da campainha
delRey D. Sebastiaô sendo de dez annos, até faltar o d.'º Rey, cujo partecular favo-
recido foy, dormindo sempre na mesma caza, e aos pés da cama delRey, vestindo o,
e despindo o, depois de recolhidos os sumilheres q eraô cazados, ficando com elRey
todas as sestas, porque os sumilheres semaneiros vinhão dada hija hora, e Dom
Alv.º se hia entaô a comer, p.º isso tinha casa no Paço, e lhe tinha elRey prome-
tido grandes m.ºss; | desbaratou a jornada de Alcacer, em cuja Batalha D. Alv.º
cahio m.tº ferido aos pés delRey, aonde ficou por morto; depois de vir de cativo
lhe deu elRey Dom Henriã os bens de Coroa que avião sido de seu irmão
D. Luis em tres vidas, e ordenou q casace com D. Violante da Tavora filha de
D. Vasco da Gama, 3.º Conde da Vidigueira, e se recebeo com ella em tempo já delRey
D. Philipe, da qual ouve a D. Aleixo de M.s q sendo já S.º* da casa de seu pay
33

se meteo relegiozo de S. Fran.º na Provincia capucha de S.'º Antonio, e depois de


professar e estar nella algiis annos se passou a observancia da Provincia de Portugal,
e D. Luiza de M.ºs, q cazou com Lourenço de Sousa Apozentador Mór, e depois
de viuva foy Dona de honor da Raynha D. Luiza mulher de D. João o 4º,
e D. Maria de N.'2 q cazou com Dom P.º M.º primo com jrmão de sua may,
e depois foy 2.º Conde de Atalaya. Teve mais D. Aleixo de sua 2.º mulher
a D. Pe de M.s q na ordem de St.tº Agostinho se chamou fr. Aleixo, o qual
sendo Prior de Nossa S."2 da graça de Lx.º; e indo a Madrid a neg.ºs de sua religiad
o nomeou elRey D. Phelipe o 1.º, por Arcebispo de Goa que aceitou com repunancia
sua, sendo de idade de 32 annos, e naquellas partes da India fes grandes serv.ºs a Deus
na vizita q fez a Maliapor, aonde reduzio a Igr.? Catholica os antigos christaôs de
Saô Thome & tantos annos avia que estavad sismaticos apartados do caminho de
sua salvaçaô, e fez outras obras naquella vizita verdadeiram.te apostolicas, e fez também :
grandes serv.ºs a este Rn.º naquelles estados, sendo VizoRey delles tres annos e hã
mez, e lá foy legato de Clemente Octavo, e reformou no Hospital os grandes
abuzos q a licença militar tinha introduzido nos soldados daquellas partes; donde
vindo a este Rn.º o fez clRey, 2.º Arcebispo de Braga, do cons.º de Estado,
logo VizoRey de Portugal, e fazendo hi anno no governo foy chamado a Madrid,
e foy feito Presidente do d.'º Rn.º de Portugal, e lá faleceo a 2 de Mayo
1617, aos 58 de sua idade, tres mezes, e onze dias: ouve mais D. Aleixo a
D. Mecia & cazou com D. Luis Cout.”, 4.º Conde de Redondo.

Pratica que D. Aleixo de M.s: fez à Raynha D. Catherina,


e ao Cardeal Infante D. Henriã quando derão por mestre
a elRey D. Seb.:m o P.º Luis Glz da Cam.": da Comp.* de Jh.?

[67] Dandoce ao P.º Luis Glz da Camara o cargo de Mestre delRey D. Sebastiaô,
conhecendo D. Aleixo de M.ºss sey Ayo, o sogeito do Mestre, e antevendo aonde

3" Manuel de Meneses resume esta prática (Chronica, cap. 25) e Barbosa Machado publica-a em
suas Memórias para a historia de Portugal, que comprehendem o reino delRey D. Sebastiaô (1736-51), Parte I
liv. I, cap. 15, no. 131, com o título «Voto acerca da qualidade da Pessoa, que devia ser eleita para
Mestre delRey D. Sebastiad».
34

o negocio avia de ir parar: aguardando ocazião em q o Cardeal veyo vizitar a


Raynha, lhes falou a ambos na man.”* seguinte:
Desde tempo q por nomeaçaô delRey nosso s.º* que D3 tem em sua gloria,
e aprovassad de V.V.A.A. me foy encomendada a criassão delRey nosso S.º”;
tratei sempre de corresponder da minha parte à grande confiança deste cargo, e do
tempo, e conjunção em q me foy entregue, atalhando quanto em my foy as
occazioês de trabalhos, e perturbaçoês tam temidas, e choradas nos Rn.º* aonde os
Princepes ficad de taô pequena idade, e sem buscar exemplos em Rnºs estranhos,
alcancei q nos de Castella, e Portugal foraô (entre outras menores) sete as couzas
principaes com que os Ayos, e guardas dos princepes os descompuserad a elles,
e perturbaraô a paz, e quietação do povo, e cauzarad discordias, e mortes entre a
nobreza: a todas as quais procurei em mi proprio, o remedio, cortando pelo
poder, e authorid.s, Licitos a meu cargo, tudo o que o podia de algã modo
inclinar a qualquer destes extremos.
[7] A primeira cauza males publicos, e fundam.'º de valias, e privanças parteculares,
foy criarem os Princepes em dezamor, e pouca obidiencia de seus parentes,
perçuadindoos & o verdadeiro modo de Reynar concistia em não reconhecer sujeição
a pessoa alguma, e à o respeito das Majs, Tios, e Avos, e mais pessoas de sangue real,
he hã serto modo de cativeiro indigno da grandeza, e liberdade real; porã enquanto
com esta arte ali e não a vontade do Rey daquelles, q por razão de sua grandeza,
o podem com authoridade aconcelhar nas couzas, o trazem com mais afrontozo
cativeiro sujeito a seus intentos particulares.
Deste extremo taô perigozo está elRey nosso senhor taô fora como a
expiriencia tem mostrado, e V.V.A.A. a cuja obidiencia, e concelho, o criei sempre
tão sujeito, q nunca me ouvio tratar das grandezas de seu estado sem q juntam.'* enten-
desse q a não tinha absuluta, senaô subordinada, ao parecer, e despocição de V.V.A.A.,
e sendo assy q a authoridade deste cargo G sirvo, e a largueza das commissões
q se me tem dado, se estendem a prohibir, e conceder a elRey m.':* couzas de
seu gosto; jamais lhas concidi, ou neguei, sem mostrar q conçultava pr. a Raynha
nossa S.'3, porã alegrandoce com a licença, e liberd.s, tivesse agardecim.'º [sic]
[72] e amor, a quem lha dava, e atalhandolhe os excessos de seu apetite reconhecece,
e venerace, quem o podia mandar.
A segunda couza ã desterrou sempre a paz dos Rn.º:, e alterou a nobreza
delles foy, quererence os Ayos sustentar no favor, e graça, dos Princepes, apartando
de sua communicassão as pessoas de estado, Valor, e conc.º, ocupando os lugares
prencipaes de seu serv.º com seus parentes, e amigos q atentos a louvar o governo
e fidilidade de quem os acrecenta, e vituperar os de quem se receaô, servem de

humas espias ordinarias das acçoês; pençamentos, e palavras, do Princepe, e dos q


falaô com elle, atalhando todos os caminhos por onde lhe pode chegar a Verdade,
e desengano do estado em q vive. Neste cazo, como taô perigozo, me govermei
de modo, q nunca pedi cargo, nem officio para parente meu, posto que a m.'ºs
delles por capazes, e benemeritos se puderão dar algiis G solicitei para estranhos,
e se algiis por eleição de V.V.A.A. entraraô na guarda e serv.º delRey, não foy por
negoceaçaôd, ou industria minha, nem eu (podendoo bem fazer) os avantejei nunca
aos mais da guarda communicação, e serv.º delRey nosso senhor; mas com huã
igualdade commua assistiaô todos ao q lhe tocava: juntando com isto o pençam.'º q
[8] podiad ter de por minha via valerem mais, e a queixa dos outros fidalgos, quando
pela mesma se vicem menos favorecidos. E a elRey perçuadi q a imitassad de D3
fosse no amor, e favores igual, e indeferente a todos os seus, e q só tivece melhoria
ante elle, os que se aventejacem em virtude, e merecim.tºs proprios.
O terceiro fundam.'”, e cauza de discordias foy a cobiça, e grande ambição
dos q tem os Princepes em seu poder, os quais uzando mal da conjunção do
tempo, e daquella vontade sujeita (pela criação e pouca esperiencia) a tudo o & lhe
pedem, e aconcelhaô, custumad acrecentar suas cazas, e pessoas com estados, titulos,
e rendas, q as mais vezes, ou se tirão a quem melhor as tem servido; ou ao patrimonio
Real, q considerad pobre p.* merecim.'s alheyos e muy rico p.? os seus proprios.
De meu procedim.tº neste partecular dá bom testemunho o estado de minha faz.*,
a qual depois q entrei neste cargo se não acrecentou couza alguma, e me acho no
fim da vida e serv.º tão pobre como entrei nelle: não que desconheça com isto a
vontade que em elRey nosso S.º*, e VV.AA. achei m.'a* vezes p.? meu acrecentim.'º,
e de meos £.ºs, mas quis guardar estas m.“ss p.? tempo q entregue elRey Nosso
S.ºr do governo de seus estados, e livre de minha guarda, e administração, se veja
q nascem todas de seu animo, e vontade, mais que de minha cobiça e negoceaçaô.
O quarto fundam.to que muitos tomaraôd para acrescentar sua estimaçaô,
e valia, foy apartarem os Princepes da afabilidade e communicassad de seus
vassallos; em partecular dos nobres preçuadindolhe q a verdadeira grandeza
concistia em dar pouca parte de ssy ao povo, e acrecentar com severidade o
respeito, e veneração propria da magestade real, que nunca he bem respeitada
sem ser em alguma maneira temida: atendendo nisto a converter, em sy a graça e
favor pupular q tirão ao Princepe; em quanto como entre nuncios dão respostas,
e dispenção m.s G os Reys ouverão de fazer por sy mesmos. Deste mal tão.
nocivo, e prejudicial p.* quem [hJa de senhorear animos portuguezes, em q pode
mais o favor dos Princepes, q todos os intereces da vida: trabalhei por apartar
S.A. tanto com mayor cuid. quanto mais conheci sempre em seu animo huã
36

grandeza e pençam.'ºs altivos, mostrandolhe com-vivas razões q a prosperid.º e forças


2] de seu Rn.º, e concervação de sua Coroa, concistia no bom tratam.'º do povo,
e no amor, e contentam.'º dos nobres de Portugal.
O quinto defeito dos Ayos q com ividencia se deixa conhecer nas pessoas dos
Princepes, he tudo contraposto ao inconviniente passado, emquanto com a fameliari-
dade, e continua convercassão [sic] dos Reys, e com as licenças de sua pouca
idade, se descuidaôd das seremonias, e tratam.tº da Magestade Real, em forma q
descuidados, quando mayores, da gravid.s, e termos necess.º' a sua grandeza, ou
faltão nelles nas ocazioês e tempos devidos, ou os uzaô empropriam.'s, e como
emprestados: erros q custumad cauzar dezestimaçad e pouco respeito do Princepe
no animo de seus vassalos, sobre o q me desvelei de man.** q antes delRey nosso
so" chegar a perfeito uzo de razao, e depois velando, e dormindo, só, e acom-
panhado o tratei e venerei sempre com as salvas e seremonias q pudera a elRey
seu Avó se vivo fora; atendendo não só de criar hã Princepe de custumes corres-
pondentes a seu estado, mas a ençinar com meu exemplo aos fidalgos de sua
criação q não virad a Magestade dos Reys passados e a sumissaô, e respeito com &
[9v] sempre foraô venerados os Reys portuguezes.
A sexta cauzade males publicos conciste a enclinarem os Principes com demazia
a exerçiçios de guerra, cassa, e amores, jogos, festas, e outros q em midiania são
vertudes, e nos extremos vicios: porã emquanto os Reys occupados em qualquer:
daqueles a q seu natural mais os inclina, se descuidaõ do estado e governo publico,
possão os q assy os tem em seu poder meter mão com mais liberd.* no regim.'
do Rn.º, e advocar assy tudo aquilo q os Princepes dezemparaõd, como a esperiencia
me tem mostrado a grande vehemencia com que elRey nosso s.º* aprende qualquer
couza a q o inclinão, e como em tudo aquilo q começa vay buscar sempre os
extremos, trabalhei não só de o apartar de vicios, q em sua natureza os não ha,
mas de temperar e dar modo em seu animo às vertudes, porq postas no extremo não
venhão a perder sua natureza, e compornos hi Rey viciozo por excesso de vertudes:
que erros na inclinação delRey nunca acharão Lugar, senão com Pretexto de bons
intentos, q excedem a midiania, e iguald.e necess.' a quem ha de reynar.
De inclinar o animo real, ou inclinado naturalmente lhe permitir custumes
viciozos (que he a setima e mais propinca cauza de sua perdiçaô por onde algtis
abriraô caminho a sua privança) nad trato, porque nem o sujeito e real natureza do
Princepe he capax disto, nem he justo q eu pertenda louvor dos erros q não cometi,
que da obrigaçad de minha pessoa, e cargo, ainda pelas vertudes se me não devem
graças. Assy que mediante o bom natural & DS foy servido dar a S.A. e alguma pouca
industria q pus em o apartar dos enconvinientes refiridos, tem Portugal hã Prin-
37

cepe de claro e maravilhozo entendim.'º, temerozo de D3, e por extremo zelozo


da exaltassão da fe catholica e de animo liberal, inclinado à mizericordia, dezejozo
de fama, e nome honroso, e de taô grandes pençam.'ºs q metidos em seu estado
parecem nacidos p. mayores Imperios; he finalmente tal que se estas perfeiçoês não
sobirem a grande extremo ou novas comonicações o não mudarem, pelo descurço
do tempo, do estado em % o temos agora, gozara Portugal do mais exelente Princepe
[100] q teve de muitos annos a esta parte; tudo isto me pareceo justo refirir a VV.AA., não
por querer agardecim.'º, nem satisfaçaô de cumprir com o q devia, nem por imaginar
q alguma couza destas lhes seja oculta, mas como com as liçoês e novo exercicio de
estudo a de ter elRey nosso s.º” mais comunicação q a minha, do ã se lhe pode
seguir a feição q o guie por defirente caminho do que lhe eu tenho mostrado: quis
fazer a VV.AA, esta lembrança e pedir lhe atendaS ao estado em ã de prez.'* temos
elRey, para se medir com o do tempo adiante q naô duvido ser taô melhorado em
tudo, quanto a capacid.* he melhor conhecim.to das couzas, são avantejadas a S. A.,
do qual assy como não he justo q ozurpe eu a gloria sendo o fructo de endustria,
e trabalho alheyo, assi q naô quizera q se me roubace o & mereci com tanta vigilancia,
e trabalho do pençam.'º, que naô he taô pequena honra para igual a qualquer q herdei
de meus antepassados, e como minha muita idade acompanhada de algumas indis-
pociçoês, naô da lugar a taô continua acistencia, como athé agora tive com a pessoa
delRey nosso S.r, he justo VVAA. supra5 com seu cuidado onde não bastar
“du o meu, e ajudem a ssustentar a Portugal hã Princepe hornado de partes tão
merecedoras de Imperio porã senaô perca em poucos dias, o trabalho de m.'ss
annos, e chorem seus vassalos p.º sempre a mudança de tão excellente n.!, aonde os
mayores vícios tememos q venhad a ser os exsseços de vertudes.
Com deferentes effeitos foy ouvida esta pratica: porã a Raynha a recebeo com
algumas lagrimas, nascidas per ventura do q colegio do pezo, e sentido das palavras,
e do receyo, e sospeita com q forão ditas; sabendo q senão movera a esta demonstração
sua pessoa tão grave, e conciderada, como D. Aleixo, sem grande fundamento,
e o Cardeal como Autor prencipal da eleição do mestre, vendo % em alguma maneira
se punha duvida ao serto della ficou suspenço, e carregado, aguardando % a Raynha
respondece; a qual enxugando as lagrimas disse a D. Aleixo, q de sua fidilidade, e vigi-
lancia em criar a elRey seu neto lhe não dava graças, porã todas seriaô menos do ã
se lhe devia, porem q tudo aquilo e mais era obrigado a fazer, tanto pelo respeito
[110] de seu sangue e pessoa, como pela grande confiança à elRey seu s.º* q Dê tinha em
sua gloria fizera delle p.* o deixar nomeado por Ayo, e guarda da pessoa de seu
neto, inpondo o às mais pessoas q avia no Rn.º, e q na mesma divida lhe estava a ella,
e ao Cardeal seu Irmão & com a propria vontade aprovarão a seus custumes, seria
38

qual elles dezejavaô, e o Rn.º avia mister, e q como mestre q novam.te se dava a elRey,
naS hera seu intento alterar no poder de seu cargo couza alguma, nem escuzarlhe
o cuid., e vigilancia ordinaria: pois assy o tempo e modo das lições, como a comoni-
cassaô, praticas, e detença do mestre com clRey, queria que fosse medido, e regu-
lado por seu parecer, pelo que lhe pedia q se ate então trabalhara m.'º na criaçaô,
e doctrina delRey, & dali em diante o fizecem com mayor cuid.º, quanto a idade e
mayor conhecim.'e & hia tendo das couzas requerião mais partecular acistencia, na
qual ella lhe prometia tomar sua parte, e q pederia ao Cardeal seu irmão tomace
tambem a sua, como quem taô grande parte tinha no bem, e mal deste Rn.º, com isto
[12] calou a Rainha; e o Cardeal em poucas palavras lhe disse q conhecia quad ao justo
respondera sempre a sua obrigassad em todas as couzas, e muy em partecular na
criaçaô e doutrina delRey seu senhor; e que assy esperava corresponderce ao diante,
em comp. do mestre q se lhe dava, q como pessoa de vida taô exemplar, e religioza,
esperava que sobre os bons fundam.'s que elle tinha lançados, fundace hã Rey taô
cristaô, e ornado de vertudes, como o Rn.º esperava e avia mister: pelo à elle naô
perdoaria ao trabalho de sua pessoa.
No fim destas palavras se despedio o Cardeal da Raynha com a mesma malen-
colia com q ouvira a pratica, e lhe respondera. E querendoce hir D. Aleixo lhe disse
a Raynha, à lhe agardecia m.'º o que dissera, e o tempo, e sazão q buscara p.º lho dizer,
& nad heraô menores seus temores: do q elle colegira de suas razões, porem q a guarda,
e tratam.tº do corpo delRey seu neto, desde entad lhe encomendava, e entregava
como mayor authorid., se mayor podia; ao que lhe respondeo D. Aleixo que
[12v] pouco pretexto de conciencia, diguo, q pouco importava a guarda do corpo se lhe
entracem a elRey porvia dalma, e com pretexto da conciencia, e vertude, o levacem
a extremos, e sengularid.*s, façamos o q he em nos (lhe tornou a Raynha) e deixemos
a D3 sua parte, pois he o q dispoem, e governa, os coraçoês dos Reys; e quando lhe
permitad que pela via menos imaginada venha tão grande calamid.* ao Rn.º não
seremos participantes da culpa, ja q o ajamos de ser no sentim.º.
39

HI

Pratica que D. Aleixo de M.ºs fes a


elRey D. Sebastiaô quando
ouve de tomar o governo do Rn.º*.

Chegado elRey a jdade de quartoze annos em que ouve de tomar o governo


do Reino, não obstante o q na clauzula do testam.tº delRey seu Avó ficara ordenado,
que a Raynha governace até elle ser de idade de vinte annos compridos: p.* compri-
mento, ou mostras do comprim.'s, do qual se pedio a Raynha q juntam.te
com seu neto quizece entender no governo; ao q ella deu consentim.'º obrigada do
grande amor q lhe tinha mas o tempo mostrou em breve como esta pitição fora mais
contemporizar, q querer comprir o q della se seguia, e como D. Aleixo entendece q
com a entrega do Rn.º e governo delle, se avia de siguir huã grande mudança das
couzas; e q para sua m.t* idade, e p.º o respeito e authorid.* de sua pessoa convinha
retirarce a sua caza, e não authorizar com suas câns, e prezença, as novid.ºs q antevia,
a menhã do dia antes q se fizecem as seremonias da entrega acabando elRey de
ouvir missa lhe pedio q o ouvice diante de algiis fidalgos q ahy estavam, q tiverão
a novid.s pedir aud.' quem a todo tempo a tinha; e parando elRey com o amor,
e veneração & lhe tinha lhe falou assim Dom Aleixo.
Dez annos ha q per falecim.tº delRey meu S.º* que D3 tem em ori, e por
voto e nomeação sua me foy entregue a criação e guarda da pessoa de V. A., em
idade de quatro annos, e com ella os animos, o amor, e as esperanças, e alcançado
[130] por meyo de oraçoês, e lagrimas, nos ama, e venera com mayor affecto que a
todos os mais. À vigilancia e cuid.º com q acisti a este cargo, e procurei responder
ao pezo delle naô encareço; porã por grande 3 fosse nunca pude igualar a grandeza
do depozito, e da confiança & de my se fez: e parecia arguir a V. A. de pouco lembrado
referindolhe serv.ºs de que VA. he a mayor, e mais intima test.': dos quais, e do
animo com q os fiz, me mostrou DS o fructo, e satisfaçaô q dezejava, vendo antes

4 Também publicada na Chronica de Manuel de Meneses (cap. 126) e em Fr. Manuel dos Santos,
Hist. Sebástica, liv. 1, cap. 16. Diz Francisco de Santa Maria, no Anno Histórico, e Diário Português,
pp. 170-171 (citado na Biblioteca Lusitana, I, 88), que esta prática «corria com singular estimação nas
mãos dos curioso». Com menos certeza, alguns autores atribuem a D. Aleixo um extenso documento
«em que firmemente aconselhava o monarca a desconfiar dos seus aduladores e moderar seus ímpetos
belicosos, procedendo com moderação e parcimónia na administração dos negócios do reino» (Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira). A alegação de sua autoria parece ganhar peso com a publicação do
presente manuscrito, porque, além do documento (que difere da versão registada por Barbosa Machado,
et al.), há os pormenores de uma suposta testemunha ocular,
40

de minha morte a V.A. em idade de tomar o governo de seus Rn.º, e ornado de


entendim.'º e partes, e inclinaçoês dignas, não só deste Imperio, mas de outros
mayores, a q D3, a grâdeza do animo de VA., e as ocazioês do tempo abriraô sedo
caminho, e porq os m.'ºs annos q tenho, e a nova forma do governo naô daraô adiante
lugar a taô continuas, e parteculares advertencias como athe agora sohia fazer a V.A.,
me pareceo & devia ao contentam.'º deste dia, e ao amor e lealdade com que criei,
eservia V.A., fazerlhe algumas lembranças, q por feitas em tal tempo, com tal animo, e
[14] em tal idade, merecem ser bem ouvidas, e estimadas em lugar do ultimo, e mayor
serv.º, q com minha vida fiz a V.A.
Entrais Sôr neste encomparavel trabalho de governar nossos Rn.ºs, em idade
% com nome de liberd.º e supremo senhorio, temo & vos perçuadão, q até não fugirdes
da comp.? e cons.º da Raynha vossa Avo, e do Cardeal vosso Tio não sois verdadeiro
Rey, q hé a traça por onde os que o querem apoderar de vossa liberdade, fião abrir
o caminho a sua privança; e como estes atendem a sua grandeza, e proveito partecular,
procurad aprovando por justo qualquer dez.º dos Princepes, e não lhes cantradizendo
couza licita, ou ilicita q intentem mostrarlhes q o tempo q se viaô sogeitos aos bons
cons.º* de quem com elles procurava sua estimação, e acrecentam.'ºs, foy huã sogeição,
e cativeiro indigno de sua dinid.s, donde se segueria % apartados de vos aquelles &
com verdadeiro amor vos podem dezenganar das faltas q ha no governo, asercado
de quem por se sustentar na privança aprova por justos os erros de vosso gosto, padeça
o Reino grandes trabalhos, e o animo de vossos vassalos naô seja p.º V.A. o q sohia
[140] ser p.' com os Reys vossos antepassados, e como D3 dotou a V. A. de hã animo
generozo, inclinado a emprender couzas grandes, temo q uzando deste bom fun-
damento vos inclnem a imprezas, se bem menores que Vosso coraçaô, mayores
do que permitem as forças de Vossos Reynos, e como os q seguem este caminho
medem as coiizas não plo que saô, senaô plo q querem que ellas pareçaô aos Reys,
encobrindo vos a industria, trabalho, e meudeza, com q vossos antepassados sustentavaôd
com limitada faz.' a reputaçaô de seu estado, vos engrandecerão as riquezas; do q ou
sahireis com pouca honra, ou aventurareis vossos estados e vida, sem conheceres
o engano senão quando lhe falta o remedio; e porã nem a pied.e e animo relegiozo
dos Reys está seguro de inconvinientes, lembro a VA. como quem desde taô pouca
idade conhece sua inclinaçaô santa, e zello da exaltação da fé Catholica, q nunca temi
faltas na pessoa de V. A. por custumes, e obras viciozas, senão por algii excesso, ou
demazia ã passe os limites da Virtude: porã m.t:s couzas ha com que huã pessoa
partecular pode ganhar gloria, q sirvão. de condenaçad à hã Princepe: tanto
[15] vay na deferença dos estados e.por quem em materias semelhantes senad podê
41

dizer mayores partecularidades: Torno a lembrar a V.A. q no q se lhe preçuadir


com pretexto de Religião, e consciencia tenha sengular atenção: porq se (o que Deus
não permita) ouver algis trabalhos, e alterações em sua pessoa e Rn.ºs, por este
caminho an de ter entrada. No tratam.'º de vossa pessoa real vos lembro q naô percaes
hã ponto da mag.! com os q mais intimam.'* vos servirem, e seja sempre o favor
e privança dentro da veneração devida a vossa grandeza; porã os Reys vossos antepas-
sados estenderaô seu Imperio pelas mais remotas partes do oriente, sendo pais ao povo,
e aos nobres Princepes clementes: porã como dos grandes ao Rey ha menos deferença
q do Rey ao povo, convirá dar-lhe o favor acompanhado da mag.iº necess.?, p.? os
manter em respeito: o q naô milita na gente popular, onde o excesso da afabilid.
não aventura a autoridade do Princepe antes cativa os animos daquelles q o conci-
deraô taô clemente: e evitareis com isto hã erro em q cahiraô muitos Reys, q entre-
gando suas pessoas, e authoridade nas maôs de seus validos, e guardando o
[157] fausto, e grandeza, e trato altivo p.º seu povo, vierad a ser aborrecidos de his,
e dezestimados dos outros; Que nestes extremos daô os Princepes q desasertad os meyos
da concervaçaô, e authorid.e. Naô vos direi eu, S.º, q nesta idade em q estaes deixeis
a comonicaçaôd e comp.* dos fidalgos de vosso coraçaô; e de ter com elles os honestos
passatempos q requerem vossos poucos annos, & isto fora violentar as condiçoês da
natureza: Só vos lembro q estes sirvaô p.? as horas de converçassad, jogos, cassa, e passa-
tempos: porem q nas materias de estado, fazenda, e governo deis em tudo a maô aos
fidalgos antigos, criados na escola dos Reys Dom M.º!, e Dom Joaô da glorioza memo-
ria vossos avós, com cuja esperiencia e conselho sustentareis vossos Rn.º* na paz e pros-
perid.es em q elles volos deixaraô; porã assi como seja improprio intremeteren os estes
nos exercicios, e mocid.s dos que hoje vem ao mundo: assy seria preverter a
ordem delle, e arriscar vosso estado a huma ruina manifesta, metendo couzas de
tanta concideração em mãos de pessoas faltas de annos, e expirencia, e porq,
[16] com a nova intrancia no Rn.º pertenderad algiis de V. A. merces exorbitantes,
medidas mais p.!* grandeza de seu animo, e condiçaô, à plo q pede o estillo e possibilid.e
deste Rn.º, e por ventura o merecim.*º dos pertendentes: remediara V. A. os incovi-
nientes de taes pertençoês, remetendo tudo a seu cons.º, e não despachando pitições
de importancia por via extraordinaria: porq as liberalid.s excecivas, feitas em pren-
cipio de governo como se naô podem estender a todos, contentad aos menos, e agravad
aos mais a q naô chegaô, e serve isto de hi continuo arrependim.'º aos Reys, depois
q com o descurço do tempo caem no erro q fizeraS; Nas couzas q V.A.se puder servir
de ministros seculares naô de a maô a eclesiasticos, tirando os de seu proprio instituto,
com prossuposto q servem mais, e se lhes paga com menos, porã de mais de naô
sucederem nunca bem couzas profanas por mãos sagradas, com qualquer das couzas
42

q o eclesiastico pertende p.º a sua religiaô, e com cada huã das m.“* q V.A. lhe fas p.?
ella, se poderão pagar os serv.º* de m.'ºs ministros seculares: porã he m.tº deferente
a pertenção de huã comenda, em cujo respeito o m.'º parece pouco, da partecular d.
huã pessoa, aonde o pouco paga, e satisfaz, grandes serv.ºs: Se por ventura acon-
[160] celharem a V.A. q convem reformar em seu Rn.º trajos e custumes, pezos,
e medidas, ou qualquer outra couza uzada, e entrodozida do tempo immemo-
ravel, ainda q o cons.º seja justo, e a reformação necess.?, vos peço e aconcelho, q não
façaes nos prim.º* annos de vosso governo, potã tem. tal força no povo os custumes
antigos q ate p.' melhoria sua sentem coalquer alteração q se faça, e mais em
conjunção de novo governo, a cuja pouca expiriencia atribuem antes a novid. q
o vertuozo fim de quem a ordena, donde se segue suspirarem plo tempo, e memoria
dos Reys passados, e começarem a dezamar o presente, e a telo por estranho. Muito
me alargo, e m.'º detenho a V.A., mas como este he o testam.tº de minha leald.*,
e por ventura o ultimo atrevim.tº de meu amor, conceda V.A. perdaõ a liberd.º e
compridaõ. de meos cons.ºs, pois o merecem estas lagrimas de contentam.tº com q
os olho, e estas cafis q naceraô em serv.ºs de vossos Avos, e vão do vosso a sepultura,
deixando vos em meu lugar tres filhos herdeiros de minha lealdade, em q ficará meu
[17] sangue continuando a servidad q ja não pode a pessoa, e nelles podereis mostrar ao
Mundo a opiniaS em q tivestes os serv.º* de quem os gerou.
E como a pessoa de D. Aleixo por suas calidades, e por ter criado a elRey de
minino, era taô respeitada e amada delle, e vio elRey o amorozo zello com q lhe deu
estes cons.º* em forma de quem se despedia do serv.º ordinario, e acistencia do Paço,
internecido e comovido do amor q lhe tinha o abraçou quazi com os olhos vazos de
agoa, sem lhe concentir q se puzece de giolhos, como queria, p.º lhe bejar a maô;
e em breves palavras lhe disse q os cons.ºs, e o amor com q lhos dava estimaria como
merecia a importancia delles: e q huma das couzas porã se alegrava de tomar o
governo do Rn.º, era p.º lhe mostrar nas m.“ss q lhe detreminava fazer, a reputação
em q sempre tivera seus serv.ºs; e que no q tocava-a seus filhos perdece o cuid.º por q
demais da obrigação em q lhe estava plo serem, elles per sy merecião os acrecentam.º*
q a seu tempo lhe faria, e q do prez.'s concentia por suas indisposiçoês e m.* idade
retirarce do serv.”, e acistencia ordinaria do Paço, não hera plo escuzar das
[170] advertencias e cons.º* q sempre esperava de sua prudencia, e do m.*º amor com &
o criara, e acrecentando a estas outras palavras acompanhadas de sumissão, e amor,
se recolheo elRey levando Dom Aleixo comsigo, e deixando os prezentes admirados
do termo tão afabil, e desuzado em sua condição.
IV

Copia do cap. de huã carta de L. Pires de


Tavora, Embax.º" na corte do Emperador Carlos 5.º,
a elRey D. João o 3.º, sobre quem avia de dar por
Ayo a elRey D. Seb.im seu neto.

Comoniquei com o Emperador o pençam.t'º de V.A. sobre escolher Ayo do


Princepe D. Sebastiad nosso s.* a Dom Aleixo de M., e lhe nomeei os mais & se
apontavaô, dandolhe as razoês q avia em cada hã p. ser nomeado, e quando lhe
quis dar as q concorriaô em D. Aleixo me atalhou com estas formaes palavras:
P. D. Aléxo, no es menester mas rason, sino q es D. Alexo: y sy como yo le escogi
[18] para padrino de un solo nieto, y heredero q Dios me he dado, pudiera escogerle p.º
su Ayo no pusiera yo esta elecion en consejo, ni le dera en Espafia compitidor al
officio, lo q pude hice: y ansi lo haga elRey mi hermano, pues Dios le ha hecho merced
ã teniendo nieto, le puede dar tal Ayo. Fiz memoria das palavras: e tudo q nad
acrecento, nem demenuo nellas, está de parecer, q ou se naô dilate, ou naô se trate
mais em cons.º esta matr.*: porq ou senad de matr.? aos nomeados de se recentirem,
vendoce excluidos: ou de pouco gosto a D. Aleixo sabendo q se desputa de sua
suficiencia entre competidores.

Modo com q elRey D. Sebastiad


sendo moço davad lição, e hia
ver a Raynha D. Cn.º sua Avo.

Punhace antes delRey vir tomar liçao hã bofete de pao preto todo marchetado
de marfim, e nelle tintr., penas, e papel, e huã palmatoria pequena de marfim sem
azorragues, com hã relogio de area, de huã parte huã cadeira despaldas em q

5 A mesma carta, com variantes, está registada nas Memórias de Barbosa Machado (1, 197-198).
Vide também BNL Cod. 591, 53v.
6 A versão de Manuel de Meneses na sua Chronica (L, 86-87) é um pouco mais moderna, e menos
completa, faltando-lhe os pormenores saborosos desta que publicamos.
44

[180] elRey se asentava, e da outra huã raza p* o P.º Luis Glz da Cam.": seu mestre:
A huã das partes se punha de giolhos Amador Rebello P.º tambem da comp.*,
que dava a materia a elRey, e o hia encinando a tomar a pena, ea formar a letra:
A huã parte da caza estava assentado D. Aleixo de M.s Ayo delRey, o qual via
prº o q continha a materia, ou treslado % lhe davaô, e quando lhe naô parecia
conviniente, dizia lhe deçem outra: Acabada a hora do relogio de area, q tanto
durava aquella accaõ, se levantava o mestre, e sem tratar com elRey couza
alguma fora da liçaô se hia, deste modo continuarad os P.s da comp.' até jo.
P.º Montoja religiozo dos eremitas de S.t'º Agostinho, homê de grande vida q
confessava elRey, escuzandoce com sua idade, e com a inquietação de aver de
seguir a corte, e acompanhar elRey, se meteo o mestre neste cargo de confessor,
com o qual se foy introdozindo, e apoderando do animo delRey; e meteo a
seu jrmão Martim Glz da Cam." q tinha sido Reytor da Un.ºº de Coimbra, na
Prizidencia do Paço? dando lhe tanta maô nas matr. do governo do Rn.º q
absulutam.te pendia elle da vontade dos. dous jrmaôs, os quais vendo a elRey
[19] entregue do governo deraô ordem de o apartar da Raynha em cuja comp.? até
entaô estivera no mesmo Paço: e Dom Aleixo por sua idade, e por ver a elRey
ja entregue do Rn.º, deixou de continuar com a guarda e ençino partecular
delRey, com q os dous jrmaôs ficarad absulutam.te apoderados de tudo, e começarad
as materias e treslados q davaôd a elRey a tratar das conquistas de Africa, e da
India, ajuntando perçuaçoés de q elRey se deixava levar, com huã inclinaçad
natural, de q depois se seguirad as dezaventuras q vimos.

[Afastamento]:

Depois q elRey entrou em idade de oito annos, e q deixando o serv.º de


mulheres (6 emquanto menino o vistiad, e despiad) o serviaô ja fidalgos e comia,
e dormia em quarto apartado da Raynha sua Avo, custumava elle do meyo dia
p.º huã hora hir vizitar a d.º sua Avo, e acentados ambos sós cada hi em sua
cadeira de espaldas, e D. Aleixo Ayo delRey em outra raza, estarem falando por
espaço de híja-hora,na qual a Raynha lhe perguntava plo que aprendia, e lhe

7 Isto é, a presidência da Mesa da Consciência.


45

[19v] repreendia algumas couzas (se avia repreender em suas palavras e custumes) e lhe
encinava e dezia o q convinha a seu estado, e pessoa real: e algumas vezes vinha
elRey corado e sentido da[s] repreençoês da Avo, a quem tinha suma venerassad,
e como os mossos sentem m.*º a sujeiçaô de quem os emenda com authorid.* foy facil
preçuadir a elRey tanto q lhe entregaraS o Rn.º e o Cetro & se apartace de sua
Avo, e despois q continuace pouco com suas vizitas, e converçassad: donde se
seguirad os disgostos q ouve, Plos quais a Raynha se quiz hir deste Rn.º p.º
Castella.

Do q elRey passou huã vez com


seu Ayo, sobre o querer sahir
fora em hã cavalo, e outra com
D. Fern.% Alvrs de N.': em Tanger *

Tinhaô vindo a elRey hs cavalos frizoês ou Irlandeses, escolhidos por


20] fermozos, e como. hiia tarde disece a D. Aleixo seu Ayo, q estava enfadado,
e queria hir fora, elle lhe respondeu q lhe parecia bem por estar o tempo bom,
e q vise S. A. de q cavalo tinha mais gosto p.? lho concertarem, respondeu
lhe elRey q lhe mandace por em ordem hi dos frizoês, ao q D. Aleixo disse
que não era possivel porã não estavaô. ainda domados e feitos como convinha;
e q lhe poderia suceder algum dezar em cav.ºs mal domados: encistio elRey em
demandas, e repostas, athe q seu Ayo o dezenganou, dizendo: q em nenhuma
man." avia de hir nos frizoês, elRey com o apetite de mosso se recentio de modo
q sahio p.º outra caza: e pondo a mão no pano foy dizendo algumas palavras nas
quais mostrava enfadarce de tanta sujeição e obediencia, e ouvindolhas algis
fidalgos & estavad na caza de fora, hi delles se pos de juelhos e lhe beijou a maô,
louvandolhe o animo livre e enfadam.te de sujeição, e dizendolhe 3 aquelles brios
eraô proprios de Rey q avia de governar taes vassallos; parou elRey e cahindo na
[200] adulação e no tiro q cuidavaô fazer a seu Ayo por aquella via, se tornou a meter
p.: dentro onde deixara D. Aleixo, a quem com m.': brandura e sujeição disse

8 O mesmo episódio, com algumas palavras mudadas, está em Pedro Joseph Suppico de Moraes,
Collecçam Política de Apophthegmas Memoraveis (Lisboa occidental: Antonio Pedrozo Galraô, 1720), II, 158.
46

q lhe mandace selar tal cavalo (ã era hã dos de sua pessoa) ou qual quisece:
porã ja Dom Fulano lhe bejara a maô por q lhe dezobedecesse; entre lagrimas
nacidas de ver o bom natural e entendim.'º delRey lhe deu D. Aleixo as razoês
q o moviad a naô concentir em tudo com seu gosto, temendo o perigo de sua
pessoa real em q estavad postos os olhos e esperanças do Rn.º

VII

[As galés em Tânger]

Era Dom Fern.º Alvis de N.': General das Galles do Rn.º quando elRey
passou nellas a Tanger contra seu parecer, e de outros fidalgos velhos, e como
aconcelhado por algiis moços lhe falavad a vontade detreminace despedir as
Galles p.: o Rn.º com proposito de se ficar em Tanger, e mandace a D. Fern.º
q se partice; elle o quis diçuadir com razoês e fundam.t* muy prudentes, lembrandolhe
[21] o perigo, e dezautorid.: de sua pessoa real, e vendo % elRey sobretudo presestia
em o despidir e se ficar, lhe respondeo que em nenhuma man." se avia de hir elle,
nem as galles sem levar a S. A., e q se sobre esta rezuluçaõ lhe mandace cortar
a cabeça o sofriria de melhor vontade & partirce; e q sederia q mandara S. A.
matar hú fidalgo velho % o criara por lhe dizer as verdades tocantes a seu serv.º,
sentio elRey intimam.te esta reposta, e como homê magoado deu algiis passos, no
fim dos quais em q se cuidou sahice com alguma rezulução precipitada; vencido do
amor, e autorid. da pessoa q lhe dizia, lhe respondeo: hora vamos ja q porfiaes,
e fartarvosei a vontade; ao q D. Fern.ºº Alvês se lhe postrou aos pés, naô sem
lagrimas nacidas do amor & lhe tinha, e lhe bejou a maô p.!º rezulução & tomara,
e plo modo della º.

9 Fr. Bernardo da Cruz, Chronica d' El-Rey D. Sebastião, caps. XI, XII, regista a retirada do sobe-
rano em 1564 de Tânger, mas não traz qualquer pormenor anedótico.
47

IX

[Uma repreensão]

Estando elRey em Cyntra lhe veyo falar Bernardim Ribr.º, fidalgo de valor q
[210] tinha servido valerozam.'s em todas as occazioês | ouve em seu tempo, e como no
serco de Mazagad o queimacem os Mouros ficou algã tanto disforme do rosto,
e vendoo entrar os moços fidalgos q chamavad da cochada delRey, e com q
elRey falava e folgava se começarad a cotovelar his com os outros, e elRey
olhando p.º elles deu hã serto modo em & o fidalgo advirtio, e de magoado
se tornou, e tendo brevem.ts falado a elRey se sahio com notavel sentim.', vio
D. Femn.do Alveres tudo, e indoce por de juelhos diante delRey, disse; q quando
aquelle fidalgo era da idade dos q zombavad delle, era mais gentilhome & cada hi
delles, e q pois por serv. de Ds e de sua A., e defençaô da fe chegara aquelle
estado; não devia S. A. concentir | em sua presença o afrontacem, quem por
ventura se nad aventuraria a perder outro tanto; era elRey naturalm.'* colerico,
e naguelle prim."º entretanto se sentio afrontado da repreençaôd, e se meteo p.º
[22] huã cam.': algã tanto apreçado e tras elle D. Fern.ºº Alvts, onde ouve algumas
palavras mais q se naõ ouviraô, e D. Fern.ºº se partio depois de comer p Lx.,
a tarde perguntou elRey por elle a seu sobrinho D. Alv.º de M.ºs dizendo q o mandace
chamar, porã ninguem o avia de despedir senão elle, e dizendo D. Alv.º a elRey
p!º naô desgostar q naô sabia aonde era ido, o avizou aquella noite por hi bilhete
a Lx.º, e vindo elle de madrugada teve elRey com elle m.tº prazer mostrandoce
lhe agradecido ao avizo, e arependido da colera passada.

[Uma fala ao Duque de Alva] tº

Quando elRey D. Sebastiaô quis fazer a jornada de Africa, ouve de se ver


com seu tio elRey D. Phelipe em nossa s.': de Guadelupe, e p.? acentarem estas
vistas veyo de Castela o Duque de Alva, q alem de ser o mayor s.” que la avia,
era m.'º soberbo, e pouco afeiçoado aos portuguezes, e de cá foy o Conde do
[22v]
Redondo p.? se ajustar com elle, e entre a pratica que tiverad lhe perguntou o
10. Cf. Supico de Moraes, I, 35, onde repete a agudeza fielmente; a versão de Supico é mais
moderna. E.g., «ouve de se ver» (Anedotas portuguesas) por «determinou avistar-se» (Colleçam política).
48

Duque q fidalgos vinhas com elRey D. Seb.:m!t, porã com elRey D. Phelipe
vinha elle, e outros como elle: respondeulhe o Conde: com elRey meu s.” vem
o Duque de Bragança, o de Aveiro, e o Marques de Villareal, e fidalgos razos
como vos, e eu, vem muitos: com & o d.º Duque lhe não soube mais responder
palavra.

XI

[Do vinho velho] !2

Quando elRey D. Phelipe veyo a Portugal picavace o d.'º Duque dAlva


com o Conde do Redondo sobre a renda, e antiguidade da caza de cada hú;
mandou hi dia o Duque ao Conde hia garrafinha de vinho m.'º pequenina,
e mandoulhe dizer: q lbe mandava aquelle vinho, por ser m.'º velho, e por ser
mais do q o q sua s.º tinha de renda em Portugal: respondeu-lhe o Conde: q se
espantava m.'º de aver em caza taô nova como a sua, couza taô velha como
aquelle vinho.

XI

[23] - Como elReyD. Joaõ o 3.º depois de


morto apareceo a fr. Luis de Moura;
e de hãs verços q a Raynha mandou
a elRey Dom Seb.im13

Frey Luis religiozo dos eremitas de S.'º Agostinho f£º de A.º Telles de Moura
andou m.'s dias atemorizado com huã pessoa q sentia junto a ssi, a qual lhe
queria falar, e elle com temor o naô queria ouvir, e dando conta disto ao P.º Montoja
elle o naô admitio m.*º, como pessoa q naturalm.' hera retirada de vizoês q
traziaS sombra de novid.es. pedio comtudo fr. Luis ao prelado huã pessoa de letras

11 Vide Antonio Rodríguez Monifio, Viaje a Espafia del Rey Don Sebastian (Valencia: Edito-
rial Castalia, 1956), p. 36, para uma lista parcial dos «grandes» que acompanharam o Rei.
12 Cf. Supico de Moraes, III, 148-149.
13 Este título e o caso de Fr. Luís de Moura faltam na Chronica de Meneses, cuja respectiva
anedota (I, 371) começa «tradução de huns versos gregos». =
49

com quem comonicace aquelle cazo, o qual lhe asinou hã religiozo q era pregador
delRey home de letras, e vertude chamado fr. Pedro o choraô ao qual o d.º fr.
Luis deu conta do q passava e ouvia, e indo fr. Luis a caza de seu irmaôd Ant.
de Moura Telles, e dando-lhe parte do q passava elle o animou a q ouvice o q
[230] aquelle defunto lhe queria dizer em huã cam."s, e q elle dito Antonio de Moura
andaria em outra caza de fora paceando, e avendo p.º q, lhe acuderia, com este
animo q o jrmaô lhe pos, se atreveu fr. Luis aquella pessoa; e lhe falou elRey
Dom Joaô o 3.º e lhe mandou q dicece a Raynha couzas de m.'* importancia tocantes
todas a criação e governo delRey D. Seb.im, e os grandes males 3 estavad
ameaçando este Reyno, e p.? ser crido da Raynha lhe deu hã sinal, e lhe revelou
sertos segredos q ninguem podia saber mais 3 o defunto, e ella, e foraô as contrasenhas
taes, e as matr.º* de calid.s q frey Luis se foy a Almeirim em comp.' do d.º fr.
Pedro com quem avia comonicado o neg.º, e disse à Raynha tudo o & lhe fora
mandado, no q ella nunca duvidou, visto o sinal e contrasenha q o Rey defunto
lhe mandara dar: soube o Cardeal disto, e anojado de lhe naô dar pr.º a elle conta
do neg.º”, ou de se tocar nelle do avizo q elRey mandava, desterrou a fr. Luis
p.* Castellobr.º, aonde esteve m.'ºs annos, e pos excumunhad a elle, e as mais
pessoas da ordem 3 naô falacem no aparecim.'º, e couzas delle; e algiis 3 desejavad
agradar ao Cardeal diziaô q fora tudo fingim.'º de seu jrmaô Ant.” de Moura
Telles, q falandolhe por serta invençaô doutra casa, o metera naguillo p.º tirar algiis &
andavaô junto a elRey, e entrar em algús dos lugares. Porem por serto se tinha &
elRey D. Joaô lhe falara, e a Raynha nunca duvidou disso; e o q sucedeo
ao diante mostrou ser o aparecim.'º verdadeiro, e os avizos 3 se nelles deraô.

XII

[De uns versos gregos]

No monte Archino da Ilha de Chipre na sepultura de hã Princepe daquelle


Rn.º, foraô achados híins verços escritos em Grego, os quais se inviarad a elRey
D. João o 3.º, e a Raynha por lhos ouvir louvar m.'”, e ver o proveito delles, hi dia
antes q elRey tomace o governo lhos den, dizendolhe que lhe pedia, e enco-
mendava m.'º 9 trabalhace por deixar de ssy outro epitafio tal em sua sepultura,
[240] porã muitas vezes ouvira dizer a elRey seu Avó, que só aquillo envejava. Aceitou
4
50

elRey D. Sebastiad o papel com rosto alegre, e respondeo à Raynha que o viria,
e procuraria quanto em sy fosse de imitar seus cons.º*; e quando menos seria compa-
nheiro na inveja delRey seu Avó. Os verços saô estes:

— O que pude fazer por bem, nunca o fiz por mal.


— O q pude alcançar com paz, nunca o tomei com guerra.
— O q pude vencer com rogos, nunca o espantei com ameassas.
— O ã pude remediar em secreto, nunca o castiguei em publico.
— Os q pude emmendar com avizos, nunca os castiguei com açoutes.
— Nunca castiguei em publico, q pr.” naô avizace em secreto.
— Nunca concenti a minha lingoa, q dissece mentira.
— Nunca permiti a meus ouvidos, q ouvicem lizonjas.
— Refreei meu coraçaõ, p.: q naô dezejace o alheyo, & acabei com elle q
se contentace com o seu proprio. |
[25] — Velei por concervar meus amigos, e desveleime por naô ter inimigos.
— Naô fuy prodigo em gastar, nem cobiçozo em receber.
— Nunca de couza fiz castigo, q pr.” naô perdoace quatro.
— Do q castiguei tenho paixaô, e do q perdoei alegria.
— Naci homê entre os homens: por tanto comem os bichos minhas carnes.
— Vivi vertuozo com os vertuozos; portanto descançará minha alma com DS.

XIV

Vizoês, e prodigios q se viraô,


e acontecerad antes da jornada
de Africa !4

Andando a Princeza may delRey D. Seb.m prenhe do mesmo Rey; e em.


dias de parir, a levavad algumas vezes a fazer exercicio a varanda da pella;
e estando hã dia sentada em híia das janellas q avia na d.** varanda com algumas
Damas, huã das quaes era Dona Leonor M.! Marqueza G foy de Navarres, e outra

14 Vide BNL Cod. 591, £. 83, «Memorias históricas de Portugal. Dos Reynados de El Rey
D. Sebastiaã, do Cardeal Rey D. Henrique e dos Phellipes... ajuntas e escriptas por Thomé Roiz
Quaresma. Anno de 1750». As memórias «ajuntas» por Quaresma seguem muito de perto algumas das
que agora se publicam nas Anedotas portuguesas.
51

a Princeza de Asculy D. Eufrazia: e algumas moças da Camara, estando ali todas


[250] viraô subitam.' sahir pla varanda delRey dereito ao forte m.'s homens vestidos
à mourisca, de varias cores, com tochas nas maôs asezas, dando vozes, ly, ly, ly,
e chegando sobre o mar parece q cahiaô nelle: cuidavad ao prencipio & seria alguma
couza feita de prepozito; mas mandando o saber, e achandoce as portas fechadas,
se recolheraô com algiú temor, e dahi a poucos dias tornando a Princeza ao mesmo
posto, se vio a mesma multidad de mouros, e com as mesmas vozes; e atemorizadas
a princeza e Damas se retiraraô, e dando conta a elRey, e à Raynha do & se
tinha visto, mandarad se calacem por cons.º de D. Fran. de Aragaõ.

XV

[Um prognóstico piscatório]

No anno de 1577. do mes de Nov."º até meado [de] Jan.*º do anno seg.tº de 1578
que foy no tempo em q apareceo o Cometta ouve em toda a costa de Portugal huã
arribassaS de peixes q chamaô espadas, em copia taô exceciva, q alem dos m.*ºs que
matava os pescadores os lançava o mar nas prayas de man.” q a gente q no
prencipio os apanhava, e se aproveitava delles, os veyo a engeitar e aborrecer, tendoos
por couza prodigioza, e pronosticadora de algii grande mal: porã do nome e feiçaô,
[26] q tem de espada conjecturavad aver de vir sobre o Rn.º algiia perciguissaô,
e açoute de guerras: e tanto com mais serta conjectura quanto a prim.':, lançando
conta acrescentava o temor de sucessos infilices; E pla somana santa do mesmo
modo, estando o Cardeal Dom Henriã em Alcobaça, donde hera Abb. perpetuo;
lhe troxeraS da Pederneira Villa dos coutos do Mosteiro, hã destes peixes q certos
pescadores aviad tomado em suas redes, de grandeza extraordinaria, o qual tinha de
huã parte escolpida nas escamas, de hua cor defirente do mais corpo, huã cruz
m.'º perfeitam.'e obrada, com dous açoutes % lhe pendiaô dos braços; e da outra
parte em letras conhecidas de algarismo, estava sinal do anno de 1578. couza q pos-
grande admiraçad em quantos o viraô, e em partecular ao mesmo Cardeal, q o
teve a duro pronostico, julgando, % a cruz, e açoutes, significavad os q padeceria
Portugal no anno q os numeros sinalavaôd, e como couza prodigioza a mandou
retratar ao vivo, p.' mandar a elRey D. Sebastiaô seu sobrinho, o qual occupado
em aprestar sua jornada reparava pouco nestes, e noutros, avizos semelhantes, nem he
52

[267] isto no mundo couza nova, nem naô vista nelle: porq Idirio 8 Bpô de Lamego author
digno de fé, e veneravel por sua antiguid.* conta no fim de sua Cronologia 7 no
Rio Minho se tomaraô quatro peixes de feiçaõ extraordinaria, em cujas escamas se
viaô esculpidas de cor diferentes Letras Gregas, e Hebraicas, e em n.ºs Latinos se
conhecia assinalada a era de 365 na forma seg. CCCLXV q foy hi anno em
que Portugal e Galiza, e outras m.':s Provincias de Hespanha foraô terribelm.te
avexadas com guerras de sueccos, Godos, e naturaes, e pla intemperança do anno,
ouve grande esterilid.* de fruitos, de man.? q com fome, e guerra, pereceo grande n.º
de gente destas Provincias.

XVI

[Esquadrões de genie a voar]

Em algumas partes do Rn.º se viraô por vezes no ar esquadroês de gente armada,


passando como novês de huã parte a outra, e no dia em q foy a batalha se viraô em
entre Douro e Minho chocar os esquadrões no ar, com bandeiras tendidas, e confuzad
de batalha, q se comessou a ver pouco antes de se por o sol, e durou a vizad ate
[27] sarrar a noite, hora dezaparecendo parte da gente, hora vendoce em outra parte,
como escoadroês meyos desbaratados, e postos em fogida, e posto q entaô se nad
soubece mais q aquella demonstrassaô de peleja, q ja se tinha visto mais vezes,
ainda 3 naô taô travada, não paçou m.*º tempo q a experiencia o mostrou ser aquelle
o mesmo dia em q elRey D. Seb.:m foy desbaratado em Berberia. De varias partes
do Rn.º corriad entaôd novas de prodigios, e aparecim.'º* de couzas estranhas.

15 Será uma referência a Isidoro de Sevilha e à sua Crónica dos Godos ou então à Crónica de
Isidoro Pacense? ,
53

XVI

[Uma voz dolorosa]

Andava Vasco da Silveira 18, Coronel de hã 3.º, levantando gente pla Com.
da Beira, e chegando a Celorico, lhe disseraô q sinco noites continuas antes de sua
chegada se ouvirão dentro no Castello da mesma V.º humas vozes taô tristes,
e lamentaveis, q punhaô medo, e tristeza em quem as ouvia, e ajuntandoce alguns
homens p.* verem o q hera, entrando dentro na fortaleza as hiaô ouvindo em
outra parte, sem nunca poderem descobrir quem se lementava: Quis elle saber se
continuavad ainda, e dando ordem q o avizacem (como fizerad) querendo por sy
[27v] mesmo fazer a esperiencia, entrou no Castello, seguindo o som das vozes, sem
ver mais q os q ja tinhaô entrado; em Aguiar da Beira soube, como antes de elle
chegar se ouvirad as mesmas vozes, e fazendo por si mesmo a expiriencia nas ruinas
de hi pequeno Castello % aly ha em hã lugar alto, naô vio couza algãa:
e sucedendolhe o mesmo em outros lugares, onde sempre chegava diante aquelle
prodigio, veyo a cobrar algã receyo, e ter por duro pronostico aquella continuaçaô
de vozes tristes q o hiaô seguindo, e tornandoce a Lisboa fez caminho por Almeirim,
a onde estando huã noite dormindo, acordou com hã sonho muy pezado, pare-
cendolhe % se avia metido em huã prisão escura, donde ouvia as vozes lamen-
taveis, como de feito ouvio em acordando, e aplicando o ouvido lhe parecia q as
ouvia, e davad muy junto de caza, e levantandoce sem acordar criado algi se sahio
ao campo, e ouvindo sempre a vos de m.'º perto a foy seguindo contra o matto, na
estrada do qual vio hã homê vestido em hã capus negro, de estatura mayor q
[28] ordinaria, q era o q se queixava lastimozam.ts, e chegandoce a elle vendo q atraveçava
contra o matto se lhe pos diante, e perguntandolhe quem era, e por q se queixava,
e se era elld o q en tantas partes o seguira com aquelle agouro, e vendo q
continuando com seu choro lhe não respondia, tornou a instar na pergunta
atalhandolhe sempre o caminho à levava, ate q o Fantasma crecendo em grandeza
admiravel lhe disse: chorome a my, e chorote a ty, e choro a destruiçao dos q
sempre amei, e com isto dezapareceo a vizão: e Vasco da Silveira se tornou a
tecolher taô triste, e atemorizado, q naô bastou o esforço, e grandeza de seu coraçaô

16 Caetano de Sousa diz-nos que Vasco da Silveira foi nomeado Coronel em 1577. Havia preconi-
zado uma ida por mar até Larache em vez de ir de Arzila, como fizeram, para a sua derrota de Alcácer
Quibir. Será esta anedota mais verdadeira que maravilhosa, representando a enorme preocupação com
a campanha sebástica?
54

p.? naô ter a jornada por infilice, e dezaventurada; e por naô entresticer a elRey ou por
nad dar cauza a juizos em descredito seu (segundo a diferença dos humores) calou
o negoceo: ainda q naô tanto q deixace de o comonicar a algis amigos; e depois da
jornada perdida estando cativo em Féz o contou a D. Joaô da Silva Conde de
Portalegre 17, de cuja maô eu vi tudo isto escrito, e a outros fidalgos de importancia:
afirmandolhes q a noite antes da batalha, andando elle discorrendo pla gente do
seu 3.º encomendando aos Capitaés o cuidado q aviad de ter no dia seguinte,
[287] passando perto da tenda delRey Dom Sebastião, vira a mesma figura enlutada junto
della: e naô se fiando bem dos olhos, e crendo & se enganava com o escuro da noite
se chegou mais ao perto, e vira q subira a estatura por sima da tenda delRey, com
o q dezenganado e temerozo se recolhera, levando ja tragada a perda, e destruiçad
do dia seguinte.

XVII

Visoês q no Reyno, e fora


delle ouve o dia da Batalha de Alcacer,
por onde se soube a perda della.

Em Alcobaça estava o Cardeal Dom Henrique quando elRey partio p.: Africa,
mandando de dia, e de noite fazer oraçoés publicas, e secretas, pjlo bom sucesso da
jornada, e elle por sy mesmo tinha muitas horas de oraçaô mental, e com infinitas
lagrimas pedia a DS. mizericordia, e remedio p.º o exercito christad, o qual
levando melhor zello q ordem, hia aventurado a hã grande revez, e como dia de
[29] Nossa S.t2 das Neves à noite se recolhece à sua oraçaô custumada, avizando q até
elle naô chamar naô entrace pessoa alguma na camara nem na antecamara, a pouco
espaço de tempo o ouviraô chorar e dar algiis suspiros taô grandes q o tiverad por
couza estranha, e duvidando se entrariad ou nad deu dahy a pouco à campainha,
e mandou q lhe chamacem Frey Guilherme da paixaô Prior da caza, homê m.t
spiritual, e com quem elle se confessava, e a quem comonicava couzas de sua
consciencia, porã sem ser letrado era tanto o lume e spirito q achava nelle,
rezuluçoés q homens m.'º doutos naô alcançavaô, e fechandoce ambos lhe disse o

17 O 4.º Conde de Portalegre, fidalgo espanhol, embaixador de Felipe II, ia publicar cartas
referentes aos últimos anos do reinado de D. Sebastião. Estaria esta anedota entre elas?
di
55

Cardeal com vos interrompida de soluços: P.* Prior rogai por my a DS, e plo
dezemparo deste Rn.º por q elRey meu sobrinho he perdido, e o ex.*º cristaô
desbaratado, e perguntandolhe o Prior como o sabia, lhe respondeo debaxo de confissão,
q estando pouco antes em oraçaô rógando a D3 pla prosperidad.* dos Cristads
lhe aparecera na porta q entrava da ante camara p.' a Cam.'* em q elle dormia,
e estava orando híia pessoa q a seu parecer era D. M.º de M.º Bispo de Coimbra
[29v] cuberto o rosto de sangue e com mt: feridas pjlo corpo e parando no meyo da
porta lhe dissera, p.º este mundo tudo está perdido, mas naô he assy para o outro:
e dito isto dezapareceo, e conçolandoo o Prior com as melhores razões q soube, lhe
disse; q desde aquella tarde quizera contar a S.A. o q lhe dissera hã converto
simples de vida m.*º santa, e inculpavel chamado fr. Cosme, a quem mandara por
obidiencia q pedisse a D& prospero fim na jornada delRey, e q do q sentisse na
oraçaô lhe viece dar avizo, e q tendolhe elle dito sempre os dias dantes q a secura
q sentia em sua alma lhe naô anuciava bom fim; aquela tarde se viera a elle com
rosto alegre dizendo, q estando diante do altar da infermaria fazendo sua oraçaôd
ordinaria, lhe parecera q se abriaô as abobedas do Mostr.e, e via hir plos ares grande n.º
de gente branca, correndo a todos sangue das feridas q tinhaô; o qual lhe alimpavad
dous mancebos resplandecentes, e os metiad por huã porta por onde sahia grande
clarid., e dezejando elle saber quem eraô os feridos, e os q os alimpavaô, lhe
disse hã delles, nos somos os martires S. Vicente, e Sad Sebastiaô, hii advogado
[30] deste Rn.º, e outro delRey,: Esta gente q ves ferida saô os martires q vad morrendo
as maôs dos Mouros nos campos de Africa, a quem nos alimpamos o sangue de
suas feridas, p. receberem do S.º* o premio de suas mortes; de dito isto tornou o
Converto em sy cheyo de alegria de ver o Ceo pousado de tantas almas, sem
lembrança da perda temporal do Rn.º, foy refirido tudo ao Prior, o qual por naô
dar nova da perda ao Cardeal, a defirio ate aquelle tempo, em q naô avia p.º
q decemular, pois D3 lhe mostrara o mesmo per caminho pouco deferente; e assentando
ambos q se calacem ate verem o q sucedia, fez o Cardeal avizado em breve por
via dos P.s da Comp.?, da rota, e destruiçaô delRey, e se parto p.º Lx. a
tomar a Coroa do Rn.º. Tudo isto ouvi por m.'* vezes ao mesmo fr. Guilherme,
e o tenho escrito e firmado de sua propria maô, e perguntando eu algumas vezes ao
Converto, o modo da Vizaô, e alguãs particularid.es della, me respondeo com sua
simplisid.: S.ºr isto assym passou; mas em boa verd.s q me naô lembro de mais.
q isto q vos sabeis.
56

RIX

[Uma voz latina]

No Mosteiro de Côs q está nos coutos de Alcobaça avia huã Abb.? religioza
[302] de vida m.'º Santa Chamada D. Benta de Aguiar, de quem o Cardeal tinha grande
conceito, e a quem mandou encomendar q oraçe polo filice sucesso da jornada de
Africa, e pola saude, e vida delRey, a qual o fez com partecular cuid.º, tomando por
advogadas as almas do purgatorio a q tinha partecular devassaô, rezando por ellas,
dando esmolas, e fazendo outros sufragios, e como nesta ocazião multiplicace as
esmolas, e pinitencias p.* q DS se lembrace delRey, e de seu ex.*º, ficando no
coro algumas noites em oraçaô, sem dormir mais q encostada a huã cadeira quando
o sono apertava m.'º com ella: aquella mesma noite do dia em q se deu a Batalha
estando meya dormida, e naô bem desperta ouvio huã vox que dizia. Beati mortui,
qui in Domino moriuntur; e traz ella se lhe reprezentou hi campo cheyo de
corpos mortos, despedaçados, envoltos em seu proprio sangue, do % ouve tamanho
horror, q lhe parecia não poderia viver m.'º espaço de tempo, e logo tornou a vox
a dizer: Indicia Domini abissus multa: e levantando os olhos ao Ceo donde a vox
B1] vinha lhe pareceo velo aberto, e dentro hã ex.'º inumeravel de gente vestida de
branco, com palmas nas maôs, e tornou a ouvir a vox q dezia: modo corenantur:
e seçando com isto a vizad, ficou entendendo a serva de D3 q o ex. christad
“fora desbaratado, e era aquelle q se lhe mostrara morto no campo, envolto em seu
proprio sangue, e q aquellas almas gloriozas eraô as q deixaraS os corpos dos despe-
daçados pla fé de Xpô, e hiaô naquella hora gozar do premio eterno; e mandando
pla menha avizo ao Prior de Alcobaça & tinha couzas de sua alma q lhe comonicar,
elle congecturando o q era, lhe mandou hã religiozo m.'º speritual, e de vertude
conhecida chamado fr. Fran. de S.t: Clara p.* q soubece o q a Abb.' queria, ella
lhe comonicou tudo com grande segredo, e elle ao Prior, e Cardeal com o q se
confirmou mais a openiaô de ser elRey perdido, mas tiveraô isto em segredo
entre sy os poucos dias q tardou a nova da perda, e destruiçaôd; disto tive noticia plo
mesmo fr. Fr.cº de S.'* Clara de quem o ouvi m.*ºs vezes.
57

XX

[De um crucifixo sangrento]

[310] Dona Lianor M.ºs fundadora do Mostr.º dos Anjos em Madrid, Dama & foy
da Princeza D. M.º £.º delRey D. Joaõ o 3.º de P., e 1.º mulher delRey D. Phelipe
o 2.º de Castella, a qual D. Lianor foy snrã, e singular de tudo, e de m.*: oraçaô
mental, em q alcançava favor m.*'º partecular de D%; tendo noticia desta jornada
delRey se afligia m.'º encomendandoo a Ds, e custumava posta de juelhos diante
de hã crucifício de vulto, por hã pequeno retrato delRey D. Sebastiaô encostado no
Calvario p.º q com sua vista incitace a pedir a D5 milsericordila p.? elle e p.? suas
couzas, e como continuace em sua devaçaô, Vespora de nossa S.'2 das Neves, q foy
o proprio da perdiçad estando em giolhos diante do Crucificio, e com a lamina
do retrato encostada a cruz, ouvio huma voz à lhe pareceo sahir da imagem do
Xpo, que disse: Conçumatum est, e naô se fiando de si mesma olhou se por ventura
avia alguem na caza q o dissece, e certificandoce q naô, se levantou triste, e temeroza,
e pegando na lamina do retrato delRey a cintio umida, e olhando à luz o q era
32] a via a ella, e o retrato cheyo de sangue, e com o sobresalto lhe deu hi desmayo,
q a teve algum espaço de tempo sem forças, e quazi sem sentido, e com m.'º mayor
razaô depois q vio e conheceo, claram.'* q o sangue cahira das chagas do crocofício,
e posto q tivera esta vizad em segredo, naô deixava de afirmar às religiozas, e pessoas
com quem falava & elRey era perdido, e seu campo desbaratado, e claram.t o contou
a D. Anna de Britto sua parenta, mulher que foy de Gaspar de Teve !º Estribr.º Mor
da Princeza D. Joana mai do d.º Rey, a qual D. Anna depois de veuva se recolheo
em sua comp.? no Mosteiro dos Anjos, e posto q sem sinal de sangue vi depois este
retrato delRey, q está em hua lamina pequena de bronze armado como se
custuma retratar, e o tenho hoje em meu poder.

18 Há um fidalgo madeirense do mesmo nome que acompanhou D. Sebastião à sua morte.


Será o mesmo?
58

RXI

[De uma conversação com um espírito]

Dom Nuno M.º !º s.: de Atalaya q algum tempo antes delRey partir p.: Africa
estivera por Embax.º* na corte de França: tomou em Paris amizade com o Geral da
[320] Santiss.* Trind.* com quem se confessava e comonicava couzas de sua conciencia:
Estando o Geral na sua sella naquella tarde em q se deu a Batalha de Alcacer na
qual foy morto o mesmo D. Nuno M.º, elle lhe apareceo claram.*s, e tocandolhe
algumas couzas do estado de sua salvaçaôd lhe contou entre ellas a perda delRey
D. Sebastiaô, e de seu ex.'º com tanta miudeza, q o Geral na menha do dia seg.'
se foy a elRey de França e lhe relatou o successo da Batalha, com mayores
partecularid.es e miudezas do 3 lhe depois mandaraô em diverças relaçoês, e pergun-
tandolhe elRey se entre as mais couzas lhe dissera da morte ou vida delRey
D. Sebastiaô: lhe respondeo o Geral, snôr, o espaço da vizad foy a meu parecer
taô breve, e de paço, q naô perguntei couza nenhuma; mas tendo eu no pençam.º
eça duvida, aserca da pessoa delRey de Portg. e dezejando saber o mesmo q VMg.“,
me disse o defunto: os segredos de DS, sad para DS, e as obras da sua justiça nunca vaô
[23] dezacompanhadas de sua mizericordia: com isto dezapareceo, deixando o Geral
triste plas novas de tamanha perda do povo christaô; todavia conçolado, e sem
temor, ou alteraçaô do q tinha visto, antes alegre, como elle algumas vezes referia,
da salvação daquelle amigo, e dos m.'ºs q naquella conjunçaô entraraô triunfando
na gloria.

XXII

[Um arrebatamento] 2º

No Mosteiro de Lorvaô, de religiozas de saô Bernardo, avia huã grande serva


de Ds, por nome D. Ilena da Silva, a qual tinha partecular devaçad nos Anjos,
a quem fez hum altar, em q gastava o q podia ganhar por suas maôs em

1º D. Nuno Manuel (genro de D. Ana de Távora, 1.º Condessa de Castanheira) foi 2.º Senhor
de Atalaia; fez a sua embaixada a França em 1574,
20 Há aspectos desta anedota que coincidem com as particularidades da vida de D. Helena da
Silva Cisterciense.
59

lavores, linhas q fiava, e mandava vender: esta religioza na conjunção em q elRey


ouve de partir p.º Africa, alem das devações ordinarias da comonid. fazia outras
parteculares aos Anjos, partecularm.'s ao Custodio do Rn.º a quem pedia alcançace
de DS vitoria para o seu povo, e guardace a elRey, e ao Rn.º de advercidades:
[337] estando o dia da batalha em oraçaôd foy arrebatada em Spirito, e lhe paresia verce
no cume de hi monte m.'º alto, donde descobria htis campos m.'º estendidos, em
os quaes se via grande copia de gente de guerra de pé e de cavalo, travada em
forte batalha; e vio a vitoria dos Mouros, e a destruição do exercito cristaô
as mortes, cativeiros, e mais dezaventuras q sucederad, e como se lastimace,
e condoeçe m.'º da perda do povo christaô, lhe disse hi mancebo vestido de
branco q a acompanhara: esta he a justiça q DS fas em seus filhos e prencipio de
abater sua soberba, mas no fim de m.*ºs açoutes, naô lhe faltara sua miã, e aos
q agora se levantaô, e ao diante se levantarem em sua perciguiçaô, naô lhe tardará
m.'º a riguroza maô de D3, guia sy in ligno viridi hec fiunt in arido quid fiet;
tornou a serva de D3, insido extasi, e taô quebrantada e quebrada do que vira
[34] ã logo soltou algumas palavras acompanhadas de lagrimas, com % manifestou o dano,
e perda g.l do Reyno; e em partecular o disse algumas religiozas, q notando o
dia e hora virad depois como aquella fora a propria em q sucedera a desventurada
perda delRey.

XXI

[De duas endemoninhadas e de uma conversação que houve]

Em Santa Maria de Aguiar Mostr.º da ordem de S. Bern.ºº & está em riba


de Coa, meya legoa distante de Castello R.º, ha huma antiga imagem de nossa
snrã, em honra e veneraçaô da qual fas DS nosso s. grandes milagres, partecularm.'
em livrar gente preza, e asombrada do demonio, em razaô do q acode aly m.'a
gente de partes diverças: foraô ali trazidas duas mossas por seus pays, e parentes,
atadas e com infinito trabalho por serem atormentadas do inimigo, e cauzar nellas
grande furor, e violencia, e estiverad duas novenas na Igreja como por ellas tinhad
seus pays pormetido, as quais novenas se prencipiaraô no pr.º de de Agosto de 1578
[340] e nos mais dias acabada a missa G por sua saude se dizia vinha o relegiozo
assim como estava revestido fazer exorcismos sobre as enfermas, e no 4.º dia de Ag.'º,
vespora de nossa s.!t das Neves pla menhãa estando o saserdote q dissera a missa
60

fazendo o exorcismo, disse hã dos spiritos falando pla boca de hiia das mossas p.º
o outro companheiro: Sad horas de partir daqui & temos hoje m.': obra 3 fazer,
respondeo o outro, q hera tempo, e deixaraô subitam.te ambas as mossas livres,
e restetuidas a seu sentido, com grande contentam.'s dos q as aviaô trazido,
cuidando q ficavad de todo sâns, e por taes as tiverad os religiozos q se acharaôd
prezentes: mas ao outro dia de madrugada q forad 5 de Ag.'º dia de Nossa S.'* das
Neves, estando os religiozos rezando matinas tornaraô os Spiritos a entrar nellas,
atormentandoas com furor dezacustumado, e hi delles dava grandes rizadas, mos-
trando contentam.'º ao contr.” do qual se lamentava, e afregia, o outro lançando
pilos olhos da mossa grande copia de lagrimas: acodio o Prior, e outros monges à
estranha novid.º & avia, e pedindo agoa, e estola comessarad os exorcismos, entre
os quais apertou com ellas q lhe dissecem porã se forad o dia de antes, ca q
tornavad entad com aquella devercidade de mostras, e depois de m.'º apertados
respondeo o q chorava: o nosso Rey, e a sua gente he desbaratada, e m.'* della morta
plos Mouros, e eu com outros da minha ligião tratamos de m.'s meyos esta
sua dezaventura, cuidando q em mortandade taô geral se tirariaô ao criador m.**s
almas e a isso nos partimos honte em reste q he de ligiaô defirente, e nos achamos
no campo da batalha, donde venho dezesperado, porq o Criador desbaratou nossos
pencam.'ºs, levando ao Ceo, e mandando ao Purgatorio quazi todas as almas
daquelles q morreraô na peleja, mediante os poderes do homê q mora em Roma,
e assim choro meu engano, e venho determinado a matar este corpo de q sou s.”
por promissaô do Criador?!. Este zomba da minha paixad porã naô foy deste
cons.”, e conçolome com dizer q mais almas de Mouros foraô ao Inferno q de
[350] Cristaôs ao Ceo, sendo assim q mayor alegria tenho eu da alma de hã cristad
q trago a nossa comp. q com as de m.'º infieis: Conturbarance os monges e mais
pessoas q se acharaô prez.'s de ouvirem as novas da rota do ex.'º e perda delRey,
e perguntandolhe com miudeza por tudo, respondia hora hã, hora outro, mesturando
(como he seu custume) mentiras com verd.s, mas certificando q a vitoria ficava
nas maôs dos inimigos: e querendo saber se elRey era morto, ou vivo, por muitas
q lhe perguntaraõ, e apertos & lhe fizerad naô responderaô a prepozito, como faziad
quando lhe perguntavad por morte ou vida de outras pessoas parteculares, e como
foy taô natural o q disseraô se tomou por lembrança, p.* ver o dia, hora, e tempo
q ao tim se achou ser verdadeiro, e naquelle mesmo dia à tarde fez nossa S."a
milagre nas atormentadas, lançando dellas os Spiritos malinos, hã dos quais lançou

21 Fá nesta anedota, interessante para a história da apologia da campanha sebástica, óbvios


ressaibos pedagógicos.
61

em sinal pla boca huã fivela dourada de espora gineta q disse fora de hã alcaide
[56] arrenegado q morrera na batalha, e o outro hã ferro de setta coadrado com ponta
de diamante q afirmou ser trazido da mesma batalha, e com isto se foraô p.º
sempre daquelles corpos q tanto tempo avia tinhad atormentados. Tirarance instrom.'*
publicos o q entaô se fez por memoria do milagre, e lembrança do q passou no
proprio dia.

XXIV

[De uma imagem com gotas grossas, e quase sanguíneas]

Em nossa S.': da Lapa romagem selibre, e mui conhecida no Rn.º se vio em


vespora de nossa s.'2 das neves à tarde, do anno de 1578 com espanto e horror de
todos, os q se acharad prezentes, suar a propia imagem humas gotas groças, e quasi
sanguinhas, q lhe corriaô vizivelm.'s plo rosto, e durou a suar espaço quasi de
sinco horas, no qual m.ti gente q viera em romaria entrava dentro na Lapa, saindo
a q estava dentro, a ver tamanha maravilha. E a quatro pessoas q aly se acharaô ouvi
por vezes afirmar com juram.'º este sucesso, cuja significaçad entaô se naô asertava,
mas depois se soube como fora no mesmo tempo em q elRey foy desbaratado,
[36v] e a nossa gente cativa, e morta.

XXV

Sospeitas q ouve, de ter elRey


| D. Seb.m algã engano, e illuçaõ
aserca da sua jornada de Africa.

O ano antes q elRey passace a Africa se levantava algumas noites da cama


entre as dez e as onze, e só se hia à praya aonde Sancho de Tovar, previnido ja
dantes por S. A. o estava esperando em hã batel em 3 elRey entrava, e sem outra
comp.? mais q a do mesmo Sancho de Tovar q remava o batel; se passava nelle a outra
banda junto à Torre Velha, aonde sahiaô em hã areal, e apartandoçe elRey do
d.º Sancho de Tovar espaço concideravel, vinha a elle pouco depois outro barco
q [alo parecer de Sancho de 'Tovar vinha da banda de Belem, do qual sahia hã só
62

homê, e se punha elRey a passear com elle quazi hora e meya, sem G Sancho de
B7) Tovar q estava afastado conhecece quem era o q vinha, nem o q falavaô, e tornandoce
elRey ao batel, e paçando nelle se lançava outra vez na cama, não fiando o segredo
destas saídas mais q do d.º Sancho de Tovar, da qual couza q se veyo depois a saber:
algumas pessoas bem entendidas formaraô juizo, e conjectura, q na ostinaçao da
jornada delRey emprendida contra o voto, e parecer de tudo, ouvera alguma
especia de Illuçaô, e engano de entendim.'º.

XXVI

[De uma saída nocturna]

Quasi o mesmo aconteceo m.':s vezes a elRey nos paços de Xabregas, aonde
chamando algumas noites por Dom Alv.º de M.s seu pagem da campainha &
dormia aos pés da cama, filho de seu Ayo D. Aleixo de M.º o fazia vistir, e dandolhe
a espada se sahia só com elle ao longo do rio, e lá pedindolha, o mandava ficar
aparte, e se hia só passeando pla praya, aonde andava, e se detinha tanto espaço de
tempo q muitas vezes quando voltava achava a D. Alv.º dormindo e mostrava
[370] folgar de o achar assim, como q entendia q o não espreitava, e demais destes
dous fidalgos q foraô test.'s de vista, destas saidas de noite se contaraô outras em
Almeirim mais notaveis, mas de menos serteza plo q deixo de as refirir.

XXVII

Cazo notavel aconteçido na


Batalha de Alcacer, de dous
fidalgos do mesmo nome, mortos
ambos do mesmo modo.

Sendo ja a Batalha de Alcacer rota, e andando cada qual lidando com a


sorte de cativeiro, e morte q lhe a ventura offerecia, encontrou D. R.º de Mello
herdeiro da caza de Tentugal com D. Jorge de M.º de Cantanhede q trazia no
63

arçao hãi chiquel de agoa, da qual lhe pedio huã pouca por & se vinha afogando com
sede, e estandolhe D. Jorge dando de beber por sua maô, veyo hã pelouro, e deu
[8] no d.º D. R.º por baxo do olho esquerdo com tanto impeto q logo lhe saltaraô os
miolos fora, e deraô plos peitos a D. Jorge, e elle caindo lhe deu com a cabeça
na coxa dereita deixandolha m.'º ensangoentada: & indo o d.º D. Jorge por diante
encontrou com D. R. de Sousa filho de D. Diogo de Sousa; q vendolhe no
arçaô o chiquel dagoa, e vindo com a mesma nececid.* q D. R.º de Mello lhe
pedio de beber, e estando D. Jorge dandolhe agoa tambem por sua mad veyo
outro pelouro, e deu em D. R.º pelo mesmo olho esquerdo, o qual cahindo morto
tornou a ençangoentar a mesma coxa dereita a D. Jorge: do q elle lastimado, e tendo
aquilo ja por mao agouro arremessou o chiquel no chaô.

XXVII

Memoria de algumas couzas q


Ruy L.e de Tavora Trinchante 2
delRey D. Joaôd o 3.º (q morreo
indo por VizoRey a India) passou
com o mesmo Rey D. Joaôd

[380] Quando elRey nosso s.º* que está em gloria mandou Nuno da Cunha à India
por G.º!, e a seu jrmad Simaôd da Cunha q era Trinchante de S. A. com elle,
mandoume dizer a my, e a D. Phelipe Lobo por Damiaô Dias escrivad de sua
faz. q levaria m.*º gosto querermos comprar o d.º off.º ambos de dous, e q p.? isso
nos faria m.ºº, e fez nececitar Simad da Cunha p.? o naô poder vender senaô a nós,
porq sabia q eramos pobres e nad podiamos dar m.'º por elle; o comprámos, D. Phelipe,
e eu, por quinhentos milr som.'s, e porq davad ao d.º Simaô da Cunha tres mil
cruzados pelo d.º off.º, satisfeslhe elRey em hi alvitre p.º a India na demazia. E todo
o tempo q eu servi ate q cazei 3 seriad sinco annos, todos elles tinha de S. A. em
m.ººs duzentos mil r5, e mais na sua guardaroupa, e quando cazei alem da m.“* publica
do cazamto me mandou dar por Fernad Alvr3 Tez.' Mor mil e quinhentos

22 Eis o nome que aparece no título escrito a lápis anexado posteriormente ao Ms. (vide a
nossa introdução).
64

cruzados, e quando mataraô os filhos de D. D.'s de M.º* com m.'* gente em Tanger,
avia hã mez q eu era cazado, e estava elRey em Palmella, dahy me fuy ao socorro
[39]* e levou disso tanto gosto q me mandou la 200 U. estive la onze mezes, e quando
vim o achei em Alvito, e naô quis q eu andace ahy senaô q fosse ver minha m.** logo
a Povos onde estava 2.

XXIX

[De um grande espanto]?

Antes q eu cazace estando hã dia cortando hã jantar a S. A. na salla da Raynha,


nos Paços de baixo faziace obra na salla grande, e estava a telha posta toda em sima
p.º a telharem, nisto veyo hi pé de vento, e fez correr toda a telha com hi grande
terremoto, q parecia q todos os Paços vinhaô abaixo, de feiçaô q toda a gente q
estava na salla fogio pla porta que vay p.º a varanda da R.º, e pla porta de huma
escada q hia p.º o terreiro, e D. Miguel da Silva Bispo de Vizeu com quem
clRey estava falando a meza fogio de man.º % cahio pla escada, e algiis homens sobre
elle; & Sua Alteza naô fez mais q dizerme q mandace saber & couza era aquella,
sem bolir consigo, e com huã seguridade q me fez pasmar, e a sua seguridade me
[397] fez com q eu nad ouvece mór medo q os outros q fogirad: porã na meza naô ficou
senaô S. A. comendo, e eu Trinchando, e depois q viraôd o q era, q tornou o Bpô,
e os fidalgos q tambem fogirad fez elRey mayor valentia no rizo q sofreo de ver
como vinha corridos, q no medo q soportou: e sobre isso depois q S. A. se
recolheo me mandou chamar e tratou comigo dos q milhor correraô.

* Número 34 no MS, por descuido do copista.


23 Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portugueza, III, 303, afirma que Felipe
Lobo (vide também anedotas a seu respeito em Supico de Moraes, II, 164-165) e Rui Lourenço serviam
no ofício de Trinchante em 1531. Infere-se dos Anais de D. João III de Fr. Luís de Sousa que o
dito ofício foi comprado em 1528 (II, 42). Note-se a diferença entre a versão de Fr. Luís e esta na
primeira pessoa do nosso Ms. original.
24 Esta anedota também foi vista por Fr. Luis e incorporada nos seus Anais (II, 44). Notavelmente,
como apontamos na introdução, aparece na mesma ordem que no nosso Ms. — depois da compra do
ofício —, facto que apoia a sugestão de provirem duma fonte comum. Quase cem anos mais tarde
aparece na Colleçam política (IL, 164-165) de Supico de Moraes.
65

XXX

[De um toucado real]

Dahy a poucos dias indo elRey a Abrantes ver o Infante D. Fern.“ seu
Irmaô, de huã doença q teve, naô da que morreo, indo de Abrantes p.? Evora
passando a barca do Tejo traziamos todos toucas, eu lhe disse S." toucoume hi meu
moço; mandoume entaô S. A. sentar em huã alcatifa, e começoume a toucar, chega-
rance m.'os homens q por ventura folgavad de ver o toucado, e começarad de
dizer à S. A. delhe esta volta por aqui, e delha por qua, parecendolhes 3 S. A.
zombava, e S. A. dicelhes, calaivos, q de qualquer man.* G va, sempre pareçe bem.

XXXI

[De umas palavras que S. A. Falou]

Hã dia estando elRey em Cintra, aonde se fora com chamados, e naô mais,
[40] foy Jorge de Lima q avia poucos dias (ã viera da India) p.? lhe lembrar la o
requerim.to: & depois de o elRey ver, aconcelhoulhe hã fidalgo seu amigo q se
tornace, e querendoo elle fazer soube o elRey, e mandou o chamar; & ouvio m.to
bem, e m.'º devagar, e depois ouvio S. A. dizer a hã fidalgo q Jorge de Lima viera
a mao tempo, e q viera enfadar a S. A. ao q elle respondeo: mais me dezenfada a my
falar com Jorge de Lima q veyo da India, aonde me servio m.'º bem, q todos os
dezenfados q eu ca vinha buscar.

XXXI

[De um dito ditoso]

Vindo elRey hã dia de Almeirim p.º Tomar, no tempo em q o Capitaô Luis


de Loureiro tornou a tomar Azamor, hiamos com elRey; o Cardeal Dom Henrique,

25 Cf. a versão de Supico de Moraes, Colleçam política, 1, 76.


66

D. Diogo de Castro, e eu, disse o Cardeal foy ditozo Luis de Loureiro, elRey disse
que sim, disse eu entaô, naô me parece q foy ditozo, olharaô todos para my, e disse
[40v] elRey porque, respondi: porã os Capitaês q cometem as couzas com razaô, e as acabaô,
chamance bons Capitaês, e naô ditozos, como aconteceo a Luis de Loureiro, e os
capitaês q cometem as couzas sem razaô, e sem tempo, esses se chamaô ditozos, e naô
bons Capitaês, pareceo a elRey tambem a minha razaô, q disse, Ruy L.º fala como
confiado, e naô como invejozo.

XXXII

[De um arrufo]?º

Quando morreo a Princeza de Castella filha delRey nosso s.*, mulher do Prin-
cepe D. Phelipe £º do Emperador Carlos 5.º foy o Arcebispo de Lisboa D. Fern.“
de Vasc.ºs e M.ºs; de Lx.º aonde entaô estava vizitar a elRey a Evora, hia queixozo
do Conde da Castanheira, e poce a naô lhe falar, pezou a elRey disso, chamoume e
perguntoume o porã, disselho eu, culpando a ambos, e posto q a S. A. lhe pareceo
q o Arcebispo tinha razaô, disse, os Prelados naô an de ter paixaô q chegue ao peito,
nem me pode conçolar o q eu sentir apaxonado, disse lhe eu p.? V. A. os fazer amigos
[41] digalhe isso a ambos, disseme S. A. a mim, aconcelhai vos isso ao Arcebispo, e eu
pelejarei com o Conde; fizerad tanta impressad em ambos estas palavras, q cada hã
por sy me veyo buscar, e pedirme q os fizece amigos, dei conta disso a elRey, folgou
m.'º e disseme, qual for prim.º ver o outro será o & for mais meu amigo, mas deve de
hir o q mais dezejar de asertar, e porã o Arcebispo foy o q p.”º foy ver o Conde,
disse elRey sabeis o q fez o Arcebispo, q me parecem agora os seus filhos ligitimos.

XXXIV

[De uma mentira]

Hú dia de corpo de D3 indo elRey nosso s.” ao Conv.*º de Belem p.º ter la a pro-
cissaô, e jantar, estando eu la com elle na missa me veyo hã frio, e febre grande, e me

26 Cf a versão modernizada de Supico de Moraes, op. cit., II, 86.


67

foy necess.º recolherme a huã sella de hã frade, vindo S. A. a jantar achoume menos
e perguntou por my disseranlhe q eu estava doente, depois de jantar indo elRey ao
dormitorio perguntou pla sella aonde eu estava, e vendo hi fidalgo o & elRey queria
fazer, disselhe que eu era ido p.º Lx.º, naô faltou com tudo que mostrace a elRey
- [41d] a sella, entrando S. A. nella me tomou o pulço, e esteve falando na doença, e quando
sahio disse a quem lhe dissera q eu era ido p.º Lx.º alto, q o ouviraô algíis, naô he bom
esconder ao fizico o doente.

KXKXV

[De um princípio político] ?”

Quando S. A. teve novas q Barbarroxa vinha sobre Ceuta, mandoume por Capi-
taô da armada q eraô 40 vellas entre Galioês, Naos, e caravelas, p. me ajuntar com
as Galles do Emperador no estreito 28, e assim esperamos porq avia de andar pla costa
de Porttg.! recolhendo armada, e os fidalgos q aviaô de embarcar em entre Douro
e Minho, e por toda a costa, e porq neste tempo andava o mar coalhado de francezes,
os quais tinhaô guerra com os castelhanos, mandei perguntar a Sua A. a Almeirim
onde estava, q faria sendo cazo q os topasse tomando naos de castelhanos, ou castelhanos
tomando naos de francezes, nas Berlengas, ou no cabo de Sad Vicente q sad portas,
q posto q nad saô serradas, estaô na costa de Portugal, mandoume elRey chamar
por m.': preça, e me disse, eu tenho pazes com castelhanos, e com francezes, m.':s
couzas ha q se naô podem por em regim.'º, e por isso seos Princepes servem dos homens;
o q bem a de servir a de adivinhar em m.'** couzas a vontade do seu Reyno; confiança
tenho em vos q me adevinhareis o q vos naô posso dizer, isto bastou p.? eu saber
o q avia de fazer avendo occaziad p.? isso.

27 Cf. Supico de Moraes, op. cit., II, 159, que muda a anedota para a terceira pessoa.
28 Segundo Faria e Sousa, Europa Portuguesa, II, 600, Rui Lourenço de Távora, em 1535, auxiliou
Carlos V contra Barba-roxa.
68

XXXVI

[De uma pretendida parvoíce]

Dom Fern.% Henriques S.* das Alcaçovas estava a defirente com seu £.º D. Henriã,
e por lhe fazer mal, indozido de outro filho, q era estudante, detreminou de vender
as Alcaçovas a D. A.º de Portugal Conde do Vimiozo, concertado com elle no preço,
mandou seu filho estudante pedir 1. a Sua A. p.º se effeituar a venda; mandou elRey
dizer por Thome de Sousa ao d.º seu £º q se fosse logo da corte, senaô q o castigaria,
e naô fizece fazer a seu pay tamanha ruind. e parvoice.

XXXVI
[De outra possível venda]

Dom Franc. Rolim S.º* de Azambuja, dezejou de vender esta sua V.? assim
por naô ter filhos, como por ter nececid.* do d.!º p.* pagar dividas q tinha, soube
[420] 08. A.e disselhe q naô fizece tal, nem lhe queria dar 1.2, porã com isso se acabaria
a linhagem dos Rolins, q em Portugal tantos serv.º* tinhaô feito ao Rn.º, mas q lhe
faria m.e da dita V.º p.º seu sobr. Dom Ant. Rolim de juro, e herdade, e da Capi-
tania Mor darmada da India, donde teraria o dr.º que avia mister; e asse de entender
qo de D. An.ºº naõ tinha te entaô feito serv.º algã a elRey, nem seu pay D. Rolim.

XXXVI

[De umas comendas em África]

Por morte de D. Nuno M.º ã foy guarda mor delRey D. M.º lhe ficaraô dous
filhos, sem delle lhes ficar couza alguma, hi se chamava D. Jorge e outro D. A.,
e ambos em vida do pay e da may, eraô bem tratados delRey D. M.º, como estes
foraS de idade mandoulhes elRey ã fossem a Africa vencer comendas, e porã eraô
69

m.*º pobres lhes fez m.“º de lhes mandar dar tudo o q ouveraô mister p.º se apreceberem
p-* a jornada, e la gastarem dous annos q la estiveraô, e vindo elles deulhes a cada hã
sua comenda, e sobre isso a cada hã duzentos milr3 de renda mais, e a D. Jorge deu
[43] huma viagem de Capitaô mor p.º a India aonde morreo 2º, e a hi filho ã lhe ficou
fes elRey m.“*, e a sua mulher.

XXXIX

[De um casamento]

Estando L. Pires de Tavora q está em gloriaº p.: hir caminho da India por
Capitad Mor darmada da carga, pouzava comigo em Evora, e disseme hi dia q dezejava
de cazar com minha filha D. Catherina se trouxece tanta fazenda da India com q
escuzace pedirme dotte, mas que lhe parecia & sendo eu disso contente devia de
pedir a elRey algú alvitre q levace com q engrossace mais os proveitos da viagem q
faria. Concertados nisto fuy hã dia pedilo a S. A., e darlhe conta de tudo, dizendolhe
o gosto q do tal cazam.'º tinha, e q era obrigado a o naô aceitar senaô vindo m.'º
proveito disso a L.eº Pires, S. A. me respondeo q cuidaria nisso e me responderia, ao
outro dia me mandou chamar, e me disse, q eu cazava bem minha filha, e q L.Ҽ Pires
era bom fidalgo, e q se avia de servir m.'º delle por suas calid.“s, e que estes eraô os
cazam.'* q nosso S.º favorecia, porque eraô som.'* por amizade, mas q o q lhe eu
[430] pedia naô me vinha bem porã L.e Pires hia em viagê m.'º perigoza, e morrendo
elle nella, morria tambem a m.ºº q eu lhe pedia p.* minha filha, e assim minha filha
ficava melhor soltr.* & cazada, que viria L. Pires, e q elle cazaria minha filha com
elle, e assim o fez, e serto foy huã das mayores vertudes isto q Rey fez nunca com
vassalo taô pequeno como eu?!

29 A viagem foi feita em 1546.


30 Como Lourenço Pires de Távora morreu em 1573, podemos -conjecturar que Rui Lourenço
de Távora escrevia estas memórias e anedotas entre 1573 e 1576 — ano em que ele morreu, indo para
Vice-rei da Índia.
31 O casamento realizou-se, como regista Caetano de Sousa, História Genealógica (XII, Pt. II, 57),
e teve geração. .
70

XL

[De uns concertos]

Fallando eu hã dia a elRey em hã neg.º de Ant.º de Saldanha meu conçogro,


era ainda seu f.º Diogo de Saldanha de doze annos, e minha filha de outo, perguntoume
S. A. se tinhamos ja os concertos feitos, disselhe q nad senaô escritos passados; e q
eramos taô grandes amigos q com menos aviamos estava tudo firme, e seguro, diseme
S. A.: porã sois m.'º amigos por isso he n.ºº estar isso firme de todo, porã o tempo
pode dar azo com q aja desgosto entre ambos, e ficara o cazam.*o desfeito; e [a] amizade
perdida: bejeilhe a maô plo cons.º e pedilhe de m. o aconcelhace tambem ao d.º
[44] Ant.º de Saldanha, por elle naô entender de mym q eu desconfiava de sua amizade
e verdade, felo S.A. assim, e Ant.º de Saldanha me veyo buscar m.'º contente, avendo
que elRey levava gosto do cazam.*º, e avendo G por isso tinha seu f.º m.'º bem casado,
fizemos logo os concertos. |

XLI

[Palavras sábias]

Estando eu hã tempo em huã quinta q chamaô Apostiça, q he a par de Cezimbra,


me mandou S. A. chamar p. se informar de my em serta couza da India, quando
vim perguntoume aonde estava quando me chamaraô, disselhe q na quinta dApostiça,
disseme S. A.: p.º q estaes nella q me dizem he m.'º doentia, respondilhe: e q mao hé
senhor morrer, disseme entaô: os homens honrados obrigados saô a não averem medo
da morte, mas he dezonra quererem sem necel[clid.* adoecer, e morrer: outras couzas
desta calid. ouvi a S. A. m.'º p.º serem lembradas, e se saberem, mas o trabalho da
vida poem tudo em esquecim.'º.

Istorias, e ditos galantes q su-


cederaô, e se disseraô no Paço em
tempo dos Reys passados.
71

XLIT

[De um embaixador]

[440] Sendo elRey D. Joaô o 3.º ainda mancebo os fidalgos da mesma idade q entad
andavad no Paço se adiantavad aos outros em sua graça e favor, eraô, D. Ant.º de
Atayde, q depois valeo m.'º com elle, e foy o p.'” Conde da Castanheira, e Luis da
Silveira 32 £º mayor de Nuno Miz da Silv.: senhorde Goes, o qual foy guarda mor
do d.º Rey, e o pr.” Conde de Sortelha, eraô estes dous fidalgos dos mais lustrozos,
e bem entendidos, em uzos ambos na valia do Princepe, e como ella nad sofre
companhia, sucedeo q querendo elRey mandar a Castella Embaxador, e conçultando
com D. Ant.º de Atayde a pessoa q mandaria, elle vendo caminho aberto p.º poder
do lado e prezença delRey lançar a de q mais se temia, e receava sua pertençaô lhe
inculcou p.º isso a Luis da Silv."2, e disse q ainda & os annos naô eraô m.'ºs, tantas as
partes que os faziaô dignos naô só daquelle lugar mas de qualquer outro por grande
e abalizado que fosse: aprovou elRey o cons.º, e mandando chamar a Luis da Silv.'a
lhe disse, q pla satisfaçaô q delle tinha e entender G o averia bem no cargo de Embax.º”
[45] em Castella o tinha escolhido p.º elle: Tres lugares proviaô entaô os Reys de Portug.
q andavaô todos quasi em hi mesmo predicam.'” os quais eraô; Capitad de Tanger,
VizoRey da India, e Embax.e” de Castella, estes se davad a pessoas de m.'* calidade,
em q concorriad annos, esperiencia, authorid.s, e serv.º*, e como na de Luis da Silveira
avia só entaô o prim.'º requezito, e faltavad ainda os mais postos, q ouvece nelle o
m.'º gentil n.1, ouve q lhe fazia elRey huã grande m.º* naçida da affeiçad que lhe
tinha, em escolher p.º hã tad grande posto, a q elle ainda por sua pouca idade, e expe-
riencia naô aspirava, deixando tantos sogeitos tad benemeritos como entaô avia no Rn.º,
e lhe beijou a maô por ella: Era Luis da Silveira nimente vaô, e se fez prestes p.'
esta embaxada com m.** caza, e grande acompanham.'º, fes seu caminho pla Beira
por tomar a bençaô a seu pay Nuno Miz da Silv.'* & estava ja recolhido na sua V.*
de Goes; o qual lhe disse estas palavras; tolo aonde vas, e dandolhe o f.º conta da
[450] grande m.“* q elRey lhe fizera, lhe respondeo o Velho: quando tornares mo diras:
seguio Luis da Silveira suas jornadas, e chegou a corte do Emperador Carlos 5.º, aonde
foy recibido com muita honra; e emquanto hella estava sustentou sempre grande caza,
e meza, à qual tinha de contino m.'ºs senhores castelhanos por hospedes, e eraô os
gastos della taô eicecivos q os mesmos castelhanos por aniquilarem a magnificencia

32 Prolífico poeta do Cancioneiro Geral.


72

do Embax.º” de Portug.!, quando hiaô comer a sua caza diziaô, vamos ver arder
este loco; hi dia foraõ algiis senhores a velo de industria a horas de jantar por lhe naô
darem tempo a alguma pervençaô, e asentados lhe disseraô; So'r Embaxador venimos
a comer con V.s.: elle lho teve m.'º a m.º, e sem falar com algã criado se pos logo
à meza, e foraô tantas as iguarias, e com tanta perfeiçad como se estivera esperando
por elles, avizado de m.tss dias do q espantado hã daquelles senhores, lhe disse, Snôr
Embaxador que renta tiene V.s. en su tierra, ao q Luis da Silv,"? respondeo com a sua
custumada galanteria, porã foy homê m.ts de corte, tenho trezentos milrS de renda
[46] com a moradia; acabado o seu tempo se voltou a Portug.!, aonde nad achou ja na
graça delRey o lugar à dantes tinha, porã o ocupava todo Dom Ant.º de Atayde,
q ja de toda a corte era respeitado por valido, cahio entaô Luis da Silv.'* no que seu
pay lhe dissera quando indo p.* Castela lhe tomara a bençaô em Goes ?, Lembrado
com tudo D. Ant.º da amizade & com elle tivera da criaçaô do Paço, aonde ja fora
m.'o bem visto delRey, e m.'º estimado de todos; fes com o mesmo Rey o fizece
seu guarda mor, e o honrace com o tit.º de Conde de Sortelha, com o q Luis
da Silv.:a ficou menos descontente: Contace delle q estando hã dia na quardaroupa
delRey asentado sobre huã arca com m.*º* outros fidalgos, entrou Dom Ant.º de
Atayde com humas calças de raxa 3 naquelle dia vestira, cujos golpes eraô guarnecidos
de m.':s pestanas de setim; puzerad todos os sircunstantes os olhos nas calças, e por
darem gosto a D. Ant.º as comessarad a gavar m.'º, o q vendo Luis da Silveira la
[467] donde estava sentado disse alto p.: Dom Ant.º: Ah, S.: D. Ant.º ainda eças vossas
calças tem mais olhos que pestanas 4; deste mesmo Conde Luis da Silveira se refere
q estando p.a morrer, e dandoce a nova da sua morte, respondera: por serto & folgo,
porã pouco ha ca de q aver saud.º.

33 Caetano de Sousa, op. cit., XII, pt. 1, 222, confirma a substância da anedota nestas palavras:
«dD. Luís da Silveira] foy muito valido do dito Rey, de que descahio com a missão de Castella, donde
voltando achou a Dom António de Ataíde totalmente com o favor do Rey». Vide ainda esta anedota
ao respeito em Supico de Morais (II, 189): «Estando [D. Luís] pois hum dia pescando à canna na borda
de hum rio, passou certo homem, & perguntando-lhe se picava o peyxe, respondeo o Conde: Homem,
eu pesco tempo, & não peyxe».
34 C£ Supico de Moraes, Colleçam política, 1, 42, que repete a anedota sumariamente.
73

XLII

[Da galanteria]

Dom Ant.º de M.ºs e Vasc.ºs S.ºr da caza de Mafra era chamado dalcunha o sujo,
por ser m.tº dezalinhado em sua pessoa, galanteava elle huã Dama da Raynha D. Cn.º,
a qual por zombar de D. Ant., e lhe fazer traveçura almoçou m.'º bem hiia menha
e se foy por a huã genella, tanto 3 D. Ant.º a vio se foy por no posto em à a galanteava,
era uzo inviolavel entre os cortesoês emquanto a Dama estava na janella naô se tirar
o galante do seu posto, foy o dia crecendo deraô as onze, e o meyo dia, e recolhendoce
todas as outras Damas, e despejandoce o Paço dos Galantes só a Dama de D. Ant.º
percestia na janella, e elle no seu posto: era D. Ant.º ainda q sujo homê de boa graça,
e cortesaô, e vendo q passando ja de horas de jantar e sua Dama se descuidava, e se nad
recolhia, entendeo a traveçura, e chamando hã mosso seu lhe disse, trazme p.º aqui
[47] hã par de pedras, trouxelhas o moço, e elle, estando ella descuidada lhe fez tiro com
huã e outra, e dando as pedras na janella, a Dama estremecida se meteo p.º dentro:
e elle rompeo nestas palavras como agastado, dizendo, andas m.'º na hora má q saô
horas de jantar, e como ella se recolheo se foy elle entaô para caza.

RLIV

[De uma mula]

Ant.º da Silveira * foy hã fidalgo m.*º cortesad em tempo delRey D. João o 3.º;
vevia elRey no Rocio de Lx.' nos Paços dos Estaos onde agora he a Inquiciçaôd com
a R.º D. Cn.º sua m.º”, e andando o d. Ant.º da Silv.'* sobre a tarde passeando a sua
Dama em huã mula (como se entaô custumava) aconteceulhe % dando huã volta
no passeyo lhe cahio a brida da mulla, parou elle, e chamou hi lacayo seu q estava
afastado, e lhe disse q a concertace; foy o lacayo para a concertar, e de atabalhoado
ou pouco engenhozo cada vez a desconcertava mais, vendo Ant.º da Silv." quad mal
se dava o lacayo com o concerto da brida lhe disse, dexa isso ja; toma a mula p.la

35 Encontra-se um António da Silveira, «filho de Nuno Martins», na lista de Escudeiros Fidalgos


de D. João III em Caetano de Sousa, Provas da Historia Genealogica, tomo II, pt. IJ, 496.
74

[470] barbela, e vamos p.? caza, tomou o lacayo a mula, p,la barbela, e começou de guiar
p.? a caldeiraria indo Ant.º da Silv."* em sima; estavaô no topo da rua dos escudeiros
tres picoês parados, e vendo hir Ant.º da Silv."a daquele modo começaraô de la a darlhe
matraca dizendo boa vay a mula, boa vay a mula, o q ouvindo Ant.º da Silv."* disse
ao lacayo guia p.º aquelles homêns, e guiando o lacayo p.? onde elles estavad se
comessarão os homens a concertar, entendendo q Ant.º da Silv.'2 hia brigar com
elles, pla matraca q lhe aviaô dado, o qual chegando a elles lhes tirou o barete, e fazendo
elles o mesmo a elle, lhes disse Vs. Ms. naô devem de saber o q agora me aconteceo,
eu andava aly paceando a minha Dama e naô sei como se desconçertou a brida a esta
mula, este vilaô naô asertou nunca a concertala, vendo eu isto e q tinha a caza longe,
por naô hir a pé lhe mandei q me levace a mula pla barbela, quisera saber de vs. ms.
se fiz bem nisto, e respondendo elles q fizera elle m.tº-bem, lhes tornou a tirar
[48] o barrete, e mandou ao lacayo | guiace. Este estando veuvo em huã quinta sua
chegou a ella elRey D. Joaô o 3.º depois de jantar, com algiis fidalgos % o acompa-
nhavaõ, e lhe disse, Ant.º da Silv.:* mandaime fazer huã camilha q ei de passar aqui
a sêsta nesta vossa quinta: bejou elle a maô a elRey por esta honra e m.º* q lhe fazia,
e lhe foy por sua maô fazer a camilha em q se elRey lançou, e depois de descançar hã
pouco, lhe perguntou elRey se tinha boa agoa e fria, foy logo Ant.º da Silv."* buscar
agoa, e trouxe com ella huã panella de asucar rozado com hã garfo de prata dentro,
a qual naô tinha ja mais q humas rapaduras, e o ofereceo a elRey, dizendo, comei* V.A,
do asucar rozado q he excellente, eu cada dia dou nelle, e por isso ha ja tad pouco.
festejou elRey a confiança de Ant.º da Silv.':, e ainda engenhou das rapaduras da
panella sobre que poder beber hã pucaro de agoa.

XLV
[Como se escrevem versos para El-Rei]

Dom Simaô da Silveira £º 2.º do Conde da Sortelha D. Luis da Silv.'a de q se


[480] já falou, foy hã dos melhores cortesoês do seu tempo 2º, m.'º discreto, e m.'º estimado
por tal; tanto q estando o Princepe D. João pay delRey D. Sebastiad concertado

* No Ms., lê-se «como».


36 A afirmação da cortesania de Simão da Silveira e de seu pendor para a poesia é apoiada pelas
suas composições poéticas registadas no Cancioneiro Geral.
75

a cazar com a Princeza D. Joana filha do Emperador Carlos 5.º, com quem cazou,
asentou elRey D. João o 3.º seu pay em seu concelho % convinha escrever o d.º
Princepe à d.: Princeza huã carta, cuja materia avia de ser amores, e mandando
elRey a todos os cortesoês q fizecem cartas de amores p.* que de todas se escolhece
a q no cons.º parecece melhor p.? hir em nome do Princepe à Princeza, cada hã se can-
çou 11.ºº em compor a sua, e julgando D. Simaô este trabalho por excuzado, mandou
hã mosso com hã vintem aos escrivaês do Pelourinho q lhe trouxece huã carta de hã
galante p. sua Dama, e q fosse a prim.* ã lhe mandace, esta carta foy com as mais
ao cons.º e por hir em nome de D. Simaô foy julgada por melhor, e se mandou
a Princeza; tanto era a openiaôd q nesta matr.º delle corria na corte do q ele fazia passo,
e galanteria; era o d.º D. Simaô m.'º pobre, e dizendolhe hã dia elRey D. Joaô q
fosse a Africa servir huã comenda, e q teria com & passar a vida, respondeo a elRey
à elle iria servir a Africa de mui boa vontade se sua A. lhe fizece m.º* de huã comenda,
naô das q lá se ganhavaô as lançadas, mas das q se cá venciad passeando no Rocio de
Lisboa: galanteou m.'º tempo huã Dama da R.º D. Cn.º mulher do d.º Rey D. Joaô
com a qual por fim veyo a cazar, a qual se chamava D. Guiomar Henriques e era fa
de Simaô Freire S.” de Boubadella: era taô estatico em seus amores q m.'* vezes
andando só na sua mula lhe largava a rredia, e humas quando tornava em sy se achava
em Belem, outras hia parar segundo os paços da mula a outras partes diverças, não
lhe era a Dama dezafeiçoada vendo as finezas 3 por ella fazia, mas não queria cazar
com elle, receando tomar estado com hã fidalgo taô pobre q senaô pudece sustentar
[49v] nelle: hã dia largando a rredia à mula foy parar no campo de Alvalade, aonde achou
hã homê à guiava hã rebanho de Carn.ºs q vinhaô p.? se matarem no curral da cidade,
o qual [homem] estava entaô quedo, e comia; chegouce Dom Simaô a elle e disselhe,
q comeis homê, e respondendo elle, q paô e sebola, lhe tornou, e com isso só vos sustan-
taes; e dizendo elle & sim, lhe gritou D. Simaô dizendo, homê por amor de Ds q vas
dizer a S.** D. Guiomar com quaô pouco se sustenta há homê; cazou emfim D. Simaô
com sua Dama por quê fizera tantos extremos, tantas finezas de amor, e na pr.* noite
do dia de suas vodas, em se lançando na cama ambos, pedio D. Simaôd huma vella, e se
pos a ler por Palmeirim de Inglaterra *, e gastou algi tempo na liçaô, e parecendo aquilo
despropozito a D. Guiomar, enfadada ja de tanto ler lhe disse S.” p.º isso cazastes,
ao q D. Simão respondeo, e quem vos disse a vós senhora q o cazar hera outra
couza*”: ouve D. Simaôd de sua m.º” algús filhos, e huã filha bem assombrada:
[50]

* Grifo nosso,
37 Percebe-se, da perspectiva moderna, uma certa ironia na anedota, especialmente quando
consideramos que esta D. Guiomar com que casou é provavelmente a mesma que aparece no Cancio-
76

XLVI

[De um casamento secreto]

Era Luis Alvr3 de Tavora 38 o Velho S.º* do Mogadouro e outras terras, cazado
com huã jrmã de D. Simaô da qual tinha hã só filho varaô chamado tambem Luis Alvr5
como o pay; este vinha m.':s vezes a caza de seu tio D. Simaô e falava com sua prima. .
Veyocelhe afeiçoar e cazouce com ella sem seu pay o saber; como Luis Alvrs o Velho
soube q seu £.º se cazara com sua prima, ouve & cazara m.'º mal, pois com ella lhe naô
trouxera p.º? sua caza, nem faz.a porq a nad tinha, nem parentes porq ja o heraõ; e em
grão taô chegado como primos com jrmaôs, e em razaô disto fes grandes mostras de
sentim.'º, vestioce de luto, mandou fechar as janellas, e recebia vizitas de nojo;
soube D. Simaô q seu cunhado tomara mal o cazam.*º de seu filho, e o & por isso fazia,
e por mostrar tambem ao Mundo 3 nem sua filha cazara bem com hi homê cujo
pay fazia tantos extremos de nojo por isso, se vistio tambem de dó, sarrou as janellas,
tomou vizitas, hêi fidalgo q o vizitou deste nojo se foy a caza de Luis Alvrs e lhe disse,
vos S.” estaes enojado plo cazam.'º de vosso £º com a £.* de D. Simaô, pois elle
naô está menos enojado, de se cazar sua f.* com vosso f., e eu venho agora de sua caza
de lhe fazer vizita de nojo, entendendo Luis Alvr3 o lanço de seu cunhado, e pilo
vencer em cortezia, e mostrar q naô hera menos galante se foy a sua caza a darlhe o
pezame de seu nojo, e o de ambos se tornaraô logo em prazeres e alegrias, este lanço
de Luis Alvr3 foy m.'º gavado na corte: era D. Guiomar Henriques m.'º sioza de
D. Simaô, e tinha quem lhe revelava as cazas donde elle entrava, e sabendo elle disto
dizia, q namorara huã Dama, e viera a cazar com hi Corregedor da Corte.

neiro Geral (ed. Andrée Crabbé Rocha, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1973, IV, 274), autora
da cantiga que começa:

quem ousa de me sservyr


em grão perigo se mete,
aa myl despreços douuvyr,
& tanto mal de ssentir,
com que lhe ssue o topete.

A última parte da anedota está também em Supico de Moraes, Colleçãm política, 1, 57-58.
38 Cf outras anedotas em que se mencionam Luís Álvares de Távora e Rui Lourenço de
Távora na BNL, Coleção Pombalina, Cod. 3, com título de «Poesias do Licenciado Paulo Távora — 1631»
(vide a epígrafe às Anedotas portuguesas). A «genealogia dos Távoras» começa na folha 96.
77

XLVIO

[De uma dança sem esporas]

Todo o tempo que reinou elRey D. M.º4 foy feleciss.º porq alcançou por
seus Capitaês em Africa, e na India m.tºs vitorias contra os inimigos da Fé, fazendo
m.'os Reys seus tributarios, e ampleando grandem.' seu senhorio, donde vinha ao
[51] Reyno muitas riquezas, e o faziaô florentiss.º; a sua corte foy m.'º luzida, e acistiad
sempre nella m.'ºs senhores, e fidalgos, pla [aJfabilid.e do Rey & os tratou sempre
com grande amor; era sumam.' amado delles e do povo: custumava elRey quando
sahia fora (q o fazia muitas vezes por alegrar seus vassalos com sua prezença real) ao
voltar p.: o Paço mandava diante hi moço fidalgo dizendolhe, Vay dizer à Raynha
minha srã q me faça S. A. m.ºº de querer estar a janella com as Damas porã lhe quero
passar a carreira como chegar ao Terreiro, aonde elRey em chegando chamava hã
fidalgo a quem queria fazer honra e m.*s, e passava com elle a carreira, parava junto
a janella donde a Raynha estava, tiravalhe o barrete, e descavalgava, e logo apos elRey -
corriaô todos os fidalgos q o acompanhavaô dous em dous fazendo cortezias às Damas.
Vinha elRey de Cintra aonde fora cassar e folgar hiis dias, avizou diante a Raynha
q estivece a janella, e mandace fazer prestes porq em lhe passando a carreira aviaô de
[512] sobir asima, e avia de aver hã breve serão por festa de sua chegada, e aos fidalgos da
sua comp.? disse elRey q todos aviaô de dançar assy como hiad com as esporas calçadas,
porque a festa tivece alguma solenid.s, e q elle avia de ser o prim.*º; chegado elRey ao
terreiro, e passada a carreira sobiraôd todos, e acharaô tudo prestes p.? o seraô; tirou
elRey huã Dama, e dançou com ella com as esporas nos pés, apos elRey foraô os
outros galantes dançando cada hã com sua Dama, e como o faziad com as esporas
avia grandes embaraços, e materia de m.'* festa, e rizo, era hã dos fidalgos da comp.*
D. Fran. de Portugal prim.*º Conde de Vimiozo, o qual hera veador da faz.º delRey,
m.tº estimado delle, homê de grande authorid.s, m.'º entendido, e m.'º de corte;
vendo elle os desmanchos q cauzavaô as esporas aos q dançavad com ellas, temendo
algii dezar em sua pessoa, antes que sahisse a dançar se chegou p.º hã canto da salla
[52] e as tirou; chegouce a ves de dançar com a sua Dama, e felo elle taô leve, e dezemba-
raçadam.'e q elRey e a R.º lhe davaô m.'º louvor; hã fidalgo dos q ja aviaôd dançado,
espantado da destreza do Conde lhe atentou p.º os pés com mais coriozid.º 3 os outros,
e firmandoce bem vio q naô trazia esporas, e disse logo alto p.* clRey, senhor naô vai
de valha, o Conde tirou as esporas; disse entaô elRey ao Conde, tirastes as esporas,
78

e o Conde lhe respondeo he verdade S.* eu as tirei por esta senhora as naô sofre,
foy m.'º festejada esta reposta do Conde, dos Reys, e de todos, pla m.': galanteria
q em sy tinhaô.

XLVII

[D. Francisco de Portugal, 3.º Conde de Vimioso?º: da sua cortesia, do seu degredo,
de sua riqueza e generosidade, de um caso notável em Paris, e de seu cativeiro
com alguns versos que lá fez]

Dom Fran. de Portugal neto deste Conde, e o 3.º de Vimiozo, foy o mais
perfeito homem de sua idade, posso dizer, plas m.':s partes naturaes e acqueridas
à concorreraô em sua pessoa porq de mais de nacer m.'º nobre, foy m.'º alto do corpo,
como o sad todos os fidalgos daquella caza muy proprocionada nos membros, e m.*º
[520] gentilhomê de caza, era de juizo m.'º claro, e de delicado entendim.'º, tinha perfeita
noticia do Grego, e do Latim, falava o Italiano e frances com tanta facelid.º e destreza
& andando auzente de Espanha em tempo q clRey Phelipe de Castella dezejava m.'º de
o aver a maô por seguir as partes do S.! D. Ant., se veyo meter na sua corte
aonde esteve tres ou quatro mezes falando frances, tido por hi fidalgo daquella naçaô,
e depois de ver nella o q queria, e alcançar algtis decenhos delRey se foy sem ser conhe-
cido: foy gentil poeta como testemunhad muitas obras suas q andaô nas maôs dos
coriozos, dançou, e cantou m.tº bem, e soube taô perfeitamente a mathematica q dester-
rando o elRey D. Seb.:m da corte por humas trovas q fez em q o rrepreendia,*º de algu-
mas couzas e o avizava de outras, a foy ler, e esplicar em Benfica aos Riligiozos daquelle
Conv.'º, e nesta occupassad gastou o tempo de seu degredo, foy m.'º rico por q foy s.*
de dez coutos q aquella caza entaô tinha de renda, e m.*º liberal: tanto % passava os ter-
[53] mos da liberalid.s, e de dar m.'º sem conciderar a dava, e a quem, vinha a ser prodigo,
o q lhe nacia do pouco cazo q fazia de ouro e prata, e por esta parte veyo a ser taô
conhecido, e taô estimado no mundo à nad ouve em seu tempo homê (q Rey naô
fosse) & tanto se conhecece por fama, e taô respeitado fosse donde era conhecido:
Estava elle hi dia sentado a huã janella de hi mezom da cidade de Paris (Rn.º de

3º Embora sucessor da Casa de Vimioso, D. Francisco nunca pôde fruir do título; morreu
em 1582, depois da batalha naval com D. Álvaro de Bazán. Eis aqui a primeira anedota que não podia
ter sido escrita por Rui Lourenço de Távora, Trinchante.
40 Estas trovas mencionam-se na Biblioteca Lusitana (II, 230), de Barbosa Machado, sob o
título «Avizos de Franco, a Sebasto». Ignoramos se ainda existem.
79

França) p.* onde se tinha ido de Portugal atentar a ventura sobre a restetuiçaô do s.*
D. Ant. a este Rn.º, e aonde senão tinha ainda noticia de sua pessoa mais q por fama,
quando passou pla rua hi frances em sima de hã fermozo cavalo, perguntoulhe
Dom Francisco de Portugal se se vendia, mas o frances fazendo q o naô ouvia foy
continuando o passeo sem responder; era este cavalo do Duque de Pernom e o
melhor % naquelle tempo andava na corte de Paris, e voltando p.º caza o % passeava,
que era hú Estribr.º do mesmo Duque, lhe disse q em tal mezom lhe aviaô perguntado
[530] se se vindia o cavalo, e q elle naô respondera a pergunta por q lhe parecera osioza,
e porq entendia q naô podia aver no Mezom pessoa q tivece animo p.* comprar o
cavalo, e tambem porã sabia de S. ex.º q o naô venderia por nenhiã preço do mundo,
dezejou o Duque de saber q pessoa era a q ententava comprarlhe o cavalo, porá
lhe pareceo 3 naô podia ser ordinaria; e assim mandou ao mesmo seu Estribr.º ao dia
seg.'e 0 tornace a cavalgar no mesmo cavalo, e fizece o paceo p,la mesma rua do Mezom,
e q de industria levantace os olhos as janellas delle, e se nellas estivece a mesma pessoa,
e lhe tornace a perguntar se se vendia o cavalo lhe dixxece q sim, e lhe pedice por elle
tres mil escudos, felo o Estribr.º assim, como o Duque lhe mandara, e vendo D. Fran.“
o q pedia plo cavalo, o frances lhe disse q tres mil escudos; entaô asenou D. Fran.
a hã dos criados q tinha diante de ssy, e lhe mandou contar o dinheiro, e entretanto
perguntou ao frances plas partes do cav.º, q ficou como pasmado de se lhe naô replicar
ao q plo cav.º pedira, sendo assim q o Duque seu s.º lhe mandara fazer aquilo
por bizarria, e porq naô ouvece quem cuidace q poderiad comprar hã cav.º com &
elle tinha tanto gosto: contado o dr.?, e entregue ao frances lhe disse D. Fran.º,
agora vos peço eu s." q vos torneis a por neste cav.º q ja he meu, por me fazeres m.ºº,
p.* q eu saiba q partes tem, e se he verdade o q me decestes delle: 'Tornouce o
frances a por nelle, e o fez fazer maravilhas naquelle breve terreiro do Mezom,
disselhe entaô D. Fran.º, estaes S.7 taô gentilhome nece cav.”, q me parece
vos farey hi grande aggravo se vos mandar decer delle, levai o drº ao
Duque, e eu vos faço serv.º do cav.º, e tomara q elle fora ainda m.'º melhor
do q he, porã tiveres alguma couza q me agardecer da vontade com q volo
dou, deceuce o frances, e se lançou aos pés de Dom Fran.ºº, e tornando a
sobir no cave se foy p.: caza, e deu os 3 U. escudos ao Duque, o qual
lhe perguntou espantado do q via, q he isto, q 3 U. escudos sad estes, ao q o
[54v] Estribr.º respondeo, he Snor o preço porque vendi o cav.º como V. Ex.' o
mandou; ao % tornou o Duque pois se o vendestes porã o tornas, a trazer contigo,
naô sei disse o Estribr.?, só sey q aquele homê q o comprou deve ser hã grande
Princepe, porã o q lhe pedi por elle zombando mo mandou logo contar de sizo,
sem ainda saber do cav.º; q manhas tinha, e como as soube q p.? isso me mandou
80

outra vez sobir nelle, naô concentio mais q me decece fazendome m.* do cav.”,
porã quad bem nelle lhe avia parecido: mandou logo o Duque ao Mezom saber
quem era o q nelle estava agazalhado, e sabendo 3 era D. Fran. de Portugal (cuja
fama tinha chegado a França m.*º tempo antes prim.'º q elle) o foy logo buscar,
e devulgandoce a historia pla corte, o foraô ver todos os S.:s: della, e o levaraô a
elRey, o qual lhe fez m.'* honra, e m.': m.eº sobre todas estas partes.*! Foy
D. Fran.o de Portug com ser m.'º galante, e cortezaô, muito casto, m.'º
vertuozo: O ogeto de seus amores, e de suas galanterias, e a quem dedicava m.** parte
dos verços q fazia, era ha jrmaa sua por nome D. Constança, S.:* de grande
entendim.'º, e partes, a quem queria m.'º à qual tanto q soube de sua: morte se
recolheo logo no Mostr.º da Madre de D3 de Lx.: aonde viveo m.'º* annos m.º
religiozamente: Contava Simaô Correa Baharem, hã fidalgo de quem D. Fran.
foy grande amigo, e q sabia m.'º de suas couzas, q estando em Fix Fez, pla
perda delRey D. Seb.:m lhe disseraô & de Portugal estava tambem cativo na mesma
cidade, e andando algiis dias em busca sua fora dar com elle na estrebaria de hã
mouro nobre; tinha D. Fran.º dado sevada aos cavalos, e em quanto elles comião
estava elle descançando em híia manjedoura asentado, e G correndo elle Simão
Correa a abraçalo depois de se saudarem lhe dissera o d.'º Dom Fran.º: ah S* Simad
Correa,
Cuida esta cativa gente
q entre sy me tem cativo,
e ella naô sabe, nem sente
por quê morro, ou com quê vivo.
Volta
Se me eu vira em liberdade
[550] inda eu dissera alguem
que he mayor a saudade
que a prizaô em q me tem:
mas como quem he cativo
nad fala taô livremente,
sinto só q se não sente
por quê morro, ou com quê vivo

O qual motte com sua volta elle D. Fran.“ entaô acabara de compor a dita
D. Constança sua jrmaã; foy taô grande homê D. Fran. de Portugal, e taô

41 Caetano de Sousa resume esta anedota na História genealógica, X, 426.


81

estimado por ece em toda a parte q o Xarife cujo cativo veyo a ser, com todos os
mais fidalgos conhecidos por taes, mandando livrem.'s p.º Portugal ao Duque de
Bargança D. Theodozio 2.º do nome, pay do filiss.º Rey D. Joaô o 4.º sem querer
couza alguma por seu resgate, uzou tambem da mesma grandeza com a pessoa
de D. Fran.º, o qual trouxe comsigo muitos criados delRey pobres resgatados a
sua custa, sendo vizitado dos alcaides mouros das terras por onde passava com ricos
[56] prezentes, os quais faziaô grandeza de se mandarem offerecer, e dar a conhecer a hi
homem como D. Fran.º, q dos taes prez.'es fazia tad pouco cazo como de tudo
o q era prata, e ouro, e os destrepuya logo plas prim.'* pessoas q lhos queriad
aceitar; sendo ainda o Conde D. A.º sey pay vivo, e estando em Evora teve elle
humas palavras com hã fidalgo de Lisboa, e naô ficou bem dellas, sem emb.º do
q no dia seg.' foy buscar aquelle mesmo fidalgo a sua caza, e se fez seu amigo:
algiis fidalgos q o mostravad ser do C.ºº seu pay, e outros parentes tomarad mal
aquella accaô de Dom Fran.ºº?, e escreverad ao C.ºº as palavras q seu f£.º tivera com
aquelle fidalgo, e quad mal ficara dellas, e q sobre isso fazia taô pouco cazo da
honra q o outro dia o fora ver a sua caza, e paceava com elle publicam.te:
O Conde lhe escreveo sobre esta matr.? huã carta de repreençad em q lhe estranhava
m.tº o q fizera, e D. Fran.“ lhe respondeo com outra, em 3 lhe dizia estas palavras:
he verdade S.º*, % eu me descompus em palavras com fulano, e naô fiquei bem dellas
[567] mas com tudo eu o fuy buscar a sua caza e me fiz seu amigo, q nad saô estas
as minhas vaidades, nem taô pequenas. ElRey Dom Phelipe o 2.º de Castella
quando procurava o Rn.º de Portug, e depois ainda de o aver alcançado dezcjou
m.'º de ter a D. Fran.“ em seu serv., em razaô de q se fizeraô com elle m.tas
dilig.:s, prometendolhe o Rey Castelhano de o fazer hã dos mayores S.'s deste
Rn.º mas D. Fran.º tinha seguido o partido do S.º* D. Ant.º e naô fez cazo das
q elRey D. Phelipe lhe fazia por se vir p.º elle, antes trabalhou m.'º por fazer o
Se: D. Ant. Rey, andando de Rn.º em Rn.º procurandolhe ajuda e favor de
algiis Princepes de Europa, no q padeceo m.'ºs trabalhos, e muitas inquietaçoês,
como elle diz em hi soneto q fez sobre a mesma matr.' o qual he o seguinte.

Soneto

El impito cruel de mi destino


como me lleva miserablemente
de tierra en tierra, de “una y otra gente
serrando a my quietud siempre el camifio,
82

[57] Ó si tras tanto error fiero y contino,


roto el valo, mizera y doliente
el alma de otro, buelo deligente
bolviace a la region, de donde vino.

Irmihia por el aire en compania


del alma de algun dulce y caro amigo
a quien fueste comun a cá mi suerte.

O que monton de cosas le deria


tantas y tales libre de castigo
de fortuna, de Rey, de imbiídia, y muerte.

XLIX

[De um arrufo entre as damas da Rainha]

Quando a Raynha D. Catherina cazou com elRey D. Joaõ o 3.º de Portugal


trouxe de Castella por Dama sua a D. Magdalena de Granada filha do Infante de
Granada, q fora G.º! de Galiza, e neta delRey Chico, % foy o q perdeo aquelle
Rn.º em tempo dos Reys catholicos D. Fern.º%o, e D. Izabel, fazia a R.º D. Cn.º
m.t* m.ºº honra e favor a d.? D. Madalena porã a trouxera com sigo: era uzo e
[57v] custume no Paço observado sempre nelle, q quando vinha alguma Infante, ou
pessoa de calid.e fazer vizita a R.º, e faltava a Camareira Mor q tinha por obrigaçad
de seu offº chegarlhe a almofada em q se avia de assentar, lha chegava a Dama à
estava emmediata à R.:/ Sucedeo hi dia q vindo a Infante D. M.º jrma delRey
D. Joaô ver a R.º sua cunhada, faltou a Camareira Mor q lhe chegace a almofada,
gritou a R.º dizendo, una almohada para la Infante mi sfira, a Dama q asertou entaô
estar junto a R.º era D. Magdalena de Granada, a qual se naô moveo donde
estava, seguiace logo D. M.º de M.ºs filha de Joaô Roiz de Saá Alcayde Mor do
Porto, a qual (vendo & D. Magdalena se naô bolia [)], se deixou tambem estar sem
se mover, gritou a R.º mais pla almofada porq estava a Infante em pé, acudio entaô
huã Dama da outra parte, e chegou [a] almofada a Infante; acabada a vizita,
e hida a Infante, chamou a Rº a D. M.º de M.ºs e lhe disse estas palavras:
muchacha mucho mal ensefiada, ei de mandar Ilamar vuestro
[58] D. M.º sois una
83

Padre Joan Rodrigues G os lleve para su caza q no os quiero mas en mi servicio;


naõ lhe respondeo nada D. M.º, mas avizou a seu pay do que passava, e do estillo
q sempre no Paço se guardara: mandou a R.º no dia Seg.t* chamar a Joaô Roiz de
Saá, e lhe disse estas palavras, Joan Roiz teneis una Hija mucho mal enseiiada, no la
quiero en my casa, levarla para la vuestra; ao q Joaô Roiz respondeo, q fez minha
filha Srã, em % dece disgosto a V.A., q tornou a Raynha, vino la Infante a verme
e por mas q ilamé por una almohada vuestra Hija se dexo estar sin llegarsela,
estando serca de my, ao q Joaô Roiz respondeo, Srã o q V.A. diz naô posso eu
contradizer, ainda & ouvi q a obrigaçaS de chegar a almofada corria a D. Magdalena
de Granada q estava diante de minha filha, ao q a Raynha com severid.* lhe
disse, D. Magdalena es Hija de Rey, ao q Joaô Roiz se rio, dizendo, eces Reys Snrã
[580] trazemos nos ca p,las nossas estrebarias, e a Raynha agastada lhe disse, Juan Roiz
ablaes como villano, e Joaô Roiz lhe respondeo, e V. A. falame como estrangeira;
fes a R.º disto queixas a elRey, e elRey disimulou com ellas, Joaô Roiz levou
sua filha do Paço e a cazou de sua caza com D. Diogo da Silveira 2.º Conde de
Sertelha.

[De uma mercê del-Rei D. João III]

Hã fidalgo de cujo nome naô estou lembrado, pedio a elRey D. Joaô o 3.º
lhe fizece m.se de lhe aceitar hã criado seu por moço da Cam.':, ao q elRey lhe
respondeo, que por entaô naô podia ser, replicou o fidalgo dizendo he possível
S.e: q hi moço q me serve fundado só na esperança de poder vir a ser vosso
criado mo naô quer V. À. aceitar em seu serv.” como ei de achar daqui por
diante quem me sirva: hora eu volo tomarey disse elRey, mas a de ser sem moradia,
quanto he deça man.** (respondeo o fidalgo) tomarei eu a V. A. quantos tem, rioce
[59] elRey da resposta, e feslhe a m.e q lhe pedia.
84

II

[De como se fazem economias, sendo fidalgo]

P.º Docem 2 £º de Ant.º Docem viveo no reynado delRey D. Joad o 3.º e


foy hã fidalgo m.tº mizeravel, em razaô de q lhe chamavad no Paço P.º do
Sen: estava elRey em Lx.º e P.º Docem vevia na corte viuvo; quis apartarce
della por algis annos, foy pedir 1.º: a elRey p.' sahir p.º híia quinta sua,
e dandolha elRey, lhe bejou a maô, e vindoce p.? caza deixou as em q vivia,
e tomou outras de menos dr.º, lançou toda a gente fora, e deixou p.º seu serv.
huã mulata q lhe fazia de comer e hã moço p.º o descalçar, vistioce de hi pano
baxo, de cor, e detreminou viver na corte como em quinta, hia ao asougue,
e a Ribr.? comprar a carne, e o peixe q avia de comer, com o seu moço q lho
levava p.º caza, sahia nas tardes a saber novas mas naô. tratava, nem ainda falava
a algã fidalgo posto q fosse parente seu, antes quando os encontrava plas ruas indo
[59v] elles p.? lhe falar abaxava o rosto e passava, veyoce a cahir no modo de viver do
P.º Docem, falavace nelle a meza delRey o qual se naô podia ter com rizo,
quando lhe diziaô o modo com & o encontravad plas ruas, e o louvavad de
cortezaô, pois tivera confiança p.: fazer da corte huã quinta sua, e achara modo
p.º viver nella poupando, viveo P.º Docem na corte deste modo dous ou tres
annos, no fim dos quais tomou humas cazas grandes, proveuce de criados, e cavalos,
e com libré nova como q vinha da quinta foy bejar a maô a elRey, o qual o recebeo
com rosto m.'º alegre, e assim mesmo todos os cortezaôs, os quais lhe fizerad suas
vizitas, louvandolhe todos a bondade, e grandezas, daquella sua quinta donde vinha.

LI

[Um namorado desenganado]

Simad de Sousa Docem foy jrmaô deste P.º Docem f£.º 2.º de Ant.º Docem,
foy m.'º cortezad mas alguma couza desconfiado, namorou nove annos continuos

42 O nome Pero Docem aparece no rol de cavaleiros de D. João III (Caetano de Sousa, Provas, II,
pt. II, 467) com uma tença de 2250 reis.
85

[60] huã Dama da Raynha por nome D. Joanna de M. f£: de Diogo de M.º
Alcayde Mor de Mouraô, a qual era m.'º fermoza, e com este dote veo a cazar
depois com o Duque de Bargança Dom Jaimes, é foy sua 2.º mulher pjo qual
cazam.'º q o Duque fez sem dar delle conta a elRey; foy desterrado da corte,
andando ainda Simaô de Sousa de amores com ella, espreitando à hi dia a cazo
a ouvio ourinar, sessou logo do galanteyo q lhe fazia, e perguntandolhe algíis
fidalgos a razaô por fizera ponto em seus amores, respondia q elle servira todo
aquelle tempo a Sr.': D. Joana de M.º: tendo a por hã Anjo do Ceo, mas q viera
a saber, e dezenganarce q era mulher como as outras; indolhe hã dia tarde pacear
em huã mula a gineta com esporas de pua, lhe fez Aires Telles de M.ºs huã trova
q anda no cancioneiro geral* e diz assim:

“Se tu Achillis nad es


nem menos Heitor Troyano
dize Mano; -
q te obrigou, e te fez.
prendereste pelos pes
como Pilicano *.

[607] Desconfiou Simaô de Sousa de Aires Telles lhe dizer na trova q naô era Achillis,
nem Heitor; mandou o dezafiar p.* lhe mostrar q o era, e no dezafio lhe tomou a
espada, plo que Aires Telles se foy deste Rn.º sem nunca nelle mais parecer.

* Grifo nosso.
3 Vide o mesmo motivo das esporas na série de cantigas no Cancioneiro Geral que tem este
título: «De Joã da Sylveyra a Ssymam de Ssousa dossem, por q veo ao terreyro Dalmeyrym em huã
mula com huãs largas esporas da jyneta esmaltadas, & com chapyns». Entre os poetas lá representados
acha-se Aires Telles — com duas cantigas totalmente diferentes. Há também uma cantigá atribuída a
Simão da Silveira de que a do nosso Ms é patente variante:

Poys q ja Archiles nã es,


nem' menos Eytor troyano,
dize, mano,
que engano
te fez morrer polos pes

Esta discrepância textual levanta algumas perguntas aliciantes. O Cancioneiro Geral teria circulado
em forma manuscrita entre os curiosos antes de ser impresso, dando ensejo à modificações ou supressões?
Ou, mais provavelmente, o anedotista confiava na própria memória ou em fontes de segunda mão,
sem consultar o Cancioneiro Geral, quando registou dito poema?
44 Vide Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, I, 82. Se é verdade o que Barbosa lá diz, que Aires
Telles foi grande soldado, é difícil crer que fugisse do reino por causa de um desafio.
86

LHI

[O rabo é mais sadio]

Martim de Tavora comendador da Chavaqueira, digo da Savacheira foy £.


de P.'º Docem à se falou asima, era n.Imente m.'º raivozo e descontentadiço;
se algã fidalgo lhe dizia ã andava a sua mula gorda respondia elle, porã naô a de
andar a minha mula gorda se naô come mas q meyo alg.'* de sevada como as
outras, e se alguem lhe dizia q andava magra, tornava elle muito agastado, porã
a de andar Ser a minha mula magra se come m.º alqueire de sevada como as
outras, comia hã dia elRey D. Joaô o 3.º, e comia peixe, veyo hã [homem] a meza,
e disse hi dos medicos & acestiaô a ella, p.º elRey, coma V. A. do rabo q he
mais sadio, quis elRey saber do mesmo medico a razaô por q o rabo do peixe
[61]
era mais sadio q o demais corpo, a q o medico satisfes, dizendo: o peixe S.º* he
m.te humido, e como anda sempre dando com o rabo com aquelle movim.'
lança delle muita parte da humid.e natural, e fica por esta razaô sendo o rabo
menos humido e mais sadio; acudio Martim de Tavora q estava tambem prez.'e
dizendo p.' elRey, hora eu S.º* andei athe agora m.*º descontente do rabo da
minha mula porã anda sempre dando com elle mas hoje com o q ouvi ao D.º
estou mais conçolado porã entendo q o rabo he a melhor parte q ella tem.

LIV

[De um empréstimo]

P.º Carvalho foy n.! de Alcacere do Sal filho de Gonçalo Pires Carvalho, foy
da guardaroupa delRey D. Joaô o 3.º, e teve com elle muita valia, a qual deziaô lhe
dera entrada D. Ant.º de Atayde prim.'º Conde da Castanheira, do q mal sofrido
[610] hã fidalgo daquelle tempo, q estava retirado em huã quinta sua longe da corte,
e escrevia a outro seu amigo q vevia nella; lhe dezia na carta esta palavras em verço.
Carvalho me dizem q tem graô valia
a sua profia em Condes está,
o fruto q da bugalhos seraô
botalos no chaô, se custuma cá.

45 Cf. Supico de Moraes, Colleçam política, II, 180.


87

Indo huã tarde o d.tº P.º Carvalho a caza do d.'º Conde da Castanheira, o achou
triste, e desgostozo; e perguntandolhe a cauza daquella tristeza, lhe disse o Conde
q tinha ao prez.'s grande necessid.s de mil cruzados p.º acudir a huã couza de
m.'* importancia, e q tinha feito toda a dilig.* q lhe era possivel, q os naô podia
descubrir, e q por isso estava triste, despedido P.º Carvalho do Conde foice p.º o Paço
e entrando na caza donde elRey estava lhe disse elRey, naô vi hoje cá o Conde,
naô sei se está doente, ao q P.º Carvalho respondeo, doente S.º* nad está elle q
[62] eu venho agora de sua caza, triste, e desgostozo sym, triste (tornou elRey) e de
que; Respondeu P.º Carvalho, disseme q tinha nececid.* de mil cruzados, e q por
mais dilig.* q tinha feito os naô podia achar, deve ser a nececid.* q delles tem
grande, porã a falta deste dr.º o tem n.Imente engustiado; ficou elRey hã pouco
suspenço, e perguntou ao d.'º P. Carvalho se avia na guardaroupa dr.º, Respondeulhe
elle q sim, lhe disse elRey tomai 600 Ux3, Levayos ao Conde de minha parte,
bejoulhe P.º Carv.º a maô pla m.“* q nisso ao Conde fazia, e contado o dr.º o
levou com grande preça ao Conde, e grande alegria, o qual levou a P.º Carv.º
nos braços, e o festejou sumam.'s dizendolhe q elle era o seu remedio, e outras
palavras de grande agardecim.'º, e perguntandolhe aonde achara aquelle dr.º, q ate
entaô naô tinha P.º Carv.º dado o recado delRey, lhe respondeo, q elRey lho
mandava da sua guardaroupa, e lhe contou tudo o & com elle passara como assima
[620] fica d.'º, foice logo o Conde ao Paço, e entrando na caza onde elRey estava lhe
bejou a maô, e lhe disse q sua A. naõ so o honrava, e lhe dera de comer, mas q
ainda lhe acudia a suas nececid.“, e q aquelles 600 Urs de q sua A. lhe fizera m.ºe
lhe foraô naS menos q hã cavalo na guerra, e os estimara tanto pla falta q delles tinha,
como se sua A. lhe fizera m.“* de m.'ºs contos de renda; elRey lhe disse quanto
vos levou P.º Carv., Respondeo o Conde 600 Ur3 de q v. A. me fez m.º
(cIRey lhe tornou, naô me entendeo P.º Carv.º, 800 Urs vos mandei dar, bejoulhe o
Conde de novo a maô e saindoce p.? fora achou P.º Carv.º na guardaroupa, e lhe
disse, basta comp. 3 sois contra my, em que S.º* Respondeo elle, em & (tornou
o C.%) mandame elRey dar 800 Ur3, e vos levaisme seis c.tºs, naô ha tal disse
o Carv.”, naô, Respondeo o Conde, elRey mo disse, entrou logo P.º Carv.º a elRey,
e lhe disse V. A. mandoume levar 800 Urs ao Conde, naô, Respondeo elRey mas
agardeceume tanto aquelles 600 q lhe levastes q ouve q lhe dera pouco, levailhe
mais duz'ºs,
88

LV

[Coisas de família]

[63] D. Joaô
Este prim.'º Conde da Castanheira D. Ant.º de Atayde valeo m.'º com elRey
3.º, e era m.'º estimado e respeitado de todos; era 8.º” naquelle tempo
das V.:s de Figueiró e Pedrogad Ruy Mez de Vasc.s, o qual era ja velho,
e naô tinha mais que duas £.*s; a mayor se chamava a D. M.* de Vasc.ºs, e se avia
cazado a furto de seu pay com Diogo de Sousa seu primo com jrmaô f.º de P.º da
Silva de Vasc.º: jrmaôd de seu pay Ruy Mendez, o qual tomava taô mal aquelle
cazam.'o q nad só lançou a £º fora de sua caza com seu sobr. e genro, mas
ainda nem a hi, nem a outro, quis mais ver em sua vida. e detriminou cazar a fa
menor q se chamava D. Joanna com algã fidalgo 3 tivece valia com clRey p.º
à lhe desse as d.ºs V.ºs de Figueiró, e Pedrogaô, q por sua morte vagavaô p.º a Coroa,
pla ley mental, p.* q por esta via tirace à filha mayor o dereitoq a ellas tinha, e ao
d.º Diogo de Sousa seu marido a esperança de ainda por sua morte poder vir a
ser Snôr dellas; era Diogo de Sousa fidalgo pobre mas m.tº valente homê, e m.'to
arremessado pla qual razaô, e porã tambem era bisneto por parte de sua may de
[630] D. Pedralvês de SotoMayor, fidalgo galego q neste Rn.º foy Conde de Caminha,
era chamado de Alcunha o Galego, e dizia publicam.t* onde quer q se achava, q quem
lhe a elle levace as terras de seu sogro, lhe avia de levar tambem a vida, porã elle
a nad avia mester sem ter com q a sustentar; mandou em fim Ruy Mez de
Vasc.os falar ao d.tº Conde da Castanhr.? na d.': sua £? menor D. Joanna, p.* seu
£.o 2.º D. Hjeronimo de Atayde, o Conde lhe respondeo dizendo, G naô dezia elle p.*
D. Jm.º seu fo 2.º mas p.* D. Ant.º seu £º mayor, e herdeiro de sua caza, era a s.'2
D. Joana, com aquelle dote m.'º grande cazam.*, porque de mais de sua nobreza
q era muy grande, e m.tº conhecida em todos os Rn.ºs de Hespanha, acrescentava
mais é metia na sua caza duas V.ºs de taô bom rendim.*º como eraô Figueiró,
e Pedrogaô, mas q Diogo de Sousa era hi fidalgo honrado e pobre, e andava por
hy gritando e dezafiandoce com quem quer & lhe-levace a caza, q elle entendia se naô
poderia tirar a sua m.*” pois era mais velha, e q assim elle Conde se naô atrevia
tal cazam.'o, veyo Diogo de Sousa: a morrer brevemente, e por sua
[64] àceitar o
instancia com o Conde,
morte tornou Ruy Mez de Vasc.s a fazer a mesma
alegandolhe p.º se aver de concluir o tal cazam.º q ja Diogo de Sousa era morto,
por cujo respeito sua s.!: deixara de o aceitar, e o Conde lhe respondeo q o que
elle naô fizera com Diogo de Sousa vivo, e naô avia de fazer com Diogo de Sousa
morto.
89

LVI

[Rui Mendes de Vasconcelos: notícias de sua vida]

Este Diogo de Sousa deixou hi filho de sua m. D. M.º de Vasc.*, o qual


se chama Ruy MezZ de Vasc.s como seu Avó da parte da may, ainda 3 lhe
naô erdou a caza, porã vendo Ruy MeZ o velho q o C.ºe da Castanheira totalm.'e
naô aceitara o cazám.'o de sua filha D. Joana, a cazou com Luis dAlcoçova seu primo
com jrmão f£.º mayor * de P.º dAlcaçova Carn."* 3 depois foy Conde da Idanha, o qual
ja naquelle tempo tinha m.'* valia com elRey D. Joaô o 3.º, q lhe deu as terras de
Figueiró e Pedrogaôd p.' sua sobrinha D. Joanna de Vasc.ºs, por morte do d *º Ruy
MeZ seu pay cazando ella com o d.'º Luis dAlcaçova como cazou, e levou as
[640] d.tas terras, q depois ficarad a seu £º de ambos, P.º dAlcaçova de Vasc.ºs, o qual
de sua m.! D. M.º de M.s ouve huã £* por nome Dona Anna, q he S."* das
mesmas terras, e Condeça de Figueiró, cazada** com o C.ºe Franc.“º de Vasc.ºs, S.º”
do Morgado do Esperaô, o qual na acclamassad delRey D. Joaô o 4.º de Portugal
se ficou em Castella aonde fora chamado, e entad estava com outros m.tos tit.es,
e fidalgos deste Rn.º, sem ainda ter f.ºs da d.'2 Condeça D. Anna, nem esperança
de os aver, como as V.'* de Figueiró e Pedrogaô se deraô à D. Joanna f£º 2.º de
Ruy Mez o velho, e passaraô aos Alcaçovas, ficou Ruy Mez de Vasc.º* o moço £.º de
sua jrma mayor D. M.º sem herdar couza alguma de seu Avo Ruy MeZ, herdeiro som.*º
da pobreza de seu pay Diogo de Sousa, na qual viveo m.'ºs annos, mas com ella
teve muy boa graça e foy homê m.'º de corte, vivendo viuvo em Lx.º, e servindoce
de dous rapazes som.'s, e estes descalços e mal vestidos lhes mandou q o servicem
de juelhos, e lhe falacem de S.º, indo huã tarde a sua caza hã fidalgo seu parente,
e grande amigo, e vendo aquella novid.s, lhe disse, S.º” Ruy MeZ vos estaes
doudo; de à colegistes, respondeo elle; de 3, disse, amigo de vos servires de juelhos,
e de vos falares de S.º, estando vos no estado em q estaes, naô he isto huã grande
doudice, doudo estivera eu ja se naô fizera isto q vedes, respondeo Ruy MeZ;
porã, q podia eu esperar desta mizeria de vida, e da estreiteza com & passo,
senaôd perder o juizo, por isso mandei a estes rapazes q me servicem e falacem como
a grande, p.' me alegrar, e devirtir assim desta minha pouca fortuna, foy isto hã
perçagio do q veyo a ser, porã nad passou m.'º tempo q Ruy MeZ nad sei

* No ms, repete-se a frase «f.º mayor.


** Lê-se «cazado» no ms,
90

porã via foy feito Capitad de Tanger, aonde se ouve de man."* que os cavaleiros,
e moradores da cid. se levantaraô contra elle, e escapou de sua furia embarcandose
p.º Castela. Era entaô valido delRey Dom Phelipe o 3.º D. Fran. Gomes do
Sandoval e Royas p.º Duque de Lerma, o qual governava tudo em todos os Rn.º*
q eraô sogeitos a Hespanha, e fizerad a Ruy MeZ Capitaô de Tanger e por sua via
[65v] entrou Ruy MeZ no serviço da Raynha D. Margarida m.º! do d.'º Rey, e foy hã
dos mordomos de sua caza, teve tit.º de Conde de Castelmilhor, e o senhorio de
Vallelhas, e Almendra, e tres comendas da ordem de Xpô, e licença p.? nomear todas
estas m.“s por sua morte na pessoa q lhe parecece, e porã hã £º varad q tivera
de sua m.º: q era £* de Ant. da Silva hã fidalgo de Campomayor, era falecido,
nomeou o d.tº tit.º com tudo o mais q da Coroa pesuhia no filho mayor de Luis
de Sousa de Vasc.es Alcaide Mor, e Comendador do Pombal, fidalgo com quem
naô tinha amizade, nem parentesco em grao, mas era decendente por linha varonil
da caza de Figueiró, e ordenou em seu testam.'º que o d.º £º mayor do d.º Luis
de Sousa cazace com sua neta £º mayor de Simad GlZ da Cam.': 3.º Conde da
Calheta, e 7.º CapitaS da Ilha da Madr.: e da Condeça D. M.º de M.º sua filha,
porã em ordem ao total cazam.'º nomeava nella, mas q naô querendo a d.* sua
neta cazar com elle ficace elle herdeiro do tit.º, e mais caza de Castelmilhor p.? cazar
livrem.' com quem quizece, quis a Condeça da Calheta q sua £.: por morte do Conde
[66] Ruy MeZ seu pay, sucede na sua caza e tit.º sem obrigaçaô de cazar com Joad Roiz
de Vasc.ºs £º que entaô no secolo se achava mayor do d.'º Luis de Sousa, em razaô
de q correo entre elles ha larga demanda, no fim da qual ouve Snn.º por sy o
d.'o Joaô Roi de Vasc.s, e a Condeça o cazou com a d.t: sua £.* mayor como o
Conde Ruy meZ seu pay deixara ordenado, e saô hoje Condes de Castelmilhor,
e elle sahio hã fidalgo m*º honrado, e de gentil proceder, m.*º cavaleiro, de grande
coraçaô e valor 4º, o qual achandoce nas Indias de Castella no tempo daclamaçaô
del Rey D. Joaô o 4.º nosso s.º*, detreminou com hi fidalgo chamado P.º Jaques
de Mag. e outros portuguezes fazer huã façaô grande em serv.º do mesmo Rey,
mas foy descuberto por hã portugues, a quem elle mesmo Conde tinha feito m.'*
honra e m.º, plo que foy prezo, e metido em huã fortaleza, de q DS o livrou
apezar de todo o poder de Castella, quazi milagrozam.'s, por industria de hã
religiozo de S. Bento portugues, e favor do d.'º Rey D. Joaô q mandou hã navio
a buscalo com hã soldado q se ofereceo a isso, e chegando o C.º a este Rn.º,
[667] e dezembarcando no terreiro do Paço de Lx. foy recebido com gl. alegria de

46 Confirma-se o feliz estado de João Rodrigues de Vasconcelos, com menos detalhes, em Cae-
tano de Sousa, op. cit., IX, 127-129.
91

toda a cid. e corte, e prazer de todo o Reyno, e acompanhado de muitos s.'es e


fidalgos, foy bejar a maô a elRey, q o festejou m.'º, e lhe fes m.** honra, e m.ºº
de huã comenda da ordem de Xpô, e a os q acompanharad ao Conde, e forad
partes em seu livram.*º fez tambem m.s., de q elles e o C.de ficaraô contentes, depois
mandou elRey ao Conde por: Frontr.' Mor de entre Douro e Minho aonde
tomou aos galegos a V.º de Salvaterra, e se tem forteficado nella, e feito grande dano
ao inimigo em toda a Com.“: de Tuy, faleceo o Conde de Castelmilhor Ruy Mez
de Vasc.s em Madrid, aonde estando morrendo lhe chamaraô o seu Cura p.' o ungir,
e lhe lembrar o nome de Jhs, estava ja o Conde com os olhos serrados, e falava
pouco por razaô de sua m.'* fraqueza e o Cura a sua orelha lhe lembrava o nome
de Jhs, e fazia o taô frequentem.'s q o Conde se enfadou, e abrindo os olhos
e virandoce p.º elle, lhe disse, Padre naô me emportune tanto q me passarei p.* outra
freguezia 7.

LVH

[De umas últimas palavras]

[67] Fran. P.r2 Pestana foy hi fidalgo criado do Infante D. Luis, o qual foy m.'
cavalhero, e servio m.tº bem em África e na India, em tempo de A. de
Albuquerã, foy m.'º agastado, e a demaziada colera o fazia as vezes obrar algumas
couzas mal feitas, das quaes fazendoce queixa a elRey D. Joaô o 3.º, elRey o
teve prezo m.'º tempo no Castello de L.:, do* qual sendo ja livre veyo a
enfermar da doença de q morreo, avizado elRey disso pedio ao Infante Dom Luis
q o fosse ver, e lhe dissece da sua parte & lhe pezava m.'º da sua infirmid.s,
ã vice o q queria, porã estava muy lembrado do bem q tinha servido, e tudo o &
quizece lhe faria com m.'º gosto, e dizendo a Fran.“º P.:: hi criado seu & vinha
aly o Infante a velo, respondeo elle, porã, tam mal estou eu, sentouce o Infante a sua
cabiceira, e se mostrou m.'º sentido de o ver assim, e da parte delRey seu jrmaô
lhe seneficou tambem o grande sentim.t q tinha de sua infirmid., e lhe disse estas
palavras, Fran. P.r vede o q quereis por que tudo vos fará elRey meu s.º”,
[67v] q está bem lembrado do bem & o tendes servido, Fran. P.: tinha algãis aggravos

47 O mesmo dito está em Supico de Moraes, Colleçam política, II, 172.


* Lê-se «da», por lapso, no ms.
92

delRey, porã entendia q seus serv.ºs mereciad outra satisfaçaô, e outras m.“** deferentes,
das q S. A. lhe tinha feito, e ouvindo aquelas palavras ao Infante, lhe disse, quero
senhor mais febre p.º acabar mais depreça *.

LV
[De um esquisito modo de dormir e dos Correias]

Dom Joaô de Sousa4º S.ºr de Sagres e guardaMor delRey D. M.º! foy hã


fidalgo m.'º estimado de todos os Reys q alcançou plo grande valor, e forças de q
naturalm.te era dotado; foy chamado o grande, este fidalgo foy o q cortou a cabeça
serta a hi touro q fogindo do corro o cometeu estando elle descuidado falando
com sua Dama, e falando elRey D. Joaô o 2.º no dia seg.'e à sua meza neste
cazo, e louvando m.*º a D. JoaôS o qual de comedido se naô quis achar entad
prez.te a ella, dezendo D. Diogo FrZ dAlmeyda Prior do Crato e mulo de
D. Joaô & eraô assertos, respondeo elRey, he verd.º q saô asertos, mas ninguem os
[68] aserta senão D. Joad de Sousa; 50 foy Dom Joaô Capitad de Azamor em Africa,
aonde com os Mouros daquella frontr.' mostrou bastantemente em muitas occazioês
de guerra q com elles teve, o grande valor, c esforço de seu coraçaôd, e sendo
taô sem medo p.: com os vivos, era p.* com os mortos tad medrozo q naô podia
dormir em huã caza só, e afirmava de sy q se de noite se achace só em alguma
caza com as portas fechadas por fora, so de se ver assim se lançaria pla janella,
em razaô disto. depois de viuvo como naô tinha fes dormia rodeado de seus
criados, cada hã dos quais em se lançando na cama a dormir sengia hã pé plo
artelho com huã correa de couro, e de todas ellas sahiaô cordeis q se ajuntavad em
hã q D. Joaô tinha com sigo na cama em q dormia, o qual em acordando de
noite puxava plo cordel e despertava por elle os criados todos, e os fazia estar
acordados athe elle outra vez pegar no sono; foy D. Joaô grande amigo de Aires
Correa S.º* da quinta do Carregado seu primo com jrmaô, e porq elle era m.º pobre

48 Estas palavras adquirem mais sentido quando nos lembramos da grande valia de Francisco Pereira
Pestana nas campanhas na África e na Índia e da larga menção que dele fazem os cronistas.
4 D. João de Sousa m. em 1513.
50 Esta primeira parte acha-se também em Supico de Moraes, Colleçam política, 1, 5-6, II, 160.
Será esta anedota uma exagerada versão popular das proezas tauromáquicas resumidas por Caetano de
Sousa, História genealógica (XH, 113)? Pelo menos, as falas reais são textualmente iguais, embora com
interlocutores diferentes. NE
93

[680] e se hia enchendo de £ºs o fez hir a India na segunda armada q foy deste Rn.º,
com Pedralves Cabral asentar feitoria em Calecut q só Vasco da Gama deixara
descuberto, aonde elle Aires Correa por se fiar de hi Mouro q lhe fingia amizade
contra parecer do d.tº Pedralves, foy sercado de huã grande moltidaô delles,
e morto com a mais gente q com sigo tinha: sentio m.'º celRey D. M.4 a morte de
Aires Correa por lhe ser maquinada por treiçaô dos Mouros, e por elle ser o pr.º
homem q naquellas partes do Oriente perdeo a vida, e derramou sangue por seu
serv.º, fes depois m.'* honra a seus filhos, seis ouve Aires Correa de sua m. D. Britis
dAlmada, tres varoês, e tres femeas, huã das filhas se chamou Dona Breatis é cazou
duas vezes, a p.”! com Alv.º FZ dAlmeyda seu primo 2.º £º de Ant.º Docem,
a 2.º com: Fernaôd de Frr.: fº de Alonso de Herrera, hi fidalgo castelhano q se
passou a este. Rn.º nas guerras delRey D. A.º 5.º outra se chamou D. Ant. q foy
[69] freira em S. Clara de Lx.º, outra ouve nome D. Joanna, e cazou com Simaôd de
Mr.º: q morreo sendo Capitad de Sofala a qual ficando veuva sem f.ºs se meteo
freira em S.t* Clara de Lx.º, com sua jrmã D. Ant., e se chamou Joanna de S. Fran.e,
e foy depois fundar o Mostr.º da Castanheira, a requerim.'º de D. Ant.º de Atayde
p.'º Conde da d.* Villa, aonde viveo e morreo s.'mente: dos £.ºs deixara Aires
Correa dous neste Rn.º, o mayor q se chamava Vasco Correa, e o menor q avia
nome Aires Correa como seu pay; e levava o 2.º concigo p.: a India q se
chamava Ant.º Correa; o qual se achou em Calecut prezente à morte do d.ºº seu
pay sendo de dez annos de idade, e escapou as costas de hã soldado, q vendo
aquelle menino, e conhecendo o por £º de Aires Correa o levou a nado a hã
batel, e nelle às naos, e o entregou a Pedralves Cabral q o trouxe outra vez ao Rn.º;
sabida a morte de Aires Correa, mandou D. Joaô de Sousa dizer a D. Britis sua
m.” q vevia no Carregado aonde seu matido a deixara, q lhe mandace seus
sobr.º* p. sua caza porq naô tinha £.ºs e os criaria como taes, e q dahy iriaS ao Paço;
[690] criarance estes tres f.ºs de Aires Correa em caza de seu tio Dom Joaô de Sousa
Juntam.te com D. P.º de Sousa seu jrmaô menor, q depois foy Conde de Prado,
e todos hiaô ao Paço, e recebiad delRey D. M.! muita honra, partecularm.te Ant.º
Correa, ao qual era elRey mais afeiçoado por ter ja ido a India naquela idade, couza
q aos homens estranhos parecia incrivel, e dar razaô em viveza do q vira: Vindo
a elRey naquelle tempo hã Embax.º de Cast.?, e dandolhe elRey aud.º lhe disse, vindo
a falar com elle nas couzas do descobrim.'º da India, q o Embax.º* ouvia por espanto,
quereis vos Embax.º* ver hã minino q ja la esteve, e dizendolhe o Embax.” GS. A.
queria zombar delle, disse clRey p.º Ant.º Correa q estava ahi prez.'* com outros
moços fidalgos, vem cá Ant.º, e metendo o entre as suas pernas lhe disse, conta aqui
ao Embax.º* do q viste na India, e contando o minino os successos da morte de seu
94

pay. e como entaô escapara della por benefício daquelle sold., o Embax.º" o naô
podia crer, e elRey lhe dezia, vedes Embax.* este minino ja foy à India; sendo
Ant.º Correa comprou huã adaguinha 3 trazia na sinta, violha Dom João, e pergun-
[ro] toulhe p.º q a trazia, e dizendolhe o menino q p.* parecer bem, lhe tornou o velho,
tira a adaguinha, e lhe disse, sabes tu Antonio a q estás obrigado trazendo eça
adaguinha, tu naô teras obrigaçaô de hir cometer hã homê q tiver huã espada na
maô, mas se elle com ella te cometer es obrigado a te defender com eça adaga,
e naô fogir, e pois tu naô tendes ainda forças p.* o fazer tira a adaga da sinta, e quando
as tiveres entaô a poras, fez o menino o & lhe disse o velho a quem obedicia como ao
propio pai, e como foy de idade p.* tomar armas o mandou elRey a Safim,
servir comenda com Nuno FrZ de Atayde, e vindo de lá lhe fez m.ee da de Nossa
S.r2 de Ulme, da ordem de Xpô, & fora ja de seu pay Aires Correa, neste tempo
mandou elRey a India por G.º* della Diogo Lopez de Sig.** seu Almotace Mór, o qual
era tio de Ant. Correa, primo tambem com jrmaô de seu pay, q lhe escreveo huma
carta ao carregado em q lhe dava conta da m.º q lhe elRey tinha feito, e lhe
fazia saber G se em algã tempo detriminava passar à India q em nenhã o poderia*
[700] fazer com mais comodid.* q naquelle em q tinha nella hã G.* parente, e amigo
p.* o servir; foy Ant.º Correa à India em companhia de Diogo Lopez, levou con sigo
Aires Correa seu jrmaô mais moço: ja neste tempo Vasco Correa q hera o mais
* velho estava religioso** professo da ordem de S. Fran.º, e se recolhera do Paço aonde
ja tinha andado algumas vezes a touros, e a canas, por se lhe cazar huã Dama a
quem galanteava, e queria bem, mostrou clRey D. M.º ter gosto e prazer de
Antº Correa o hir servir à India, e naquelles tres annos q nella andou sempre lhe
escreveo cartas m.tº honradas, e cheyas de esperanças de lhe fazer grandes m.º** como
voltace ao Rn.º: no p.'º anno pelejou Ant. Correa m.':s vezes com elRey de
Bintaô, q com grande poder tinha sercada a cidade de Malaca, e lhe fez levantar o
poder, e encher a terra de mantim.tes q lhe levou de fora porq se tinha nella padecido
grande fome, e depois foy buscar ao mesmo Rey de Bintaôd a Cidade do Pago
aonde estava m.'º fortalecido, e o fez fogir, e lhe queimou a Cidade, e todas as
embarcaçoés q achou no Rio Micar, e livrou Malaca deste taô poderozo inimigo.
e matou a elRey Mocrim em
[71] No segundo anno tomou o Rn.º de Baharem,
huã batalha q com elle teve, lhe deu D5 a vitoria, porq o successo todo foy
milagrozo, mandou Ant. Correa depois cortar a cabeça ao Rey em hã cadafalço
publico, e cheya de algodaô à parecia de homê vivo a mandou ao G.º* Diogo Lopes
Pa

* Lê-se «pederia no ms.


** TLêse «reliogo» no ms.
95

q estava em Urmus esperando o successo desta empreza. No 3.º anno pelejou em


Chaul com 40 fustas, de Miliquias senhor de Dio, e as desbarratou, e lhe meteo
m.':s no fundo, e acabando de vencer esta batalha naval entregou [a] armada a
D. Luis de M.º & chegara aquelle anno do Rn.º, e hia por Capitad Mor do Mar,
jrmaô de D. D.'e de M.º q elRey mandara suceder a Diogo Lopes de Sig.:: no
governo da India, e se foy p.? Goa aonde achou as naos prestes, e Di. Lopes
p.º se partir nellas p.: o Rn.º, e se embarcou com elle deixando hã criado seu na
India com o seu fato, p. se embarcar com elle no anno seg.'s, chegando Ant.
Correa às Ilhas soube como elRey D. M.º q o criara, em quem elle trazia postas
[710] todas suas esperanças, era falecido, e foy taô grande o nojo e sentim.tº q com esta
triste nova teve, q afirma elle a D. Ant.º de Atayde p.'º Conde da Castanhr.: em
huã carta q lhe escreve, em q lhe da conta de sua vida, q se entaô achara ahy hã
barco q o tomara a levar a India se fora nelle, — Dezembarcou em Lx. e se
foy bejar a mad a elRey D. Joaô que o naô conhecia, e se foy meter na sua quinta
do Carregado sem tratar de ssy; estando em huã tarde jugando o trunfo com seus
criados entrou no pateo da quinta hfi fidalgo com sinco ou seis de cavalo com
sigo, e lhe veyo hã moço dar recado q estava aly D. Ant.º de Atayde q o vinha
ver, era ja neste tempo D. Ant.º conhecido no Rn.º e respeitado de todos por
valido delRey, foy Ant.º Correa receber a vizita, estranhando a porã naô tinha
ainda visto ao d.º D. Ant., nê falado com elle, posto q bem sabia o lugar q
tinha na graça delRey, asentouce D. Ant., e disse estas palavras a Ant.º Correa,
fesme elRey m. destas Villas da Castanheira e Povos q vagarad por morte
[72] de meu sobr.º D. Fern.%º de Atayde, vim agora tomar posse dellas, e dala de my
a V. M.e p.: q me tenha por seu cat.”, e respondeulhe Antonio Correa outras
palavras de comprim.'º, foraô converçando o restante da tarde nas materias q se lhe
offereceraô, e como foraô horas se despedio D. Ant.º de Ant.º Correa, afeiçoado ao
seu modo e converçassaô, e nacendolhe a prim.': filha q elle depois cazou com
D. Luis de Castro s.º* da caza de Mons.*º, dezejando ter amizade com Ant.
Correa lhe escreveo huã carta & dezia assim. Naçeume huã menina m.'º fermoza,
e naô pode ella ser bem guardada sem q VM. me faça m.“º querer tomar quinhaõ
nella, foy Ant.º Correa ser seu Comp.* e por aqui teve prencípio [a] amizade q
ouve com este D. Ant. de Atayde p.'? Conde q foy da Castanheira: o sobre d.'º
D. Joaô de Sousa sendo ja velho galanteava huã Dama, e huã tarde lhe foy
passear ao terreiro do Paço em huã egoa parida com hi poldrinho atras, q de
quando em quando hia mamando nella.
96

LIX

[Dos podengos que mandaram a El-Rei]

M.4 Correa Baharem S.º* do Morgado do Carregado filho de Ant.º Correa


asima d.o tinha muy bons podengos de Açor, soube o elRey D. Sebastiaô,
[720] e mandoulhe pedir hum par dellas por D. Luis de M.º seu Alferes Mor q servia
tambem de Cassador Mor, mandou M.! Correa ajoujar hã cad q chamavaôd
bejayo, e huã cadella & chamavaô Paraã, q eraô os melhores, e mando [u] os por hi
lacayo, e com elle hi escudeiro seu por nome Ant.º Sanches, q os entregace da sua p.'*
ao d.'º D. Luis, chegou Ant. Sanches com os cains ao Paço en tempo q elRey
estava jantando, pedio a hi moço da Cam."* q quando entrace com alguã iguaria,
desse recado a D. Luis de M.º q estavad aly os podengos q elle pedira da parte
delRey a M.º Correa, sahio D. Luis da caza de fora, e deulhe Ant.º Sanches o
recado q p.' elle levava de seu amo, perguntoulhe D. Luis como se chamaô os
podengos, respondeo Ant.º Sanches, a cadella chamace, Para que, o caô tem hã
nome & me naô convem a mi dizelo a VM; era D. Luis de M.ºs fidalgo de muy boa
graça dizidor e com quem clRey folgava m.ºº, e vendo & Ant.” Sanches naô queria
dizer o nome do cad entendeo 3 devia ter algãi aparelhado p.º alguma traveçura e
apertou m.'º com Ant.º Sanches q lho dicece, e elle lhe disse, o cad ja q V.M.
me manda q o diga, chamace Bejayo; festejou m.'º D. Luis o nome do caô, e mais
naquella hora, entrou logo na caza donde clRey comia, e lhe disse, manda aly M.ºl
Correa os podengos a V.A., respondeo elRey estaô ahy mandayos entrar q os
quero ver, e mandai dizer a M.º Correia q lhos agardeço m.'º, mandou Dom Luis
entrar os Caifis, e disse-lhe elRey como os vio, parecem bons, como se chamas,
disse entaS Dom Luis, a cadella S.º* chamace Paraque; o Caô naô no ei de dizer a
V.A.; como mo nad aveis de dizer, tornou elRey, respondeo D. Luis, naô se
cance V.A., q o naô ei de dizer, diloei a Pantalead de Sá, digalhe V. A. q mo
pergunte; disse elRey p.º Pantalead de Sá perguntai a D. Luis como sse chama aquelle
caõ, era Pantalead de Sá jrmaô de Fran.“º de Sá Alcayde Mor do Porto à depois veyo
a ser Conde de Matozinhos, e tinha ja sido soldado na India, aonde pelejara com
grande valor, era naturalmente desconfiado, e vendo q à petição do Alferes Mór
[730] elRey mandava lhe fizece aquella pergunta entrou em alguã desconfiança, e assim
meyo toldado se virou p.* D. Luis, e lhe disse como se chama esse caô, ao q
D. Luis disse, chamace Bejayo, foy grande o rizo q saltou em todos, e elRcy se
não podia ter com elle, e Pantalead de Sá m.'º sezudo, e m.*º desconfiado, torcia os
bigodes emquanto o rizo durou.
9

LX

[De um desafio protraído] 1

Este Pantalea6 de Sá no anno em q chegou à India reinol, teve hã dezafio com


D. M.º! de Lima*2 o Grande à jas sepultado na Capella Mor de S. Fran.“ de Lx.º
o qual dezafio com D. M.4 de Lima o Grande por ser notavel, he bem se faça
memoria dele, e foy na maneira seguinte. Em hã cometim.'º q os nossos tiveraôd
com os Mouros hia na dianteira Dom M.º! de Lima, o qual era grande cavaleiro,
e tinha mostrado ja em m.''s ocasiões o grande valor de sua pessoa naquellas partes,
aonde tinha servido m.'º* annos. PantaleaS de Sá dezejozo de mostrar seu esforço
se quis adiantar ao d.'º D. M.º, e indo passando por elle lhe puxou o d.'º D. M.º
pla roupa, dizendolhe, de tras de my ides bem, e em vosso lugar, calouce entaôd Panta-
leaS de Sá sem lhe responder, e como tornaraô p.* Goa, mandou dizer a D. M.º q tal
dia, a taes horas, o hia esperar a tal parte, com taes armas, p.? lhe fazer confessar
q era elle homê p.º hir diante do mundo todo; tinha ja naquella hora dada
omenagem ao VizoRey pila fortaleza de Dio q hia governar D. M.º, e assim
respondeo a Pantalead de Sá q elle naô podia ja aceitar o dezafio porã elRey lho
prohebia, mas & lhe pedia se quizece quietar porã naõ o afrontara no q lhe
dissera, nem alguem se dava por injuriado de hir de tras de D. M.º de Lima:
Foy D. M.º entrar em Dio aonde esteve tres annos, e em acabando se veyo
a Goa, e achando as naos p.? partir se veyo nellas com toda sua faz.: No inverno
seg.*e se recolheo Pantalead de Sá q andava no mar a invernar em Goa, aonde
soube 3 D. M.º de Lima era partido daquelle vera p.º Portugal, ficou enojadissm.º,
e logo deixando as armadas em que servia se embarcou nas naos da carga p.?
o Rn.º em busca de D. M.1 de Lima, e chegando em Julho a Lisboa achou &
o d.'º D. M.4 era tornado a India por Capitaô Mor das Naos & aviaô partido
naquelle m.ºº passado, e detendoce em Portugal emquanto se aviavad as nãos q
aviad de partir no anno seguinte se embarcou nellas, e chegando a Goa cuidando
q D. M.4 de Lima se deixaria ficar na India, achou q se avia tornado aPortugal
fazendo sua viagem de Capitad Mór, e tornandoce a embarcar nas prim."a* naos q
partirad p.' o Rn.º chegou a elle a salvam.', e dezembarcando em Cascaes se

51 Vide os oito desafios registados por Gaspar Correia nas Lendas da Índia, especialmente aquele entre
Rui Lourenço de Távora e D. Francisco de Meneses. Nenhum deles, porém, tão espectacular como este.
52Manuel de Lima é contemporâneo na Índia de Rui Lourenço de Távora, quando este era
Capitão de Baçaim
q
98 ,

meteo em hã barco com dous criados seus, e escreveo hã escrito a Lx.º a D. M.º q
elle era chegado da India a este Rn.º, aonde ja viera outra vez, e vinha agora som.
a buscar a reposta de outro escrito q em tal tempo lhe mandara em Goa e p.?
isso o estava esperando em tal praya com huã capa e espada sem padrinho, descui-
dado estava ja D. M.4 de Lima deste dezafio, antes imaginava q o dezafio a elle Panta-
lead de Sá fora na India impito de desconfiança de moço ainda reinol naquellas p.'ss
q o tempo teria ja gastado, e elle viviria ocupado tudo em cuidar como daria melhor
[73] conta de ssy no serv.º delRey, com tudo tomou huã capa e espada som.'s, e se foy
ao lugar aonde PantaleaS de Sá o estava esperando; era D. M.º de Lima ja velho mas
à
grande jugador das armas, dava huã estocada a q nunca achou reparo, e chegando
prezenza de Pantalead de Sá, dizé q passou com elle estas palavras, depois de se averem
saudado, S.º* Pantalead de Sá, somos dous fidalgos honrados, e conhecidos, q proveito
tiraes vos, ou eu, de nos matarmos hã ao outro, se vos disse na India aquella palavra
q tanto sentistes bem vola podia dizer porã em fim crá hã fidalgo de tantos annos
de serv.º q tinha envelhecido entre pelouros, e vos hã fidalgo moço q ainda entaô
começaveli]s a ter a p.'* vista delles, vindevos comigo p.º minha caza, e descançareis,
e aliviareis nella os trabalhos desta viagem, q justo he, pois eu vola fiz paçar, vos faça
e ajude agora a descançar delles, naô quis Pantalead de Sá estar pelas razoês q lhe dava
D. M.º p.' naô averem de brigar, antes lhe disse q tinha ja metido naquelle neg.º
grande empenho, hindo por amor delle huã ves de Portug a India, e vindo duas da
[75v] India a Portugal, e q naô avia de baldar os trabalhos & nestas tres viagens passara por
nenhuma couza do Mundo, dicelhe entaô D. M.d S.º* PantaleaS de Sá vos bem sabeis
q tenho huã estocada q ninguem até agora ma pode desviar, ou rebater, por vida vossa
q nad queiraes exprementala, presestindo PantaleaS de Sá em seu propozito levarad
das espadas, e remetendo hã ao outro, disse D. M.º, hora rapas ja q naô queres, vaite
ao Inferno, e tirandolhe a estacada o atraveçou plos peitos de parte a parte, sentindoce
PantaleaS de Sá atraveçado com a espada de D. M.“ se meteo por ella, e lhe lançou
o braço esquerdo p.º o ferir com os punhos da sua, e como Pantalead de Sá era mancebo,
e de m.t:s forças e D. M.º ja velho, e sem ellas, p.º se livrar do braço q Pantaleaô de
Sá lhe lançara acudio com ambas as maôs, largando a espada com q o tinha atraveçado,
o à advirtindo Pantalead de Sá lhe deu hã puxaS com q o lançou de sy, e fogio p.' o
mar chamando os criados q lhe acudicem, os quais lhe acodirad com grande preça,
e o meterad no barco e o levarad a Lx.º aonde lhe tiraraô a espada, e foy curado da
ferida, e sarou della, D. M.l de Lima tanto q vio hir Pantalead de Sá fogindo
atraveçado com a sua espada, lançou a correr apos elle gritando, e dizendo, rapas,
da me a minha espada, e vendo q se metia no barco, e q naô tinha ja remedio se
tornou p.º sua caza, devulgouce logo o dezafio, e correraô logo os fidalgos a vizitar
99

os dezafiados, aos q hiaô ver a Pantalead de Sá e lhe perguntavad plo & fora aquilo,
respondia elle aly está a espada com q D. M.º me fiírio, e como isto de perder a espada
em dezafio seja como for se tenha por grande dezar entre os q professad armas, ouve
D. M.º de Lima q ficara afrontado, e esperava & Pantalead de Sá cobrace saude, e forças
p.º se tornar a ver no campo com elle, mas sendo elRey D. Joaô o 3.º avizado disso
lhe mandou a ambos q se nad tornacem a dezafiar, sem prim.'º se detriminar por
snn.“: qual delles ficara melhor e dando elRey juizes à cauza se julgou e detreminou
por elles, q D. M.º de Lima ficara melhor do dezafio pois ferira a Pantalead de Sá,
e q elle fora mais venturozo em lhe trazer a sua espada, mas a trouxera dentro em sy,
pois sahira atraveçado com ella, o q naô hera propriamente tomada, e q computando
a melhoria de há com a ventura do outro os julgaraôd por iguaes, e que podiaô ser
[767] amigos, sem detrim.'º algã de sua honra, o q visto lhes mandou elRey q o fossem,
e assim teve fim esta taô notavel e perlongado dezafio.

LXI

[De como se elege]

D. Payo Peres Correa Viveo nos reinados dos Reys D. A.º 2.º, e D. Sancho 2.º
a que chamaraô capello, e Dom A.º 3.º seu jrmaô; foy £.º de D. P.º Paes Correa, e de
D. M.: MeZ da Silva e hã dos mais valerozos, e famosos Capitaés que ouve em
Hespanha, sendo Comendador de Alcacere da ordem de Santiago, e General delRey
D. Sancho 2.º em cujo serv.º tomou o Rn.º do Algarve aos Mouros, depois foy feito
Mestre de Santiago em toda Hespanha; por este modo, estavad os cavaleiros da
ordem juntos em Veles p.* elegerem mestre, e tinhaô mandado a Portugal recado a
D. Payo Peres Correa p.' se achar tambem na eleiçaô, tardou elle, procederaô a ella,
e devidirance os votos de man."* % naô chegarad a eleger, e vendoce os eleitores juntos
[7] sem fazerem nada vieraô a concordarce nisto, ã esperacem por D. Payo Peres q ja naô
podia tardar m.'º, e que se comprometecem todos nelle, e fosse eleito Mestre quem elle
nomeace, tanta satisfaçaô se tinha de sua pessoa: Chegou D. Payo Peres Correa a Veles,
e lhe disseraô os cavaleiros como se tinha todos comprometido nelle p.? elegerem em
Mestre a pessoa q elle nomeace, q nomeace hã cavaleiro da ordem q lhe parecece mais
apto, e suficiente p.º o ser, porq ece ficaria eleito, e vendo elle a detriminaçad 3 se tinha
tomado, despois de cuidar hã pouco disse, eu me nomeyo a my para Mestre, ficarad
todos enleados olhando his p.º os outros, mas com tudo por vertude do concerto
100

q tinhas feito foy D. Payo eleito Mestre; 5? paçada esta accaô lhe disse hi cavaleiro seu
amigo, como fizera aquilo q nunca ninguem tal delle cuidara, ao q elle respondeo
dizendo, mandaramme q nomeace a pessoa q eu entendece era mais p.* Mestre desta
Religiaõ, eu entendo de my & sou p.' o ser, e de nenhã dos outros sei tanto como de my,
e por isso votei em my deixando todos os mais, feito D. Payo Peres Correa Mestre
[77v] de Santiago se passou a Castella donde entaô estava a cabeça da relegiaô de toda
Hespanha, e em serv.” delRey D. Fernando o S.to, foy a prencipal cauza de se
tomarem aos mouros os Rn.ºs de Murcia, Jayem, e Sevilha, foy m.*º amigo de DS,
e de grande fé, dando huã batalha aos mouros, e indo no alcance delles, hialhe faltando
o dia o q lhe era empedim.'º total p.* os desbaratar de todo, chamou por Nossa Srã
com grande fe, dizendo, oh Santa M.º tem tu o dia, couza maravilhoza q parou o
Sol à vos de D. Payo Peres Correa, como na ley antiga parara à vos de Juzué, e assim
ficou o dia durando mais do seu curço n.1, quanto foy notorio p.? os Mouros ficarem
de todo vencidos, e desbaratados, e por memoria deste taô grande milagre mandou
o Mestre D. Payo Peres naquelle mesmo lugar fazer huã ermida da invocaçaõ da
Virgem M.: Nossa S.'2, junto da qual esta situada huã Villa ã por lembrança das
palavras com % o Mestre fizera parar o Sol se chama Tentudia, e a jrmida se chama
hoje Sancta M.? de Tentudia.

LX

[De um casamento forçado]

EIRey D. Joaô o 1.º da boa memoria quis cazar duas Damas da Raynha D. Phe-
lipa sua m.º, das quais huã se chamava Beringeira Nunes, e era filha de Ruy P.'s
o bravo, a outra avia nome Leanor P.:2, e era filha do Marichal Alv.º Pereira, S.º
da terra da Feira, e buscoulhe maridos quais entendeo q lhe convinhaõ, p.º Birigueira
Nunes, Alv.º Vasques Correa Alcayde Mor de Abrantes, e comendador da Ortalagoa
da ordem de Santiago f.º de Vasco Correa, e p.* Leonor P.ºº, Martim Vasques de
Rezende S.º* da Terra de Rezende e S.t: Crus, e na vespora do dia em q se aviaôd
de receber na sua capella real, lhes mandou dizer a ellas, e a elles q se aparelhacem porq
no dia seg.te se aviad de receber, sem lhes mandar dizer com quem, his e outros se

53 Nomeou-se Mestre em 1242 e serviu 33 anos neste cargo. O mestre era eleito por 13 irmãos;
teria sido ele, portanto — segundo a anedota —, o décimo terceiro. Talvez não seja apenas coincidência
que Rui Lourenço de Távora também fosse cavaleiro da Ordem de Santiago.
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Ea x»

101

sobre saltarad m.tº com o recado delRey, porque todos tinhaô suas afeiçoês, e naõ
sabiaô se lhe asertaria elRey com ellas, todavia elles, e ellas, se vistiraô de galla, e se
concertaraô o melhor q puderaõ, p.º aquelle acto, veyo elRey e a Raynha a Capella
com toda a corte em prezença de todos chamou elRey aos noivos e disse a Alv.º
[780] Vasques Correa q recebece por mulher a Biringueira Nunes, e Martim Vasques de
Rezende q fosse receber a Leonor P."2, tanto q elles souberaô quais aviaô de ser suas
mulheres, e ellas q maridos lhes elRey dava, como elles nad eraõ aquelles a q ellas
estavaô afeiçoadas, nem elles as q traziaô no pencam.tº htis e outros abaxaraô os rostos,
e ficarad m.tº tristes, receberance mas naô ouve a festa q se esperava, porã elRey
mostrou grande desprazer de os ver assim, e todos os sircunstantes vendo elRey triste
se entresticeraô, e se fizeraô aquelas vodas m.'º friam.ts, estes foraô os prim. "os cazam.tos
q elRey fez, e vendo elle q se lhe deraô taô mal, disse à meza, eu busqueilhes a ellas
os maridos q entendi q lhes convinhad assim na nobreza como no demais, e a elles as
molheres com % me pareceo lhe[s] estava bem cazar, mas ja q nem elles, nem ellas,
se deraô por contentes, eu vos prometo q me naô [meto] mais em outra.

LXUI

[De uns açoites nupciais]

[79] O sobred.º Alv.º Vasques Correa por morte de sua pr.' mulher Beringueira
Nunes cazou segunda vez com Violante Vasques £.* de Vasco MiZ de Sousa, e de
nenhuma destas m.“*s ouve f.ºº, fora de matrimonio ouve hã som.'* por nome Martim.
Correa, este Martim Correa foy criado, e feitura do Infante D. P.º Duque de Coimbra
£º 2.º delRey D. Joad o 1.º, o qual Infante lhe fez dar a Torre de Murta 3 legoas de
Thomar, indo por Coimbra, 3 he prazo da ordê de Xpô, andando o d.'º Martim
Correa na corte delRey D. A.º 5.º namorava huã Dama da R.º D. Izabel m.: do d.to
Rey q se chamava Leonor da Silva, era £.º de Fernaô MiZ de Carvalhal Alcayde Mor
de Tavira, e sobrinha do Condestable D. Nuno Alvrs P.:2, e continuou nestes amores
algis annos, sem ella lhe dar vento, por sima de tantos disfavores coantos della recebia,
tentou elle cazar com ella, e ella respondeo a quem lhe falou no cazam.'º % naô era elle
o homê com quem ella avia de cazar. E isto dezia porã trazia o pençam.tº em Nuno
Furtado de M.: Apozentador Mor do d.tº Rey D. Affonço: Como Martim Correa
[79v] soube da reposta q dera Lianor da Silua, disse a quem a trouxe, a m.'º pezar seu avia
de cazar com ella, e buscando p.* isso todos os meyos q lhe pareceraô convinientes,
102

veyo a conceguir seu intento, e cazou com a d.!* Lianor da Silva e na p.”* noite q se
lançou com ella na cama com hã instrom.'º q p. isso levava, lhe deu m.'º açoute;
dizendo: agora vereis se sou eu homê p.? cazar com vosco, deste matrimonio naceo
hã £.º q se chamou Henriã Correa da Silva, o qual chamaraô m.'º* annos no Paço o fio
da açoutada, seu pay Martim Correa durou pouco depois de cazado, e sua may Leonor
da Silva cazou por sua morte com o d.tº Nuno Furtado de M.«:, e foy may de D. Anna
de M.« de quem elRey D. João o 2º ouve o S.º* Dom Jorge & foy Duque de
Coimbra Mestre de Santiago, e de Aviz, e S.º7 de Monte Mor o velho.

LXIV

[De uma viagem a Santiago e da fogueira que resultou dela]

Fern.% A.º de Sanctarem foy Cam.*o delRey D. Joaô o 1.º q venceo a Batalha
[80] de Aljubarrota, era jrmaô de Joad A.º de Santarê 3 foy veador da faz.* do mesmo Rey,
o qual nas cazas q tinha em Santarem fes o Hospital da d.*s V.: q ainda hoje dura, e dei-
xando o serv.º delRey se recolheo nelle com sua m.** depois de velhos, acistindo aos
doentes q nelle se curavad como enfermeiros, e lhe apricarad toda sua faz.* por naô
terem £.ºs, e neste modo de vida continuarad em serv.º de nosso snôr ate sua morte;
foy Fernaô A.º mancebo m.*º gentil homê, e de muy boa graça, elRey lhe era por
estremo afeiçoado, de modo 3 todos eraS em conhecim.'º do grande bem q elRey
lhe queria: sofria elRey q os cortezoês galanteacem as Damas da Raynha D. Phelipa
sua mer, e lhes permitia todo o amor q naô paçace de galanteria, prohebindolhe
grandem.'* o q cheirace a dezonesto; era Dama da R.º D. Britis de Castro, moça m.*º
fermoza e m.'º nobre £.º ligitima de D. Alv.º Pires de Castro, Conde 3 fora de Arrayolos,
e Condestabel deste Rn.º, jrmaô de D. Ines de Castro, era a d.'* D. Britis prima com
jrma dos Infantes Dom Joaô, e D. Dinis £ºs delRey D. P.º e sobrinha do mesmo
Rey D. Joaô filha de seu primo 2.º: Como Fernaô A.º era taô favorecido delRey
[80v] entendeo q tudo lhe era licito, e começou a galantear a d.t* D. Britis, e ella àfeiçoarce
ao d.to Fern. A.º, de man." 3 àfeiçaô q entre elles ambos avia, e o trato della veyo
a ser notado, e mormurado no Paço, e era ja este trato taô facil q quando D. Britis se
sahia delle por cauza da endespociçaô, ou de alivio, p.º caza de alguã sua parenta
Fern.ºº A.º à hia vizitar a d.'? caza, como estes amores eraô ja taô publicos, atreveuce
hã fidalgo velho a descobrilos a elRey, dizendolhe % atentace por sua caza porã Fern.
A. seu Cam.*º olhava p.º D. Britis de Castro, e tratava com ella de mao geito, de modo
103

% todos eraô ja no Paço em conhecim.'º disso pla publicidade do trato à entre elles
avia: síntio elRey isto m.'º porã por huã p.'* queria bem a Fern.ºº A.º como está d.'º,
e por outra convinhalhe acudir ao credito, e autorid.º da caza real, e ambas estas couzas
se naô podiaô concervar, sendo verdade o q lhe dizia aquelle fidalgo, e por se justificar
com Fern.º A.º, ou entender q se avia alguma couza bastaria darlhe huã repreençaô
[81] p.º naô aver mais nada, o chamou hã dia, e lhe disse o à lhe aviaô d.tº, q se avizace
q naô tivece trato algú com nenhuma Dama da R.º, prencipalm.'* com D. Britis de
Castro, bejoulhe Fernaô A.º a maô pla m.ºs q lhe fazia, de lhe dar aquelle avizo; p.º q
elle se guardace sempre de tudo aquilo & pudece chegar a dar algã desgosto a sua real
pessoa, a quem elle dezejava servir com aserto, porem q o q lhe aviaô d.*º delle aserca
de D. Britis era puro engano e falcid.e, nacida da m.'* enveja q lhe tinhaô todos no
Paço, por verem que sua A. lhe punha os olhos e mostrava terlhe afeiçaô, o q elles mal
sofriaô, e q por ali quiriaô ver se o podiaô lançar de sua graça; bem poderá isso ser
(lhe respondeo elRey) mas fazey os vos mentirozos, e farmeeis nisso a vontade: E porã
a mormuraçaô q disto avia tinha ja chegado as orelhas de D. Britis pedio 1.º: p. sahir
do Paço p.? caza de huã parenta sua p.º onde se foy por algii tempo, passados algiis
dias tornarad avizar a elRey q fern.%º A.º fizera pouco cazo da repreençaô q elle lhe
dera, e q os seus amores e tratos com D. Britis coíriad como dantes, e q elle
[810] naô deixava de hir a sua caza, tornou elRey a tomar Fern.º A.º só, e lhe disse 3 lhe
aviad tornado a fazer queixa delle sobre a mesma matr.” de q ja o avia avizado, q olhace
por sy, porã se achava ser verdade o q lhe deziaô o avia de castigar regurozam.'s,
e Fern.ºº A.º lhe respondeo, ja vos tenho d.'º 8.º: G me querem. todos mal porã vos me
quereis bem, e 3 daqui nace tudo o q me levantaôd porã he huã pura mentira, e se mor-
muraô de eu hir a caza de D. Britis, ou de ella me escrever sobre algii neg.º seu, daime
S.º7 L. p.º me hir a Santiago de Galiza, e como me naô virem aqui se cesa a mormu-
raçaô, disselhe elRey, pareceme isso m.tº bem,; tanto era o amor q o mesmo Fern.
A.º entendia q elRey lhe tinha % naõ temia castigo algã de sua maô, por mais culpas
q cometece, e assim em ves de hir p.º Santiago como dissera a elRey se foy p.' caza
de D. Britis p.? estar ahy todo o tempo q lhe parece poderia gastar na jornada; soubece
[82] logo no Paço a q Santiago Fern. A.º fizera a sua romaria, e como estava em caza
de D. Britis, mas como todos sabiad o grande amor & elRey lhe tinha ninguem lhe
queria ja falar nisso, por lhe naô dar pena, e desgosto; hi dia estando elRey falando
com hã fidalgo nas grandes calmas 3 faziaô, por ser entaô veraô, lhe lembrou Fern.“
A., e as q teria passado na sua romaria de Santiago, ao q o fidalgo se rio, dizendo
naô vos de Snôr isso cuid.º porq o Santiago a & Fern.º A.º foy naô está m.'º longe daqui,
plo q as calmas q tem passado na jornada naô deviaô de ser grandes, porq dizeis isso
tornou elRey, porã respondeo o fidalgo, do dia q Fern.dº A.º se despedio de vos athe
104

agora jas em caza de Dona Britis, agora disse elRey, creyo q tudo o q se diz delle he
mintira pois vos estais dizendo isso, avendome elle pedido L.“ para hir a Santiago
de Galiza, mais barato disse o fidalgo, se vos quereis S.º* saber se vos falo eu verdade
ou naô, mandai chamar o Corregedor, e mandayo a caza de D. Britis, e se elle la o
[820] nad achar cuidai entad o q quizeres, mandou elRey chamar o €.º* e lhe disse, ide a
caza de Dona Britis de Castro, achareis la Fern.º A.º prendeyo, e trazeyo comvosco
a minha prezença, ainda elRey cuidava e tinha por impossivel estar elle la, sendo
assim & lhe avia pedido L.“ p.º hir a Santiago, tendo p.º sy q o contr.º era naô fazer
cazo delle, o q elRey naô podia crer de Fern.ºº A.º: partio o Corregedor, e poçe elRey
a jantar q eraô ja horas de comer, e em acabando se lançou a dormir a sesta em calças,
e em jubaô, e em pernas, nos Paços do Castello onde entaô vivia; entrou o C.º* em caza
de D. Britis e achou nella Fern. A.º como tinhaô d.'º a elRey, prendeo [0] e veyoce
com elle andando p.' o Castello, passando por Sancto Eloy estava a porta da Igreja
aberta, o q vendo Fern.%º A.º se livrou do €.º* e dos 3 com elle hiaô, que por cortezia
o levavaô entre sy, sem lhe averem lançado cordeis, e lançando a correr se meteo
dentro nella, sarrando a porta sobre sy e correndolhe o ferrolho pla banda de dentro,
[83] acudio logo o C.º! a porta, e mandando à lhe abricem da parte delRey os de dentro
o naô quizerad fazer, naô quiz o C.º: mandar a rombar as portas por serem da Igreja,
foy ao Paço, e fes dar recado a elRey à estava dormindo, como estava elle ahy, mandoo
elRey entrar, e o ouvio assim como estava deitado em huã camilha, e o C.º* lhe disse
& elle achara a Fern.% A.º em caza de D. Britis de Castro, e q trazendoo com sigo descui-
dado do à podia acontecer, elle lhe fogira dentre as maôs, e entrara na Igreja de Sancto
Eloy à estava aberta, e sarrara a porta sobre sy; e lhe correra o ferrolho, e q batendo
elle C.º* a porta, e mandando q lhe abricem da parte delRey; os de dentro o naô
quizeraô fazer, ouvindo elRey isto tomou taô grande paixaôd q assy como estava em
pernas, em calças e jubaô, com hi roupaô som.'* e humas chinellas nos pés, sem couza
alguma na cabeça, se sahio do Paço sem mais comp.* & a do C.º* e dos q com elle hiaô,
e dous ou tres homens de seu serv.º, e se foy a S.'º Eloy, e batendo rijo à porta, e per-
[83] guntando de dentro quem era, respondeo & era clRey, soube logo Fern. A. q
estava elRey a porta, e vendo q lhe naô podia escapar, se sobio sobre hum. altar, e se
abraçou com ha Imagem de Nossa S.*: q nelle estava; abrioce a porta como souberaô
q elRey era o q batia, entrou elle, e perguntou por Fern.% A., e disseranlhe aonde
estava, mandou elRey entaô q o tiracem dahy, e naô querendo elle decerce por bem,
o arrancarad por força, e trouxe com sigo aquella imagem de nossa S."* a q se abraçara,
a qual caindo no pavim.tº se fez logo em pedaços, pla qual mandou elRey por outra
depois, de prata, no mesmo altar, do mesmo tamanho; Mandou entaôd elRey ao €C.º:
q levace Fern.% A.º ao Caçere, e o puzece a bom recado, e se tornou elRey p.* o Paço
105

mais acompanhado q aly viera, por soou logo o cazo pla cidade, e de muitas partes
concorreo gente aquelle lugar; Fern.dº A.º fiado no grande amor q elRey lhe mostrava
ter, entendia & tudo aquilo eraô foscas, e q brevem.'s o mandaria por na rua, e o mesmo
[84] cuidava toda a outra gente, naquella tarde mandou elRey dizer ao d.tº Fern. A.º
q se confessace, e tratace de sua alma, mas nem por isso dexava de cuidar q tudo eraô
medos q elRey lhe metia; com tudo mandou dizer a D. Britis q elRey se mostrava
irado contra elle, se queria ella 3 elle se chamace seu marido, p.º ver se com isso podia
escapar de sua ira; ella lhe mandou q por qualquer 3 entendece escapar da ira delRey
fizece, começouce elle logo a chamar marido de D. Britis, e ella sua mulher: na menha
do dia seguinte mandou elRey fazer huã fogueira no terreiro, e os q viaô juntar a lenha
diziaô hiis p.* os outros, olhay vos p.º q elRey anda nestas envençoês com Fern.ºº A.,
se sobre tudo o a de mandar p.º sua caza, e o mesmo Fern.º A.º estava ainda q tudo
aquilo era huã pura envençaõ, e traça, finalm.'s elRey o mandou tirar do Carcere
naquella menhaã, e levar ao lugar aonde ja a fogeira estava preparada, e elle hia com
[84v] os olhos na[s] janellas do Paço, esperando & de algumas dellas o mandace elRey hir
p-º sua caza, e vendo q o deixava hir até a fogeira entendeo, q queria deixalo chegar
the o ultimo, entaô q da fogueira o mandaria levar, isto mesmo entendiaô todos os %
estavad prezentes a este espetacolo, com tudo elRey decimulou com isso, deranlhe
garrote, e puzeranlhe o fogo, assim morreo queimado Fern.ºº A.º: como aquilo foy
couza naô esperada entrou em todos grande espanto, e temor, prencipalm.'s em
D. Britis de Castro, a qual mandou perguntar a elRey o q avia de ser della, elRey lhe
mandou dizer, & della naô queria outra vingança, mais & ser ella da linhagem q era,
e vela barregaã de Fern.º A.º, Dona Britis se foy p.º Castella, ella cazou ainda com
D. Pedro Nunes de Lara Conde de Mayorga.

LXV

[Outros amores]

Joaô de M.º: da Silva foy filho de Ruy Gomez da Silva Alcayde Mór de Campo
[85] Mayor, e de Ouguella e jrmaô de Diogo da Silva de M.º* p.'º Conde de Portalegre,
e Mordomo Mor delRey D. M.º, sendo moço fidalgo delRey D. A.º 5.º se afeiçoou
a Infante D. Leonor º* jrmã do mesmo Rey, a qual era quazi de sua idade, e m.ºo

54 Faria e Sousa, em Europa Portuguesa (Lisboa, 1675), II, 372-373, alude ao caso e muda o sentido
histórico todo, dizendo que a amada era a sua própria irmã D. Beatriz da Silva!
106

fermoza; naô ouzava Joad de M.s a descobrir esta sua afeiçad, plo perigo q corria
nella sua peçoa se a descobrice, mas em segredo colhia, e só consigo gozava os fruitos
della, os quais eraô adiantarce a todos no serviço da Infante; darlhe a entender o grande
gosto q tinha de a servir, na presteza e dilig. com q acudia as couzas de seu serv.º,
e finalm.te naõ sahir de sua prezença em quanto lhe era lícito, nem tirar os olhos
della: ofereceuce a elRey seu jrmaô cazala com Federico 3.º Emperador de Alemanha,
o q foy nova tristiss.: p.º Joad de M.ºs, porq ou avia de carecer de sua vista, e prezença,
o q elle naõ podia acabar com sigo, ou deixar ao Rn.º em q se criara e offerecerçe
a Emperatris p.º q o quizece levar em seu serv.º, e pondo por obra este 2.º pençamento
como unico remedio de sua vida, a Emperatris lhe aceitou o offerecim.'o, e agar-
[857] deçeo m.tº querer elle por amor della renunciar a patria, os parentes, e os amigos,
e hir viver entre Alemoês gente estrangeira de taô defirentes uzos, e custumes; partiuce
a Emperatris p.º Roma aonde o Papa Nicolao a recebeo com o Emperador seu
marido, precedendo ao recibim.tº m.t:s seremonias, e daly se foy a Napoles aonde
elRey D. A.º seu Tio lhe fez grandes festas, e ultimam.'* a Alemanha levando em sua
comp.º a Joaô de M.*s, cuja pessoa estimava m.'º, assim pla querer hir servir a terras
taô remotas, e apertadas, couza q os fidalgos de sua calid.: naô custumavad fazer,
como por ser elle m.'º p.? estimar, por ser dotado de muitas, e boas partes naturaês,
e averce criado no serv.º delRey seu jrmaô, e poder falar com ella* nas couzas de
Portugal, quando as de Alemanha lhe cauzacem nojo e fastio; tinha Joad de M.ºs
em Alemanha mais occaziões de poder ver a Emperatris q em Portg. Via[a] muitas
vezes, e se destas vistas recebia conçolaçaS seu dez.º, tambem com ellas hia crecendo
àfeiçaS q lhe tinha a qual por elle se naô atrever a descobrila veyo a ser tamanha, e a
[86] tomar nella tanta força q vençendo as da razaô lhe chegou a cauzar hu grande
enfermid.º, mando o a Emperatris curar com grande cuid.º plos seus medicos, aos coaes
perguntava m.':s vezes por elle, e lhe encomendava m.'º a saude, veyo Joaô de M.º
a cobrala, mas naô perfeita, porã lhe ficarad humas religuias da doença, q o naô
deixavad convalecer, e por mais medecinas & os medicos lhe aplicavaô lhe naô podiaô
restetuir a vontade de comer, com q se hia enfraquecendo, de modo q a m.t* fraqueza
em q se pos, veyo a ser huã infirmid.º nova a q os medicos nad sabiad dar remedio;
bem sabia Joad de M.ºs q o mal ã naquelle estado o tinha posto era o grande amor
Emperatris tinha, e q a tal enfermid.º era izenta das leys da medecina, mas & dese-
mulava com ella porque na cura aventurava a vida, q ja por alheya estimava mais &
por sua, e assim vinha aquelle seu mal a ser encuravel; chamou a Emperatris os medicos
solicita da saude de JoaS de M.ºs e mandoulhes à fizecem junta sobre ella, da qual

* Lêse «elle no ms., lapso sintáctico do anedotista.


107

[860] rezultou dizerem todos a Emperatris q elles naô entendiaô aquella infirmid.º porã
lhe tinhaô aplicado toda a medecina, e q só faltava tentar o Natural, a ver se a natureza
tornada aos ares da patria, as agoas e mantim.t's com q se ctiara, tomava algumas
forças, e alento, e assim q devia S. Mg.º mandar aquelle fidalgo p.* Portugal se lhe
dezejava saude; mandou entad a Emperatris vir diante de ssy a Joaô de M.s e lhe
disse, os medicos assentavad & convinha m.'º a sua saude tornarce p.º Portugal, e q
posto q ella sentia m.*º apartalo de sy porã recibia grande gosto, e conçolaçaõ de o ter
con sigo; todavia mais queria q elle vivece saô em Portugal, q enfermo em Alemanha,
q ella escreviria a elRey seu jrmad o bem q elle a tinha servido, p.º q elle lhe fizece
as m.ºes Q ella determinava fazerlhe, e q aly a tinha p.º tudo o & fosse de sua honra,
e seu acrecentam.*º, ao q Joad de M.s: respondeo, mal conhecem os medicos Snrã,
esta minha infirmid. como dizem, e mal lhe atinaô com o remedio, pois me mandaô
[87] convalecer della a Portug.l aonde estou serto hirei acabar ainda mais depreça, ja q vos
estaes serto nisso (lhe tornou a Emperatris) deveis de saber o mal de & morreis, e pois
o naô quizestes descobrir aos medicos, peçovos m.'º mo naô encubraes a my; deter-
minado estava eu (respondeo Joad de M.ºs) a morrer antes q descobrilo, mas naô
posso deixar de obedecer a VMg.ºº ao q me manda: o mal Snrã de q morro he o
grande amor q a VMg.º tenho, este me fez deixar o natural plo estranho, a patria
pilo desterro, Portugal por Alemanha, e nella me tem chegado ao estado q VMg.* ve;
com grande compaxad o ouvio a Emperatris, e com[o] prodentiss.: e christianiss.º
Princeza lhe disse, ja q Joad de M.ºs me quereis tamanho bem naô fareis vos huã couza
q vos eu pedir; so mandarme VMg.ºe (respondeo elle) em 3 a sirva me dara saude,
e forças com q eu possa por em execuçad as mayores couzas do mundo, por defecul-
tozas q sejaô, nem eu dez.º outra couza mais q saber de VMg.º* em q mais a possa
[870] servir; pois assim he (lhe tornou a Emperatris) pessovos m.'º q ponhaes em Deus todo
ece amor q me tendes a my. Joaôd de M.ss lhe bejou a maô pla m.“º de lhe mandar
fazer couza a q elle como cristaô estava obrigado, e despedindoce della com m.'*s
lagrimas, lhe prometeo de o fazer assym. Sahiose logo de Alemanha, e se passou a
Italia, vizitou em Roma as reliquias dos Apostolos S. Pedro, e Saô Paulo, e deixando
o proprio nome de Joaô de M.º* se quis chamar Amadeu, tendo ainda na mudança
delle resp.'º a o q a Emperatris lhe mandara amace a D$, e tratando de se dar todo a elle
buscou no monte Aureo aonde o Apostolo S. Paulo foy crucificado hã lugar solitario
em q fes aspera penitencia, gastando m.'* parte dos dias, e das noites em divinas
contemplaçoés, e sustentandoce som.te das esmolas q a Roma hia pedir, com o q lhe
vieraô a ter grande devaçaô, o Papa, e os Cardeaes, e mais gente da cidade, naquelle
tempo mandou elRey D. A.º 5.º de Portugal huã armada em favor da Igr.* contra
[88] o Turco, e por General della D. Garcia de M.º: Bispo de Evora filho do Conde
108

de Vianna D. D.'s de M. o qual fes huã fala ao Papa em prezença dos Cardeaes,
e de outras m.'“* pessoas tam elegante, q espantado della hã dos ouvintes disse p.?
os seus vizinhos, quem he este barbaro q tambem fala, a qual fala acabada, veyo o Papa
a falar em varias couzas com o d.tº Bispo D. Garcia, e entre ellas lhe disse como em hã
lugar solitario vizinho a Roma fazia vida sancta hã homê portugues de nassaô, ao qual
toda aquella cidade tinha en conta de hum grande servo de DS, e se dezia q hera da prin-
cipal nobreza de Portugal; ouvindo isto o Bpº dezejou saber quem era, e enformandoce
do lugar onde vivia se foy no dia seguinte a buscalo por ver se o conhecia, e entrando
na sua cova teve com elle huã larga pratica no descurço da qual o veyo a conhecer,
e o abraçou estreitam.'s, porq era Joad de M.ºs seu primo com jrmaô f£.º de huã jrmaã
do Conde D. D.te seu pay; Viveo o Beato Amadeu algii tempo naquella vida here-
[887] metica, e solitaria, athe 3 estando hã dia em oraçaô lhe apareceo o Serafico P.* Saô
Fran.ºº, e lhe disse q era vontade de Ds q elle se fosse a cidade de Acis aonde estava
o seu corpo, e q aly acharia o ministro g.! de sua sagrada relegiaõ, e q lhe pedice o
habito, e naô se querendo elle por esta vizaô apartar desta sua prim.** vocassaô, teve
outras em q lhe aparecerad Christo Snôr nosso e sua Sanctiss.* may, € lhe mandarad
& comprice e puzece por obra o q Saô Fran.ºº lhe avia d.'o; foice a Acis aonde da maô
do Ministro g.! recebeo o habito dos menores, e por mais humilde escolheo o estado
de frade leigo, e por algis annos viveo naquelle Conv.tº de Acis, aonde tinha profes-
sado em grande perfeiçad e santid.º de vida, cuja fama devulgandoce por toda Italia,
e chegando as orelhas de Fran. Esforcia Duque de Milaô, e da Duqueza sua m.º*,
ouverad huã patente do G1 p.: q o d.t frey Amadeu fosse viver em o Conv.*º de
Milaô, e por seus merecim.t's e oraçoês alcançaraô de D$ hu filho, aly em Milaô
[89] deu o d.tº Duque a fr. Amadeu hã sitio na qual elle edeficou hii Conv.*º aonde se reco-
lheo com outros religiozos de seu Spirito, e com o favor do Duque, authorid.º do Geral,
e letras do Summo Pontifice começou a juntar frades, lançando o habito aos q fogiad
do Mundo, fazendolhes ordenaçoês e estatutos com q melhor guardacem a pureza
de sua regra; Creçeo esta congregaçaô ordenada plo beato Amadeu por toda Italia,
prencipalmente se estendeo por Lombardia sogeita aos conventuaes, o Papa Xisto 4.º
tanto que foy eleito em Summo Pontifice, o mandou chamar a Roma porã o conhecia,
e lhe tinha m.t: devaçaô, fez q se ordenace Sacerdote, e se confessava, e converçava
com elle, e favoreceo m.ºº por seu respeito com m.*** graças e previlegios à sua congre-
gaçaõ, e lhe concedeo a Igreja de Saô P.º do Monte aureo 3 agora se chama Montorio,
no Vaticano aonde o mesmo Apostolo foy crucificado, p.* q nelle fizece Mostr.º,
o qual elRey de França começou a edificar, e depois os Reys Catholicos D. Fern.
[89v] e D. Izabel o acabaraõd suntuozam.*s: foy o Beato Amadeu de vida muy aspera, e austera,
vestia hã so habito simples de pano vil, naô comia no dia mais q huã vez, paô, e agoa,
109

depois de Noa, duas horas depois de comer falava a quem o hia buscar: o mais tempo
se dava a oraçaô em huã cova de Montorio, aonde ha tardiçaô & compos hã livro de
revelaçoês, e profecias, sobre o estado da Igr.* Romana, e do Papa Angelico, e mudanças
do Rn.º e senhorios: faleceo este S.'º Religiozo no seu Conv.'º de S.t* M.º da Pas,
de Milaô em dez de Ag.*º, e jas o seu corpo no meyo da capella Mor do d.'º Conv.'»,
e tem sobre a sepultura a sua Imagem, de pedra, e na cabeça hã resplandor como
de S.o, e desta man.'* esta pintado em S. Pedro de Montorio.

LXVI

[Como se conseguiu casar, sendo professo na Ordem de Cristo]

Hyeronimo Teixeira filho 2.º de Joaô Teixeira, S.º* da caza de Teix."2, foy o pr.º
Comendador da ordem de Xpô q neste Rn.º cazou, o q sucedeo por este modo. Foy
Jeronimo Teix.:: hi fidalgo dos G serviraô na India com grande esforço, e valor,
[20] quando a governaraô D. Fran.“ de Almeyda, e Affonso de Albuquerque, vindo de
lá lhe fez elRey D. M.º m.ºº por seus serv.º* da comenda da Castanheira da d.'a
ordem de Xp6, q he em Tras los montes, e de bom rendim.to, andando o d.to Jm.º
Teix."* na corte veyo a galantear huã Dama da Raynha D. M.º, 2.º mulher do d.to
Rey, q se chamava D. Phelipa da Silva, e era filha de Joaô de Brito jrmaô de Luis
de Brito S.º* dos Morgados de S. L.º de Lisboa, e S.tº Estevaôd de Beja: converteuce
esta galanteria & afeiçad; e chegaraõ assy elle como ella a se afeiçoar hã ao outro de
man.:* q de boa vontade selebrariad o matrimonio entre sy se Jm.º Teix."* estivera
abel p.' o poder fazer, era lhe empedim.'º aver professado na ordem de Xpô, aonde
os professos naô podiaô ainda cazar, e ja o d.'º Rey D. M.º lhes procurara por seus
Embax.'e* na corte de Roma despençassad do voto da castid.* q lhe fora negada 5;
com tudo Jm.º Teix.'* levado da afeiçad q à sua Dama tinha quis tentar a fortuna,
e ver se a podia alcançar p.º sy p.º se cazar com ella; foice a Roma, fes suplica ao Papa
[907] Alexandre 6.º que entaô governava a Igreja de Ds, sahio lhe escuza: dezenganado ja
nesta sua pertençaô p.º se voltar ao Rn.º, se sahio huã noite fora a pacear a cidade,
só com huã espada, e rodella, e encontrou em huã rua huã chusma de gente da qual
lhe perguntarad quem era, e naô querendo elle responder em forma, lhe foy necess.º

55. Cf, Damião de Gois, Crónica do felicissimo Rei D. Manuel (1566), Parte I, cap. XVII, que men»
ciona O caso.
110

levar da espada e endereitar com todos elles, o fez com tanto impeto e destreza,
animo de coraçaô, q naô podendo elles sofrer lhe foraô recuando, e elle os foy levando
diante de sy animozam.ts, vendo os contr.'* em hã so homê tanto valor, dice hã
delles p.: Jm.º Teix."2 basta, naô nos matemos, diga quem he, porã eu sou o Dugue
Valentino; era este Duque £.º do d.'º Papa Alexandre 6.º, e se chamava Cesar de Borja,
fora em outro tempo Cardeal da S.t* Igr.* de Roma, mas por ser homê de valor,
inclinado as armas renunciou o Capello, e aseitara o Ducado de S. Valentim q elRey
de França lhe offerecera, p.la qual razaô era chamado o Duque Valentino, o Papa o
quizera fazer Rey de Italia porq lhe era m.ºº afeiçoado, e se governava em tudo por seu
parecer, em razaô do q era m.ºº respeitado naô só em Roma, mas em todos os Prince-
pes da cristand.s: ouvindo Jm.º Teix."2 q vinha aly o Duque Valentino, se foy a elle,
e lhe offereceo a espada, o Duque lhe perguntou quem era, e dizendo elle 3 hã fidalgo
portugues o abraçou, e constrangeo a G fosse aquella noite ser seu hospede, e depois
da Ceya querendo saber delle % cauza o trouxera àquella corte, lhe contou entaô Jm.º
Teix."* os serv.ºs q fizera a elRey D. M.º seu s.º* nas partes da India, e como em
satisfaçaS delles lhe dera huã comenda grande na ordem de Xp: deu lhe larga conta
de seus amores com D. Phelipa da Silva Dama da R.º D. M.º, e ultimam.te lhe disse
& a grande afeiçaS 3 lhe tinha o trouxera a Roma, a ver se podia alcançar despençaçaõ
do Summo Pontifece p.? se cazar com ella, mas q a suplica & lhe fizera lhe sahira
escuzada, e q estando ja detriminado de se voltar a Portugal sahira a cazo aquella noite
de caza, q fora p.º elle o melhor dia q tivera em sua vida pois alcançava nella a muita
m.ºee q Sua Ex* lhe fazia, e a ocaziad de o poder conhecer o mundo por seu criado;
[910] folgou m.'º o Duque de ouvir refirir a Jm.º Teix."* algumas das milagrozas vitorias
q os portuguezes tinhaô alcançado na India, assim do T'urco, como dos mais pode-
rozos Monarchas della, com hã poder taô infirior ao seu delles, no q naô punha duvida
alguma, porã o m.'º valor, e esforço q elle com tantos exprementara naquella noite
do braço daquelle só portugues, lhe fizera crer delles outros feitos ainda m.'º mayores;
e disse ao d.'º Jm.º Teix."* 3 elle pelo seu grande valor, e boas partes lhe estava afeiçoa-
diss.º, e q p.º lhe mostrar, e fazer serta a m.'? afeiçaô q lhe tinha, trabalharia com todas
suas forças, e aplicaria todo seu poder e valia para q o Papa seu Tio *º dispençace
com elle, e q se lhe alcançace esta despençacad, naô cuidace q vencera pequena defeculd.*,
porque ja edRey D. M.“ Seu S.º” o procurara p.º todos os cavaleiros da mesma ordem
de Xpô, e fizera nisso muitas instancias, e naô pudera alcançar, mas q tudo se devia
a seu m.'º valor: No dia seguinte levou o Duque Valentino a suplica de Jm.º Teix."*

56 O papa, é claro, como o anedotista primeiro assevera duas folhas antes, é o pai e não o tio de
César Bórgia.
J11

ao Papa, e fes com elle q lhe puzece o fiat, e a meteo na maô do d.tº Jm.º Teix."* dizen-
[92] dolhe 3 se fosse embora p.! Portugal, e se lograce m.tºs annos com seus amores, € q
nelle teria sempre hi solicitador de suas couzas na Curia Romana. Veyoce Jm.º
Teix."a m.tº contente p.º Portugal, aonde a sua despençacad cauzou gr.“ alvoroço
nos outros comendadores, e cavaleiros, os quais se foraô a elRey D. M.º pedir tornace
sua A. a fazer instancia ao Summo Pontifece p.º q dispençace com elles, q ja o naô
poderia negar a S. A. pois o concedera a Jm.º Teix."2, felo elRey assim, e o mesmo Papa
a sua instancia despençou entad como todosos comendadores de Xpô no voto da
castid.º p.* poderem cazar. Cazou Jm.º Teix."* com a d.'* D. Phelipa da Silva, comprou
no carregado a quinta de ferraguda perto da de Ant.º Correa Baharem seu primo,
aonde viveo algiis annos, e ouve da d.'* sua m.º: hã filho, e £.2: freiras em S.t: Clara
de Lx.:; o filho se chamou Ant.º Teix."* à q elRey fez m.s* da comenda de seu pay,
e cazou com D. M.º de Tavora £.º de Fran.“ de Sá, e de D. Izabel da Silva, jrmã
de Luis Alveres de Tavora o Velho, S.º* da caza de Tavora, da qual ouve hã so filho
[920] q se chamou Fran.“º Teix."2 de Tav.'* o qual foy m.'º gentilhomê, e hi dos melhores
homens de cavalo q ouve em seu tempo, elRey D. Seb.m o mandou a Africa, q fosse
servir a comenda q fora de seu pay, e avó, e depois de a ter servido lha naô deu nunca:
deziaô q o ser elle taô grande homê de cavalo de q elRey tambem se prezava m.ºº,
e ser gavado desta boa p.' por ex. diante delle muitas vezes, lhe fizera nojo a seus
desp.ºs, dos quais dezenganado Fran.ee Teix.'* se foy servir ao S.ºº D. Ant. £º do
Infante D. Luis, o qual o fez seu Estribr.º Mor e lhe deu 600 Ur3 de renda com q
viveo; cazou com D. Joanna de Atayde sua prima 2.º jrma do Regedor M.€ de Vasc.º*
S.º* de Villanova de Foscoa, e do Morgado do Esporaôd e sem aver della £º* morreo
cat.º em Fés das feridas 3 ouve na Batalha de Alcacer.

LXVI

[De uma gorra perdida]

Dom Affonço de Lencastre Comendador Mor de Xpô, e Alcayde Mor de Obidos


foy £º 2.º do 8.º" D, Dinis jrmaS do Duque de Bargança Dom Jaimes, o qual era,
[93] primo com jrmaô delRey D. Joaô o 3.º de Portugal, £º da Duqueza D. Izabel, q foy jrmã
inteira delRey D. M.º seu pay, por este parentesco taô chegado q o d.tº Comendador
jrmaô: Requereo m.tas vezes a S. A. fosse servido fazerlhe m.ce de o mandar cobrir
como fazia aos Condes, e sempre elRey desemulou com estes seus requerim.'ºs, sem
112

lhe defirir a elles; Mando o por Embax.* a Roma coando de lá veyo imaginou q p.?
entaô guardaria elRey fazerlhe aquella m.ºs, e q a p.' vez q lhe fosse bejar a mad o
mandaria cobrir, porã lhe parecia q naguella ocaziad tinha a m.“* mais queda, mas
ainda entaô elRey desemulou com elle: Hã dia estando Sua A. comendo ao jantar,
e o Comendador mór bem descuidado de entad o mandar cobrir, lhe asenou elRey q se
cobrice; fez elle sua mezura p.* elRey como era custume, e querendoce cobrir naô
achou a gorra porq a tinha perdido; fes suas deligencias soltando todo o capuz, trajo
uzado naquelle tempo, por ver se a teria escondida em alguma dobra delle, e naô o
[937] achando ficou confizo sem saber o q faria, deu elRey fe da fadiga com q o Comenda-
dor estava pila gorra, e naô se podendo ter com rizo cobrio o rosto com a maô plo
nad verem rir; foy grande a festa na salla entre os acistiad à meza, porã o Comendador
Mor nad achando a gorra em sy, a andou buscando plos vezinhos, e vendo ja q
totalm.t* a naõ podia descobrir p.* se cobrir com ella, arremeteo a hi moço fidalgo
dos q estavad a meza de jiolhos, p.? lhe tomar a sua gorra, e naô lha querendo o moço
largar andou com elle aos empuxoês, e tanto fez athe q lha tirou das maôs, e como
a teve na sua fez outra mezura p.? S. A. e cobrioce, deixando o moço chorando pla sua
gorra, e todos os sircunstantes rindo de taô galante entremez.

LXVII

[Do valimento de Cristóvão de Távora]

Contava Simaô Correa Baharem a seus £ºs q sendo elRey D. Seb.:= minino,
e servindo elle no Paço ainda de moço fidalgo, lhe mandava Ant.º Correa sey pay q
estava recolhido na sua quinta do carregado, q fosse ver m.*“* vezes a seu padrinho
Thome de Sousa, q era Veador da caza delRey, e estava entaô doente, compria o d.tº
SimaS Correa este mandam.'º de seu pay e hia algumas vezes saber como estava seu
padrinho o qual o fazia sentar a hã lado da sua cama, e aly lhe mandava dar de merendar,
as mais das vezes q Simaô Correa la hia achava na caza aonde o d.tº Thome de Sousa
estava enfermo, hit homê vestido de baeta sentado em huã arca q na d.'* caza estava,
hã dia & nad vio lá o d.*º homê perguntou a seu padrinho q homê era aquelle q tantas
vezes aly vira, elle lhe respondeo estas palavras: afilhado, aquelle homê he hã homê
nobre e honrado, pobre, criado do Infante D. Luis, vem aqui algumas vezes a minha
caza porã lhe faço aquelle bem q posso; passados algãis dias tornando Simaô Correa
a ver Thome de Sousa lhe disse elle, lembravos a vos afilhado quando aqui vinhas estes
113

dias atras saber de my veres hã homê asentado sobre aquella arca, e respondeo Simaô
Correa q sy, lhe tornou Thome de Sousa, pois agora se lhe eu for falar a sua caza
pode ser q me tenha elle em pé a my, e perguntandolhe Simaô Correa porã, lhe res-.
pondeo: porã o fizeraô agora Secretario: feito Manoel Coresma Secretario (3 assim
[94v] avia nome * o d.tº homê) foy elRey D. Seb.:m crecendo em annos, e aos quatorze
de sua idade lhe foy entregue o governo de seus Reynos, e senhorios, tinha ja M.º
Coresma espiriencia dos neg.º* quando elRey começava a entrar nelles, e como
aquela sua idade fosse ainda tenra, e naô tiveçe forças porporcionadas ao pezo de tantas
couzas, veyo elRey a molestarce com o governo, e a lançalo de sy como couza q abor=
recia nos ombros de M.! Coresma, tomando outras occupaçoés mais leves, e apra-
ziveis, a seus poucos annos: ocupavace elRey no exercicio da cassa, no da pella, em
fazer mal a cavalos: M.! Coresma na provizão dos Bispados, na dos governos de
Tanger, e da India, na destrebuiçaô dos off.º* da republica, na satisfaçaô dos serv.”
feitos ao Rey e ao Rn.º, e em fazer bem ou mal aos homens: Lavrava huã caza alem
de S.'* Clara, sobre o rio, edeficio naquelle tempo suntuozo, quando elRey passando
hã dia na Galle a ver a Raynha D. Catherina sua Avo q vivia nos Paços de Enxabregas;
[95] lhe pos os olhos, e perguntou de quem era **, sendo lhe respondido q de M.4 Coresma,
disse entaô elRey p.* os q estavaô a seus lados, alta vay esta quaresma 37, como M.4
Coresma fazia tudo fesse tambem assy Veador da faz.!: delR ey, e cazou sua £.º D. Bar-
bora P.:* com D. R.º Lobo Baraô de Alvito: naquella sua valia originada naô de amor.
q elRey lhe tivece, mas do odio q a neg.º* tinha; foy notado de alguma arrogancia;
Ouvi contar a hii fidalgo daquelle tempo 3 entrando elle huã menhã p.* o Tribunal
da Faz.* acompanhado de muita gente, se lhe offereçeo huma mulher veuva de hã
cavaleiro com huã petiçad de quinhentos r5 de esmola & lha meteo na maô p.?;lha
despachar na meza, e lendoa elle logo ali, disse alto, mulher com esta petiçaô me vens
a my q trago o pezo do Mundo às costas, Vaite a hi escrivanzinho da faz.: 3 te despache.
Entre os fidalgos mancebos q entaô andavaô na corte era hi delles Christovad de Tavora
£.º mayor de L.eº Pires de Tavora *8 fidalgo velho, e de m.'* authorid.* q tinha ja ser-

* Lêse «momo» no ms.


*k Tê-se «eraô» no ms.
57 Cf Supico de Moraes, op. cit., que regista o essencial da anedota em dois fragmentos
diferentes: o
<Elrey D. Sebastião, vendo humas grandes casas de certo Escrivão da Fazenda, disse para os que
o acompanharad: Boa pennada foy aquella» (III, 37), e «Fazia hum Fulano Quaresma humas grandes
casas na horta da bica do capato; & passando hum dia Elrey D. Sebastiaô para Xabregas, & vendo-as, disse
para os que acompanharaô: alta vay aquella Quaresma» (III, 121).
58 É muito curioso, se de facto o anedotista é um dos Távoras, que não se chame a atenção explici-
tamente para o seu parentesco com Lourenço Pires de Távora, genro de Rui Lourenço de Távora (este
último o autor das anedotas nos. 28-41) e avô de Álvaro Pires de Távora, autor da História dos Varoens illustres.
Jl4.

vido de Capitad de Tanger, e Embax.º” em Castella, chegou elRey a ter tanto


[195] aborrecim.'º a o d.tº Christovad de Tavora, q mandou hã dia chamar a seu pay L.º
Pires, e lhe disse q o naô mandace mais ao Paço; o qual saindo da caza onde elRey
estava m.tº triste, encontrou M.º Correa Baharem e se apartou com elle de outros
fidalgos q estavaô na caza de fora, e lhe disse estas palavras; S.º* M.4 Correa aonde
mandarei meu f£º ã o naô pode Rey ver; contou lhe entaô o q elRey lhe dissera;
M.º!-Correa lhe respondeo 3 naquelles prim."º* quatro dias podia seu filho absterce *
de hir ao Paço, mas & dahy por diante naô fizece cazo disso, porq clRey era mancebo
e por natureza colerico, q nos taes, era couza facel aborrecer, e logo amar o q agora
aborreciad, mayorm.'* q elRey naô sabia desimular o seu desgosto, antes o lançava
de sy, de man." & o q hoje o desgostou amenhã o nad lembrava, e podia estar seguro q
nem lembraria ja, o q taô pouco avia lhe dissera: com o q M.º! Correa lhe disse ficou
L.co.Pires alguma couza conçolado, e sahio o seu d.tº taô serto q em pouco tempo,
começou elRey a por os olhos em Christovaô de Tavora q dantes naô podia ver,
e a terlhe afeiçaô notoria e conhecida de todos; naô sey q vertude tem os olhos do Rey
q levaS apos sy os de todos os vassalos, porq o mesmo foy polos elRey em Xpvaõ
[96] de Tavora q naô se dar no Paço fé de outro homê, por grande, e avultado que fosse:
fez elRey a Xpvaôd de Tavora seu Estribr.º Mór, e o mesmo era fazer nelle 3 desfazer
em M.º Coresma, porq de ninguem lhe hir a caza lhe naciaô ja ervas à porta. Tanto,
q sahindo elRey de Lx.º em huã menhã de Mayo a folgar por aquelle dia som.'s,
levando algús fidalgos em sua comp.?, lembrandoce q naquelle tempo comiad
verde os cavalos; perguntou donde se acharia erva p.º elles, e duvidando todos os q hiad
com “elle, por serem cavalos m.ºs, de se achar em alguma parte a q fosse bastante,
mayotm.'* naô sendo previnida, acudio a Panasco q hia tambem com elRey, e disse
p.º elle; naô vos de Snôr cuidado a erva porã eu sei aonde a a de aver de sobejo,
e perguntando elRey aonde, respondeo: à a porta de M.“ Coresma, o à elRey, e todos
os o acompanhavaôd festejaraô m.t, e sendo assim q todos na corte seguiad a Chris-
tovad de Tavora, e q a seu respeito era ja M.! Coresma como qualquer dos outros
homens, nunca com tudo perdeo aquella arrogancia, e authorid.* q ganhou no lugar
em & ja servira. Eu ouvi contar a Ruy L.e de Tavora*º q foy G.º! do Algarve,
[962] e Vizo Rey da India, jrmaô do d.tº Xp.“º de Tavora q estando elle em Tanger servindo
comenda passara la elRey D. Sebastiaô a p.”* vez, e com elle seu jrmaô Xp.“º de
Tavora ja valido, M.! Coresma, e outros m.'*º fidalgos, e q fazendo elRey volta
p.io Rn., estando ja na praya p.º se embarcar, hia elle Ruy L.ºº levar huã petiçaô a
- * Lêse «obsterce» no ms.
= 459 Este Rui Lourenço de Távora (1552-1616) foi neto do R. L. de T., Trinchante das ane-
dotas 28-41, a
115

seu jrmaô p.º q lha despachace com S. A., na qual lhe pedia fosse servido fazerlhe
m.º* de lhe mandar asentar os cavalos com q servia, e antes de chegar ao d.'º seu
Jrmaô encontrara M.'! Coresma, o qual sendo elle ja homê, e jrmaô do valido
lhe falara por vos, dizendo para elle, q he isto S.º* Ruy L.e aonde ides agora, e q
respondendo elle q a levar aquella petiçaô a seu jrmaô na qual pedia a clRey
sevada p.? os seus cavalos, lhe tornara o d.to M.! Coresma; Bom neg.º he eçe,
com isso ide vos agora a vosso jrmaô, daime cá a petiçaô e idevos embora, q eu
vola mandarei despachada, e q assim o fizera.

LXIX

[Panasco: memórias chistosas dele]

Panasco foy hi negro nacido em Congo, criado porem de moço em Portugal,


[77] foy cativo de D. Joaõ de M.º* o Picasino, jrmaS de Dom P.º de M.º pr.º Conde de
Cantanhede, chamouce JoaS de Sá Sº, a alcunha de Panasco St, pla qual foy mais
conhecido, seu S.º* o deu a clRey D. Joaô o 3.º, cujo Camareiro Mor foy sendo
Princepe, e elRey folgou tanto com elle % o fez seu moço fidalgo com milrs de moradia
por mez, e lhe deu o habito de Santiago com quinhentos milrs de renda mais, hia
a meya de S. A. em corpo: foy este negro m.tº valente homê, acompanhou o Infante
D. Luis irmaô do dito Rey D. Joaô na jornada & fez a Tunes com o Emperador
Carlos 5.º seu cunhado, aonde pelejou valerozam.ts, de lá trouxe huã Mourisca cativa
moça m.'º fermoza, a qual fez cá baptizar, poslhe nome D. Gracia, e cazou
com ella, naõ só era este negro valente e esforçado, como mostrou em muitas
ocaziões, mas m.*º entendido, engraçado, e dizidor; apodava os fidalgos à meza
delRey, e hi dia apodando todos nad fez cazo de hi filho de hã Dez.º! do Paço
q tambem ahy estava, o qual desconfiado de o Panasco o naõ apodar com os
[970] outros, se chegou a elle, e lhe disse, e eu Panasco q vos pareço, Panasco olhou p.?
elle por sima do ombro, e lhe respondeo dizendo: Vos pareceisme fidalgo: ouve
grande rizo em todos e o apodado ficou de man.': q tomara antes naô ter falado.
Outro dia a meza delRey Dom Sebastiaô estava Panasco apodando todos; acistia

8º Um João de Saà aparece no rol dos cavaleiros de D. João III (Caetano de Sousa, Provas, II,
pt. II, 491), mas com uma tença de 700 reis,
61 Panasco aparece em algumas anedotas de Supico de Moraes, como adiante será notado. Vide
também Conde de Sabugosa, Bobos na corte (Lisboa: Portugália Editora, 1945), pp. 132-133.
116

ahy tambem o Alferes Mór D. Luis de M.º q foy fidalgo m.'º de corte, e de
muy boa graça, o qual disse alto p.* o Panasco, a se de sofrer isto q estejas tu
ahy apodando a todos sem ninguem te apodar a ty, chegate aqui p.* elRey
nosso S.º* que te quero apodar; e chegandoce o Panasco D. Luis lhe tomou as
maôs, e virandolhe as costas p.º sima disse p.º elRey, S.º*, amexas passadas, e logo
virandolhe as palmas tornou a dizer barrigas de caranguejos, assim como o Panasco
fazia traveçuras a m.tos assim tambem algiis lhas faziaô a elle 2. Joaô de Castilho
foy homê m.'º engraçado, e foy escrivad da Cam." delRey D. Seb.im, pessoa com
q clRey folgava m.º, era cazado com huã mulher fidalga por nome D. Violante de
Castro, a qual foy m.tº fermoza: Panasco a foy vizitar huã tarde e detevece tanto
na vizita q vindo à noite Joaô de Castilho p.* caza, ainda Panasco estava dentro,
disse entaS Joad de Castilho a dous moços seus: ide vos outros à cozinha e trazei
de la dous tições, e tendeos ahy prestes, e quando eu sahir acompanhando a
Panasco e gritar por tochas, acudi entad com os dous tições diante delle: entrou
Joaô de Castilho p.º dentro onde o Panasco estava com D. Violante, e durando a
converçaçad mais hã pouco com a sua vinda, no fim della se levantou o negro
para se hir, veyoo Joaô de Castilho acompanhando, e na salla gritou dizendo,
O lá tochas, alumeem aqui ao 8.º” Joad de Sá; sahirad entaô os dous moços de
huã caza q tinha a porta na mesma salla com cada hi seu tissaô q nella tinhaô
prestes, e os hiaô asoprando diante do Panasco, o qual naô tomou em graça esta
traveçura, antes a sentio em demazia. Huã tarde foy Panasco ao Paço, e quis
entrar na caza onde elRey D. Joad estava, o porteiro q entaô tinha a porta mormuravace
q era homê de humilde nacim.'º o qual lha naô quis abrir, e como o
delle
[980] Panasco era chocarreiro disse imperiozam.'* q lhe abrice a porta, e dezenganandoo
o porteiro q naô avia de entra vierad as palavras, e das palavras as obras, e jugarad
as pescossadas tad descompostam.'* q elRey chegou a porta, e disse alto, Aqui tanto
atrevim.*º, e respondeo o Panasco: sy senhor, aqui diante de V. A. fazemos m.ºº
bem de pelejar, porã se V. A. naô tirara a fulano q aqui está de detras dos mus de
seu pay, e a my da estrebaria de D. Joaô de M.º, naô vieramos nos aqui dar desgosto
a V. A, masja q V. A. nos trouxe aqui, sobranos, e tenha paciencia: elRey
entaô se recolheo p.º dentro, e sarrou a porta sobre sy sem dizer nada.

é essencial-
Cf a versão de Supico de Moraes, Collecçam política, III, 16; apesar de retoques,
62
mente igual.
117

LXX .

[Do chocarreiro Couto]

Teve elRey D. Seb.:= hã chocarreiro q chamavad Coutto, m.'º engraçado,


o qual he n.! de Lx.* do bairro dAlfama, sapateiro por officio, estando hi dia
elRey comendo falouce a meza nos tit.ºs de q uzava elRey de Castella nas suas
provizões: chamandoce Rey de Castella, de Leaô, de Aragaô, de Toledo etc. disse
entaS o Coutto q estava detras da cadeira delRey, batendolhe com a maô nas
[99] costas, tenhome eu aqui com Domine Rey de Alfama; este Coutto quando
elRey D. Sebastiaô foy a Guadelupe verce com seu tio elRey D. Phelipe q
chamaraôd o prudente, detreminouce q os fidalgos portuguezes fossem todos bejar a
maôd a elRey de Castela, e os castelhanos a viecem bejar a elRey D. Sebastiaô;
soube o Coutto do q estava detreminado, e determinou tambem de enganar a
elRey de Castella, p.º o q se vestio de galla, pos hã habito de Xpô no peito, lançou
hã colar de ouro ao pescosso, e foyce com os fidalgos de cá p.: com elles lhe bejar
a maô, como elRey de Castella nad conhecia de cara aos fidalgos de Portugal,
tinha a sua orelha D. Christovad de Moura q la estava em seu serv.º, e foy depois
Comendador Mor de Alcantra, Marques de CastelR.º, e VizoRey duas vezes de
Portugal, o qual lhe dizia quê cada hã era, p.: q elRey lhe fizece honra e
m.º segundo sua calid., foranlhe algtis bejando a mad e a elles se seguio o
Coutto, perguntou elRey a D. Christovad por asenos quem era, chegouce D. Chris-
[990] tovad a orelha delRey, e disse-lhe q era hã chocarreiro q chamavad o Coutto,
naô estendeo elRey entad a maô, pediolha o Coutto dizendo, deme VMg.iº a maô,
elRey lhe respondeo: andaos dahy & sois el Cotto, e o Coutto lhe disse entaô
bejar no cá a quem volodisse.

LXXI

[De um nobre vilancete]

Dom Joaô de Alm. f£º mayor de Dom Lopo de Almeyda 3.º Conde de
Abrantes, foy mancebo de muy boas partes, tangia huã viola e cantava m.*º bem,
e era m.'º briozo, morreulhe seu pay no Reynado delRey D. Joaô o 3.º, pedio
a elRey o tit.º q vagara por sua morte, naô lho deu, fes mais instancia sobre isso,
e se veyo a dezenganar q elRey o naô queria fazer Conde: foy entaô bejar a maô
118

a eRcy, e se foy p: França, fes seu caminho por Castella acompanhado de


seus criados, e algiis escudeiros de Abrantes q foraô com elle m.tis jornadas,
chegado a Oropeza a horas de jantar, e em quanto na estalagem se lhe fazia
prestes p.º comer, tomou huã viola q levava con sigo em huã caxa, e se pos
a tanger e a cantar em huã janella, passava pla rua hã criado do Conde de Oropeza &
[100] entaô vivia aly, e tinha huã filha m.*º doente, e ouviolhe cantar hã vilancete
portugues, pareceulhe bem, foyce logo p.º caza e disse ao Conde seu S.ºr, S.ºr ahora
passando por tal calle estava alla ventana del meson cantando un musico portugues
admirablemente, fuera bueno q lo oyera mi Sefiora porã tuviera su mal algun alívio,
pues eya (disse o Conde) bolve alla y trayele: foy o moço a estalagem, e disse da
rua p.? D. Joaõ q ainda estava a janella aonde o elle deixara com a viola na maô, ah
S.or musico, el Conde my 8.º tiene su hija mi S.:* muy mala, supplica a vuestra
merced quicra asserle gracia de le venir cantar un romance, respondeulhe D. Joaô
de sima: q de muy boa vontade hiria servir o Conde, 3 esperace embaxo q elle
decia p.* hir em sua comp.?, meteo entaô a viola na caxa, e tomoa de baxo do
braço, mudou de capa com hã criado seu porq a sua tinha o habito de Xpô, e se
foy só com o criado do Conde; levarano à caza donde a enferma estava, mandoulhe
o Conde chegar em q se asentace, elle o naô quis fazer, nem cobrirce, disselhe entaô
[1007] o Conde, eya sentavos, y cobrios q los musicos tienen licencia para todo, e naô
querendo D. Joaô fazer huã nem outra couza, cantou em pé com a cabeça
descuberta o & pareceo 3 bastava p.º alegrar a enferma, e tornando a viola a
caixa fes sua cortezia e despidioce: Saindoce p.º fora se chegou a elle hã Mayordomo
do Conde e lhe disse, el Conde my sefior embia a vuestra merced estos dos
doblones para ajuda del camino: D. Joaô lhe respondeo & elle levava ainda dr.º p.º
sua jornada q viera servir ao Conde som.'* para o servir, e naô por interece algum,
e se foy, disse o Mayordomo ao Conde q o muzico naô quizera tomar os dobrogs,
e se fora sem elles, espantouce o Conde dizendo, diablos son estos portugueses, es
posible q un musico siendo assy q todos son unos pobletones, y no tienen blanca
este por ser portugues despresia doblones: disse entaô p.* o Mayordomo eya ya
ã no quiso asetar los doblones embialde dos otros platos al meson, fes o Mayordomo
dos platos da meza do Conde, e mando os por hã pagem a estalagem ao muzico,
[101] ao tempo q o pagem chegou estava D. Joad ja posto a meza e avia na caza hã
Aparador com m.** prata de caminho, e a meza lhe acistiad em pe todos aquelles homens
q levava em sua comp.', e algús do habito de Xpô, sobio o moço pla escada asima,
e pondo os olhos em D. Joaô conheceo q era o ímuzico q fora cantar a caza do
Conde seu S.º*, aonde naô avia m.*º q o vira, mas vendo q estava comendo com
aquelle estado, embaraçouce, e sem dar o recado tornou a decer a escada, e indoce p.?
119

caza disse ao Conde, S.º* el musico q ahora vino aqui a cantar a my S.'“ está en el
meson comendo com un aparador lleno de plata, y a la meza le acisten muchos
gentilhomens, vate q no sabes lo % dises, lhe disse o Conde, e chamando o seu
Mordomo o mandou ao Mezom a informarce do q passava, foy o Mordomo, e
perguntou ao Mezeoneiro q hospede portugues comia em sima, e o Mezioneiro lhe
disse, es un Sefior de Portugal q passa a Francia agraviado de su Rey, e perguntandolhe
mais o Mordomo que muzico era hã q trazia com sigo, q fora cantar a caza do Conde
[1010] seu S.º, respondeo es el mismo q yo le vy hir alla: ouvindo isto o Mordomo
foy contar tudo ao Conde, o qual se veyo logo ao Mesom antes q D. Joaô se
partice, e lhe disse, es posible q V. S.º me ase esta traicion, nad foy treição, "SU!
respondeo D. Joaõô, senaô querer servir a Vs., o q naô pudera fazer se me descubrira:
Passou D. Joaô à corte de França aonde esteve sete annos, elRey D. Joaô 3.º foy
hã dia a Abrantes; quis ver o Castello, e veio nelle a Igr.: de S.t: M.º aonde
estaô os Condes sepultados em sepulturas altas, e suntuozas, disse entaô estas palavras,
he magoa andar D. Joaô tanto tempo fora do seu n., e vendo aly D. Ant.º de
Alm.da jrmaô 2.º do d.'º D. Joaô disse p.' elle, Dom Ant.º eu vos faço m.< da
caza de vosso jrmaô, D. Ant.º respondeo a elRey encolhendo os hombros, S.º: a m.“
q V. A. me faz he m.'º gr.dº mas como quer V. A. q aceite sendo meu jrmaô
vivo, elRey lhe tornou a dizer, deliberaivos em tres dias senaô darei a caza a
quem me parecer; aceitou D. Ant.º entaô a m.“* & elRey lhe fazia com pretexto de
a largar a seu jrmaô D. Joad todas as vezes q se viece p.: o Rn.º: hã dia
[102] perguntou elRey a meza se avia novas de Dom Joaô dAlm.“:; daqui tomarad motivo
seus parentes e amigos p.º lhe escreverem a França q se viece p.º Portugal porã elRey
o queria fazer Conde de Abrantes; D. Joaô se veyo athe Castella, e se deteve em
Toledo esperando a rezuluçaô delRey, q como naô passace adiante e a D. Joaô
fosse certificado isso, escreveo de Toledo a seu jrmaô D. Ant.º q começe a caza de
Abrantes sem sobresalto nenhã, porã elle tinha detriminado de naô vir nunca'a
Portugal: la em Castella teve hã £º n.1 G se chamou D. Lopo, o qual em idade de
24 annos foy Reytor da Un.ºº de Alcala e morreo de amores. '
120

LX

[Palavras briosas] &

D. Dinis de Almeyda £º tambem do 3.º Conde de Abrantes D. Lopo;


e jrmaô 3.º de D. Joaô de Alm.d acima d.', foy homê de m.'%s brios, viveo
soltr.º com 300 Us3 à tinha de renda, cem dos quais lhe dava o Infante D. Luis de
tença por lhe ser m.tº afeiçoado: quando o d.'º Infante foy a Tunes chamou algiis
fidalgos q o acompanharad naquella jornada, e naô chamou a D. Dinis, como de
[1020] lá veyo o Infante foy D. Dinis bejarlhe a maô, e lhe levou o padraô dos cem
“milr3 de tença q de sua A. comia, dizendolhe, naô era elle homê % comece tença de
Princepe q quando foy à guerra o naô chamou p.* o levar com sigo.

LXXII

[De uns brados]

Dom Diogo de Almeyda foy £º 2.º do Contador Mór D. Ant.º de Almeyda,


o qual era filho de D. Joaô de Alm.!º 2.º Conde de Abrantes; foy fidalgo m.*o
honrado, e m.'º briozo, servio na India m.'º bem, e vindo de lá lhe fez clRey
D: JoaS o 3.º m.º do officio de Provedor dos Armazens q estava vago, o qual
rendia seiscentos 18 cada anno: estando o d.tº D. Diogo servindo o d.tº offº lhe
“veyo da faz.: hui provizad em nome de elRey & lhe falava por vos, assinada
embaxo plos veadores da faz.' som.'s, quando D. Diogo vio o estilo da provizad
“foi a elRey com ella, e lhe disse, 8.º, eu fiz a V. A. na India taes serv.ºs q bem
merecia eu a V. À. q me honrace, e naô q me dezonrace; mandame V. A. servir
off.º em q o vosso veadorda faz.* me a de falar por vos, aqui trago a provizaô; faça
[103] V. A. m. delle a quem for servido; elRey lhe respondeo q aquilo eraô estilos
q naõ dezonravaô ninguem, mas D. Diogo naô quis estar por elles, nem quis servir
mais o officio: elRey lhe deu em tença os 600 Urs q elle valia de rendim.'º. Este
mesmo D. Diogo tendo serto requerim.'º com o d.º Rey D. Joaô. lhe disse
o Rey, falay a Fernaô Alveres; era Fernaô Alveres de Andr.* Secretario das m.*ss,
e vivia nas suas cazas da confeitaria q agora sad de D. Fern. de M.s o da

63 Cf. Supico de Moraes, Collecçam política, II, 102-103, que muda a fala para a primeira pessoa,
121

Anunciada seu Trisneto, e D. Diogo estava mal com ele, tanto % elRey lhe
disse que falace o d.tº Fernaô Alvr3 se sahio do Paço e se foy as cazas de Fernad
Alveres, e cá do terreiro começou a gritar por elle, dizendo, ah S.º” Fernaô Alvrs;
Fernad Alveres q estava recolhido, ouvindo % do terreiro do Paço bradavaô por
elle taô fortem.'s, chegou a janella espantado de taô grande novid.”, e vendo q
D. Diogo de Alm.º: he o q dava os brados, lhe disse de sima, S.º* D. Diogo &
me quer VM., e Diogo lhe respondeo, S.º*, mandame elRey q vos fale, falovos;
e foice embora andando, deixando a Fernad Alvr3 m.'º embaraçado, q naô
[1030] sabia o q aquilo era, nem o q naquellas palavras D. Diogo lhe queria dizer.

LXXIV
[Razão de umas trovas]

Em tempo delRey D. Joaô o 2.º ouve em huã noite de inverno seraô a q


acistirad elRey e a Raynha, as Damas, e cortezoês; era hã delles Garcia de Mello
fidalgo honrado, ao qual deu huã dor de destemperança da barriga, foy desemulando
e sofrendo emquanto pode, mas a dor creceo de maneira q se vio com ella em
grande aperto, porã naô ouzava sahir da salla por naô dar nota de sy; posto nesta
trebulaçaô se encostou em huà das paredes da caza q estavaô todas cubertas de panos
de Rax, e quando lhe pareceo q naô seria visto levantou a borda de hi pano,
e foy correndo por entre elle e a parede, athe q deu em huã chumine, na qual
achou hi brazeiro de prata com algis carvoês; aliviou nelle a sua necid.º, e tornandoce
a compor se veyo outra vez ao seraô plos mesmos passos por onde entrara; huã
Dama q o vio sahir tinha na menha do dia seg.'* dezejo de saber q fora aquelle
[104] fidalgo fazer ao lugar donde sahira, e metendoce por baixo do mesmo pano deu
consigo na chumine, aonde com a luz % por ella decia vio claram.'* o brazeiro, e o
q nelle deixara Garcia de Mello: escreveo logo aos cortezoês o q avia sucedido no
seraô da noite antes, e choverad logo no Paço trovas sobre o cazo, as coaes
andaô no cancioneiro g1*; duas dellas diziaô assy.

Sois melhor para pedreiro


q para sofrer paxoês
pois fundastes ni brazeiro
camaras sobre carvoes.
* Grifo nosso,
122

Ja nos naô dara fadiga


Branca Anes com suas maôs
às boticas dou mil figas
Pois aly a de aver seraôs

Ao d.to Garcia de Mello por memoria do sucesso chamarad de alcunha o brazeiro,


a qual alcunha se continuou em seus descendentes q ja se acabarad.

LXXV

[De um certo secretário que não abria a porta]

Governando a R.º D. Catherina este Reyno por elRey D. Sebastiad seu


[1040] neto q inda entaô era minino, era seu secretario Andre Soares, era elle ja velho,
e vivia nas suas cazas na Cotovia q elle fizera: huã menha de inverno se acharaôd m.tºs
fidalgos juntos na sua salla p.º lhe falarem cada hã no seu neg.º, entre elles se
achou tambem Ant.º Correa Baharem, o Velho, o qual se asentou em hã dos
bancos q na caza estavad, com o Monteiro Mór Manoel de Mello, e se puzerad
ambos a converçar em quanto o Secretr.º naô abria; antes q Ant.º Correa chegace os
fidalgos q na mesma caza esperavad, enfadados de esperar lhe tinhaS mandado
ja bater à porta, mas ninguem respondia de dentro; e quando elle chegou disse estas
palavras p.? os fidalgos & achou na caza, este homê naô abre, e respondeo hã delles,
ja nos de enfadados lhe mandámos fazer huã lembrança neça porta mas ninguem
sahio ainda a ella; chamou Ant.º Correa entaô hã pagem seu, e lhe mandou que batece
à porta rijo; felo elle assim, mas naô acudio ninguem: foy Ant.º Correa converçando
com o Montr.' Mor, e passouce hã grande espasso da menhã, e a porta naô se
[105] abria: fez entaô pauza na convercassad e chamando o mesmo pagem lhe disse,
déce à rua, traze huã pedra e quebra aquella porta; trouxe elle a pedra e de
maneira bateo na porta q sahio hã homê de dentro m.'º agastado dizendo, querem

64 A primeira trova pertence a Manuel de Goios. A segunda pertence a Álvaro Fernandes de


Almeida (Cf. ed. Crabbé Rocha, op. cit., IV, 348). Notem-se as variantes no texto, bem como a falta
dos três últimos versos de cada cantiga. Note-se também que no título com que se apresentam estas
cantigas no Cancioneiro Geral (ed. cit., p. 345), apenas «diziam que [o fidalgo] era hi dos capitaés que hyam
a Torquy co o conde de Tarouca». Perante a presente anedota, não há motivo para negar ao capitão a
identidade de Garcia de Melo.
128

quebrar aqui a porta ao S.º” Secretario; e apos elle sahio o Andre Soares com hã
roupaô vestido, e huã carapuça de Martas na cabeça, encostado em hum moço,
e sem falar a ninguem foy endereitando p.º onde tinha hã Oratorio, dando com a maô
e dizendo, à missa, à missa; ficaraô todos aquelles fidalgos pasmados olhando hs p.*
os outros; Ant.º Correa encheuce de colera, levantouce do banco e apressou o passo
apos o Secretario, e alcansoo ainda no fim da mesma salla, e lançandolhe a
maô ao cabeçaô o teve por elle, e o fez parar, e lhe disse, o Andre Soares, ã quer
dizer à missa, à missa estando esta salla cheya de fidalgos, ei de hir fazer
queixume de vos a Raynha; Andre Soares como naô esperava por aquilo ficou
embaraçado; som.te se lhe ouvio, S.º* Ant. Correa q me quer V. M., e Ant.º Correa
[1050] dandolhe hi abano o deixou: & deçendo pla escada abaixo se pos a cavalo e se
foy a o Paço, e falou à Raynha dizendo, S.'2, venho fazer queixume a V. A. do
Secretr.º Andre Soares q estive agora p.' me perder com elle, porã estando a sua
salla cheya de fidalgos p.º lhe falarmos em nossos requerim.tºs nos fes esta descortezia,
proveja V. A. nisto, e naô queira q se arrisque a nobreza deste Rn.º a conta de
sustentar hã m.tº descortes, e mal encinado; a Raynha lhe respondeo: Ant.º Correa
perdonale % es vejo; Ant.º Correa q sahia, o Secretr.º q entrava a fazer tambem
queixa delle a R.: mas ella o naô quis ouvir antes lhe deu huã valente
repreençaô, dizendolhe, para esso os hise yo mi secretr.º para aseres descortesias
a los cavalleros; sino os emendaes pondre otro en vuestro lugar q sirva a plaser de
todos: Andre Soares ficou desta mal com Ant.º Correa mas depois se fez seu
amigo, e Ant.º Correa lhe mandou bis cabras da India q tinha jardineiros p.? lhe
[106] trabalharem em hã jardim que fazia na Cotovia; tinha Ant.º Correa a comenda de nosa
S.:2 da Ulme & valia 200 Urs de renda e 140 Ur de tença q elRey D. Joaô lhe dera, pedia
à Raynha lhe fizece m.ºs de lhe sarrar os 200 Urs de tença; a Raynha lhe respondeo
com dez milrs menos do q pedia, e Ant.º Correa lhe foy falar, e lhe disse he possivel
S.:= q de 60 Urs q lhe pesso mais de tença me tira V. A. dez a my q tenho servido
a elRey vosso marido & DS aja, como V. A. sabe; a R.: lhe respondeo, Ant.º Correa
vos cuidaes, des milrS daqui, e des mil daly, e deu com a cabeça: Ant. Correa
lhe disse entaô, hora ja q V. A. entende q eu lhe nad mereço estes 10 Ur3, eu me
quero contentar com os 140 de q vosso marido me fez m.º, e proveja V. A.
os 50 q agora me dá em quem lhos mereça mais q eu, e despediuce; Vivia Ant.
Correa entaô nas suas cazas do Chafaris delRey q M.! Correa Baharem seu f.º
vendeo depois a Jorge de Sousa de M.*s Copeiro Mór do Cardeal Infante D. Henriã,
e naô tinha bem descavagaldo no pateo dellas quando chegou hã moço da Cam.:a
a chamalo da parte da R.º, Ant. Correa lhe disse q naô avia de ser o recado p.* elle
[1067] porã àquela hora chegava do Paço de falar à Raynha, e o moço da Cam.'s lhe
124

respondeo q naô sabia mais q dizer o Veador % a R.º chamava a sua m.ºs, e 7 o
mandara com preça; tornouce Ant.º Correa a por a cavalo, e se foy ao Paço, ca R.º
lhe disse entrando elle, Ant.º Correa cuidei no q me dicestes, e achei q tinhas razaô,
eu vos faço m.* da tença na forma em q a pedias, mandai fazer o padraô della;
Ant.º Correa lhe bejou a maõ, e lhe disse, mais estimo estes dez milrS q quantas
m.ces V. A. me puderia fazer por outro modo, porã mos destes S."* do vosso rosto
ao meu, sem me mandares falar com Andre Soares. Foy Ant. Correa m.'º honrado
fidalgo, de m.'* verdade, e conciencia; Mandouo clRey D. Joaô o 3.º desfazer Safim
em Africa, e porã por resp.'” dos Mouros se avia de despejarde noite, lhe mandou
entregar 2 U. tochas, gastarançe as q foraô necess.'s, e sobejaraô 800 quando Ant.
Correa voltou ao Rn.º com aquelle neg.º acabado; e foy bejar a maô a elRey;
lhe disse, sobejaraS 800 tochas a quem manda V. A. q se entreguem; clRey lhe
[107] respondeo, reparti as p,los Mostr.* pobres q vos parecer, mandou entaô Ant.º Correa
huã grande cantid.* dellas ao Convento de S.'* Caterina da Carnota, da Provincia
de S.'º Ant., q foy depois, de q era Padroeiro, aonde jas sepultado, e as mais
q ficaraô repartio plas cazas dos religiozos mais nececitados, no q se deixa bem ver a
consciencia de Ant.º Correa, e a limpeza com q tratava a faz.º delRey quando se lhe
punha na maô, e se lhe cometia despendio della.

LXXVI

[Um imitado]

Dom Ant.º de Atayde p.:º Conde de Castanheira de quem ja falamos asima,


foy m.'º valido delRey D. João 3.º, e m.* honrado fidalgo, cobiçozo mais de
honra q de faz.*; queria D. Fran. Rolim vender a Villa de Azambuja, de q era 8.º”,
e por naô ter filhos q lhe sucedecem na caza, e ter algumas dividas, e outras
nececid.e* a q acudir cometeo com esta venda ao d.tº Conde da Castanheira, porq
lhe era facil aver L.“ delRey p.: se poder selebrar, e elle lhe respondeo & ninguem
intereçava mais na compra de Azambuja q elle Conde porquanto ficava acrescentando
[1070] as suas Villas de Povos, e Castanh.?, outra taô nobre taô antiga, e taô vezinha a ellas,
mas q se elle Conde a comprace, e elle D. Fran.“ a vendece se ficaria perdendo neste
Rn.º a memoria dos Rolins q tantos serv.ºs lhe aviad feito, q se deixace estar porã
elRey lhe acuderia a sua necicid.* sem vender a sua Villa, c assim foy, porq
125

o d.'º Conde fes com elRey D. Joaô lhe desse huã viagem de Capitaô Mor p.?
a India, de q o d.tº D. Fran.º Rolim tirou dr.º com & se dezendividou, e pagou suas
dividas, e lhe fizece m.ce da d.ta V.: de Azambuja de juro e herdade p.º seu
sobr. D. Ant.º Rolim Avó de M.! Child Rolim % neste anno de 16448 vive
e possue o senhorio da d.t* Villa cazado com a filha de Tristaô da Cunha S.º* de Povo-
lide; este D. Ant.º como era taô valido, naô só era respeitada sua pessoa, mas ainda
tinhaô os homens respeito ao q obrava e dezia p. o imitarem em tudo, e lhe darem
gosto nisso, q estes sad os poderes da valia; Custuma o Conde entre outras couzas dizer
q os homens nad aviad de gavar seus £ºs porã os louvores dos £º: nad parecem
bem na boca dos pays, mas ainda sóad mal nas orelhas dos ouvintes; hvã tarde
[108] estando algiis fidalgos com o Conde, começou hi delles a dizer grandes couzas,
e louvar m.tº hã filho, advirtio o outro da mesma converçassad, e lhe
disse, olhe VM. q o Conde diz q os homens nad an de gavar seus £ºs, respondeo
aquelle fidalgo q louvava o seu, o Conde diz isso porã tem quem lhe gave
seus £.ºs, mas se eu naô gavar o meu quem o a de gavar. Como elRey Dom
Joaõ o 3.º passou desta vida logo o Conde deixou a da corte, e se recolheo a huã quinta
q tinha feito junto a nossa S.2 de Povos, q está tambem vezinha ao Mosteiro
de S.tº Ant.º da Castanheira, 3 agora he da Provincia de S.'º Ant.?, e do Padroado
dos Condes da Castanheira, sem mais tornar ao Paço emquanto viveo; foy o
Conde cazado 8º com D. Anna de Tavora £: de Alv.º Pires de Tavora S.º da
caza de Tavora, com a qual andou de amores, sendo ella Dama da R.º D. Caterina:
estando o d.tº Conde p.º morrer, ouvindo a Condeça & estava dentro em outra[s]
cazas dizer q o Conde morria *”, se veyo como fóra de ssy chorando lançar sobre
a sua cama, e o Conde q estava m.'º em seu juizo lhe disse, por amor de Ds Snia q
vos vades p.? dentro, e naô me tolhaes morrer; faleceo o Conde com mostras de m.tº
[108] bom cristaô, e foy sepultado no d.' Mostrº de S. Ant.º da Castanheira, à
Capella q chama dos Condes, athe q D. Jorge de Atayde seu £º Bispo q fora
de Vizeu em tempo delRey D. Sebastiaô, e Capelaô Mor q era entaôd delRey
D. Phelipe o 2.º de Castella q chamarad o Prudente, o passou juntam.t* com o
corpo da Condeça D. Anna sua may, q falecera no Conv.tº de S.t: Clara da
Castanheira, aonde se recolhera pla morte do Conde seu marido, a duas suntuozas
sepulturas q p.º ambos mandou lavrar na Capella Mor do d.tº Mostr.º de S.tº Ant.º
q fez de novo.

65 Aceitamos a data de 1644 como a da compilação das anedotas, lembrando que provavelmente
derivam na sua maioria de fontes originais anteriores.
66 Casaram por carta de 13 de maio de 1532.
67 Faleceu em 1563.
126

LXXVI

[De como, sendo sujo no Minho, se mandava em Lisboa]

P.o de Sousa £º de P.º de Sousa q chamaraô o de Siabra, era tio de D. Ant.º


de Atayde 1.º Conde da Castr.? de q asima se falou; foy clerigo, e Prior de Rates
entre Douro e Minho, muito sujo, e mizeravel mas com isso m.'º engraçado, e bem
entendido; hia algumas vezes vizitar o Arcebispo de Braga Dom Diogo de Sousa
e como acabava a vizita, e se queria tornar p.º caza, tirava huã almotolia q levava
no sinto, e dizia p.* o Arcebispo, façame VS. m.** de me mandar encher esta almotolia
[109] de azeite; o Arcebispo lha mandava encher com grande festa, e elle a levava no
sinto m.'º contente: tinha huã m.* em caza de q teve m.'s filhos, e quando
hia a cassa das lebres de q era m.*º coriozo, a mesma m.º* lhe servia entaô de
homê, e lhe levava a galga pla trella; sucedeulhe hã neg.º q o obrigou a hir à
corte, foy nella hospede do Conde seu sobr.º, a que até entaô naô tinha visto;
quando o Conde (ã foy hi fidalgo m.'º apontado em tudo) vio a feiçaô,
dezalinho, e sujidade do tio, pezoulhe m.'º com elle em caza, e plo lançar della
fóra mais depreça lhe fez o seu neg.º com m.'* brevid.s, bem entendeo o Prior q
o Conde seu sobr.º se enfadara com elle m.to, e q deste enfadam.'º do Conde lhe
procedera a elle hir tambem despachado, e taô depreça, e assy quando depois
estando ja em o Minho lhe sucedia algã outro neg., escrevia ao Conde q o
mandace fazer, e q se sua S.* entendece q avia nisso alguma defeculd.e se poria
elle logo a caminho, p.? o vir negocear por sy, porã era couza em q lhe hia -
m.tº: e por este modo estando entre Douro e Minho fazia quanto queria em Lisboa
[109] sem lhe custar nada, e com m.*: brevid.* porã o Conde plo naô tornar aver em sua
caza, lhe fazia logo tudo, assim q os £.ºs & tinha como erad de idade p.? servirem
elRey os mandava ao Conde, o qual os fasia filhar, e os aviava p.* a India; entre
elles ouve hã por nome Thome de Sousa a quem o Conde se afeiçoou por lhe ver
feiçaô e graça, e o nad quis mandar a India, antes o deixou ficar em sua caza,
o qual veyo depois a ser hi fidalgo m.'º honrado, e foy Veador da caza delRey
D. Sebastiaô e homê m.*º de corte: Cazou com D. M.º da Costa filha do 5.º de
Pancas, do qual ouve hia so filha por nome D. Ilena de Sousa & teve a graça de
seu pay, e cazou com Dom Di.º Lopes de Lima: deu Thome de Sousa a seu genro
com L.« delRey o officio de Veador da caza, e elle sahio da corte p.* a sua
quinta de Arguella aonde viveo. Paçando huã menha por aly clRey D. Sebastiad
entrou no pateo da quinta, foy hã moço dizer a Thome de Sousa q estava elRey
no pateo; acudio elle m.tº sobresaltado, imaginando poderia elRey ficar por seu
127

[110] hospede a jantar; esteve clRey a cavalo assy falando hi pouco com elle pergun
tandolhe
por aguella sua quinta se tinha cassa, e Thome de Sousa lhe respondia como homê
q naô estava aly, Virou entad elRey p.º o veador e lhe disse, aonde tendes mandado
fazer prestes de jantar; respondeo elle q em tal parte, disse Thome de Sousa p.?
elRey, acabe, acabe, V. A. ja de falar 3 ate agora estive na mayor agonia do
mundo cuidando & podereis ficar aqui: Era Thome de Sousa mt mizeravel,
contava Simaô Correa Baharem, q indo huã menha p.' o Carregado, aonde
entaô
estava seu jrmaô M.d Correa, cujo hospede avia poucos dias q fora huã noite
Luis
Alveres de Tavora q com sua mulher, e caza, se hia p.* o Mogadouro
de % era S.ºs,
passou pla Arguella por ver a Thomede Sousa q era seu padrinho, e
fora m.t
amigo de seu pay Ant.º Correa, e estando hã breve espaço de tempo com elle,
querendoce ja despedir Thome de Sousa o convidara a jantar, dizendo,
a vos afilhado
me atrevo eu a convidar, q sois homg q vos contentaes com hã frangai
nho, mas nad
[1100] me atreverei a convidar vosso irmaô, homê % tem coraçaô p.* agazalhar huã
noite
no Carregado, a Luis Alveres de Tavora, com vinte de cavalo, se passar por aqui
Pola menha hirá jantar a sua caza: jas Thome de Sousa sepultado no Coro de S.tº Ant.º
da Castanheira. '

LXXVUOI

[«Manço, nem menos]

Entrando hi dia D. Joaô de Faro sogro de D. Hiyeronimo Cout.º pay de


sua m.e” D. Luiza de Faro, em caza do Princepe D. Joaô Pay delRey D. Seb.am,
e avendo alguma detença em se lhe abrir a porta agastouce, e disse alto contra
o
porteiro, abrime a porta, porã em caza do Princepe naô entra ninguem mais q
eu;
estava da banda de dentro Ruy P.ºº da Silva f.º 2.º do Regedor Joaô da Silva,
o qual
Ruy Pereira era guarda Mor do d.to Pryncepe, e disse: Manço, nem menos.
128

LXXIX

[De um chapéu velho, de um médico chamado o Dr. da Mula Ruça, e de uma herança]

D. Henrique de Castro o da Charneca, foy hã fidalgo m.t'º mizeravel, mas


huã
cortezaõ; trouxe vinte annos hã chapeo, porã como se sujava mandavalhe dar
novo, e dizia elle porq avia de ser o seu chapeo velho se
tinta, e forrar de
a o
elle naõ era rotto; por trazer tantos annos hã chapeo lhe chamavaô dalcunh
de Ant.º
[111] Chapeiraô, vivendo elle no carregado em huã quinta sua, vizinha
ao qual
Correa Baharem, soube q hã medico delRey q chamavaôd Fran. Lopez
o D.º* da Mula
por andar sempre em huã mula ruça vieraô a chamar dalcunha
a curalo de
Ruça, estava na quinta do d.'º Ant.º Correa aonde viera de Lx.*
huã enfermid.: ou acidente q lhe dera, e lhe mandou as agoas de hã cazeiro
seu, q tinha em caza doente, com estes verços. |

As agoas deste vilad


segundo eu adevinho
naô sad agoas, mas he vinho
Domine dizei que saô.

E tambem se o sangraraô
mas daqui apostaria,
q lhe tirem da sangria.
vinho sim, e sangue naô.

Verço mas
Era o Mula ruça tambem poeta, e mandoulhe a receita tambem em
Guiomar fº de
[1110] naS estou lembrado della: Cazara este D. Henriã com Dona
tinha huã so £.*
Di.º Fig." Comendador de Alhos Vedros, e do Barreiro, da qual
por nome D. Joana de Castro, herdeira de hã conto de renda q seus pays
D.º%* e dias S.'s a
possuhiad; hia D. Joana q entaô era moça donzella todos os
em seu f.º
quinta de Ant.º Correa, de q ja por sua morte era S.o* M.4 Correa Bahar
do d.tº M.& Correa,
mayor, e aly ouviad missa com D. Joana de Tavora m.º”
Simaô Correa Baharem
ella e sua may D. Guiomar, estava entaô na mesma quinta
'º era p.*
mancebo soltr.º jrmaô do d.*º M.º! Correa, o qual vendo quad bom cazam.
de a namorar por
elle a d.'2 D. Joanna de Castro, cujo primo 2.º elle era, começou
p.* o q tinhaô via
cons.º de seu jrmaô, vierad ambos àfeiçoarce, e a escreverce,
vinha com sua may
segura, secreta, e sem sospeita, porq quando D. Joana
129

ouvir missa a quinta de M.4 Correa deixava na maô de D. Joanna de Tavora sua
m.ºfa carta q trazia escrita p.º seu primo Sima6 Correa, e levava outra achava na
mesma mad: foy contenuando esta afeiçaô de ambas as partes por algã tempo sem
[112] D. Henrique o saber, no qual D. Joana de Castro fes grandes promeças a Simaô
Correa algumas vezes q se falaraô de naô receber outro marido: Veyo D. Henriã
ter noticia destes amores, e tomo os m.tº mal, fes perguntas sobre elles a sua £.º
com grandes ameaças, negou ella tudo o G avia passado com Simad Correa
atemorizada com as ameaças do Pay; disselhe elle entaô como tinha detriminado
de a cazar m.'º bem, e q com Simaô Correa cazava m.'º mal, porg naô tinha
nada de seu, e se sustentava só do q seu jrmaô lhe dava: escreveo ella D. Joana
logo a Simad Correa o q com seu pay passara, e q elle tomava mal o cazam.'
por elle Simaô Correa ser m.'*º pobre q se fosse ter com seu tio Fran. de Az.do
e q acabace com elle lhe quizece fazer huã doaçaô de sua faz.* porã como seu
pay a visse naô teria q dizer a elles como cazacem arromperiaô logo, p.* elle
fazer da d.”* sua faz.* o q lhe parecece melhor, era Fran. de Az.%o So: da Ponte
do Soro, e Alcayde Mor de Cyntra tio de Simaô Correa jrnaô de sua may
D. Izabel de Castro, cazado com D. Joana Henriã S.:* m.tº estimada naquelles
[1120] tempos, assim. por sua m.': nobreza, e grande entendim.'?, como tambem por ser
jrmã do Princepe Ruy Gomez da Silva Duque de Pastrana, grande valido delRey
D. Phelipe 2.º de Castela, q chamaraô o Prudente, cuja valia se estendia tambem
a os Rn.ºº de Portugl, a quem o d.º Princepe tratava com grande respeito
por lhe preceder nos annos, e lhe avia feito doaçaô da ligitima ã de seus pays
herdara, p.? ella cazar com o d.to Fran. de Azdo o qual deste matrimonio ouvera
tres filhos varoês, hã dos quais lhe morrera em Castella em caza do Princepe
seu Tio, e os dous ca em Portugal meninos: e ouvera mais huã £* por nome
D. M.º de Vilhena, q em Santarem morreo de hã acidente % lhe dera de ver cortar
a maô a hi homê por justiça, sendo de idade de doze annos, e vendoce totalm.'e
sem f.ºs dizia, q seu sobr. Simad Correa avia ser o herdeiro de sua caza a qual
naquelle tempo passava de 3 U [2] de renda: partiuce logo Simaô Correa p.* a
quinta do Paul, da Bicouça duas legoas da Ponte do Soro, aonde entad seu tio
estava com sua caza, e lhe contou o & com sua pr. D. Joana de Castro tinha
[113] passado, em ordem a cazar com ella, e q seu pay D. Henriã naô queria vir no cazam.'º
por elle naô ter nada de seu, e sua £* muito, plo & lhe pedia com grande encarecim.te
por se naô perder aquella ocaziad de tanta utilid.e sua, lhe quizece fazer huã doaçaô
de seus bens, porã à vista della concintiria D. Henrique no d.tº cazam."?, e feito
elle lha entregaria outra vez, ou faria dantes tudo aquilo que fosse necess.º p.* G a tal
doassad naô tivece effeito, e q por este modo vinha a lhe dar m.'º sem tirar nada
9
130

de sy; seu tio lhe respondeo q falaria com sua m.* D. Joana e & fariad o q ambos
naquella matr. rezolvecem, e depois de falarem sos entre sy, mandaraô chamar a
Simaô Correa, e asentandoo D. Joana Henriques na borda do seu estrado junto de sy
lhe disse estas palavras: S.º* Simaô Correa vosso Tio, e eu vos criamos, e vos
queremos como a filho, e depois q DS foy servido de nos levar p.º sy os nossos,
detriminamos ambos entre nos de vos deixarmos toda a nossa faz.?, mas naô quero
eu, ja & vos dou o meu, q vos o comaes com a É. de D. Henrique q me naô he
nada, senaô com minha sobr.: D. Vitoria com quem quero q cazeis; era D. Vitoria
moça m.'º fermoza Dama da Infante D. M.º e £.º de Bernardo Monis da Silva o de
[1130] Thomar, Comendador da Torre e das Olayas, e de D. L.e: Henriques jrma da d.'
D. Joana; agradeceo Simad Correa a seus tios a m.% q detreminavad fazerlhe,
e se veyo ao Carregado dar conta a seu jrmaô M.4 Correa do q nelles achara;
Correa pareceo q seu jrmaô avia estar plo q seus tios ordenacem, pois
e à M.!
elles queriad fazer caza nelle, e deixalo por herdeiro de toda sua faz.2; plo &
SimaS Correa se foy esfriando na pertençaô de cazar com sua prima D. Joana,
e seu pay tratou logo de a cazar em razaô do & mandou falar por 3.º pessoa a
D. Joa6 de Almeyda Snôr da caza de Abrantes, o qual era tambem primo 2.º de
Simaô Correa: naô faltou quem disse a D. Joaô q ella estava cazada com seu primo,
o q ouvido por elle se escuzou com boas palavras do tal cazam.t: Vendo isto
D. Henrique mandou offerecer sua £.º por mulher a D. Gonçalo de Castelbr.eº
Rn.ºs,
jtmaô de D. D.'* de Castelbr.e Conde do Sabugal, e Meirinho Mor destes
o qual tinha huã comenda grande; tambem ouve quem lhe disse 3 aquella S.'º tivera
amores com seu primo Simaô Correa Baharem, ao q Dom Gonçalo dizem &
[114] respondeo, q avia cazar com ella, ainda q fosse prenhe de seis mezes. Cazou
D. Joana com D. Gonçalo; elle morreo na Batalha de Alcacer; ella ficou viuva,
e sem £ºs, D. Vitoria faleceo Dama da Infante e apos ella D. Joanna Henriã
e
sua tia mulher de Fran. de Az., por cuja morte ficando elle viuvo de setenta
sinco annos de idade, e m.'º enfermo, lhe offereceo D. D.' de M.s, de Alcanhaes
sua jrma D. Joana de Vilhena p.º cazar com ella, porã o velho imaginava q
poderia ainda ter hã £.º, & lhe herdace sua caza, e juntam.' lhe falaraô de outra
p.'* em D. Leanor Correa moça de 18 annos e m.ºº fermoza f.2 de Joaô Roiz Correa,
e deixando Fran.eº de Az.do de cazar com a d.** D. Joana de Vilhena por ter pouco,
ou quazi nada de seu, se cazou D. Leanor com à qual lhe deraô 18 Urs de
dotte: em este tempo estava SimaôS Correa servindo Comenda em Tanger, aonde
lhe escreveo M.! Correa seu jrmad como seu tio era cazado, e com quem,
e q elle o naô vira, nem lhe escrevera, m.'º tinha Simaô Correa sentido a morte
Henriques, mas m.ºº mais sentio averce outra vez cazado seu Tio,
de D. Joana
131

[1140] sendo de tanta idade, e taô enfermo, o qual por huã carta ã lhe escreveo a Tanger
lhe deu conta do seu cazam.to; foy tambem Simaôd Correa dar conta delle ao
CapitaS da Cidade D. D.ts de M.s % depois foy VizoRey da India, e segundo
Conde de Tarouca, e pedirlhe cons.º sobre o q faria na matr.?, se responderia a
seu tio dandolhe o parabem do cazam.'º ou se faria o 5 seu jrmaôd tinha feito,
ao q D. D.'s lhe respondeo q seu jrmaô fizera bem porã naô dependia da herança de
seu tio, porem elle q faria mal se lhe naô respondece, e aprovace m.ºo aquele seu
cazam.*e, porq seu tio naô estava ja capas de ter f£.ºs, e convinha nad o escandalizar,
porã em tal cazo deixaria o seu a quem lhe parecece; Veyo Simaô Correa de
Tanger, vio a seu Tio, tornou a Africa com elRey D. Seb.:m, cativou na batalha
de Alcacer, e se resgatou, depois de anno e m.º de cativ.'º tornou ao Rn.
c achou sua prima D. Joanna de Castro viuva, a qual o mandou logo vizitar por
hã Capucho da Provincia de S.to Ant.º seu confessor lembrandolhe q estava soltr.?
[115] e Snfa da caza de seu pay, e com a mesma vontade q sempre tivera de viver
cazada com elle: Simaô Correa agardeceu a vizita, mas nad aceitou O cazam. te,
escuzandoce delle com as razões que entaô se offerecerad, e se foy cazar em
Santarem com D. Leonor Correa q estava tambem viuva de seu tio Fran. de
Az.do 3 falecera estando elle cat., sentio tanto D. Joanna de Castro verce desprezada
de seu primo Simaôd Correa, q com raiva q disso teve fes levar sua may D. Guiomar
q estava ja m.'º mal, p.º caza de D. Joad de Castro S.º* de Rezende e aly fizerad
ambas testam.'º aprovado por hi Tabaliaô criado do mesmo D. Joaô, dizem q
contra a vontade da d.: D. Guiomar, a quem ouvirad dizer 5 queria deixar o
seu a seu sobr.º Simaô Correa, e no d.'o testam.'º deixarad todos seus bens em mor-
gado a D. Ant. de Castro mulher do d.'º D. Joaô, sobre o q trouxe Simad
Correa demanda com D. Joaõ, e cahio della: por morte de D. Ant.: sucedeu no
morgado instituido por D. Guiomar e sua £* seu £º mayor D. Simaôd de Castro,
o qual vindo a ter humas dezavenças com D. Joaô seu pay, e com D. Ant.º de
[1150] Castro seu jrmaôd menor, q depois se fez clerigo, o d.tº Dom Ant.º o mandou citar
p* q lhe dece partilhas da faz.* % erdára de D. Ant.: may de ambos, dizendo qa
d.'a faz.* era partivel e naô morgado: D. Simaô dizia q se a faz.* & elle herdara de
sua may por vertude do testam.to de D. Guiomar naô era morgado, morrera a
d.'* D. Guiomar sem testam.tº, e q no tal cazo nenhii delles podia ter parte na d.*: faz.?,
antes pertencia toda a Ant.º Correa Baharem e a Fran. Correa seu jtmaô filhos
ambos de Simaô Correa Baharem, q eraô os herdeiros a bem testados de D. Guiomar,
por serem seus parentes mais chegados, e foy o d.te D. Simad hã dia a caza de
Aires Correa Baharem clerigo Theologo & entad era Conego na conezia Magistral
da Sé de Lisboa, rogarlhe quizece mandar recado ao d.tº Correa seu primo p.
132

& viece tambem ser p.'* nesta demanda q seu jrmaô D. Ant.º lhe fazia com o der.to
q asima fica apontado: foy Ant. Correa avizado disto, mas pareceulhe melhor
esperar ver como sahia a snn.º, porã se os juizes determinacem q a faz. era
[116] partivel em favor de D. Ant., entaô entraria elle como herdeiro a bem testado
a pedila, e se julgacem % era morgado a favor de D. Simaô (como de feito
julgara6) naô avia p.* q se cançar na pertençaô della.

LXXX

|De uma voz e um juramento]

- Bernardim de Tavora Reposteiro Mor delRey D. Joaô 3.º teve de sua m.*”
D. Ant. dAlcaçova jrma do Conde da Idanha D. P.º dAlcaçova m.'ºs filhos, os
quais todos tiverad boa vos, e cantarad bem, o q entre todos a teve melhor,
e melhor cantou foy hã Ruy Pires de Tavora pay de Bernardim de Tavora q
hoje he Reposteiro Mor delRey D. Joad o 4.º nosso Snôr, e cantou o d.te Ruy
Pires tam bem q a sua vos foy tida pla melhor daquelle tempo; chegou isto
as orelhas delRey D. Joaô o 3.º, disse a seu pay Bernardim de Tavora q lhe
gabavaô m.'º a vos de seu £º Ruy Pires q folgaria de o ouvir cantar: huã sesta
veyo Bernardim de Tavora p.º caza, e disse ao d.tº Ruy Pires, £º aparelhate p.º
a sesta de amenha porã elRey me disse agora q te queria ouvir cantar; calouçe o Ruy
Pires (q entaô tinha 15 p.º 16 annos de idade) e cantou a elRey no dia seguinte;
[1 160) Vindo do Paço disse a seu pay, S.º* eu cantei a elRey, fis o q VM. me mandou,
agora trate V. M.“ de me aviar este anno p.º a India porã eu naô ei de estar mais
tempo em Portugal q em quanto as nos naô partirem: naquelle Março seguinte
avioo seu pay, e se foy p* a India, Ruy Pires de Tavora, fazendo juram.'º de
nad tomar viola na maô emquanto vivece, e assy o comprio porã ninguem o ouvio
cantar mais, nem na India emquanto nella andou, nem em Portugal depois q a elle
tornou, som.'* se conta delle G andando ainda na India se achou na morte de
Di.º de N.!2 o Corcós, com outros fidalgos, e q o d.'º D. Di. estando ja quasi
morrendo lhe dissera, Snôr Ruy Pires eu morro, mas vou m.'º desconçolado desta.
vida, porã dezejei m.tº nella de vos ouvir cantar, e nunca o pude acabar com vosco,
e & escuzandoce elle com o juram.to q tinha feito, os outros fidalgos mandaraôd
secretam.te buscar huã viola, e lha meteraô na maô, dizendo lhe G o juram.'º naô
138

obrigava naquelle cazo por ser contra à carid.* na acudir a conçolaçaô de hã enfermo
[117] q morria; tanto apertaraô com elle q o Ruy Pires tomou a viola, e cantou de
man.” q os sircunstantes enlevados na suavid.* da muzica, nad deraô fe de D. Di.º
q na mesma elevassaô deu alma a D3.

LXXXI

[De como se fazem soldados valentes] 68

Este D. Di.º de N.º cra jrmaô de D. Fern.do Alvr de Noronha £ºs ambos
de D. Alv.º de N.r; teve huã corcova grande, e por isso lhe chamavad de
alcunha o Corcós, servio na India m.'º* annos €, e foy fidalgo de grande esforço,
e valor; andava naquelle estado servindo hum soldado portugues q lá passara deste
Rn.º, o qual tinha grande corpo mas pequeno coraçaô, em algumas ocaziões em q
se achara o tinha ja mostrado, virando sempre as costas aos inimigos; em razaôd do q
naô avia ja Capitad & o quizece levar com sigo, o mandou chamar, e lhe disse se
quiria hir com elle p.: Damão que elle o levaria com muy boa vontade, mas que
lhe avia de prometer naô fogir, lançouce o Sold.º aos pes pla mes q lhe fazia de
o honrar e lhe prometeo à jamais se viria nelle semelhante fraqueza, mando o D. Di.º
[1170] asentar entre os seus sold.ºs, e vendo algiis conhecidos por valentes algumas vezes
em comp.* de D. Di.º sabendo q elle o levava p.' Damaô lhe diziaô boa ovelha leva
VM. com sigo 8.7 D, Di.º., e D. Di.º lhe respondia sim levo, mas eu espero em
D3 à sedo o tornarei a VsMs. hã Lead; em Damaô na p.': briga & D. Di.º teve
com os Mouros tomou aquelle soldado, e polo na dianteira, e lhe fez huã pratica
lembrandolhe a promeça q em Goa lhe fizera de naô voltar atras, q o naô quizece
dezonrar, tornou o Sold.º a retificar a promeça, dizendo q bem podia estar seguro
porq nem lhe avia de lembrar q tinha costas p.º as virar ao inimigo, porem na p."4
envistidura o vio D. Di. q estava na retaguarda vir correndo com o rosto p.? elle;
acabada a briga o mandou chamar diante de m.'* gente, e lhe deu huã valente
repreençaô, enjuriandoo de galinha, e de covarde, q naô nacera mais q p.º afrontar

$8 Note-se como uma anedota por vezes puxa outra, com associações internas de pessoas, lugares,
ou assuntos, o que sugere talvez uma tradição oral. A anedota do Corcós é uma lição moral: uma vez
sobrepujada a covardia, o soldado faz brilhante carreira militar.
69º Terá passado à Índia em 1550 (Caetano de Sousa, História Genealógica, XII, pt. 2, 23).
134

o nome portugues; elle ouvio tudo com m.'* paciencia, pedindo a D. Di.º à lhe
perdoace porã naô estivera mais em sua maô, mas q elle lhe tornava a prometer
[118] de morrer antes que passar por elle outra fraqueza como aquella, mandoo D. Di.º
q se fosse de sua prezença asperam.' dizendolhe q naô era digno de falar entre
homens, nem de ser tratado como tal, e se sahio m.ºo corrido p.º fora: Na 2.º peleja
q D. Di. teve com os Mouros o tornou a por na dianteira, e lhe disse q tratace
de se defender dos Mouros com as armas, porã se intentace fazelo com os péz q
elle vinha atras q lho naô avia de sofrer outra vez; poce o d.'º sold.º no seu posto,
mas em vendo arremeter os Mouros foy tamanho seu medo q naô lembrado de
q D. Di. lhe avia d.tº dezemparou o posto, e se veyo fogindo p.* onde Dom Di.º
estava, o qual vendo o vir se lhe pos diante com huã alabarda q tinha nas mãos, -
e lhe dice arremetendo p.º elle, Á fraco, aqui pagaras as afrontas à me tens feito, vendo
o sold a D. Diº com aquela detreminassaô por fogir delle, e da morte (q aly
a vio mais diante dos olhos) voltou outra vez p.* os Mouros, e se meteo entre
elles taô dezatinadam.'* q matou, e ferio m.'ºs, e foy o sold. q naquelle dia se
[1180] aventejou a todos os mais, € daly em diante veyo a ser na India hã assombro de valentia,
e por isto dezia D. Di.º de ssy q só elle tinha arte p.* de hã homê fraco fazer hã homê
valente, e hã Leaô de huã ovelha; acabada a peleja o levou D. Di.º nos braços, a elle
lhe agardeceo m.'º a m.º* q lhe fizera athe aly, e em lhe sofrer o seu medo, como
tambem em buscar aquelle modo p.º lho fazer perder; foy D. Di.º sempre grande
seu amigo, e lhe chamava o seu soldado; era D. Di.º m.'º valente homê, e fazia
grande praça de sua valentia, estando elle sercado na fortaleza de Damaô de hã
grande poder de mouros, hã dia depois de jantar disse p.º hiis sold.ºs 3 estavad com
elle, nad folgaremos esta tarde hi pouco com estes moutrinhos, e dizendolhe elles
q fizece o q fosse servido, q elles o seguiriaô em tudo, mandou D. Di q
alevantacem o alçapaô da porta da fortaleza, e q lhe mandacem dizer se entravad os
Mouros, e quantos; levantouce a porta do alçapaô, e vendo os mouros lugar aberto
p.: poderem entrar na fortaleza, os q entre elles tinhad mayor openiaô de valentes
[119] cometerad logo a entrada, e os foraô seguindo m.ts, forad dizer a D. Die 8.º
entraS mouros,e D. Di.º respondeo deixenos entrar nad lhes façaô nojo, tornaranlhe
a dizer seraô entrados sincoenta mouros; elle respondeo deixem entrar mais; veyo
outro recado q eraô entrados cem mouros, e elle mandou q deixacem entrar mais,
tornou outro mençageiro, € disse q seriaô entrados 150; disse entaô D. Di.º estas
palavras, sincoenta p.* Dom Diogo, sincoenta p.º a sua corcova, sincoenta p.? o seu
montante, eces bastaô, deixem. cahir o alçapaô; serrouce a entrada, deraô todos nos
Mouros q ficaraô dentro da fortaleza, e foraô mortos sem escapar algum.
135

LXXXII

[De uns versos que o Dr. da Mula Ruça mandou a João Lobo]

O D.to: da Mula ruça de q se falou asima foy castelhano de nassaô, medico


delRey D. Joaõ o 3.º, homê m.'º de corte; e fazia os seus verços m.'º bem feitos,
tinha delRey sertos moyos de sevada em tença p.? mantim.tº da sua mula, os
quais se lhe naô pagavad com desp.º do Veador da faz.?, era entaô hã delles,
[1190] e o a quem aquilo tocava Dom Joad Lobo 4.º Baraô dAlvito, a quem o mula russa
fes huã petiçaS por elRey o aver remetido a elle e lha mandou com estas trovas.

Llena de cuita y passion


viendo la estrella nel dia
mi mula ruça me embia
con aquesta petecion
para vuestra senhoria.

Y rehusa, y desemula
yo lo entendo en q soy bobo
dis q es vilancete novo
remitir elRey la mula
a q la despache el Lobo.

tardou o Baraôd com o desp.º a esta petiçaS; hi dia em huã vizita de hti enfermo
a quem o mula ruça curava, se achou o Baraô com elle, fes o mula ruça queixa
ao enfermo do: Baraô q estava prez.'s lhe nad aver despachado ha petiçaô q la
[120] tinha sua, e o Baraô respondeo 3 naô sabia della nem o D.º lha avia lembrado,
disse elle entaô ao Baraô eu a lembrarei a V. S. com bã par de perus, e o Baraô lhe
tornou, dece modo despachalaey eu com Letras de ouro, mandoulhe o mula ruça
os perus, e a petiçad naô se despachava; tinha o Baraô nota de mentirozo, fes lhe
o mula ruça estas trovas q lhe mandou.

Siempre fue sierto el rifran


quien solo come su galo,
solo ensilla su cavallo
illustre sefior Don Juan,
yo mentirozo le allo.
136

No quisiera publicallo
por no ennovar min manzilla
mas sabe Francia y Castilla,
que el Baron comio mi gallo
yo solo puse la silla

LXXXII

[De um capuz forrado de sol] 7º

O Duque de Bragança D. Theodozio visavó delRey D. João o 4.º nosso 8.º


[1200] foy Princepe de grandes brios, mandó o elRey D. Joaô 3.º à hera seu tio primo com
jrmaS do Duque D. Jaime seu pay, a tomar entrega da Princeza D. Joanna f£: do
Emperador Carlos 5.º q vinha cazar com o Princepe D. Joaô seu filho, a qual
entregua se avia de fazer na raya de Portugal, e Castella, q caye entre Elvas,
e Badajos; foy o Duque m.º acompanhado de fidalgos, assy de sua caza, como
delRey, os quais hiaô todos de gala, som.'t o Duque levava hã capus (trajo uzado
naquelle tempo) de pano groceiro pardo, porem forrado de huã tella bordada,
e semeada de diamantes, e rubis, e outras pedras preciozas, as quais vinhaô a fazer o
forro de presso muy notavel; vinhaôd acompanhando a Princeza algtis grandes, m.*es
tit.es, e fidalgos Castelhanos, os quais todos vinhaôd muy dezejozos, e alvoroçados p.º
verem o Duque, porã sabiaô q a elle se avia fazer a entrega da pessoa da Prenceza,
a qual em chegando a raya de Portugal, foraô todos os fidalgos portuguezes q hiaô
[121] na comp.* do Duque bejar a maô juntam.'s com o mesmo Duque; em vendo algã
fidalgo mais luzido perguntavad logo se era aquelle o Duque, respondianlhe % naô;
enfadados ja de perguntarem tanto porq o naô conheciaô, espantados diziaô, valgame
Dios a donde viene el Duque; chegou o Duque com o seu Capus de pano pardo
a bejar a maô à Princeza, e naô fazendo os Castelhanos cazo delle lhes disseraô 3 aquelle
era o Duque, o q elles naô querião crer, plo verem taô pouco luzido, mas chegandoce
o Dugue à Princeza, e levantando huã borda do Capus sobre o ombro p.* lhe bejar
a maô apareceo o forro, o qual com os rayos do sol 3 lhe dava resplandecia de
maneira q segava a vista de quantos punhaô os olhos nelle; o q vendo os Castelhanos,
espantados diziaô, valga el Diablo el hombre à viene ahorrado del sol.

7 Cf. a versão quase idêntica de Supico de Moraes, Collecçam política, IL, 208-209.
137

LXXRKIV

[De um Fidalgo molhado e do que disse a seu moço]

D. Joaô Deça foy hi fidalgo m.tº pobre em tempo delRey D. João 3.º;
estando hã inverno com elRey em Almeirim o acompanhou hiia menha à cassa
com outros fidalgos andando todos no matto; deceo sobre elles tanta agoa do Ceo
[1210] q se recolherad outra ves aos Paços, e vinhaô taô molhados q elRey mudou de
vestido, e o mesmo foraô fazer os fidalgos a suas cazas; D. Joaô Deça naô tinha mais
q hã vestido de seu, de pano verde, e como naõ tinha outro em q poder mudarce,
se lançou na cama, e mandou ascender fogo em huã chumine &q avia na caza onde
dormia, e disse a hi moço & lhe enxugace o vestido p.: poder tornar ao Paço; pos o
moço o vestido junto do fogo, e D. Joaô se deixou dormir; vendo o moço q
seu amo dormia deixou o vestido junto do fogo, enfadado ja de estar olhando
por elle e deceo manço pla escada abaixo a buscar converçassaô, acordou D. Joaô,
e vendo q seu vestido estava só muy vizinho do fogo, gritou plo moço, e acodindo
elle lhe disse Dom Joaô: deixastes aquelle vestido só, devias de cuidar q por ser
verde naô pegaria o fogo nelle; pois lembrate q he meu, e q como tal ainda & he
verde arderá.

LXXXV

[De um valente e de um desafio]

Dom Jorge de M.º: alcunha o Tubara foi irmão de D. Luis de M.ºs Alferes Mor
[122] delRey D. Seb.im do qual se fez ja mençaô asima servio na India com grande
satisfaçad; foy valente home, mas fazia grande praça de suas valentias, plo 3 deziad
delle q tinham mais de roncador % de esforçado: achandoce hã dia na India em huã
briga de Mouros lhe deu hã pelouro de mosquete nos peitos, mas vinha ja tad fraco
q naô fez mais & tocarlhe, e sem lhe fazer lazaô alguma lhe cahio logo aos pés, e elle
falando com o pelouro disse alto ã lho ouviraS muitos, bem sabia eu q como tu
deces Arnis de Milaô do peito de D. Jorge q logo avias de cahir em terra. Cazou
com D. Guiomar de Mello filha de A.º de Torres e ouve della dous £ºs e hiia
filha, a f.? se chamou D. Violante Eugenia, e cazou com D. Nuno Alveres P.:2 Jrmaõ
138

de D. João P.:: 6º Conde da Feira, e morreo sem aver delle geraçaô, dos f£.ºs hi
se chamou D. Joaô de M.ºs q foy Alferes Mór neste Rn.º delRey D. Phelipe 3.º de
Castella, como seu pay Dom Jorge o fora de Phelipe 2.º, e cazou com D. M.º de
Castro £* de D. Fern.%º de M.ºs S.º* do prazo do Louriçal de q naô ouve £es, e ella
por sua morte naô sahio mais de caza, nem vizitou mais ninguem, plo q lhe
[122v] “chamarad a encantada; o outro £º se chamou D. Joaô Tello, o qual servio na
India com o pay e lá morreo: Contace deste Dom Jorge q p.º fazer q este filho
perderce o medo aos pelouros, o fazia estar diante de sy com o chapeo na .
cabeça, e logo lhe fazia tiro com hã mosquete cevado com pelouro, e lho tirava
della: Este D. Jorge de M.º teve em Lx.* hã dezafio com hã fidalgo tambem do
serv.º da India por nome Ruy P.':, e foy no anno em q o Concilio Tredentino
foy aceito neste Rn.º, o qual poem pena de excumunhad ipsso facto incorrenda
as pessoas 3 entrarem em dezafio: Brigaraô estes dous fidalgos dezafiados em Val de
Cavalinhos, de tras do Mostr.º de Nossa S.:: da Graça, e no descurço da briga
vieraS a braços, e Ruy P.'* q era m.tº valente soldado, e de grandes forças deu com
D. Jorge no chaõ e lançandoce sobre elle levou da adaga com huã maô, e com
outra lhe pegou nos cabos da espada, dizendolhe & alargace senad q o mataria
com aquella adaga; naô quis D. Jorge nunca largar a espada, nem Ruy P.' matalo
[123] antes estando com elle naquelle requerim.'º algum espaço de tempo com ameassas
som.'s, o teve D. Jorge p.º se valer de traças e manhas; apanhou desimuladam.te hã
punhado de terra, e deu com ella nos olhos a Ruy P.*, e o segou de man.” q
teve lugar p.º se livrar delle, e levando o debaixo de sy, vendoce D. Jorge sobre
Ruy P.': lhe pedio a espada e naô a querendo elle largar o mattou; tomouce mal
esta morte, e se disse commumm.t q D. Jorge nad matara a Ruy P.”” como
cavalhero: Sucedeo isto depois da Pascoa de flores; no Agosto seg.'s se foy a
R.: D. Caterina p.º Cintra com elRey D. Seb.:= seu neto; seguio a corte M.“ da Silva
(q depois morreo degolado na Ilha 3. sostentandoa plo S.º* D. Ant.º contra clRey
D. Phelipe 2.º de Castela) porã galanteava D. M.º de Vilhena Dama da R.º com
a qual veyo a cazar, q era f.: de Ruy Telles de M.ºs Alcayde Mór da Covilhaã; |
vivia Md da Silva em Cintra em humas cazetas com Simad Correa Baharem,
e outro fidalgo, e todos tres dormiad em huã cama (ã tudo isto sofria a singeleza,
e sobried.º daquelles tempos) as Damas por serem entaô os calores grandes se recolhiad
[1230] na noite tarde, e gastavad muita parte della nos seus apozentos com as janellas
abertas, e luz na caza, occupadas hora na licaô de algiins livros, hora em outras
couzas; os galantes em q.tº as janellas de suas Damas estavaô abertas paceavaô diante
dellas, e naô seççavad do passeyo, nê se recolhiaô senaô depois q de todo se fechavad;
por esta cauza se recolhia M.º da Silva muitas noites m.tº tarde; e tantoG achava
139

ja seus companheiros na cama dormindo, quando chegava seava, e se lançava com


elles na mesma cama a dormir; huã destas noites adormecendo elle logo por vir
cançado do passeo, lhe deraô huã grande bofetada & o fizerad logo acordar, e cuidando
elle q algiis dos companheiros lhe fizeraô aquella jnjuria, os despertou com grandes
queixas, dizendolhes q faria e aconteceria; cada hi delles lhe jurou que tal naô fizera,
e lhe disseraô ambos q se quietace e dormice, q aquilo devia de ser sonho; em fim
quietouce M.! da Silva por entaô, mas sendolhe dada na noite seguinte outra
mayor bofetada, a naô pode elle sofrer, e levantandoce com a paixad remeteo a sua
[124] espada q deixara encostada a hii dos cantos da caza p.? fazer algii dezatino, mas
como a caza estava escura pr.º q elle asertace com a espada acordaraô os companhr.ºs
(q eraô ambos seus parentes e amigos) e lhe chamaraôd de doudo, e o fizeraô outra
ves lançar na cama, tendo p.* sy q sonhava; na 3.º noite vindoce M. da Silva
recolhendo plas onze horas vio andar hii homê vestido de dó, paceando nos Cubertos,
o qual levando da espada se veyo logo a elle, e sem falar palavra lhe tirou huã
cutilada, levou M.º da Silva tambem da espada, e andou brigando com aquelle
homg hi grande espasso de tempo no fim do qual lhe disse elle: M.4 da Silva naô
aja mais, e dizendo-lhe M.4 da Silva quem sois, ou q me quereis, lhe respondeo
estas palavras: Eu sou Ruy P.'* a quem D. Jorge de M.ºs matou em Lx.º em Val
de cavalhinhos, em cada huã destas duas noites atras estando vos dormindo vos dei
hu bofetada p.º acordares porã vos queria falar, mas como acordaraô juntam.'* com
vosco vossos companheiros, o naô quis entaô fazer, e o guardei p.º agora; querovos,
q na Igr.? de nossa S"2 da Graça de Lx.º me mandeis fazer tantos officios, e dizer tantas
[124] missas porq padeço grandes penas no Purgatorio; M.! da Silva lhe disse com
grande coraçaô q assim o faria, e o defunto lhe tornou, hora idevos agora p.? caza,
e naô olheis p. my por vos naô cauzar pavor; foice M.º da Silva, e contou na menha
do dia seg.'* aos companheiros o q vira na noite passada: Tornouce a R.º p.º Lisboa
no principio do Inverno, e M.º da Silva como andava infunado em seus amores,
naô se lembrou mais da promessa q em Cintra fizera aquelle defunto % dizia
ser Ruy P.':: Andando elle huã tarde na Rua Nova passeando à sua Dama q estava
em huã janella do Paço, daquellas q cayem p.º a d.': rua, ouvio huã vos & lhe
disse: M.l da Silva, mal compristes o q ficastes comigo em Cintra, se dentro
em tres dias o naô comprires, olhai por vos: esta voz foy ouvida de m.*: gente
q na rua estava, e conhecida de algiis por de Ruy P.':: M.& da Silva dentro do
prazo limitado se foy a nossa Snrã da Graça e lançou de ssy aquella obrigaçaõ;
[125] elRey D. Sebastiaô sabendo do cazo fes junta de agliis Theologos sobrese seria
aquella alma de Ruy P.":, e acentouce nella ã aquelle era sem falta o Demonio q
com aquella traça vinha acreditar os dezafios q o Concilio Tredentino naquelle
140

mesmo anno escumungara, e perçuadir aos homens q bem se podiad ainda dezafiar
suposta a tal excumunhaõ, e salvarce morrendo sem confissaô nos dezafios como acon-
tecera a Ruy P.: morto da mesma sorte.

LXXXVI

[De como Sebastião Gonçalves recusou ser filho do Duque de Bragança]

O Duque de Bragança Dom Teodozio p.'º deste nome, sendo mancebo teve
aççexxo a huã moça humilde por geraçaô, a qual cazando com hã homê sorte,
hia ja prenhe do Duque, e desta barriga veyo a parir hã filho Baraô, o qual se
criou como filho daquele homê com quem a moça cazara, e como tal se chamou
SebastiaS Gonçalves; soube o Duque como aquelle moço era seu £.º, deu ordem
(sendo elle ja de idade p.º isso) q fosse servir a India naô como £.º seu, mas daquelle
homê por cujo filho elle corria; na India procedeo Sebastiaô Glz tam bem & por
[1250] seu valor e esforço veyo a ser m.'º estimado naquellas partes, e a fazerce delle
grande conta: Mandou elRey D. Joad o 3.º a India por VizoRey D. Constantino
jrmaô do Duque, e depois de estar lá governando soube o Duque q Seb.:” Glz
procedia bem na India, de man. q andava ja por Capitad de Galle (a qual
Capitanya se naõ dava entaôd senaô a fidalgos, ou a homens % por conhecido valor
a mereciad) 7! e pareceulhe q pois elle sahira homê de bem; tinha elle Duque
obrigaçad de o conhecer por f.º: escrevco huã carta ao VizoRey sey jrmaô na
qual lhe dizia estas palavras. Neçe estado anda servindo hã homê por nome Sebastiad
Giz o qual (me dizem) procede m.tº bem, de man.': q merece q eu o declare por
meu £º, como na verdade he: V. S. o mande chamar, e lhe diga cujo £º he,
o o honre, e trate como tal etc. Lendo o VizoRey a carta do Duque seu jrmaô,
mandou chamar o d.tº Sebastiad Glz, e vindo elle, o mandou entrar em huã
guardaroupa secreta aonde estava, e mandando os seus criados p. fora, e ficando
[126] só com elle dentro, lhe disse se asentaçe e cobrice; e naô querendo elle fazer huã,
nem outra couza, lhe tornou o VizoRey dizendo, hora S.º: Dom Sebastiad
assentaivos, q tudo isto se vos deve per seres fº do Duque meu jrmaô q assy mo
diz em huà carta q nestas naos tive sua; ouvindo isto Sebastiaô Glz estando em pé

7 As frases parentéticas que aparecem em várias anedotas podem ser evidência da mão editorial
de quem as reuniu na sua forma presente.
141

descuberto lhe respondeo: Se VS.: naô fora meu VizoRey ouvera o de levar ao
campo, porq eças injurias nad se me dizem a my, eu sou filho de huã mulher
humilde, mas m.'º de bem, e m.tº honrada, e dizendo isto se sahio p.: fora,
deixando o VizoRey espantado de ver tanto brio em hã homê ate entaô tido por
humilde, ã por defender a honra de sua May engeitava ser filho do Duque de
Bragança, com todas as mais preheminencias, postos, e lugares q de o ser se lhe
aviad necessariam.' de siguir.

LXXXVI

[Do que é a humildade] 7

Vagou o Arcebispado de Braga Primas das Hespanhas governando este Rn.º


a R.º D. Caterina por elRey D. Seb.:m seu neto; pertendia o Duque de Aveiro
[1262] D. Joaô de Lancastro fº do Mestre de Santiago Dom Jorge q fosse promovido
aquella Igr.* Primacial seu jrmaô Dom Jaimes, a quem elRey D. Joaô 3.º plo
fazer Bispo avia dado o Bispado de Ceutta q vagara, emquanto nad vagava outra
couza melhor, a R.º querendo dar àquella Igr.* hã Prelado de satisfaçad q a
governace segundo D$, elegeo por Arcebispo della a frey Luis de Granada,
religiozo da ordem dos pregadores seu confessor, homê de vida m.'º exemplar, e vertude
muy conhecida, mas elle o naô quis aceitar, escuzandoce como S.*º q era em sua inçufi-
ciencia; disse porem a Raynha ã elle lhe daria hã pastor daquella Igreja em
quem S. A. podia seguram.'* descarregar sua conciencia; apontoulhe entaô o P.º frey
Bertolameu dos Marteres Mestre em S.'a Theologia, religiozo de grandes letras,
e vertude, e digno de toda a venerassad q actualm.'s era Prior do Conv.'º de
S. D.ºs de Benfica, e lhe disse mais q entendia do d.*º religiozo 3 avia de recuzar a
dinid. com todas suas forças, mas q pedia m.'º a S. A. lhe naô aceitace nenhuma
[127] escuza, porg tinha nelle hã grande Prelado; nomeou a R.º ao d.'e fr. B”“ por
Arcebispo de Braga; naô quis elle aceitar: mas ella que estava industriada do d.te fr.
Luis de Granada seu confessor apertou com elle por todas as vias até mandar ao seu
Provincial q mandace a elle q por obidiencia aceitace; felo assim o Provincial,
e fr. B.ºº aceitou entad o Arcebispado obrigado da obidiencia; sendo ja Arcebispo
eleito o mandava a R.º chamar algumas vezes aos Paços de Enxabregas, aonde ella

72 Cf. uma anedota substancialmente diferente em Supico de Moraes, Collecçam política, I, 9,


baseada na mesma nomeação de Fr. Bartolomeu dos Mártires, mas sem os pormenores históricos.
142

entad vivia p.º tratar com elle algumas materias de importancia q se offereciaô,
aonde o Arcebispo hia de Sad D.º* a pé com seu companheiro: O Duque de
Aveiro sentio m.'º nad prover a R.º aquelle Arcebispado em seu jrmaô D. Jaimes,
e m.tº mais o dalo a hã frade q elle naô conhecia, nem ainda era conhecido na
corte, e sentio isto tanto q de pura paixad e nojo naô foy ao Paço m.'os. dias,
vivendo entadS m.'º vezinho a elle, nas suas cazas de Santos o Novo, e dizia m.*as
vezes à meza quando comia, e fora della ã lho ouviad seus criados, Naô saberej eu
[1270] q frade he este q levou o Arcebispado de Braga a meu jrmaô, hã dia hya o
Arcebispo p.º o Paço chamado da R.º e hia a pé e seu companhr.º como custumava,
e chegando de frente das cazas do Duque se assentou sobre huã paredinha baxa
q estava da parte do Rio, por descançar hã pouco do trabalho do caminho, e por
tirar e sacudir hã sapato G levava ou descuzido, ou roto, de naô sei q, q
entrara nelle, e lhe molestava o pé; ficando com o rosto p.? as janellas do Duque,
hã pagem de mesmo Duque q lhe ouvira dizer as palavras q refirimos asima,
e conhecia m.tº bem o Arcebispo, vendo o estar aly sentado, correo depreça
p.* onde o Duque estava e lhe disse quer V. S.º ver o Arcebispo de Braga,
pois chegue a janella depreça q agora vay p.* o Paço; o Duque q naô dezejava
outra couza se chegou a janella apreçado, e naô vendo acompanham.tº nenhã
[128] vitou p.: o moço, e lhe disse a boas horas me chamastes, ja o Arcebispo he
passado, e chegando o moço a janella disse ao Duque, naô he Snôr, q eilo acola
está, e apontou p.* onde o Arcebispo estava asentado com seu companheiro, o
qual estava entaô sacodindo o sapato daquillo q entrara nelle; olhou o Duque, e
naõ vendo mais ã aqueles dous religiozos humildem.'s asentados, e hã deles
com a postura do sapato se recolheo p. dentro, e disse p.* o pagem vaite q naô
sabes: e afirmandolhe o moço todavia % era aquelle & sacodia o sapato, porã
elle o tinha ja visto no Paço algumas vezes, e lhe ouvira falar aos fidalgos por S.º;
e perguntando q frade era aquelle, lhe responderaS 3 o Arcebispo de Braga, e que
nunca o vira la de outra man." senaô a pé com seu companheiro, como ali estava,
e q senad enganava com elle porã o. conhecia m.tº bem: disse entad o Duque,
Vay q me selem huã mula depreça; poce o Duque nella e foy ao Paço a tempo
q o Arcebispo estava com a R.º, e mandandoo a R.º entrar lhe disse o Duque deme
V. A. a maô pla m.e G fez a este Rn.º em fazer Arcebispo de Braga ao Arcebispo q
[1280] aqui está, porã as pessoas como a do Arcebispo estad diante p.º as perlizias, naô
digo cu de meu jrmaô, mas de vosso filho; e bejando o habito ao Arcebispo
com m.t reverencia se sahio p.º fora, e se tornou p.º sua caza, foy este lance do
Duque m.'º gavado de todos por se acomodar com elle ao bem publico, mais
q ao seu partecular, e mostrar nisto q era bom cristad.
143

LXXXVII

[Da bondade]

O Conde de Portalegre D. Joaô da Silva foy fidalgo de m.'* authorid.º neste


Rn.º; era castelhano de naçaô f.º de Dom Manrique da Silva da caza dos Marquezes
de Monte Mayor; Veyo [a] este Rn.º por Embax.: a dRey D. Seb.m delRey
D. Phelipe 2.º de Castela seu tio, e por o d.tº Rey D. Phelipe o pedir ao d.to
Rey D. Seb.:”, o cazou elle ca com a Condeça proprietr.* de Portalegre, a qual
tinha ainda vivo o Conde D. Alv.º da Silva seu Avó, e estava viuva sem £.ºs de D. Pedro
[129] Dinis £.º 2.º do Duque de Aveiro D. Joaô de Lancastro; foy este Conde D. Joaô
da Silva fidalgo m.'º entendido, e m.tó discreto, e governou este Rn.º em comp.?
do Arcebispo de Lisboa D. Miguel de Castro e do Conde de Villadorta, e D. Fran.
M.º* e outros; teve da Condeça sua m.” a D. Diogo da Silva q lhe sucedeo na caza,
e a D. Manrique da Silva em quem o d.'º D. Di.º sendo ja Conde de Portalegre
e Mordomo Mor delRey, rezolvendoce a naô cazar renunciou o tit. e Mordomia
Mor, o qual hoje he Marques de Gouvea e Mordomo Mór delRey D. Joad 4.º,
teve mais a D. Joaô da Silva q foy clerigo e Capelaô Mor neste Rn.º delRey
D. Phelipe 3.º de Castela, e lá foy G. de cavaleria: Em quanto estes £ºs erad
moços tinha o Conde em caza hã homê à lhe servia de Ayo; hã dia lhe perguntou
o Conde dizendo, % os parece de mis hijos y de sus inclinaciones, foy o Ayo
dizendo de cada bh a inclinaçaô & tinha, e chegando ao Dom Diogo & hera
o mayor lhe disse, el Sefior Dom Diego de todo piença mal, e o Conde lhe
respondeo, no os cance esso mucho, enganarceá menos vezes 73; Castigava hã veador
[1290] seu hã pagem o qual chorava rijo; ouvio o Conde q estava na caza de dentro,
e chegando a porta perguntou q era aquilo; o Veador lhe respondeo, 8.º castigo
este moço porg he m.'º vagaroso no serviço, e tendoo ja repreendido disso m.':s vezes
naô aproveitou nada; o Conde lhe disse entaô, no forceis los talentos al hombre,
e se recolheo p.º dentro.

3 Cf uma versão muito resumida desta anedota em Supico de Moraes, Collecçam política, I, 62.
É de notar, porém, que os últimos períodos são textualmente iguais.
144

LXXXIX

[De um marquês soberbo]

D. Miguel de M.º's 4.º Marques de Villa Real foy m.'º vaô; vindo huã vez
à corte em tempo delRey D. Seb.:m, o 8.º” Dom Duarte £º do Infante D. D.'º lhe
mandou dar as boas vindas por hã CapellaS seu, deraô recado a o Marques q
estava aly hã Capellaô do Se: Dom D.'s, mando o entrar, e o ouvio em pé,
e depois do Capellaô lhe dar o recado lhe perguntou o Marques a quem mandava O
g.0r D. D.te aquelle recado, e respondeo o Capellaô q a sua S.º, lhe tornou o Marques
a perguntar dizendo, a q caza 8.º: vos mandou o S.ºº D. D.ºs, e respondeo elle q
a caza do Marques de Villa Real; lhe disse o Marques, entendestes mal, aqui perto vive
[130] hã vizinho meu q chamaô D. Fulano Marques e a elle vos devia mandar o 8.º
D. D.'* e naô a my, porã o 8.7 D. D.'* vizita ao Marques de Villa Real quando
vem a corte; O Capella se foy e contou ao S.r D. D.'* o q passara com o Marques,
co 8.7 D. D.'o festejou m.'º porã eraô mui selebradas na corte as vaidades do Marques,
e dahy a poucos dias o foy vizitar em pessoa; Quando o d.' Marques D. Miguel
desta jornada q fez a corte voltou* p.' Chaã do Couce, vieraô os M.:es do lugar q
eraô seus vassalos a festejalo, entraraô no pateo da sua quinta com grande alvoroço,
e demonstraçoés de alegria, o Marques os recebeo no p.'º degrao da escada, aonde
tinha descavalgado, foy hi daquelles homens p.º o abraçar p,los pés, mas o Marques
estendeo a maô, a elle lha bejou, começaraôd os outros a fazer o mesmo, e foraô
tantos os q acudiraô a lhe bejar a maô q lhes dezia o Marques, devagar, devagar,
naô vos afogueis, q todos ireis conçolados; estando este Marques em Chaã do Couce
antes de fazer aquella jornada à corte de q falamos asima, reinando ainda clRey D. Joad
[1300] o 3.º, despachou elRey hã Capelad de sua capella com huã Igr.' de seu Padroado,
e quando o d.º Capellaô se ouve de hir p.* a sua Igreja, foy prim.'º bejar a maô a
elRey, e elRey lhe perguntou p.' 3 parte cahia a tal Igr.?, e dizendolho o Capelaô,
aonde
lhe tornou elRey dizendo, he vosso caminho por ventura por Chaã do Couce
vive o Marques de Villa Real, e respondeo o clerego à sim, lhe disse Rey,
foyce o
hora quando pasares de caminho, vizitai la o Marques de minha parte,
mandou
Clerigo, e passando por Chaã do Couce entrou no pateo do Marques, e lhe
dizer (depois de se apear de huã mula em q hia) q elRey sabendo q elle avia
de passar por aly, lhe dissera q de caminho vice a sua S.º de sua p.'s, e q lhe
e p.º
dece sua S.º L.« p.º o fazer depreça, porq tinha ainda m.'º & andar naquelldia

* Lêse «voltad» no ms.


145

fazer jornada; o Marques ouvindo q elRey o mandava vizitar, quis fazer embaxada
daquella vizita, e disse p.º os seus, honremos ao Embax.º* e mandou dizer ao
[131] Clerigo q se fosse esperar a serta parte q distava dahy hã quarto de legoa em
quanto se lhe preparava a entrada p.º o receber como convinha a hã Embaxador
delRey seu 8.º, e replicando o clerigo & elle naô trazia embaxada alguma q dar
mais q a que mandara dizer a Sua S.º, q o naô quizece sua S.º deter porã hia
com preça, e tinha m.'º q andar, sem emb.º disso foy esperar aquela parte aonde-o
foraô buscar algiis homens de cavalo, e o Marques o sahio a receber fora do
pateo da quinta tambem a cavalo, e depois o ouvio com im.'* serimonias, de. q
o Clerigo foy arrenegando, e en chegando a Igr.: escreveo logo a elRey tudo
o q lhe acontecera com o Marques, de q elRey teve grandes motivos de festas,
e rrizo.

XC

[Português de siso, castelhano de zombaria]

P.º dAlcaçova Carneiro & depois foy Conde da Idanha, teve grande enténdim.'
e prudencia, e em razaô disto o mandou elRey D. Seb.m por Embax.º* a Castella
a elRey Dom Phelipe 2.º seu tio, sobre materias de m.'* importancia: Foy esta
embaxada de P.º dAlcaçova m.ºº lozido porã o acompanharaô nella D. Alv.º de Mello
[1310] neto do Marques de Ferreira Dom Rodrigo, e o Bisconde Dom Fran.Ҽ de Lima
ambos seus genros, com m.'ºs criados, e todos faziad hit grande acompanham.to,
foy delRey de Castella muy bem recibido, e recebeo sempre delle muita honra
e m.º* emquanto la esteve; folgava clRey m.t de falar com elle porã era P.
dAlcaçova homê de corte, como quem se avia criado nella de minino na
delRey D. JoaS 3.º de Portugal, e quando falava com elRey lhe falava sempre
portugues, sendo assim & nas vistas q os S.7e* Castelhanos lhe faziaS, e em qualquer
parte q se achava com elles falava em Castelhano, porã o falava m.tº bem, soube
elRey disto e falando hã dia com elle lhe disse, Embax.º” como me ablaes siempre
portugues, y a los otros siempre castellano, e P.º dAlcaçova lhe respondeo: porã com
VMg.!º falo de sizo, e com os mais de zombaria 74,

74 Cf Supico de Moraes, Collecçam política,IL, 65.


10
146.

REA XCI

[De uns tristes que comiam com El-Rei Dom João III e da sua opinião dos pássaros]

Em tempo delRey D. João avia algis fidalgos q se prezavad de tristes 5;


com passaros criavad mochos; hã destes
aborreciad festas e prazeres, e os q folgavaô
pouco
[132] eraPran.e de Sousa o de Santarem, ao qual por ter afeiçaô do corpo
de alcunha o VilaS; este Fran. de Sousa vivendo nas suas
afidalgada chamaraô
cú cús,
cazas dalcaceva de Sanctarem, cujas janellas cahem sobre a barroca, criava
na
em -Gayolas, e era tanto o odio e aborrecim.'e q tinha aos roxinoes q quando
barróca aonde criaô mts cantavad de noite na primavera, mandava a hã moço
de
q o vestia q junta da cabiceira de sua cama, e da janella, lhe puzece cantid.
lhes tirava as
pedras, e quando os ouvia cantar se lançava fora da cama, e das janellas
de
pedradas, dizendo, andai m.'º na hora má, e hir cantar aos tolos G folgad
sobre q passaros
vos ouvir: Estando hã dia a meza delRey, moveo elRey pratica
rouxino l, e outros
cantavad melhor, algiis dos fidalgos sircunstantes responderad q o
outros disserad q o
q o melro, porã naô só cantava bem, mas cantava q estrogia,
e dicerad q so O
calhandro porã arremedava m.'º* passaros, acudirad os tristes,
de
mocho se podia ouvir, porã cantava triste, perguntou entaô elRey a Fran.º
qual he nesta
[1320] Sousa & ate entad naô falara, dizendo G vos parece Fran. de Sousa,
mas o cú cú rapa
giateria o vosso voto, elle respondeo: senhor, bom he o mocho,
tudo.

XCII

[De um fidalgo que se prezava muito]

o prim.' q
-, Joaô Gomes Cabral foy Capitaô da guarda delRey D. Seb.” e
nad converçava
ouve neste Rn.º, foy m.'º honrado fidalgo, mas de grandes fumos:
velhos, e mais
senaS com fidalgos m.'º conhecidos, e deces buscava ainda os mais
com Simaôd
authorizados; hã dia estando elle no Terreiro do Paço de Lx.º falando
a, & depois
de-Câminha entraraô plo d.'º terreiro passeando Dom Fern.ºº de Noronh

im Ribeiro faz ao leitor das


75 Esta anedota recorda a atmosfera da advertência que Bernard
se achar este libro de pessoas alegres, nam o leam», e ainda
suas Saudades (1554): «Se em algum tempo
s passagens do teatro vicentino.
da «tristeza geral do reinado de D. João II, documentada nalguma
147

foy Conde de Linhares, e M.d Correa Baharem, e em Joad Gomes Cabral os vendo
despediuce de Simaô de Caminha, e veyoce p.º elles dizendo, dizia o Comendador
Mayor Juan de Vega Conde de Grayal, al azimelero hablale en mulas: estava
agora aly com Simaôd de Caminha sobre huã mula minha porã he homê ã entende
disso, e era tanta a conta em q Joaô Gomes Cabral se tinha, e estimaçaô q elle mesmo
fazia de sua pessoa, q disseraô por elle no Paço q valia mais o foro q a propried..

XCIHI

[D. Cristóvão da Moura: de sua pessoa e de casos notáveis de sua vida]

[133] Dom Christovad de Moura foy £º mayor de D. Luis de Moura; seu pay
era fidalgo honrado, cazado com huã jrmã de L.º Pires de Tavora, pay de Christovad
de Tavora o valido delRey D. Sebastiad, mas m.'º pobre: sendo D. Christovad
minino andava hã dia brincan[do] na salla das cazas em q seu pay vivia, rotozinho,
e descalço; Veyo hã pobre estrangeiro a porta da mesma salla e pedio esmola;
estava na d.*: sala hu3 Dona fiando, a qual disse p.' o minino, S.* D. Xp.Ҽ va
V. M.s la dentro, e peça a S.:* sua may hua esmola p.º este pobre, em q.ºº o
minino foy, perguntou o pobre à Dona q menino era aquelle, ella lhe respondeo
q era filho mais velho do fidalgo & naquellas cazas vivia q se chamava D. Luis de
Moura, e o pobre lhe tornou, pois sendo. seu filho, e mais velho tralo assim taô
rotinho, a Dona respondeo, o S.º D. Luis seu pay he m.'º pobre, e naô o pode
trazer melhor, pois diga lhe VM. (disse o pobre) q o trate bem, porã aquelle
minino a de ser honra de toda sua geraçad: foy D. Xp.”º creçendo, e quando a
1330] Princeza Dona Joana may delRey D. Seb.:m se tornou Viuva p.* Castella; o levou
com sigo moço de 15 ou 16 amos, e elle a servio sempre de man.” em quanto
ella viveo, q quando passou desta vida o encomendou m.tº em seu testam.'º à
elRey D. Phelipe 2.º q chamaraô o prudente, seu jrmaõ, e lhe pedia m.'º
encarecidam.te se quizece servir delle, porã ella'o exprementara sempre naô so fiel
em seu serv.º, mas ainda com m.* partes, e prudencia p.* hã Rey se aconcelhar
com elle, como a Princeza morreo, lançou elRey seu jrmaô maô delle, e a pr.
couza em q delle se servio foy em o mandar a este Rn.º, depois da perda delRcy
D. Seb.:m, em comp.! de D. P.º Giraô prim.'º Duque de Ossuna, a negocear os
animos dos homens, a inclinar os fidalgos com promeças, e cartazes, assinados em
branco por elle, a o quererem Seu Rey, e senhor; negoceou D. Xp.“” tambem à
148

os fidalgos quazi todos aceitaraô os cartazes, e se declararaô com elle q seriaô por
[134] Castella; e assy foy, q elles (permitindo o assim Deus por nossos grandes pecados)
entregaraô este Rn.º aos castelhanos, contra razaô, e justiça porã o dereito todo
estava pla S1ã D. Catherina Duqueza de Bragança, filha do Infante D. Duarte, e neta
do grande Rey Dom M.i: esteve este Rn.º sogeito aos Reys de Castella por
espaço de sessenta annos, athe q em hfi Sabbado p." dia do mes de Dez.” em
que se acabava o anno de 1639. quando a Igr.* nas vesporas da p." Dominga do
Advento canta aquella capitula tirada da epistola q o Apostolo Saô Paulo escreve
aos Romanos, e começa, Frates hora est iam nos de somno surgere; que quer dizer,
Irmaôs he tempo de nos levantarmos ja do sono; plo Ds querer assim, se levantou
o Rn.º todo, e se livrou do jugo de Castella pondo os fidalgos portuguezes a
pr.? accaô neste neg.º, e se restetuhio milagrozam.t* em menos de oito dias, ao
Sereniss.º Duque de Bragança Dom Joaô, 2.º do nome entre os Duques daquelle
estado, e 4.º entre os Reys de Portugal neto da d.: Snrã D. Catherina, sem estrondo
[1347] algum de armas, sem mortes, nem furtos, antes com huã geral alegria q DS infundio
nos corações de todos, no q se mostrou bem claramente ser esta obra partecularm.'e
sua, a qual (segundo piam.'s se pode crer) o mesmo $.º” revelou m.º* annos
antes a algumas pessoas de virtude conhecida, q com Spirito (ao & parece) prophetico
as predixeraô, e deixaraô por memoria em seus escritos: Pelos serv.ºs q elRey de
Castella D. Phelipe 2.º recebeo de Dom Xp.“” de Moura, em lhe preparar os
animos da mayor parte dos fidalgos deste Rn.º q lho entregaraô lhe fez m.* em
Castella da Comenda mayor de Alcantra, q val doze mil cruzados de renda cada
amno: e estando o mesmo Rey em Lx.º aonde se lhe deraô infinitas pitiçoês de
gente do povo, humas em q lhe pediaô satisfaçaô de serv.ºs, outras em q se lhe
pedia esmola, querendo elle por granjear o amor do povo, q se despachacem
todas, chamou a D. Xp.“”” e lhe disse, Don Cristoval estas peticiones de poca
cuenta en q se me pidi limosna, no vengan a mi por] me cançan, y yo tiengo
[135] otras cosas de mas importancia y peso en q ocuparme, despachaldas vos alla como
os pareciere reson: bejoulhe D. Xp.“” a maô pla m.“* q S Mg.ºe fazia em fazer
delle aquella confiança; comtudo isso as petiçoês q lhe vinhad levav[a] as a elRey,
o qual se enfadava com ellas, e dizia a D. Xp.“”, no os tengo dicho q despaches
allá estas piticiones; para & me las traeis: Calavace D. Xp.“º, e ainda q elRey
mostrava enfadarce com as taes pitições com tudo elle as despachava, e isto fazia
D. Xp.“ como prudente q era; porque tinha alcançado do Natural delRey q era
demaziadam.'* meudo, e pouco liberal: hum dia levando D. Xp.“” a elRey humas
pitiçoés desças p.* q SMg.ºº as despachace, estava prezente D. Di.º de Cordova
seu Estribr.º Mór, pessoa a q elRey mostrava afeiçad, e elRey lhe disse, Don
149

Cristoval ya & no queres haser lo que os tengo encomendado haralo Don Diego,
entaô disse a D. Diogo de Cordova q tivece cargo de. despachar aquellas petiçoês,
[135] e D. Di. lhe bejou a maô por isso, e as foy despachando como elle lhe encomendara:
Huã tarde estando elRey osiozo, e estando com elle D. Di.º de Cordova, e D. Xp.“”
som.'e, disse p.: D. Diogo, pues q va Don Diego, aves despachado mucho estos
dias, e D. Di. tirou hã papel do seyo em q tinha [assentadas as pitiçoês q lhe
aviad vindo, e a contia com q as despachara, e o deu a elRey, dizendo, aqui lo
puede ver V. Magestad siendo servido; Leo elRey o papel devagar, e depois de o
aver lido disse para D. Diogo, em berdad Don Diego q se fuera de lo vuestro no
dieras tan largo: ficou D. Di.º m.tº desconçolado do à elRey lhe disse, e D. Xp.“
m.'º contente de aver feito o q fizera, livrandoce com isso de se por a lance de elRey
lhe dizer o mesmo a elle. Morrera na batalha de Alcacer M.! Corte Real filho
unico varaô de Vasque Antunes Corte Real, Capitaô da Ilha 3.2, e da Ilha de
Saô Jorge, mancebo ainda soltr.º o qual deixara tres jrmãs donzellas em caza de
seu pay velho, q tambem neste tempo hera ja morto; a mayor das quais se chama
[136] D. Margarida Corte Real, e pertendia aver delRey a successaô da caza de seu
pay q vagara p.* a Coroa pla Ley mental, e importava quatro p.? sinco mil
cruzados de renda em cada hí anno; corriad os papeis desta pertençaô por
D. Xp.“” de Moura; alcançou delRey a m. p.º a d.': Dona Margarida, com
tanto q cazace com elle: por este modo cazou o d.? D. Xp.“ de Moiúra e seu
sobrinho Xp.” dAlmada Provedor da caza da India, filho de Fernad Roiz dAlmada,
e de huã sua jrmaã, com D. Luiza de Mello £* de André Pereira de Miranda S.º
de Carvalhaes, Verdemilho, e outras terras, as quais tambem pla Ley mental vagavaôd
p.* a Coroa, e elle as ouve delRey p.: a d.t: D. Luiza, em ordem a cazar com o d.to
Xp.“” dAlmada, e quasi plo mesmo modo cazou tambem a Simaô de Sousa £º
de Alv.º de Sousa q fora na India Capitaô de Chaul com D. Violante de Castro £a
herdeira de Joaô da Silva do Canto, hi fidalgo das Ilhas cujo morgado % importava
dous contos de renda em cada hi anno se aplicaraô p.º o fisco, e Camara Real, por
1367] elle seguir o partido do S. Dom Ant., o qual morgado elle D. Xp.““ fes co
elRey se restetuice a d.t* D. Violante com condiçad q cazace com o d.'º Simaôd de
Sousa q cra tambem seu sobr.º £º de outra sua jemã D. Fran. com quem seu
pay Alv.º de Sousa fora cazado: Cazado D. Xp.“ de Moura com D. Margarida
Corte Real, cazaraô depois com seu favor e ajuda pla valia q teve assy com o
do Rey D. Phelipe 2.º como com seu £º elRey D. Phelipe 3.º as outras duas
jemas de sua mulher, huã com D. Luis Coutinho Comendador do Castello de
Almourol, e da Golegaã na ordem de Xpô, outra com D. JoaS de Az.ºº Almirante
deste Rn.º, e Comendador de Joromenha na ordem de Avis, O qual era ja viuvo
150

lhe nad
de huz £: de D. P.º de M.s Sr de Cantanhede, do qual matrimonio
humas
ficara £º varad; dotadas tambem do seu favor cazaraôd muitas sobrinhas suas
muito
filhas do d.tº Fernaô Roiz dAlmada, outras de Alv.º de Sousa com fidalgos
[137] honrados: Como seja couza ordinaria nos homens que vivem no. mundo, em se
vendo ricos, e levantados levantarem grandes e suntouzos edeficios p.* por esta via
deixarem de sy memoria nelle, tratou D. Xp.“* de Moura de lavrar huã casa
em Lisboa junto ao bairro q chamad a Corte Real, q era do Morgado de sua m.**
D. Margarida, na praya do rio, pera o edefício suntuozo, e queria D. Xp.“” pedir
a elRey D. Phelipe 2.º alguma ajuda p.º elle: mas como tinha visto em algumas
occazioês, e notado ser elle pouco Liberal, receava fazerlhe esta petiçaô em tempo
q naõ tivece effeito algum, e assim trazia a planta do edeficio no seyo, e esperava
occaziaS em & elRey lhe falace nelle: hã dia andando clRey passeando em huã
galaria de Palacio (depois ja de aver voltado deste Rn.º ao de Castela) e estando só
D. Christoval
D. Xp.“” tambem na mesma caza parado, lhe disse clRey: buena casa
me an dicho q aveis mandado labrar en Portugal: D. Xp.“* tirou entaô o papel
aqui vera V.
do seyo, e dando algfis passos o meteo na maô delRey, dizendo,
papel, e indo
Magestad siendo servido la planta. del edeficio; abrio elRey o
los
paçando os olhos por elle lhe disse D. Xp.“£, los baxos sefior estan hechos,
no
[1370] altos me hara V. Mg.! siendo servido porq no puedo yo llegar a ellos;
s hareis los
(disse elRey) un bueno consejo, alquilad los baxos, y con los alquilere
altos: Tornou Dom Xp." a recolher o papel, e naô tornou mais a falar a clRey
na matr.:7º Morreo elRey D. Phelipe 2.º; sucedeulhe elRey D. Phelipe 3.º seu
de
filho na Monarchia de Hespanha, em cuja valia entrou logo D. Fran.º Gomes
o d.e Rey deu
Sandoval y Royas Marques de Denia, Grande de Hespanha, a quem
que
tit.º de Duguede Lerma, e veyo a senhorearce tanto do gosto, e vontade delRey
Xp.“”
absolutam.ts governava toda a Monarchia, naô era elRey dezafeiçoado a D.
a vontade,
de Moura porã quando Princepe, e mosso, lhe soube D. Xp.”” ganhar
lhe deu tit.º
dandolhe dr.º p.: gastar escondido delRey seu pay, e em razaô disto
de CastelRodrigo em Portugal, e o fez da chave dourada; receavace
de Conde
o e
o Duque de Lerma da pessoa de D. Xp.“ porã o tinha por m.'º entendid
lhe mostrava
prudente, e o dezejava longe da prezença delRey porã àfeiçaô q elRey
governar
naô crecece de man."* q lhe viece a fazer nojo, e assim q elRey o mandace
cada anno, e p.*.O
[138] Portugal com tit.º de VizoRey, e seis mil cruzados de ordenado,
no
obrigar àceitar, o fez mais G!. da soldadesca e prezidios q por Castella estavaô
política, 1, 100.
7% Cf a versão desta anedota, um tanto mudada, em Supico de Moraes, Collecçam que põe uma
de Moraes,
As respectivas falas são idênticas, porém erradamente entendidas por Supico
interrogação após o último «no», atribuindo-o assim a Moura.
151

d.e Rn.º, com outros seis mil cruzados de praça, e lhe deu tit.º de Marques: de
CastelR.º, e p.: seu £º D. M.º de Moura moço de pouca idade, o de Conde de
Lumiares em sua vida: foy D. Xp.“” VizoRey deste Rn.º por tempo de-tres
annos 77, no descurço dos quais veyo hi fidalgo de entre Douro e Minho com hã
requerim.tº a Lx.: p.: a qual lhe foy necess.º falar ao VizoRey; deucelhe: entrada,
e vendoce elle diante de D. Xp.“” (ã ainda q era m.*º pequeno de corpo; era is|
+
todavia grave e authorizado na pessoa) lhe disse estas palavras, Eu S.º* sou hum homê,
e de timido se embaraçou de man."* G nad foy mais por diante; vendo D. Xp“.
aquelle fidalgo se tornava diante delle, por lhe dar confiança lhe disse: Yo soi
otro, do 3 o fidalgo desconfiou, e com a desconfiança cobrando ouzadia respondeo,
e hã lacayo q aly fora tem mad em huã besta otro, e dizendo isto voltou as-costas,
e se foy sem falar mais palavra: e D. Xp.“" que foy homê galante, e m.tº.de
[138] corte contava esta historia aos fidalgos q o vizitavad com quem tinha converçassad
quando aliviava do governo: acabou D. Xp.“” os seus tres annos de Vizo Rey e se
tornou p.' Madrid aonde foy bem recibido delRey e esteve algis annos naguella
corte com openiaôd de Valido, do q receandoce outra vez o Duque de Lerma, tornou
a fazer com elRey q o mandace 2.º ves por VizoRey e G1 da guerra a este Rejno
e p.* o obrigar aceitar lhe deu c fes m.“s de titulo de Conde de Lumiares p.* os
primogenitos de sua caza, e lhe deu mais o tit.º de Marques de CastelR.º eim duas
vidas, e o fes grande de Hespanha na sua pessoa som.'s; Sendo D. Xp.
VizoRey 2.º ves, vevia ainda em Lx.* hã homê velho e honrado por nome Ant.
Furtado, o qual era engraçado e cortezad, servia o offº de Tez.'º Mór da Chancelária,
e tinha tambem cargo de fazer pagam.ts aos Tribunaes de seus ordenados, e como
era velho tinha as vezes algumas malencolias, e com ellas algis agastam.!ss, por
razaô dos quais soltava as vezes algumas palavras q soavad mal, e escandalizavad as
pessoas q lhe hiaô pedir dr.”, q o naô conhecia, nem sabiaô o seu modo;; fes
[139] naquelle tempo elRey m.“* a hi Ant.º da Cunha n.! da Provincia da Beira D.º: em
Leys, e lente q era de Prima naquella faculd.* na Un.ºº de Coimbra de Dez. do
Passo, o qual avendo ja algis tempos q servia, e devendocelhe p.te de seu ordenado,
achouce hã dia só na meza do Passo fes paçar huã provizad, em a qual em nome
delRey dizia, mando a vos Ant.º Furtado & pagueis ao D. Ant.º da Cunha do
meu Cons.º, e meu Dez.º* do Passo tanto q se lhe está a dever de seu ordenado etc.
asinado elle embaixo som.'s, e mandou a hã moço seu a caza de Ant.º Furtado com
a provizaô p. lhe levar logo o dr.º entrou o moço em caza de Ant.º Furtado,
e lhe disse q seu amo o mandava com aquella provizaô p.* q sua me lhe desse

7 De 1600 a 1603.
152

logo o dr. q nella se continha; Tomou Ant.º Furtado o papel e lendo o, o tornou
à-dar ao moço, e lhe disse, dizei a vosso amo & me beje no cú, e vos bejayo a elle
:e ivos embora q naô tenho dr.º, e dizendo isto se meteu p.º dentro deixando o
“moço só na caza de fora, o qual vendoce respondido daquella man." se tornou
triste e desconçolado p.? caza de seu amo; perguntoulhe o Ant.º da Cunha se trazia
[139v] “o dr.º, o moço lhe respondeo, naô trago dr.º, nem VM me mande mais a caza daquelle
bomg, porã he hã doudo, e descortes, e se eu naô atentara a sua vilhece ouverame
dé perder com elle; pois q te disse, o q me elle disse (respondeo o moço) naô he
bem '& eu o diga a VM.; dizemo (disse o amo) e naô tenhas pejo de mo dizer,
disselhe entaS o moço pontualm.te as palavras q Ant.º Furtado lhe dera por reposta;
desconfiou dellas Ant.º da Cunha, e levado da paixad se foy logo ao Paço fazer
“quéixa ao VizoRey D. Xp.“ de Moura da reposta q o Furtado lhe mandara;
'mandandolhe elle pedir o q lhe estava devendo do seu ordenado, e isto com huã
provizaS da meza do Passo, e lhe pedio com m.'* eficacia q sua cx. mandaçe
castigar regurosam.'s, porã de outra man." ninguem faria cazo dos ministros de
SMg.*; ouvio o VizoRey a queixa, e tratou com palavras brandas e discretas de
aplacar o furor com & Ant.º da Cunha lhe pedia mandace castigar logo ao Furtado,
“e lhe disse, o q vos eu aconcelho he q desemuleis com o neg.º, porã Ant.º Furtado
“he velho e todos lhe conhecem ja a condiçaô e passaô por ella, e se souberem q vos
[140] “vos tomais do q elle diz e fazeis disso cazo p.º o fazer castigar, tervosaô por homê
apaxonado e pouco p.* o governo: Quando eu fuy aqui VizoRey a pr.* vez no
“ultimo anno naô quis arrecadar couza alguma do meu ordenado, e deixeyo todo
p.* quando me voltace p.* Castela; chegouce o tempo de minha partida, mandei
dizer à Ant.º Furtado me q quezece fazer amizade de me q querer mandar os seismil
“cruzados do ordenado daquelle anno q de prepozito deixara p.' entaô, p.* mandar
“pagar aos arrieiros q me passavad o meu fato p.* Madrid; devia o Ant.º Furtado estar
entaS tambem malenconizado e respondeo ao meu criado o q agora me dizeis
q respondeo ao vosso, veyoce o moço p.º caza, pergunteilhe plo dr.º, respondeume
& Ant. Furtado lhe naô falara a prepozito; Apertei com elle q me dissece o q
passára; diceme entaô, ja q V. Ex. o quer ouvir, diceme Ant.º Furtado q o bejace
V. ex.º no cú, e eu 5 E imbora, disse eu
bejace a V. Ex.: e q me viece logo entaôd ao
moço, hora torna la, e dizelhe q digo eu q me beje elle a my no cú, e q me
“mande o meu dr.º foy o moço e dandolhe este recado respondeo elle: ho, e o Marques
[140v] he tad cortezaô (como isso) dizeilhe Sôr q mande sua ex.º logo buscar os seis mil
cruzados, e todo o mais dr.º q lhe for necessario ã todo lhe mandarei; e desta
maneira cobrei eu o meu dr.º sem me ser necess.º castigalo a elle, e o mesmo ouveres
vos de fazer, porq quem naô sabe sofrer, naô sabe tambem mandar.
153

XCIV

[De um confronto com o Alcaide e como se escapou dele]

Fran. de Faria Lobo foy hã home m.'º nobre, animozo é esforçado de sua
pessoa; tinha servido na India m.tº bem, andava em Lx. requerendo seus desp.ºs,
aonde avia annos q matara hã homg, e ainda q elle tinha p.'e todavia por elle ser
homê m.tº conhecido naô avia Alcayde q o quizece prender; avia entaô em Lisboa
hã por nome Marcos de Almeyda, a quem chamavad dalcunha o Corrieiro por
seu pay Matheus frZ (% ja servira a mesma Vara do filho) o aver sido em seus
principios; fora o Matheus ftZ homê cobiçozo e atrevido, em razad do q fazia
[141] de noite depois do sino corrido m.'* prizoês em criadosde fidalgos ainda quando
hiaô detras de seus amos acompanhandoos p-* suas cazas, das do jogo, e convercaçaô,
algumas das quais prizoês lhe renderad muita soma de pancada, e este seu atrevimento
deixou o d.'º Matheus ftz juntam.te com a Vara de Alcayde ao filho, Marcos de
Almeyda por erança, o qual era o q fazia as prizoês defecultozas, q os outros
Alcaydes ou por medo, ou por cortezia e primor, lançavaô de ssy, e de algumas tirava
proveito, de outras injurias, e pancadas como seu pay, as quais eraô m.'? festejadas
de todo genero de gente, porã de todos era malquisto; andando pois como digo
o d.tº Fran.ºo de Faria por Lx.?, sem aver alcayde q o quizece prender ainda q p.? isso
fossem da parte peitados, e requeridos; o d.'* Marcos de Almeyda se lhe ofereceo
p. o fazer, e em ordem a isso escolheo o dia em q a freguezia de S.*º Estevad de
Alfama fazia sua festa, e prociçaô do corpo de D3 porã Fran. de Faria era
fregues da d.t: freguezia e com a festa se devirtiria de man." q facilm.'* o poderia
[1410] elle prender: Vevia Fran.º de Faria com outro soldado da India seu Matalote em
humas cazas pequenas q estavad em huã das ruas por onde a prociçaô passava,
deixou o Alcayde recolher a prociçaô, e como foy recolhida se foy a caza de
Fran. de Faria o qual estava ja jantando com o d.* seu companheiro, ambos
despidos em calças e em jubaô porã fazia grande calma: sobio o Alcayde pla
escada asima e em começando a sobir hã dos moços ã serviaô à meza foy depreça
ver quem era, e com a mesma voltou aos amos, dizendo q vinha aly hã Alcayde,
e como Fran.º de Faria se temia, e naô tinha tempo p.' poder tomar armas
assim como estava se levantou da meza à tempo q o Alcayde estava ja na caza,
e entrando em outra de dentro sobio por huã escadinha estreita e comprida a hã
eirado q cahia sobre his telhados aonde estavad dous servidores em q elles vaziaõ
suas neccecid.** corporaes, p.º escapar aly ao Alcayde; vendo & Fran.“ de Faria lhe
[142] fogiap. aquela p.'* se foy apos elle com a espada na maô, e os Galegos detras
154

gritando em vos alta e dizendo, S.º* Fran. de Faria VM. sede da parte delRey,
e foy sobindo dous ou tres degraos da escadinha, quando Fran. de Faria estava
ja no eirado, o qual de lá de sima lhe fez seus requerim.'s q se fosse embora e o
naô quizece prender q naô era nenhã malfeitor, e q se espantava m.*º delle quando
nenhã dos outros Alcaydes quizera aceitar aquela empreza, ser só o q o hia
afrontar a sua caza, sendo elle hã Soldado da India sem obrigaçaô alguma, e pessoa de
calid.s, o Alcayde sem emb.º deste requerim.'º foy por diante sobindo e dizendo
& sedece da parte delRey; vendo entaô Fran.“ de Faria o grande descomodim.tº do
Alcayde, e q elle lhe naô vinha bem deixarce prender, e ã tambem naô tinha armas
no eirado com & lhe pudece defender a sobida, requerendolhe p.'º duas ou tres
vezes q o deixase e se fosse imbora, e naô querendo elle senaô sobir, tomou hã dos
servidores q naô estava tão cheyo como o outro plas azas, e lho arremeçou la de
[142v] sima, o qual dandolhe na cabeça se fes em cacos, e o recheyo se entornou todo por
elle, e de salto colheo tambem algãs dos galegos q hiaô atras, os quais vendo sobre
sy aquella concerva, e dandolhe o cheiro della viraraô as costas com grande preça
dizendo dailhe bos ao decho a polbora como ella bos he refinada, e naô pararaô
sena na rua, na qual estava ja junta toda a vizinhança, porã era Fran.º de
Faria nella m.tº bem quisto, e todos festejaraô o modo e man.'* com q os Galegos
deceraõ, e lhe dezempararad a caza, e estavad esperando p.º ver como della sahia o
Corrieiro, ou se levaria prezo a Fran. de Faria cujo companheiro andava na
p.'2.caza passeando sem fazer nada, por elle lho ter dito assim, mas riace de
veras armas com q se defendera, q ja os Galegos as naô aviad podido sofrer;
o Alcayde com a pancada q o servidor lhe deu na cabeça ficou todo atordoado, e quando
Fran. de Fária o vio assim, tomou depreça o outro servidor q estava quasi cheyo,
[143] e decendo pla escada se chegou a elle e lho emborcou sobre a cabeça, de man.'2,
q o pobre do Alcayde se ouvera de afogar na immondicia, porã todo rosto lhe ficou
cuberto della, e o manteo enrocado, e vestido todo tad emboldreado à era lastima de
ver; Como elle tornou em sy vendoce naquelle estado voltou, e foy por ahy
enficionando tudo por onde passava, e decendo a rua q estava cheya de gente se
foy correndo p.º a praya p.º se lavar no mar; a gente vendo o hir assim lhe deraô
huã grande apupada, e o[s] rapazes o foraô seguindo com gritos e matraca espertando
a gente das ruas por onde passava q híis sahiaS ver as janellas, outros a rua, e todos
dandolhe apupos, porã todos folgavaô de o ver hir assim, e elle se lavou nas ondas
o melhor & pode, com grande festa de todos aqueles q o viaô, e depois de lavado,
assim molhado sem mudar de vistido se foy dereito ao Paço a fazer queixa a
D. Christovas de Moura pr.º Marques de Castelo Rodrigo q entaô era VizoRey
155

[143v] a pr. vez, 7º de como Fran.º de Faria o tratara indo elle a sua caza a prendelo
por morte de hi homg; o VizoRey q tinha noticia da pessoa do Alcayde e de seus
grandes atrevim.'es, e de algumas desgraças q por razaô delles lhe tinhaô acontecido,
lhe disse rindo, o ã vos eu aconcelho he que vos vádes lavar melhor, porã ainda
vindes cheirando mal, e com isto o despedio de sua prezença.

KCV

[De uma mula agressiva]

Diogo da Silva £º mayor do Regedor Joaô da Silva foy cazado com D. Ant.º
de Vilhena filha de D. Diogo Lobo 2.º Baraô de Alvito, da qual ouve a L.ºo da Silva
q foy Regedor da caza da suplicaçaô, e a Luis da Silva q foy veador da faz.?
delRey D. Seb.:m e a Fernad da Silva q foy clerigo, e por ser m.'º gentilhomê foy
chamado de alcunha o Ricofeitio, e a B."“ da Silva que chamaraô dalcunha o
Sacho, estes tres ultimos filhos sendo moços fidalgos hiad todos ao Paço em huã
mula m.'º comprida, em a qual punhaôd huã sella m.'º de tres encaxos em q elles
hiaô assentados; Levavaô detras de sy hit moço q lhes tomava as capinhas quando
[144] entravad no Paço, e diante as vezes huã negra q levava a mula plo cabresto; como
a mula naô levava freyo e hia governada por huã negra, quando passava pla
ribeira ao lugar aonde se vende a ortaliça m.':s vezes lançava a boca a huma
couve e a hia comendo, sem a negra poder ter maô nella, nem a regateira lho
poder defender, de man." G ja na Ribr.' avia festa com a mula, q em ella
aparecendo começavaôd as regateiras, e maganos, a gritar, dizendo guarda a mula do
Regedor, guarda a mula do Regedor e cada huã punha cobro na sua ortaliça, e os
mininos & hiaô em sima della se naô podiaô ter com rizo, vendo os lanços q ella
fazia, e as desemulações e manhas de q uzava p.* poder sahir com elles: quando a mula
hia do Paço p.' caza hia m.'º mais depreça do q vinha, e dizia Fern.ºº da Silva aos
Irmaôs, eu naô sei porã esta mula se vay p.? caza taô depreça aonde naô tem
mais q a manjedoura, ja por aqui levava de quando em quando huã couve;
[1440] quando estavaô estes mininos em caza se asertavaô de jugar a pella na salla q he m.tº
grande, e sua may D. Ant.º de Vilhena os ouvia aonde estava logo era com elles,
e por há moço seu lhe mandava descalçar as botinhas, e lhes dizia filhos, estas

78 Entre 1600 e 1603.


156

botinhas custad dous tostões, e mais servenvos de embaraço p.' jugares a pella,
agora assim descalços ficaes mais leves, e podeis saltar melhor; desta maneira se
criarad estes tres fidalgos jrmaôs do Regedor Lourenço da Silva, os quais chamaraô
no Paço os Matapaês, e foraô todos m.'º honrados, m.'º entendidos, e m.º
cortezoês. |

XCVI

[Uma só mula para todos os serviços]

Dom Gileannes da Costa fº mayor de D. Alv.º da Costa Camareiro q foy


delRey D. M.º, foy Veador da faz.: delRey D. Sebastiad: contace delle q estando
hã dia na meza da fazenda, e sendo ja horas de se acabar o Tribunal por aquelle
dia, mandou saber por hã moço dos à servem na faz. se estava ja aly a sua mula
p. se hir.p.' caza; foy o moço, tornou dizendo q naô; disse entaô D. Gileanes p.º
[145] os companheiros, e mais oficiaes da meza, não deve ainda ter acabado de carretar a
lenha q veyo da banda dalem, tanta era a sobriedade com q os homens viviad
naquelles tempos, e tanta sua confiança q hã Veador da faz'. delRey naô tinha
mais q huã mula em q andava, e cça mesma posta de albarda fazia todo o
serviço da caza, e elle naô se corria de o dizer; naô he assim no tempo de agora.??

XCVII

[De como escolheram Fr. Marcos de Lisboa para Bispo de Porto]

ElRey D. Phelipe o 2.º de Castella a que chamarad o prudente, quando veyo


tomar posse deste Rn.º (g lhe entregarad os G.'*s delle q ficaraS por morte delRey
D. Henrique por seus respeitos parteculares) selebrou cortes na V.º de Thomar,
e indo caminhando p.* a Cidade de Lisboa, foy em huã jornada fazer noite em
hum Mosteirinho de Recoleiçad da Provincia de Portug.! da ordem de S. Fran.º,
o qual he da invocassad de S.'* Sitha, entrando elRey na Igr.? a fazer oraçaô estava
ja o Guardiaô da caza à porta com a sua comonidade, e cruz levantada como manda

79 Interessante comentário sobre o «progresso» da cultura.


157

[1450] Seremonial Romano, e quando elRey ouve de tomar a agoa benta, o Capelaô Mor
D. Jorge de Atayde mandou buscar o Hizope p.º lha offerecer, o Guardiad q era
homê detreminado tomou o hisope da mad de quem o levava dizendo alto, na
minha caza ninguem da agoa benta a elRey senaô eu; elRey gostou de ver o
lance do frade; tomou a agoa da sua mad ficando o Capelaô Mor sentido,
e desconçolado de lhe elle tomar aly seu off.º; agazalhouce elRey aquella noite em
huã caza q o Mostr.º tem com duas janellas sobre a serca q inda hoje os religiozos por
este respeito chamaô caza delRey, e estando ainda aly na menha do dia seg.te lhe
veyo nova como estava vaga a Igr.: do Porto por morte do Bp.º D. Jm.º de
M.s; disse entaô elRey ao Capelaô Mor % suposto % a vacatura daquele Bispado
o tomara em huã caza de Saô Fran.“º q lhe parecia razaô darce a sua ordem, e q se
[146] o Guardiaô dahy era letrado levaria gosto de apresentar nelle ao Papa, porque o
avia agazalhado com bom rosto; o Capelaô Mór ou por estar ainda sentido da
historia do hizope, ou porã assim o entendeo, respondeo a elRey q naô tinha
aquelle sogeito por capas de governar aquella Igr.: em q SMg.iº o queria aprezentar
Bpô, mas q pois levava S. Mg. gosto de dar aquelle Bispado a ordem de
Saô Fran.eº elle lhe daria hã religiozo m.'º vertuozo e grave q fora ja Provincial
de sua Provincia, o qual podia SMg.“º seguram.'* aprezentar nelle; porã tinha partes
p* o poder governar, e q tinha ja compostas e impresas as Chronicas de sua
Religiaô, e entaô lhe nomeou o P.º fr. Marcos de Lisboa 0, o qual em acabando
de ser Provincial se fora recolher na cazinha de S.ta Catherina da Carnota,
por ser
o lugar m.tº acomodado p.º o Spirito; elRey lhe disse entad q m.'º embora: o Capelad
Mor despachou de Thomar hã frade menor leigo Castelhano, companheiro de
outros q tinhaô vindo com elRey de Castela o qual se foy dereito à Carnota,
[1467] e tanjendo à campainha acodio o porteiro, e lhe disse o Castelhano estas palavras:
está en casa el Padre Fray Marcos de Lx.: Chronista general de la orden, o porteiro lhe
respondeo, aqui naô vive nenhã Chronista g+, replicou o Castilhano, no vive aqui
en la Carnota el P.º fray Marcos de Lx.?, e o porteiro lhe respondeo, pois
P.e pergunte plo jrmaô fr. Marcos e responderlheaS como a de ser, aqui mora:
disse entaô o Castelhano, pues ea digale q está aqui una carta para el de S. Mg.º,
Levou o porteiro o Castelhano, e asento o no alpendre, q está em saindo do
poyo p.º a ssisterna, e foy dar recado a fr. Marcos q andava pondo humas couves
na ortaliça da ortinha q está de fronte, dizendolhe Irmaô, q está aly hi frade nosso
castelhano q tras a V. C. huã carta delRey, e fr. Marcos lhe respondeo, deixaime
acabar de por estas couves, entaô lhe hirei falar; acabou fr. Marcos de plantar aquella

8º N. em 1511 em. em 1591.


158

convinha e se foy ao tanque da sisterna q está junto ao alpendre, e lavou os pés, e as


[147] maôs q trazia enlammeadas, e se foy p.* o Castelhano perguntandolhe o que queria;
o Castelhano & imaginava de fr. Marcos outra gravid.s m.'º deferente daquella em
ã o via disse p.º elle como espantado V. paternidad es el Padre fray Marcos de
Lx.º e fr. Marcos lhe respondeo, este sou jrmaô, quer alguma couza de my;
o religiozo castelhano entad tirando a carta q delRey levava p.? elle lha deu
com m.' sumissaS; Leoa fr. Marcos, e dizialhe elRey nella como lhe chegara nova
serta q estava vaga a Igr. do Porto, e q elle pla boa informaçaô q tinha de sua
pessoa e religiad, e porã entendia q a governaria segundo D$, e q faria nella m.*ºs
serviços a sua divina Mg.i, lhe fazia m.“* de o eleger Bpô daquella cidade; ficou
turbado fr. Marcos tanto q leo a carta, porq se lhe reprezentou logo a inquietaçaõô
[1470] q a vida de prelado tras com sigo, taô defirente da quietaçaô q tinha naquella vida
humilde à passava, e assim detreminou logo com sigo naô aceitar: comonicou este neg.º
com o seu Guardiad, e mais religiozos velhos da caza, e todos o desuadirad da
determinação & tinha tomado, dizendo que elle naô procurava aquilo, antes q
parecia q D3 o chamava p.º hir dar pasto aquellas suas ovelhas, e q seria genero de
dezobediencia o naô aceitar, e q devia de fazer escrupulo de eleger elRey outro
ã por ventura nad tratace tanto do bem Speritual daquelles subditos, nem destrebuice
aquellas rendas ecleziasticas como elle com o favor divino destrebuiria; emfim tanto
disto lhe disseraô q elle levado do escrupolo aceitou, e bem mostrou no descurço de
seu pontificado q naô aceitara ser Bpô por outro fim mais que puram.'* plo de
Deus. |

XCVII

[De letreiros]

Dom Andre dAlmada 8! estudou em Coimbra Theologia; sahio grande estudante


naquella faculd.e, naô se quis fazer clerigo nem deixar a Un.º, e assim ouve delRey
huã conducta, depois lhe fez m.º da cadeira de Gabriel, e como p.* a ler mais de
[148] hã anno era necess.º fazerce D. conforme os estatutos da d.t Un.º, e nenhã
Theologo seg.& os d.ts* estatutos pode receber o grao de D.º* sem prim.” receber
ordens sacras, como elle naô queria rapar a barba ouve hã breve do Papa p.* q o Bpô
de Coimbra Dom A.º de Castelbr.º lhe dece o grao de D.º* sem emb.º de elle

si M. em 1642.
159

naô ser ordenado das d.t:* ordens sacras; o qual Bpô lho deu na sua quinta de Levaos
por razaô' do q lhe chamavad em Coimbra naquelle tempo o D.º! de Levaos; feito
D. Andre D. em Theologia de barba e bigodes ouve huã provizad delRey p.º se
incorporar na Un.º, e assim ficou lendo a sua cadeira sem se fazer clerigo, couza
q athe entaô nella se naô vira; da cadeira de Gabriel veyo a sobir a de Vespora,
a qual leo algtis annos com m.** satisfaçaô, e nella jubilou com privilegios, e estipendio
de lente de prima, andando o tempo em huã vacatura de Reitor, governou a Un.de
eleito ViceReitor, em outra mandou elRey absulutam.'e q a governaçe, deste modo
de falar da provizaô entendeo elle e a Un.ºº o concentio 3 elRey o fazia G.º! della:
[148] Vendoce G.º* da Un.ºe solicitou a S.º q nad só os subditos, mas os q o nad eraô,
e ainda os Bispos liberalm.'s lha davaô, por ser Dom Andre pessoa em q concorriad
muitas letras, coa calid.º, e outras partes naturaes, e acqueridas q o faziad amavel,
plas quais era amado e respeitado de todos: Acabou Dom Andre de ser G.” da
Un.ºe, mas nad acabou nelle a S.2, porã como a Un.ºº sabia ã elle gostava della
todos lha davad como dantes; deceo D. Andre a Lisboa a humas ferias (depois da
aclamaçaô delRey D. Joaô 4.º nosso Senhor) e encontrandoce hii dia com elle
D. Thomas Jurdaô de N.::82, lhe deu as boas vindas falandolhe por m.ºe; elle lhe
respondeo naô com aquella boa graça com q dantes lhe falava, ao outro dia se
achou D. Thomas com hã parente de D. Andre e lhe disse, onte me encontrei com
o 8.º: Andre; faleilhe, naô me fez a m.“* q dantes me fazia, o outro lhe perguntou como
lhe falou V. M., e respondeo elle q por merce; lhe tornou o outro pois elle quer
[149] que lhe falem por S.º, disselhe entaô D. Thomas, 8.º fulano, ahy á his officiaes
q estaô arruados, e outros q naô tem rua propria; os q naô tem rua propria assim
como os acoleiros, aonde quer q vivem tem huã taboleta a porta pendurada, e hfis
ocolos pintados nella, p.* q os 3 passaô pla rua saibaô3 aly se fazem ocolos, e os
concertad panos darmar tem outra, e nella hã letreiro q diz, aqui se concertad
panos de Rax, porã de outra man.': ninguem lhe atinara com a caza; disto naô
tem necicidade os officiaes 7 estaô arruados, porã ja sabemos q na ourivezaria naô
vivem senaô ourives, e na algibetaria algebebes; nos Condes e nos Bispos estaô as
senhorias como airuadas, nas outtas pessoas estad como sem rua propia, e assim
se o 8.º D. Andre quer q lhe falem por S.º he necess.º % traga nas costas, ou nos
peitos huã taboleta com hã letreiro % diga, aqui se fala por S.º, p.: q eu e outros
q o naô sabemos nad asertemos a lhe falar por m.es: dahy a dous dias, ou tres,

82 Vide na página 180 outra referência a Tomás de Noronha, atribuindo-lhe a fama que hoje
tem de poeta que escrevia «verços sobre matérias ridículas»,
160

[1492] indo D. Andre em hã couche com algtis fidalgos plo rocio de Lx.2., encontrouce
com D. Thomas q vinha com outros em outro couche; falou D. Andre a D. Thomas
e disse, bejo as mãos a VM. S.º* D. Thomas, e D. Thomas por lhe naô falar por
S.* nem por M.ºs, respondeo, Deogratias *,

XCIX

[De uma velha amizade]

Fran.e de Barros foy moço da Camara delRey D. Joaõ 3.º, era quazi de
noventa annos de idade, mas m.'º fresco no rosto, e taô pulido ainda no vistir,
que por isso lhe chamaraô dalcunha o Mochacho; foy homê m.'º de corte, e de
ditos m.tº galantes plo q os fidalgos o estimavad m.'º; naô fazia couza alguma lhe
dece pena; era elle m.tº amigo de Fran.“ Cesar jrmaô de Vasco Frz Cesar Provedor
dos Armazens, e hia a sua caza quasi todos os dias; deixou de hir la huã temporada;
encontrandoo Fran.eº Cesar em hua rua e indo p.º lhe perguntar a razaô porg avia
tanto tempo q o naô via, o Mochacho lhe virou as costas e se meteo por huã traveça
[150] sem o querer ver nem ouvir, cuidou o Cesar q algiia queixa teria sua o Mochacho
de q elle naô sabia, e assim encontrando o outra vez, e querendolhe perguntar se
tinha delle alguma queixa porã lhe queria dar a ella toda a satisfaçaô, da mesma
man."* lhe fogio q da pr.*, e se estava em caza de algã fidalgo, e entrava o Cezar,
abaixava elle os olhos plo naô ver, e hiace m.'º embora, de modo q ja o Cesar
naô fazia cazo disso: passaraô algiis mezes, e tornando o Mochacho à continuar como
dantes em caza de Fran.“ Cesar, a p.'? vez q tornou a entrar nella lhe disse o
Cesar, S.º* Eran.“º de Barros eu naô fuy sempre m.'º vosso amigo, fis vos algã hora
algã agg.º; respondeo o Mochiacho q nenhã agg.º recebera nunca delle, antes o
conhecia por grandiss.º amigo seu; lhe tornou o Cesar, pois 8.º” se assim he &
razaô tivestes ate agora nad só p.? naô vires a esta nossa caza a tanto tempo, mas
ainda p.* me tolheres a fala, e fogires de my adonde quer & me vias; o Mochacho lhe
respondeo, S.º* Fran.º Cesar, vedes vos hã homê % de comer de contino galinha
[150] cozida, q de todos os mantim.tºs he o melhor p.º a natureza, lhe veyo a ganhar tal

83 As palavras «Deo gratias» são atribuídas por Supico de Moraes (1, 101) a um anónimo que falava
apenas a «certo fidalgo eclesiástico».
161

fastio q por m.*º tempo a naô pode ver diante de sy, pois assim me aconteceo a
my a vosso respeito, porã de ser m.'º grande amigo vosso como sou, e de vir todos
os dias a vossa caza e lograr vossa converçassad q p.: my he a melhor de todas, vos
vim a tomar tal aborrecim.*º e fastio, q cheguei a vos naô poder ver todo este
tempo, nem tinto em parede, e por isso me afastava de vos, quis D3 q me passou
este asco q vos tinha, vedes me aqui torno agora como dantes.

[Porquê Fr. João da Póvoa deixou de confessar El-Rei D. Manuel]

O veneravel P.º frey JoaS da Povoa 8 religiozo da ordem dos menores, foy
n. de hã lugar do mesmo nome Aldea da V.: de Tentugal, foy neste Rn.º Vigr.º
Provincial delRey D. Joaô 2.º, quando o d.'º Rey faleceo elRey D. M.t G lhe
sucedeo no Rn.º lhe pedio q o quizece tambem confessar a elle; Veyo fr. Joaô nisso,
e foy confessando elRey hã pouco de tempo, hii dia acabando de o confessar lhe
[151] disse, S.º” busquai quem daqui por diante vos confece, porq eu me naô atrevo a vos
confessar mais; elRey lhe disse q quer dizer isso fr. Joaõ, naô me quereis confessar,
naô S.º* disse fr. Joaô, e perguntandolhe clRey a razaô porã o naô queria confesssar,
respondeo, eu S.º* quando confessava a elRey D. Joaô q está em gloria vosso
primo, tinha com elle esta man.", e elle comigo, depois q elle se acuzava de todas
as culpas q lhe lembravad me dizia estas palavras: Padre eu me tenho acuzado de
tudo o q sabia, e me lembrou, agora vos peço e rogo, q me acuzeis do q sabeis,
p.: q eu trate de o emmendar, e remediar, entad lhe deria eu, e o advirtia das
queixas q me faziaô cá por fora, e elle ou me dava logo aly satisfaçaô dellas, de
modo & me dava eu por contente, ou me prometia de as remedear, e as remedeava
de sorte q nunca mais me chegavad as mesmas queixas: Eu neste pouco tempo q ha
q vos confesso vos tenho advirtido de algumas couzas malfeitas q se fazem, p.* 5
ponhaes remedio nellas, e com tudo naô as vejo por isso remedeadas cá por fóra,
[1510] q he só o interece q eu podia tirar do trabalho q tenho em vos confessar, sinal he q
pondes pouco cobro nisso: confessaivos com quem quizeres q eu quero tratar de
me recolher e aparelharme p.? a morte q naô deve de andar ja m.'º longe de my;

84 N. em 1439, m. em 1506. A anedota põe em dúvida a versão actual, segundo a qual Fr. João
teria alegado apenas cansaço e idade avançada como motivos da sua recusa de ser confessor de D. Manuel.
11
162

quando elRey vio a rezuluçaô de fr. Joaô lhe disse, hora fr. Joaô ja q me naô
quereis confessar buscaime la algii religiozo dos vossos q seja letrado porã tenho
devaçaô de me confessar a frades de Saô Fran.º, e vede se aveis mister alguma
couza de my q vos faça; fr. Joad lhe respondeo, q.*º ao pr.º duvido eu S.º* m.'º
de aver cá entre nos alguem q vos queira confessar, cá está hi fidalgo q veyo ja
letrado do mundo se elle vos quizer confessar, naô sinto outro: q.'º ao 2.º eu de
vos naô quero nada p.* my, mas peçovos m.'º q me queiraes fazer Villa aquelle
lugar da Povoa em que naci, porã sempre se me queixarad os moradores delle
q recebia grandes vexações dos escudeiros de Tentugal, e naô quero à digaõ os
meus parentes e naturaes q fuy confessor de dous Reys, e naô prestei p.* os fazer izentos
[152] delles; feslhe elRey entaô a Povoa de Tentugal Villa, e mandou por na provizad
q a fazia por assim lho pedir fr. Joaô da Povoa seu confessor: e lhe disse a elle
fr.
q de sua p.'s dissece aquelle religiozo se o queria confessar; chamavace o frade
Diogo da Silva, e no mundo se chamara Di.º Gomez da Silva, falou lhe fr. Joaô da
parte delRey, e elle aceitou o confessalo, e folgou m.tº com isso, e depois o
fez o mesmo Rey Arcebispo de Braga: fr. Joad se recolheo ao Mosteirinho da
Conceição de Matozinhos aonde acabou seus dias vertuozam.* como avia vivido:
seu corpo jas no claustro sepultado, e tem na parede hã letreiro escrito com letras de
ouro em q se lhe da tit.º de Beato: e celRey D. M.º foy taô devoto do glorioso
Pe S. Fran.º, e dos seus religiosos q naõ só se confessou com elles emquanto
viveo, fazendolhes m.t:s carid.*s, mas tambem na morte lhes mostrou este amor:
No seu testam.tº está huã verba q diz assim: Peço e encomendo m.'º ao Princepe meu
filho à seja m.tº devoto dos frades de S. Fran. e lhes faça muita carid.* porã
[1520] forad sempre m.'º meus amigos: Em sua vida hia hã frade do Conv.'º de
S. Fran. de Lx.º pedindo esmola de alforje a tempo & elRey chegava a janella;
o frade tanto q chegou junto do Paço calouce e naô deu aly brado algiã; elRey
teve tento niço, e disse alto de sima, Padre passaes sem pedir esmola naô vive
aqui gente christaã; o religiozo respondeo de baixo, como eide pedir aqui ismola
se V. A. nos está sustentando a todos, e elRey lhe tornou dizendo pedi q quero
dar tambem o meu paô como daô os outros; deu o religiozo entaô hã brado,
e elRey lhe mandou dar huã duzia de pains; naô foy só devoto dRey D. M.4 dos
religiozos do Seraphico P.º Saô Fran.“ mas a todos os outros religiozos fazia m.'**
esmolas, e naô só aos de seus Rn.ºº e senhorios mas tambem aos dos Rn.º estranhos,
as quais por sua morte deixouselhes decem todos os annos, e as estendeo tanto
que athe os Religiozos Bazilios q vivem no Monte Sinay à he na Arabia aonde Nosso
S.or deu a Ley a Mouzes quando por seu mandado guiava os filhos de Israel &
[153] livrara do poder, e cativeiro de Pharao Rey do Egipto, por aquele dezerto p.
163

a terra de promissaô, e aonde depois mandou sepultar plos Anjos o corpo da


gloriosa Virgem e Martir Sancta Catherina, q está no Cume do mesmo monte de
cuja veneraçaô tem cuid. os mesmos religiosos; fes sempre em sua vida sertas
esmolas p.? sua sustentação, e lhas deixou tambem por sua morte, e por isso tambem
estendeo D3 nosso S.º* tanto seus senhorios: Do d.'º Conv.'º de S.t: Catherina de
Monte Sinay vieraô a este Rn.º dous religiozos gregos no anno de 1638 arrecadar
as d.':s esmolas q avia algiis annos se lhes naô pagavaõ, e andaraô por cá sete ou
oito mezes, a mayor p.'* dos quais foraô ospedes no Conv.*º de S.º Ant.º de
Lisboa, e receberad dos religiosos delle m.'* carid.e: Ant.º de Tavares Conego da Sé
da mesma Cid.s, e Esmoler Mor delRey lhes mandou dar de vistir plo amor de D3
a sua custa, porq andavaô ja com os habitos muy gastados, e sem arrecadarem couza
alguma (por estar o Rn.º ainda de baxo do poder de Cast.º e do governo do Conde
[153] Duque) se voltaraS por via da India p.* o seu Conv.tº aonde vivem passando muitas
nececid.“s, e sogeitos ao Turco.

CI

[De quanto valem costas queimadas]

Lopo dAlmeida 8 f.º mayor de Di.º frz dAlmeyda Alcayde Mor de Abrantes,
foy veador da faz.* delRey D. A.º 5.º; e teve com elle m.'* valia, foy o pr.” Conde
de Abrantes por m.º* do d.tº Rey o qual o mandou com a Emperatris D. Leanor
sua jrmã q hia cazar com o Emperador Federico o 3.º q se recebeo com ella em
Roma, em prezença do Sumo Pontifice, com grandes seremoniais, e m.'* solenid.s,
do qual recebim.to escreve o d.º Lopo de Alm. ao d.te Rey algumas cartas q
andaô por maôs dos coriozos, em as quais lhe da relaçaô meudam.te de tudo o %
nelle sucedeo. Deste Lopo dAlmeyda se conta % sendo ainda moço estando o d.to
Rey D. À. no jnverno chegado ao fogo lhe mandara ã se puzece diante delle
porã lhe tolhece parte da quentura q era m.!:, e nad a podia sofrer, e | o moço
se puzera entre elRey, e o fogo, com as costas p.º elle, e o rosto p.* elRey; foy a
quentura do fogo tanta q assou todas as costas ao moço, e o seu sofrim.to taô grande, que
[154] ainda q de quando em quando se confrangia mostrando nos geitos do corpo o
dano q do fogo recebia, com tudo nunca se queixou, nem dezemparou o posto;

85 M. em 1508.
164

pos elRey acazo os olhos nelle, e entendeo Q se queimava; o mandou tirar daly,
sahioce o moço daquelle lugar e levava as costas ja todas crestadas, de q esteve
em maôs de surgioês; soubeo elRey e tomou disto desprazer, por aver cido em
algii modo cauza daquelle moço padecer tanto por amor delle, e como elle foy saô,
e tornou ao Paço lhe fez elRey m.ºt do senhorio da Villa de Abrantes de q seu
pay Di. Frz e seu Avó Fernaô Alveres de Almeyda aviaôd sido sómente Alcaydes
Móres; Dahi a algfis [mezes] estando elRey outra vez chegado ao fogo convercando
com algiis fidalgos q na caza estavad, hã moço fidalgo se foy por entre elRey e o
fogo, por lhe tolher a quentura assim como o fizera Lopo de Almeyda, e hã
fidalgo se chegou a elle, e lhe disse em vos baixa tiraivos dahy q ja Abrantes he
dado; advirtio elRey entaô, e mandou ao moço q se sahice; Quando eRey
D. A.º fes Conde de Abrantes a Lopo de Almeyda foy esta m.ºº malrecibida de
algis; estava entaô em hã dos lugares de Africa Alv.º de Atayde (nad sey se
[154v] fronteiro, se por Capitaô) Alcayde Mor de Alvor, o qual era cazado com huã
jrmaã da mulher do d.'º Lopo de Almeyda, e quando lhe la chegou a nova della,
tomou a taô mal q o viraô andar paceando em huã caza apreçadam.'* como homê
descontente, repetindo m.': vezes estas palavras com sigo, em vos alta q se deixava
ouvir, da lançada em Alv.º de Atayde, fazem Conde Lopo de Almeyda, e depois da
morte do d.tº Rey D. A.º estando hã fidalgo falando mal de algumas acções delRey,
o reprendeo outro q estava diante, digo prezente, dizendo q naô tinha razaô de falar
he
assim delRey D. Afíonço quando elle lhe avia feito as m.ºes q todos sabiaô,
verdade (respondeo elle) ã mas fez, e se o eu negar serei muy ingrato, mas com isso
está q se mas fez, tambem fes Conde Lopo de Alm.“:; foy este Conde Lopo de
Almeyda cazado com D. Britis da Silva £º de P.º GlZ Malafaya Veador da faz.: delRey
D. D.te, e de sua m.*: Izabel Gomes da Silva q era jrmaã de Aires Gomes da Silva
S.or de Unhaõ, Meinedo, e outras terras e Regedor da just.º de entre Douro e Minho,
[155] e ouverad sinco £ºs e huã f* G todos seis plo tempo em diante vierad a ser
S.res, q p.* aquelles tempos, era huã couza m.'º grande neste Rn.” o £º mayor
se chamou D. Joaô dAlmeyda que por morte de seu pay foy o 2º Conde de
da
Abrantes, o 2.º £º se chamou D. Di.º Fernandes de Alm.iº q foy cavaleiro
ordem de São Joaô, e Prior do Crato, e D. jorge de Alm.ºº q foy clerigo, e Bpô de
Coimbra, o 4.º £º foy D. P.º da Silva q foy Comendador Mor de Aviz, o S.ºf
D. Fran. de Almeyda q sendo mancebo se achou nas querras de Granada, quando
os Reys Catholicos D. Fern. e D. Izabel conquistaraô aquelle Rn.º, donde
trouxe grande nome, e depois foy o pr.” VizoRey da India; a £º se chamou D. Izabel
da Silva q foy Condeça de Penella mulher de Dom Affonço de Vasc.* e M.ºs p.”º
Conde da d.'* Villa.
165

cl

[De como D. Jorge de Almeida se fez Bispo de Coimbra aos 22 anos]

D. Jorge de Alm.d:86 fo deste D. Lopo de Almeyda p.'º Conde de Abrantes


sendo de idade de 21 p.º 22 annos, o propos elRey D. A.º 5.º ao Papa p.* Bispo
de Coimbra, pedindolhe m.t quizece dispenças com elle na falta % avia dos
[1550] annos q o dereito requere p.º a idade episcopal, q plo menos ande ser trinta; naõ
quis o Papa dispençar nos annos porã lhe constava da suficiencia do sogeito, o q
sabendo elRey lho mandou por Embax.: p.: q o vice, e vendo o Papa as
muitas partes e calid.* q concorriad em sua pessoa despençou com elle, e foy confir-
mado Bpô de Coimbra em idade pouco mais de 22 annos; foy Bpô daquela
cid.e 63 e viveo 85. fes o curucheo da Sé, e azulejou toda por dentro, mandou fazer
o retabolo da Capella Mor % he todo de figuras de meyo relevado, e a madeira
aberta toda em lavores sutiliss.ºs, e dourada, obra p.* aquelle tempo grandioza; fes,
e lavrou de novo os passos velhos dos Bispos, em à viveo, e na sua Sé a Capella
de Saô P.º q está da parte do evangelho, aonde jas humilm.'* sepultado, correspon-
dente a do Santiss.mo Sacram.to q esta da parte da Epistola, q tambem fez, ambas
com retabolos de pedra, e boas feguras; sendo este Bspô D. Jorge de Almeyda em
idade ja quazi de 80 annos chegou aquela cid.e de Coimbra hã religiozo da ordem
[156] dos jrmitaês de S. Agostinho por nome frey Joaô Soares 37, o qual vinha de Roma
dispençado p.* poder viver fora da obidiencia de seus Prelados, e dos Conv.tss de
sua religiaô habito retento, em razaô de poder naquelle estado acudir a huã may
velha, e duas jrmãs donzellas q tinha pobres, cujo remedio som.t o levara a Roma,
a buscar, e pertender aquella izençaô com q vinha; pareceulhe a fr. Joaô q
vivendo em Coimbra poderia melhor e mais facilm.'e sostentarce assy e aquella
familia q ja tinha a sua conta, se tivece o arrimo do Bpô, e elle o quizece aceitar por
seu pregador, a respeito de ser a terra m.'º barata, e tinha elle por sem duvida
q o Bpô o aceitaria, porq era grande letrado, m.'º eloquente, e pregava com m.'*
satisfaçaô; fiando nestas partes & tinha muy conhecidas se foy oferecer ao Bpô
porem elle naô quis aceitar, e lhe deu por escuza que estava provido de Pregador;
Vendo fr. Joaô q o Bpô se naô queria servir delle, se passou a Lx.º donde alugou
humas cazas, e pos escola em q ensinava a ler, e escrever, e a doctrina Cristaã, em

86 N. em 1531 e m. em 1585, segundo algumas autoridades.


87 João Soares de Urró (1507-1572) no século.
166

[1560] ordem ao & compos e fez imprimir aquella cartilha *º no principio tem o A.B.C.
B. bésta,
com feguras, comvem a saber, A. arvore, e logo tem huã arvore pintada,
trova,
com huã bésta pintada etc., e no fim tem huã regra de viver em pas, feita em
q começa: Ouve, ve, e cala, viviras vida folgada etc. com o q lhe rendia o
ndo,
trabalho desta sua escola, com suas missas, e pregaçoês se hia fr. Joaô sustenta
e a sua may, e jrmãs, assy como podia; hã dia estando clRey D. Joaô 3.º comendo,
se veyo a falar em pregadores, e hfis fidalgos à tinha ja ouvido algumas vezes
pregar Frey Joaô Soares, o gavarad m.'º a elRey de grande pregador; dezejou elRey
de o ouvir, e disse ao Capellaô Mor, q mandace hir aquelle frade a Capella na
p.r ocaziad; foy fr. Joaô pregar a elRey, e ficou elRey taô satisfeito delle q
disse ao Capella Mór q lhe encomendace os mais dos Sermoês da Capella porã
gostava m.tº de o ouvir, e depois de aver pregado algiis sermões o fes elRey
seu pregador, Vendoce fr. Joaô Soares pregador delRey tratou de se autorizar;
[157] de
serrou a excola, comprou mula, e pregava m.** vezes na capella; Veyo elRey
o ouvir a selhe afeiçoar de man. q morrendo hã religiozo com quem se
confessava, mandou chamar Fr. Joaô Soares, e o fez seu confessor; naô avia m.'º
o
tempo & Fr. Joaô confessava a elRey quando passou desta vida em Coimbra
Bispo D. Jorge de Almeyda, e foy elle suceder no Bispado a quê o naô quizera
aceitar por pregador, porque elRey lhe fez logo m.* delle: feito Frey Joaô Soares
ella
Bispo de Coimbra, se deixou levar m.'º da vaid.e tendo grande caza, e com
foy ao Concilio Tredentino, e a ssustentou lá sempre emq.'” o Concílio durou,
de man.'* 3 escrevendoce de lá huã carta ao Rn.º a modo de Satira, falava assim
do Bispo Fr. Joaô Soares, motejando a grande caza q levara ao Concílio, aqui
chegou D. Joaô Soares, Bpô de Coimbra, Conde de Argenil, S.º* de Goja, tres
pessoas, e hã só Frade; acabado o Concilio se foy a Roma a bejar o pé ao
Papa, e alcançou delle L.“ p.º hir vizitar os lugares S.*o* de Hjeruzalem, e paçando
[1574] por Loreto disse missa na cazinha em q a Virgem Sanctiss. S.'a nossa concebeo
secretam.'s,
o Verbo eterno, em suas puriss.'* entranhas, e tirou hã tijolo della
u gravem.',
e o levou concigo, e em saindo do Loreto na pr.? jornada enfermo
as medicinas,
curouce com toda a dilig.: mas o mal hia por diante sem obedecer
atrevim.*o
e entrou em concideraçad se lhe daria DS aquella infirmid.e em castigo do
que cometera, tirando aquelle tijolo da caza de sua may Sanctiss.º; confessouce,
se pos
mando o restetuir a o lugar donde o tirara, e cobrou logo saude; o tijolo

remedios contra os
e Uma referência à Cartinha para ensinar a ler e escrever... com o tratado dos
Alvares & João de Barreira, 1550), ou a outra das suas várias edições
sete pecados mortaes (Coimbra: João
quinhenti stas.
167

na cazinha no mesmo lugar da parede donde fora tirado, mas com huã rexa de
bronze & o serca, por sinal, e memoria, do milagre q na mesma caza se refere aos
peregrinos q a ella vaõ, em Romaria; Passou o Bpô a Hyeruzalem e vizitou devotam.te
aquelles lugares S.tºs aonde Xpô S.º” nosso obrou os misterios de nossa redençaõ,
e veyo de la taô reformado em tudo q viveo daly em diante, e morreo,
com grande openiaô de vertude.

[Anedotas Camonianas]

cn

[«Perdigão perdeu a pena» *º

[158] Jorge da Silva £º 2.º do Regedor Joaô da Silva, foy homê de grandes brios,
e de extremozos pençam.'s; sendo mancebo namorou a Infante D. M.º £ delRey
D. M.º, e da R.º D. Leanor jrmaã do Emperador Carlos 5.º, a qual Infante foy m.'º
excellente Princeza, e a mais rica de toda Europa, e namorava Jorge da Silva
tanto de escancara, e fez tantos extremos em seus amores, sem a Infante saber disso,
q chegando elles à noticia delRey D. Joaô 3.º seu jrmaô, o mandou meter no
Limoeiro; a estes amores, e prizaô de Jorge da Silva, fez Luis de Camões % florecia
naquelle tempo huãs voltas à quella cantiga velha: Perdigaô perdeo a pena, naôha
mal q lhe naô venha, as quais andaô nas suas obras 9º, e dizem assim.

Perdigaô perdeo a pena


naô ha mal q lhe naõ venha.

Perdigad q o pençamento
foy por em alto lugar
perde as penas do voar
ganha as penas do tormento.

8º Cf. o mesmo prólogo biográfico à cantiga em Juromenha (IV, 452) que o cita, numa
versão um tanto mais resumida, de um livro genealógico que pertenceu a Manuel Severim de Faria.
Segundo Juromenha, o livro proveio de João de Deus de Montemor, em 1649.
20 as quais andaô nas suas obras: se é uma referência, como é provável, à obra impressa, essas
palavras não foram escritas antes de 1598, quando o «perdigão» entrou nas Rimas. Por outro lado,
se é uma referência a um cancioneiro de mão, nada em especial podemos saber com certeza da sua
data de composição. Note-se a variante no v. 7: lança no fogo mais lenha.
168

5
[158] Naô tem no ar, nem no vento
azas com q se sustenha
lança no fogo mais lenha *.

Quis sobir a huã alta torre


e achouce dezazado,
e vendoce depenado 10
de puro penado morre.

Se a queixume se socorre
lança no fogo mais lenha
nad ha mal q lhe naô venha

esteve Jorge da Silva na prizaô purgando este seu atrevim.º, e quando pareceo
a elRey o teria ja purgado o mandou soltar: hu Dama da Infante das mais entradas
em sua graça e favor, dizem q hã dia estranhou m.tº diante da Infante sua senhora,
o atrevim.'o de Jorge da Silva, e & por elle merecia q S. A. o mandace castigar
de man.* entendece elle donde lhe vinha o castigo, e à a Infante lhe respondeo estas
[159] palavras, Como que quereis vos fúulana à eu tenha coraçaô p.º mandar fazer mal
a quem me queria bem, naô tendo elle outra culpa mais q o bem q me queria 91,
sahio Jorge da Silva da prizaô, e ofereceulhe Jorge de Barros hã Contratador
m.to rico q avia em Lx.º, e se criara em caza do Regedor Joaô da Silva seu pay,
huã £* unica q tinha por nome D. Luiza de Barros p.* cazar com ella, com 20 Ur.
de dote, a qual avia de herdar por sua morte toda sua faz.: de que instituhja logo
morgado na cabeça da d.'a sua fa q andace em seus decendentes, a qual viria a
importar quantia de 200 U.*s. Cazou Jorge da Silva com a d.ta D. Luiza de Barros,
e fez logo em cazando algiis gastos q excediad a pocibilid.* da sua renda, fundado na
esperança de q seu sogro lhos ajudaria a sustentar; mas esprementou o contr.e do
& esperava, e como naô podia chegar por sy a ter d.'* caza deu em outro extremo,
e foy o naô ter nenhuma; Serrouce às vistas e convercassad, nad vizitava, nem
converçava pessoa alguma, as suas vizitas eraô todas a cazas de oraçaô; hia m.tº
[159] de contino passar as tardes a Igr.* do Conv.'º de S. D.º* aonde estava na Capela de
Jhg encomendandoce a elle, de q compos hã livro q anda empreso em meyo

* Lêse dhena» no ms. por lapso metatético do copista.


91 Não se confunda com D. Jorge da Silva, também preso, mas na Torre de Belém, e libertado
em 1543, a pedido da mesma Infanta D. Maria.
169

quarto de papel concideraçoês m.'º devotas 2: as menhas gastava na Igr.? de nossa


Sr.'2 da Roza, aonde acistia a todas as missas posto a hii canto do fundo da Igr.?
junto ao Coro, debaixo das religiozas, e nas missas mayores quando ellas as
entoavad de sima, elle tambem cá debaixo entoava com ellas, sem fazer cazo da
m.'* gente q estava na Igr.º as vezes; andava em huã mula velha, levando na maô huã
cana de bengala com q as vezes a governava, e huã negra fiando diante & lhe
tinha maô nella, quando della se decia, em este modo de vida, e desprezo das vaid.º:
do mundo continuou Jorge da Silva, emq.'º seu sogro foy vivo, porem tanto q o
sogro passou desta vida, e elle tomou posse de toda sua fazenda e entrou no
grande lucro q tirava do trato mercantil, % elle Jorge da Silva sempre concervou,
e exercitou por seus caxeiros, emq.'º viveo, logo passou tambem daquelle extremo
[160] de vida q ate entaô seguira, ao outro extremo oposto; A mula velha se converteo
em m.'*s outras m.'º fermosas, e em cavalos de grande preço, a negra de q se
acompanhava de m.tos lacayos: escudeiros e pagens, as vizitas q dantes fazia as
Igr.'s som.'* se começarad daly em diante a fazer ao Paço, a caza se encheo de
moveis, m.*º ricos, e elRey Dom Seb.:m o fez logo do cons.º destado, e sendo ja
m.'º velho, e taô frio da cabeça G a trazia sempre m.'º embarretada por razaô do
q lhe chamaraS o sette carapuças: acompanhou ao d.tº Rey D. Seb.:= na jornada
de Africa, aonde acabou seus dias: D. Luiza de Barros sua m.ºr por sua morte
fes contas com os caxeiros, e levantou o trato ficando m.tº rica, m.'º servida,
e adorada, dos parentes de seu marido, partecularm.te de seu sobr.º Fernaô da Silva,
q chamarad dalcunha, o Capueiro, q foy Regedor da caza da supp.“m e depois
Veador da faz.?, a cuja ultima £* & chamaraô D. Luiza da Silva deixou algiis
[160v] dous mil cruzados de renda, p.º seu cazam.'º a qual veyo a cazar com P.º da Silva
de alcunha o Duro, f£º 2.º do Regedor L.“é da Silva, os quais vierad a ser Condes
de Saô L.eé, e elle his tempos Regedor da caza de Supp.“r: o Morgado de
D. Luiza de Barros herdou Jorge de Barros n.! de Braga, a quem pertencia, pla
instituiçad q delle fizera seu pay, q tambem de lá era N1, o qual Jorge de Barros
cazou com huã Irmaã de FernaS Gomez da Gama, escrivad ã foy da caza da India,
e depois o foy da faz.?, e entre outros teve hã filho & herdou o seu morgado
por nome Fran.º de Barros, q está cazado com D. Paula de Vilhena, f.: de
Dom Paulo de Larcaô, e q tem filhos.

2 A obrareferida deve ser Tratado da creação do mundo e dos mistérios da nossa redenção (Lisboa, 1552),
ou Homília ao santíssimo sacramento (Évora, 1554).
170

CIV

[«Coifa de beirame»]

Aquelle famoso poeta Luis de Camoês q absulutam.te falando foy Princepe de


todos elles; foy nas feiçoês do corpo alto de estatura, largo das espadoas, de cabello
ruivo, no rosto sardo, e torto nos olhos %; era de entendim.'º agudo, do juizo claro,
e raro engenho, na Umanid.* visto, na Siencia Verçado, nas armas destro, no animo
[161] Valente; concorrerad com elle m.tos homens de abilid.º os quais todos hora em caza
de hi, hora de outro passavad alegrem.'* a vida em desputas coriozas, ditos
galantes, e deleitoza converçassad; os poetas davançe motes, e grozavanos de repente;
os 3 o naõ erad julgavaS de melhor compociçaô; ajuntandoce hã dia his amigos
em caza de Luis de Camoés p.? passarem nella huã sesta de veraô, levantouce entaô
entre elles huã cantiga q andava nas moças de Cantaro, e dizia.

Coifa de Beirame
namorou Joanne

disse entaô hã dos da comp.?, e do n.º daquelles q naô faziaô verços, a este mote
de Zombaria folgara q os s.'s poetas fizecem algumas voltas de sizo, acudio logo
o Camoês tomando a mad aos outros, começou dizendo.

Por couza taô pouca


andas namorado
amas o toucado
e naô quem o touca,
ando sega, e louca 5
por ty meu Joanne
e tu pelo Beirame.
[1612] Amas o vistido

93 torto nos olhos: cf. P. Manuel Bernardes, Nova Floresta, IV, 43 (cit. por Agostinho de
Campos na sua ed. das Rimas, II, 227), que em outra anedota assinala a sua ferida ocular com o mesmo
adjectivo. A ocasião é uma resposta alegada de Camões, justificando uma «comissão» falhada:

Logo lhe não vi bom jeito


Quando vo-lo dei por morto;
porque torto matar torto,
não me pareceu direito,
171

es falço amador
tu naô ves q amor 10
se pinta despido.
Tu sego e perdido
andas por Beirame
e eu por ty Joanne

e assim mesmo lhe foy fazendo outras voltas que andam imprezas no L.º de suas
obras, e em todas ellas seguia o mesmo pençam.'º da cantiga, estranhando ao Joanne
afeiçoarce à coifa, e nad a quem a trazia na cabeça, o q ouvindo hã dos poetas
q na caza estavad por nome Ant. Pinto * disse p.? o Camogs, naô he de crer q
fosse Joanne taô tolo como o vos fazeis; o q eu entendo he à.

A coifa cahio
. a his olhos bellos
descobrio cabellos
q Joanne vio,
o q descobrio 5
coifa de Beirame
namorou Joanne.

CV

[De uma trova que Luís de Camões fez a um presumido para se livrar dele]

[162] Era Ant.º Pinto homê de notavel abelid.*; a elle so na poezia reconhecia Luis
de Camoês huã serta exellencia, de man." G em sua prezença naô ouzava m.':s vezes
fazer verços *; na proza levava a todos os do tempo huã ventagem taô conhecida,

94 Note-se a variante no v. 12: tu cego e perdido.


95 Este António Pinto foi secretário de Lourenço Pires de Távora na Embaixada que fez a
Roma em 1561. Esta anedota, portanto, talvez fosse transmitida pelo mesmo Pinto a Lourenço Pires,
e por este a seu sogro Rui Lourenço de Távora ou a quem quer que reunisse as anedotas.
96 Estranha alegação (embora corroborada em teoria por Barbosa Machado na Biblioteca
Lusitana, que o tem «na poesia de todo o género como entre os professores mais célebres desta arte»),
considerando o pouco que dele como poeta sabemos hoje.
172

ã por ordem delRey lhe estava ja encomendado a contenuar as Decadas* de


Joad de Barros na historia da India, a qual obra lhe naô chegou a dar principio
porã o tirou deste mundo a morte anticipada 7: entre as pessoas q continuavad a
caza, vinha a ella muitas vezes hã homê q prezumia de pocta repentino, e fazia m.*
maos verços; algumas vezes trovou o Camoês com elle de repente em competencia
só por ter ocaziad de rir, e zombar das parvoices q dizia, mas veyo elle a ser taô
contino nellas q ja o Camoês se enfadava de o ouvir: huã tarde lhe entrou em
caza, e começou de o provocar trovandolhe de repente, e foraô as trovas taô fora de
caminho, q Luis de Camoês lhe disse, VM. ma faça de me deixar por agora, porã
naS estou p.º lhe poder responder; eu me vou disse o outro, mas VM. a de
[1620] confessar G fiquei eu hoje o Mácho, o Camoês lhe respondeo entaô, dizendo.

Macho sim, mas macho de andas


macho 3 anda com capacho
macho prezo por varandas,
macho, q parece macho
de homg & anda em demandas *8, 5

com esta trova se achou aquelle homê enleado, e naô lhe acudindo couza com q
pudece responder a ella, se foy sentido p.º sua caza, e deixou de continuar por algãs
tempos na de Camoês, q por aquelle modo se vio livre de suas poezias.

CVI

[De uma galanteria que Camões fez a duas Damas numa janela]

Indo hã dia Luis de Camoês paceando por huã rua de Lx.º vio a huã janella
duas Damas jugando as cartas; parou elle defronte dellas, e da rua lhe esteve dizendo
algumas galanterias de q ellas naô fizeraô cazo, antes mostrando q nem davaô fé

* Grifo nosso.
97 A sua morte é anterior a 1595, quando Diogo do Couto se encarrega da terminação das
Décadas de João de Barros.
98 Ao que parece, poema inédito, atribuível a Camões.
178

de quem as dezia foraô jugando por diante; vendo elle q aquelle seu naô dar fé
[163] era mais desemulaçaõS 3 inadvertencia, chegouce mais ao pé da janella, e lhe disse.

Tenha eçe jogo ja fim


senhoras naô jugueis mais
porã entendo q jugaes
por fazer jogo de my.

Se he serto este meu juizo 5


naô he couza justa logo
q estejaes fazendo jogo
de quem vos ama de sizo ºº,

ellas pondo os olhos nelle, e tornando os no mesmo instante a rrecolher, mordendo


os beiços, disfarçando o rizo: huã q de ambas era mais traveça deixou cabir huã
carta na rua; Levantoa logo o Camoês, e vio q eraô tres paos, e entendendo q aquilo
era o mesmo q dizerlhe q se fosse emforcar, olhando p-* ella disse

Por acabar dias mãos


da triste vida que passo.
mandai Srã o baraço
q ja cá tenho tres páos 100

[1637] a isto naô puderaô ellas decimular o rizo, mas mortas delle se recolheraS p.?
dentro, e o Camoês deixando o posto continuou seu paceyo.

ºº Outro inédito que é, especialmente quando se considera a sua presença num contexto com
um poema impresso, atribuível a Camões.
100 Esta versão difere um pouco da impressa (Cf. para evitar dias maus, ed. Juromenha, IV, 191).
Já não se acha na edição de Salgado Júnior (com que critério?). O contexto desta anedota, porém, corro-
bora o título «a umas senhoras que, estando a jogar perto de uma janella, lhe caiu o tres de paus e deu na
cabeça» da edição de Rodrigues e Vieira (1932), chamando atenção para o naipe e não para tres paus que
caíram, como em Juromenha ou em Agostinho de Campos.
174

Cv

[Duas regras de Camões a António Ribeiro Chiado, seu amigo, e um caso notável
com o vizinho deste) 101

Huã tarde estando elle em caza dado todo a certa ocupação, huã Dama a
quem galanteava lhe rogou [a Camões] por hã escrito lhe quizece dar dizer q bejos
eraô his a q chamavaô bejos tristes; elle por se naô devirtir da ocupaçaô em q
estava, fes duas regras a Ant.º Rib.'º seu amigo, a quem chamaraS dalcunha o
Chiado, q estava entaô mais osiozo q elle; em lendo a pergunta, tomou a pena na
maô, e respondeo dizendo:

Se vos algú hora vistes


Alvaro FrZ nú
e o bejastes no cú
esses chamaô bejos tristes.

Era este Alv.º FrZ hã atafoneiro m.'º gordo & vivia de fronte do Chiado, com o
qual lhe tinha ja acontecido aquella graciosa historia da besta, q passou desta man."::
[164] Levantandoce huã menha o Chiado, saindo pla porta fora achou junto a ella hã
grande monte de esterco de gente; quando tornou p.* caza agastouce m.ºº com O
mosso q o servia imaginando & poderia ser elle o à lhe poria aquilo aly, plo naô deixar
ou a preça, ou O medo de hir mais longe; o moço lhe jurou q tal naô era;
deulhe o amo credito, e mandou alimpar a porta; na menhã do dia seg.'* tornando
a sobir p.: fora tornou achar no mesmo lugar outra immondicia como a passada;
quis saber quem era o q lhe vinha fazer aquella boa obra a sua porta; vigiou na
madrugada do dia seg.*s, e achou q era seu vizinho Alv.º &Z atafoneiro; mandoulhe
hã recado pjlo seu moço 3 o avizava lhe naô quizece fazer da sua porta munturo;
o atafoneiro lhe mandou dizer q lhe perdoace q naô tornaria aly mais; quietouce
o Chiado com a reposta, mas Alv.º frZ mal lembrado della, foy continuando como
dantes, naquella vizinhança; vendo o Chiado q elle naô fizera cazo do recado q lhe
[1640] mandara determinou de o avizar por deferente maneira tinha em caza huã bésta de
pelouro, e pedio emprestado a hã amigo huã espingarda; sevo a com polvora e
buxa som.ts; em huã madrugada às horas em q o atafoneiro abria a sua porta p.* se

esta
101 Levando em consideração o pouco que se sabe acerca de António Ribeiro Chiado,
do poeta.
história, embora anedótica, não deixa de realçar conhecidas características jogralescas
175

vir ao posto continuado, a deu ao moço pondo o na caza de sima; o advirtio 3


estivece prestes, e com o cad levantado, e q tanto q elle fizece serto sinal desparace
logo a espingarda por hã postiguinho da janella à tivece aberto, p.º q o estouro todo
soace na rua, e elle se foy p. a logea, e por hi buraco j a porta tinha bem
defronte do posto aonde o d.'º Alv.º fZ custumava a purgar o ventre, se pos à
mira com a bésta armada esperando q viece; estando ambos assy de vigia, o moço
em sima com a espingarda feita, e o amo embaixo com a besta armada, eis senaõ
quando o atafoneiro sahio em seroulas de caza, e se pos bem a porta do Chiado
com o trazeiro p.º ella; o Chiado lhe pos com a bésta o ponto nelle, e fazendo
[165] sinal ao moço despararad ambos juntam.ts, e o pelouro da besta q era de barro o
alcançou plas nalgas; sintio Alvaro ftZ o golpe do pelouro, e ouvindo o estouro da
espingarda imaginou à lhe aviaô tirado com ella, e % estava passado de parte a parte,
e com esta imaginação desmayou; deu hi grito grande dizendo: ai q me mataraô,
e com isto se deixou cahir esmorecido sobre a mesma immondicia q aly tinha posto;
ao estouro da espingarda, e grito de Alv.º ftZ, acudio logo a vizinhança toda, e entre
ella o Chiado % se chegou junto a elle, e lhe disse, q foy isto vizinho, ao & Alv.º
fz abrio os olhos, e com huã voz m.tº fraca respondeo, S.º* de caza de VM. me
mataraô, ouvindo isto o Chiado, disse p.º híi Alcayde acudira aos gritos da jente,
S.º” este homê se queixa % de minha caza o mataraô, nella naô vive outrem alguem
mais q eu, q sou hã clerigo sacedote, e hã rapazinho meu ã me serve, e nad
[1652] averá alguã pessoa em toda esta vizinhança q com verdade possa dizer q algã
dia nos vio algii de nos ter razoês algumas com elle, mas ja q assim he, eu
requeiro a VM. pr.º q tudo mande ao S.% escrivaS q de fe do dano de q se
queixa; chegouce entad o Alcayde a Alv.º fz, e lhe perguntou onde se sentia
firido; respondeo elle com huã vos m.'º sumida, ã hã pelouro lhe entrara pjo
trazeiro q o tinha naquelle estado; mandou entad o Alcayde q o viracem porg
estava estendido de costas, e disse ao escrivad q fosse dar fe das feridas; virado
elle, vio o escrivad O trazeiro todo cheyo, e empastado de sua mesma sugidade
sem sangue algi, e disse p.' o Alcayde aqui naô ha de q dar fé mais q de m.t
trampa, mande VM vir ágoa, lavaloaô, e veremos se debaxo delle aparece alguma
ferida; mandou o Alcayde vir ágoa, lavaranlhe o trazeiro, e naô lhe achando ferida
alguma, os q estavaô mais vizinhos a elle lhe deraô cada hã sua palmada nelle, dizendo,
[166] levantate vilaô q naô tens nada; com esta vós tomou Alv.º fiz alento, levantouce,
e achouce bom, pedio perdad ao Chiado de aver d.tº q de sua caza o aviad morto,
a vizinhança da inquietação q nella cauzara, e dahy por diante nunca mais
ouzo a hir fazer suas necid.s à rua, e por este modo o enxotou o Chiado da
sua porta.
176

CVIL

[De como Camoês galanteou uma mulher em Goa]

Na India galanteava Luis de Camoês [huã] n.! de Goa, por nome M.* Cortes;
sem outra
passava ella na menhã de hã dia S.tº a ouvir missa com sua may viuva,
quais vendo
alguma comp.?, por onde o Camoês estava com algiis amigos seus, os
p.?
a vir assim dezacompanhada, disseraô p.º elle, Vedes lá vem a S.2 M.º Cortes
galante
a Igr.* só com sua may, Lanço tinhas vos agora acomodado p.* como seu
sofreres q vá
a poderes acompanhar, porê estares vos aqui por onde ella passa, e
mais perto,
taS só como vem, cheira a pouca cortezia; o Camoês a deixou chegar
e tanto q a teve a lanço de comprim.'º com o barrete na maô se foy p.º ella,
dizendo.
Não sey se por ser do Porto
se por ser bom portugues, -
[166] cortezias me tem morto
perdido sou por Cortes 102

agoa benta, e se
e com isto se foy andando diante della, até a Igr.* donde lhe deu
aos quais
tornou p.? a comp.” dos amigos q o ficaraô esperando no mesmo posto,
M.º Cortes:
elle contou a galanteria com q se offerecera por escudeiro da d.t!

CIX

[A outra Maria de Camoés]

se em Portugal
Outra Maria mais levantada dezejou Luis Camoês de galantear, naô sei
aver m.'* deziguald.e
se na India, mas naô ouzou a descobrir sua afeiçaô; devia de

versão variante foi publi-


102 A presença nas Anedotas portuguesas desta cantiga, da qual uma
Ribeiro, «A hipótese de Camões ter nascido no Porto», O Tripeiro,
cada recentemente por A. Campos menos «lança mais lenha
confirma , pelo
VI série, Ano XII, N.º 8 (Agosto, 1972), pp. 226-228, se não es que a
cita a cantiga dum artigo de Mário Domingu
no fogo» daquela hipótese. Campos Ribeiro ser. Inclinam o-nos,
lendas». Pode
considera uma «invencionice irresponsável... propagadora de certas a da anedota,
quinhentista-seiscentist
por enquanto, com Campos Ribeiro, levando em conta o contexto
a especular sobre a sua autenticidade.
177

nos sogeitos, porq assim parece o quer elle dar a entender em huã redondilha ã
compos sobre a materia na qual introdus dous pastores falando desta maneira.

A Maria, eu Gil amigo


mas sou muy groçeiro, e rrudo,
quem amarias, Rodrigo?
a Maria, e mais naô digo,
agora diçeste tudo 103 5

CX

[De um encontro entre Camões e Jorge de Montemayor] 1º

Pelos tempos em q cá em Portugal viveo Luis de Camoês floreçeo em Castella


[167] Jorge de MonteMayor, portugues de naçaô n.º da V.: de Monte [Mor] o Velho, de
q elle tomou o apelido, poeta entaô muy selebrado, por hi livro pastoril que
compos, intitulado a Pastora Dianna,* q foy m.º bem recibido e estimado de
todos; ouvindo Jorge de MonteMayor em Castella onde vivia a muita fama & por
la corria do nosso Luis de Camoês, dezejou m.tº verce com elle; p.* este effeito se
veyo a este Rn.º, e na cidade de Lx.º onde entaô estava a corte, o converçou m.'º
partecularm.te, huã tarde estando ambos parados no terreiro do Paço, olhando p.?
huã janella do quarto das Damas q ocupava D. Fran. de Aragad £* de Nuno
RoiZ Barretto Alcayde Mór de Faro, Dama q era da R.º D. Catherina, chegouce hum
pobre a elles, e lhes pedio huã esmola; Jorge de MonteMayor respondeo ao pobre
desta man."a

Se hermano pedis por Dios


a aquel Sarafim pedi,
y pedi para los dos
la libertad para my
la limosna para vos. 5

103 Esta redondilha será mais uma desconhecida camoniana ou pertencerá a outro poeta?
104 Cf, a versão parcial de Supico de Moraes, Collecçam política, I, 67; o compilador dos apotegmas
memoráveis também não liga a redondilha camoniana «Cara sem olhos» com o encontro lisboeta.
* Grifo nosso.
12
178

[1670] D. Fran.“ de Aragad q foy Dama dotada de m.**s partes, e cheya de muita galanteria,
e tinha ja m.** noticia de Luis de Camogs, a cujas poezias se avia socorrido algumas
vezes em suas tençoês e pençam.'es 105, imaginando ser elle o q falara, lhe disse,
andai dahy p.º cara sem olhos, o q ouvindo Luis de Camoês, respondeo assim
falando com ella 19,

Sem olhos vi o mal claro


que dos olhos se seguio
pois cara sem olhos vio
olhos q lhe custaô caro

De olhos naô faço mençad 5


pois quereis q olhos naô sejaô
vendovos olhos sobejad
naô vos vendo olhos naô saô.

D. Fran.“ deixando o posto se recolheo p.? dentro; Jorge de Monte Mayor levou
nos braços a Luis de Camoês, e se forad ambos trabalhando cada hã delles por
dar ao outro a palma na poezia.

CXI

[De umas luvas sobre o altar e de como El-Rei D. Joaô II


entrou na casinha de um moribundo]

[168] EIRcy D. Joaô o 3.º de Portugal foy m.'º pio, e m.'º zelozo do culto devino;
estando em Lx.' foy hã dia S.tº ouvir missa a hã dos Conventos da cidade; era
no veraô, fazia calma, elRey era grosso, tanto q entrou na Igr.? fes oraçaô: por se
despejar deu a gorra a hã moço fidalgo, e a outro as luvas; o moço das luvas
por se livrar tambem do pejo q lhe cançava o andar com ellas na maô, as foy
por sobre a borda de hum altar colateral, aonde entaô se naô dizia missa; pos

105 Vide, por exemplo, as três glosas que Camões mandou a D. Francisca de Aragão (ed. António
Salgado Júnior, pp. 468-469).
106 A anedota fornece um aliciante fundo biográfico — aliás perfeitamente plausível — à famosa
cantiga consagrada no cânone camoniano desde 1598.
179

elRey acazo os olhos nelle, e vendo aquelle vulto, perguntou 3 era aquilo & estava
sobre aquelle altar, e sendolhe respondido % eraô as luvas de S. A. q aly puzera
o moço fidalgo a quem S. A. as dera, as mandou logo tirar, e o mandou chamar
a elle, e aly em prezença de todos o arrepelou, e puxou plas orelhas, dizendo,
ás de ser taô atrevido & as luvas de q eu uzo, e trago nas minhas maôs, vas tu por
no altar aonde se consagra o corpo de D3: Estando hã jnverno a corte em Almeirim
em huã noite delle ouvio elRey q na Igr.: do lugar se davaô humas badeladas,
[1680] perguntando ao Conde da Castanheira D. Ant.º de Atayde seu valido, q entaõ
estava com elle, q era aquilo, e respondendolhe o C.ºº q lhe parecia se fazia sinal
p.* se levar o S.º! algã enfermo; elRey lhe disse q o mandace saber, e vindo recado
q era assim se sahio elRey com aquelles fidalgos e moços da Cam." % naquella
hora se acharaô no Paço a acompanhalo, entrando elRey na Igr.: foy tanto a agoa
q cahio do Ceo q o senhor se deteve hi grande espaço, como o mais groço da
chuva sessou, sahio. o Senhor da Igr.* e elRey com elle, e toda a outra comp.?,
o enfermo a quem hia vizitar era hã pobre castelhano % estava morrendo em
huã cazinha terrea, cujo pavim.tº era todo lama, e agoa, porque p.lo telhado
q tinha mal seguro, recebera grande cantid.* da m.': q chovera; entrou elRey
nella, e naô vendo parte enxuta onde pudece por os jiolhos p.: adorar ao Senhor,
se hia ajoelhando ja em huã possa de agoa; quando o CC. da Castanheira
[169] que em lanços de corte foy sempre mui advirtido, estendeo de preça o braço
com a sua gorra; acudio ainda a tempo 3 pos elRey sobre ella o juelho; esta
advertencia do Conde foy envejado de algfis & naquelle lugar estreito estavad tambem
vizinhos à pessoa delRey: estando o castelhano p.: receber o Senhor lhe deu hã
acidente grande q o teve sem fala, emquanto durou q seria espasso de sinco, ou
seis credos; logo quando lhe deu começou a gente q na cazinha estava a inquietarce,
perguntando elRey pla cauza daquella inquietação, responderad os q estavad mais
chegados a cama do enfermo: S.º, foy hiá desmayoG lhe deu, o q ouvindo o
Castelhano, quando tornou em sy do acidente, disse em vos alta q o ouviraô todos:
[o pes ia tal ?] comigo, al morir llamaes desmayo; e em recebendo o Viatico,
lhe deu outro acidente q o tirou deste mundo.
180

CXII

[De um «presunto francês] |

Reynando elRey D. Seb.m lhe mandou elRey de França hi Monsieur por


Embaxador; elRey o mandou receber, e agazalhar honradam.'* e quando ouve
de lhe dar audiencia o mandou buscar por D. Luis de M.ºs seu Alferes Mór;
[1690] era no Estio, e estava o dia quente em demazia; o Monsiur era m.*º grosso,
e com a grande calma trazia o rosto m.ºº vermelho, e cuberto todo de suor;
entrando no Paço, D. Luis o foy sempre guiando até o por diante delRey:
era D. Luis m.'º cortezaô, e homê naturalm.'e despejado, de boa graça, e folgava elRey
com elle; quando lhe aprezentou aquelle Monsiur, m.'º gordo, m.'º suado, e taô
vermelho q parecia hã prezunto, disse estas palavras: Aqui aprezunto a V. À. este
Monsiur, disse isto D. Luis com taô boa graça q olhando elRey p.* o Monsiur
se naô pode ter com rizo; os fidalgos vendo à elRey se ria festejarad o dito m.'º,
e o Monsiur cuidava q aquella festa se lhe fazia a elle, e tambem se mostrava alegre.

CXxHI

[Um dito de D. Tomás de Noronha] 9?

Quando D. Luis de M.'s 3.º Conde de Tarouca foy por Capitad e G.! da
Cidade de Tanger, fes seu caminho por terra ate onde lhe foy possivel, e mandou
o seu fato, e recamara por Már, em huã embarcaçaôd & partio do porto de Lisboa;
[170] Ao embarcar, do fato lhe furtarad a prata q levava p.º seu serv.º, naô se soube
do furto senaô depois do Conde chegar a Tanger porq entaô se tomou conta do
fato, e se achou a prata menos; posse boca em hã moço q era criado de D. Thomas
s,
Jordaô de N.:3; era entaô D. Thomas viuvo de sua 1.º m.&, e vivia pobrem.'
q
o Conde naô era rico, corria D. Thomas com o C.ºº em boa amizade, ouve
convinha naquella occaziad escreverlhe a Tanger, felo na man."* seguinte: Por aqui
se diz q furtarad a V. S.º a sua prata, e daô a há moço meu por A. do furto,
se foy grande o dano q VS.* recebeo do sucesso, o sentim.to q delle me coube naô he

17 Cf a versão resumida e mais moderna de Supico de Moraes, Collecçam política, 1, 123.


181

menor; mas acho eu q deste mal tamanho se rezultou hã grande bem p.º ambos,
com % nos podemos conçolar, e foy, saberce que tinha VS.: prata, e eu q tinha
moço: foy Dom Thomas homê m.'º de corte, e fes m.'ºs verços sobre materias
redicolas m.tº galantes todos, e m.'s engraçados.

CXIV

[De como um atafoneiro enganou um alcaide]

No reinado delRey D. Sebastião sendo B.º* do Amaral seu C.º da corte, andava
hi dos Alcaydes da Cid. de Lx.º correndo huã parte della depois do sino, acazo
[170v] entrou pla rua aonde o d.tº C. vivia; a huã esquina della estava hi homê encostado
a parede, embuçado com hã farregoulo velho; deu o Alcayde de supito com
elle, e naô lhe deu tempo p.º lhe poder fugir, nem elle tentou fazelo, vendo & ja
por pés lhe nad podia escapar, antes se deixou estar arrimado a parede sem se
mover; chegouce hii dos beligins a elle e estendendo o braço p.º lhe pegar dizendo da
parte delRey, elle o lançou de sy com a maô sem se dezembuçar, e lhe disse chamai
cá o Alcayde; o galego se afastou logo, e o Alcayde q o ouvio se chegou, dizendo,
descubrace VM., e diga quem he, ou venha prezo; o da esquina lhe respondeo com
vos aspera: nem eu me ei de descubrir, nem a VM. lhe importa saber quem
sou, prezo sim irei ate a caza do C.º da corte q vive nesta rua, leveme VM. lá,
q a elle me descubrirei, e sabera quem eu sou; ouvindo isto o Alcayde lhe naô quiz
fazer força alguma, receando % podia ser pessoa de calid.º de q depois recebece dano,
antes com m.'* cortezia lhe disse, ja q VM. se me naô quer descubrir a my
[171] vamos embora à caza do C.º, foraôd 'a caza de B.r do Amaral, cuja porta
estava ainda aberta; subirad à salla, e perguntando o Alcayde a há moço q achou
nella % fazia o C.ºr, respondeulhe & estava recolhido, lhe tornou o Alcayde dizendo,
ide S.º* la dentro, e dizei ã trago aqui este homê G achei embuçado a huã esquina
desta rua, e se me nad quis descobrir, e me pedio q o trouxece a sua M.“*; Levou
o moço o recado ao C.º!, respondeo q estava ja descomposto 3 o levacem a outro
juis; tornando o moço com a reposta, e querendo o Alcayde deçer pla escada
abaixo com o prezo, disse elle p.: o Alcayde, de VM. L.º, e façame m.“ de
querer esperar mais hã nada, e voltando ao moço lhe disse, filho tornai la dentro
e dizei ao S.º B.: do Amaral q naô estou p.º dar mais passos a pé, q me faça
m.º* de me querer mandar entrar aonde sua m.“* está por importa minha honra
182

naõ me descubrir a outrem; tornou o moço, e imaginando B.º* do Amaral q poderia


aquelle prezo ser algi homê fidalgo q se pejaria de se descubrir ao Alcayde,
[1710] e a qualquer outro juis, ainda q estava ja despido, o mandou entrar; entrou o prezo
som.'º ficando o Alcayde na caza de fóra, e o moço com elle, e em entrando se desco-
o
brio logo, e se foy lançar aos pés de B.º” do Amaral, dizendo, S.º*, eu sou o atafoneir
aqui vizinho ã faço as farinhas desta caza de VM., tenho his amores nesta rua,
estava em hi posto a esta hora p.º lhe falar q.ºº este Alcayde deu comigo taô de
supito q naô tive lugar de me poder acolher, valime desta traça por naô hir ao
Tronco, e gastar dous ou tres milrS q os naô tenho, VM. me acuda por amor de
nosso senhor: Era B.º” do Amaral homê m.'º galante, e festejou a manha com q o
e
atafoneiro taô de repente se soube livrar do Alcayde; chamou o moço, e mandolh
dizer q lhe agardecia m.'º levarlhe aquelle fidalgo a caza, ainda q lhe era ja
forçado despender com elle plo menos doce e agoa fria; o Alcayde lhe respondeo
mas
plo mesmo mosso & aly o ficava esperando fora p.* o acompanhar ate sua caza,
[172] o C.: lhe mandou q fosse embora correr a Cid.*, porã elle tinha q falar com aquelle
fidalgo, e avia fazer aly alguma detença: depois de ido o Alcayde disse ao atafoneiro:
vos
Ivos agora p.º vossa caza e daqui por diante tratai de namorar de dia porã
naS ei de valer outra vez, o atafoneiro se lhe tornou a lançar aos pés, com
agardecimento gr.ie do favor q lhe fizera; Renunciou aquella afeiçad, e naô sahio
mais de caza depois do sino.

CXV

[De como se escolheu o Bispo de Siguença]

Elrey D. Phelipe o 2.º de Castella a quem chamarad o prudente tratou


sempre de aceitar nas provizoês q fazia assy dos off.º* seculares, como dos benifícios
ecliziasticos, em q tinha dereito de aprezentar, pondo em todos pessoas capazes,
e benemeritas, p.: q o temporal e Spiritual de seus Rn.º* andace bem governado;
e elle nesta parte com a conciencia livre, e dezembarcada; Vagara huã Prizidencia
na corte de hã Trebunal; dezejava elRey p.* elle hã homê de satisfaçad; enculcaranlhe
[172v] hã fidalgo ja velho, o qual no Reynado do Emperador seu Pay servira em postos
grandes, assim na guerra como na paz, € vivia retirado em huã quinta sua m.*º
distante da corte, furtando aquelle ultimo quartel de sua vida às inquietaçoês e
neg.ºs della, p.* o dar todo mais livrem.'s a D3, e se aparelhar p.' a morte:
Escreveolhe 3 tanto q aquella lhe fosse dada se viece logo a corte, porã importava
183

assim a seu serv.º, deucelhe a carta delRey, recebeoa com semblante triste, abrioa,
e vendo q elRey o chamava a corte, aonde elle cuidava q ninguem ja lhe saberia o
nome, se sahio a huã varanda, e paceando só nella pençativo, repetia m.':s vezes
estas palavras: quien dixo a este hombre mi nombre: Vagou a Igr.' Catredal [sic]
de Siguença, q das quatro episcopaes de toda Hespanha, mayores, he a mais
grossa em rendas; quis elRey nomear nella Bispo; chamou o seu confessor, e lhe
falou desta maneira, Confessor yo he provido algunos Obispados en personas q me
no an salido buenos Obispos; quisiera ahora por descargar mi conciencia poner
[173] en esta Iglesia hun hombre q le destrebuya sus rentas con fedelidad por los
pobres de Christo, y para esto os tengo elegido a bos, porã se lo hares con satisfacion
y me quitares el scrupolo q traigo de poder haser Obispo della a otro % en no lo
ser aga compafiia a los demas: o Confessor lhe respondeo, Sefior, en el intento
de V. Mg.º no ay à dizir porã todo es bueno, pero para VMg.º salir con el no a
escogido bom medio en la elecion & ha echo de mi persona; el Obispo (como dize
el Apostol S. Pablo) ha de ser irrepreencible, yo me tengo en todo lo & ago
por digno de repreencion, ni mis flacas fuerças tienen alguna proporcion con- el
formidable peso del govierno de las almas, por lo que se yo acetasse el Obispado
q VMg.º me offerece haria contra mi consciencia y assi me rezuelvo en no accetarlo:
Vendo elRey & o seu Confessor com razoês taô cheyas de humild.º recuzava aceitar
aquelle Bispado, fes dahi em diante graô cazo delle, e o reputou por homê de
conhecida vertude, e assy lhe disse: ya q os allaes indigno de ser Obispo dadme hun
hombre q lo pueda ser de Siguença, porã pues echastes de bos la carga del
[1730] gobierno desta Iglesia, justo es q os venga a quedar en casa el cuidado de buscarle
Pastor: pensare en ello (respondeo o Confessor) y con lo & allare bolvere a VMg.4;
foice p.* o seu Conv.'; dahy a poucos dias o tornou elRey a mandar chamar p.!
serto neg., e depois de lhe falar nelle lhe disse: pues aves pensado en aquello del
Obispado de Siguença, respondeo o Confessor % sim, lhe tornou elRey, aveis
allado alguna cosa q sirba, disse entaô o Confessor, Sefior yo e andado con la
concideracion huna y muchas beses toda la corte, y no e descubierto en ella persona
de q VMg.i (a my juizio) pueda fiar huno Obispado qualquiere quanto mas el de
Siguença; q avemos luego de aser, disse elRey, quando yo estudiava em Salamanca
(respondeo o Confessor) andava aly hun moso estudiante hijo de padres humildes,
despues se hiso clerigo y no se q se hiso del, yo hare por saber si es bivo y adonde bive
y se le allare decele el Obispado y baya por mi cuenta; pues, eya (lhe disse elRey)
[174] Vuestras diligencias y allandole bolvemelo a disir; fes o Confessor com G se buscace
o Clerigo, e achou q estava curando huã Igr.º vizinha ao lugar donde nacera & lhe
importaria his annos por outros oitenta cruzados de renda; veyoce m.'º alegre à
184

elRey, dizendo, Sefior e descubierto el clerigo, vive en tal lugar Cura de una Iglesia
pequefia, mandele VMg.º ofrecer el Obispado q quando el quicra tiene VMg.º aly
hun bueno OBispo; agradeceo m.'º elRey ao Confessor a dilig.º q se fizera por se
descubrir aquelle clerigo; mandoulhe offerecer o Bispado, e elle respondeo & bejava
à mad a SMg.! pla estimaçad q fazia de sua pessoa, sendo ella taô baixa, e taô vil:
mas q elle com grande pena de sua alma, e dor de seu coraçaô estava aly sendo
Cura de poucas almas, porã entendia a pouca suficiencia tinha p.* lhe ministrar
o pasto Speritual, e q se aquellas poucas eraS m.':t p.º elle a respeito de suas forças,
q seria huã grande temerid.*, e huã grande doudisse se as avaliace agora por bastantes,
p.' reger, e governar almas do Bispado de Siguença sendo tantas: q SMg.“ fizece
m. ee do d.tº Bispado a quem pudece dar melhor conta a DS das ovelhas delle do à
[174v] elle entendia de sy poderia dar: ficou elRey espantado da grande rezuluçaô, Spirito,
e Valor, com à hã pobre clerigo deu de maô, e lançou de ssy hi taô grande Bispado
como o de Siguença, avendo tantos na corte, e filhos de grandes, q o procuravaõ,
e assim vindo no dia seg.'* o Confessor ao Paço, lhe disse estas * palavras, Confessor
buena elecion hasiamos, e perguntandolhe o Confessor porã respondeo, porã no
quiso asetar. |

CXVI

[De uma Sagração de Bispo que naô se realizou e porquê]

Proveo o mesmo Rey D. Phelipe em hã clerigo de Aragaô homê fidalgo


prencipal hã Bispado do mesmo Rn.º, Vieranlhe as letras de Roma, tratou de se
sagrar; p.? o dia da Sagrassad foraS chamados m.'ºs fidalgos, e tit.* seus parentes,
e amigos, como he custume em toda Hespanha, estando actualm.te nella chegou
o Bispo q o sagrava àquelle passo em o qual lhe fas tres vezes esta pergunta:
Promittis reddere rationem ouviu tuarum in die judiciae, q quer dizer prometeis
de dar conta de vossas ovelhas no dia do juizo, e em lhe fazendo a d.* pergunta
a p.'* vez respondeo elle, nom promitto, q quer dizer naô prometo, disselhe o Bpô
[175] por modo de advertencia imaginando q errara, ha VS.* de dizer q promete, e elle
tornou a responder nom promito, tornou o Bpô a dizerlhe pues sefior se VS.º no
dixiere promitto, no puedo yo sagrarle, e respondeo o q se sagrava, sea muy
hora buena; acudiraô logo os parentes, e lhe disseraô, Senhor, aquel es una seremonia,

* Tê-se «ste» no ms.


185

quiere VS.º afrentamnos, ao q elle respondeo, q importa Sefiores q sea ceremonia el


prometer yo de dar cuenta de mis ovejas en el dia del juizio; se en la berdad ella
se me a de pedir yo tengo de darla aun q no quiera; foy tanto o temor q D% lhe
infundio em sua alma com aquellas palavras q nunca puderad acabar com elle G
dicesse promitto, nem o Bispo q o sagarava, nem todos os sircunstantes q lhe
acistiad a sagrassaô, e assim se desfez aquelle ajuntam 'º sem aquella accaô hir por
diante com grande admirassaô dos 3 aly se acharaô, e confuzad de algiis Bispos 5
tendo só o intento na dignid. a q sobem, e na honra e utilid.e & della recebem
[1750] prometem com tanta facilid.º de darem conta a D5 das almas q se lhe entregaô como
se fosse couza m.tº facel o dala, ou nunca a ouvecem de dar.

CXVI

[De como D. Artur, chocarreiro de D. Joaô III, fez rir a El-Rei]

Teve elRey D. Joaô o 3.º de Portugal hii chocarreiro a % chamaraô D. Artur,


era n.l de Lx.º alfayate por off.º, pequeno do corpo, engraçado por Natureza; este
entrou huã menha aonde elRey estava, e o achou só, e pençativo; perguntoulhe
de q está V. A. triste, elRey lhe respondeo, como es parvo, perguntas a hi Rey
de q está triste, trata tu de alegralo q ece he o teu offº, e nad te metas em
quereres saber as cauzas de minha tristeza, m.'º embora disse o Chocarreiro,
e começou logo a querer fazer rir elRey, arremedandolhe m.t:s couzas, e dizendolhe
muitas graças, mas elRey naô sorria; vendo D. Artur q trabalhava debalde disse p.º
elRey, eu estoume desfazendo em graças, e V. A. está m.ºº inteiro e m.tº sezudo
porq entrou com advertencia no jogo, eu o colherei outra hora descuid.º, sahioce
o Chocarreiro daly e entrou no quarto da Raynha, D. Catherina e lhe disse, Srã,
[176] minha mulher morre por ver a V. A., e porlhe bejar a maô, deme V. A. L.“ p.'a
trazer cá esta tarde, a Raynha lhe disse, olgareme de verla, traela muy en hora
buena, sy disse D. Artur, mas V. A. a lhe de fazer m.º: de lhe falar alto porq ella
naô ouve bem; ablare, disse a R.º, e o Chocarreiro lhe bejou a maô pla m.“º, como
elRey acabou de comer se foy p.º sua caza, e disse a sua mulher q se compuzece
porq a Raynha lhe fazia m.e de a querer ver, e q avia de ser naquella tarde,
mas q advirtia q falace à Raynha m.'º alto porã ouvia m.tº mal: tanto q passou
a sesta q era no veraô levou sua mulher ao Paço, e deixoa em huã caza de fora,
dizendolhe q sena bolice daly porã logo tornava por ella p.* a levar a onde a
186

Raynha estava, e se foy ter com elRey q ainda estava sem jente, e lhe disse venha
V. A. por aqui comigo, e ouvira praticar a Raynha com minha mulher hã pouco
de tras de huã guardaporta; foy elRey com D. Artur, o qual como o teve no
[1760] posto tornou a buscar a mulher donde a deixara, e a levou donde a R.º estava
lavrando no seu estrado, acompanhada de suas Damas; entrou na caza, fez suas
cortezias, e disse p.' a R.?, Snrã, aqui vem minha mulher, e sahioce p.? fora,
e foy p.* onde elRey estava; a mulher do Chocarreiro se pos de juelhos, e com vos
m.tº alta, e dezentoada disse à Raynha, como esta V. À.; a Raynha ouvindoa
taô alto virou p.? as Damas, e disse: coutada como no oye piença q tambien nos
otras ho oymos, e falando p.º a mulher lhe respondeo, tambem em alta vos, yo
bien estoi, y bos andaes buena; bem ando, respondeo a mulher gritando, p.º servir
a V. À., e falouce taô alto de parte a parte emquanto a mulher do chocarreiro aly
esteve q celRey a quem elle descubrira a traveçura arrebentava plas ilhargas de rizo:
Veyo a Raynha a saber q a mulher de D. Artur naô ouvia mal e q elle fingira
[177] aquilo tudo, imaginando q o fizera em, desprezo seu tratou de o mandar açoutar
pla rua nova, mas elRey fes q se 'decemulace com isso, e entretanto passou à
Raynha aquella paxaô com q andava contra o Chocarreiro, q daly em diante andou
mais acautelado em suas graças com as pessoas reaes.

CXVII

um jogo de primeira com o Imperador Carlos V]


[De como Rui Gomes ganhou

Fran. da Silva S.º* do Morgado da Chamusca, e Ulme, viveo nos Reynados


dedRey D. M. e D. Joaô o 3.º, e alcançou ainda os prencípios delRey D. Sebastiaôd 108,
Cazou com D. M.º de N.': £.º de Ruy Telles de M.'s S.º de Unhas, e Comendador
de Ourique, de q ouve Joaõ da Silva, o qual sendo cazado com D. Anna Sirne f.?
de M.! Sime o Velho S.* de Agrela, morreo sem fºs de huã cabeçada q lhe
deu hã cavalo; ouve mais a Ruy Gomes da Silva, e a Fernaô Telles de M.º ca D. Joanna
Henriã q foy 2.º mulher de Fran. de Az.ºº S.ºr da Ponte do Soro, e Alcayde Mór
de Cintra, e a D. Catherina da Silva q cazou com Ant. de Saldanha Comendador de
Saô Joaô da Pisqueira da ordem de Xpô, e a D. Lourença de N.'* q cazou com
Bern.%º Monis da Silva o de Thomar, Comendador das Olayas da d.º: ordem e outras

vs M. em 1566.
187

[177] freiras no Mostr.º de S. Clara de Santarem Viveo Fran.“ da Silva m.tº tempo na Cha-
musca aonde sustentou sempre grande caza de criados; tinha Capella de Musicos,
e algiis lhe sahiaô taô bons G folgava elRey de se sirvir delles, na sua, quando
Fran. da Silva por lhe fazer serviço lhos mandava: Sendo ja velho, e viuvo,
galanteava na Chamusca hu moça bem assombrada, mas de humilde nacim.*º, e era
taô publico o galanteo G seus £ºs Joad da Silva e Fernaô Telles, q entaô estavad
na corte, se foraôd de industria à Chamusca som.'* a estranhalo: quando lhe
lembraraô q aquelles amores lhe naõ eraô decentes, antes por indignos de sua
pessoa, ainda mais de sua idade, eraô mormurados aonde quer q chegava a noticia
delles; lhes respondeo, como sois tolos, eu ainda sou vivo,se nad galantear D.es
(que assi avia nome a mossa) p.º quem eide por hi manteo de abanos. Seu
fo 2.º Ruy Gomes da Silva 10º, sendo ainda de pouca idade se foy com a Emperatris
D. Izabel £.: delRey D. M.º! e mulher do Emperador Carlos 5.º p.: Castella q o
levou por seu moço fidalgo: foy Ruy Gomez crecendo, e crecia juntam.t* com elle
[178] hã gentil n.! q tinha, q o fazia digno, e merecedor de grandes couzas, porã era de
juizo m.'º claro, e alegre converçassaô, brando de natureza, pouco ambicioso, de
menos cobiça e nenhuma enveja, m.'º homem de corte, e m.to largo de condissaô;
elRey D. Phelipe o prudente, sendo Princepe se lhe afeiçoou de man. G algiis
senhores de Castella sofrendo mal entregarce tanto o seu Princepe a pessoa do R."º
estranho, procuraraô devirtilo de Ruy Gomes, advirtindo ao Emperador seu pay
q naô convinha à o Princepe lhe mostrace tanta afeiçaô, dandolhe p.? isso algumas
razões q parece deminuhiad na pessoa de Ruy Gomes, e merecim.tºs della; e o
Emperador fes a mesma advertencia ao Princepe, estranhandolhe m.to àfeiçad G a
Ruy Gomes tinha, porã as mostras q della dava, 2.º lhe tinhad d.to eraô taes q
parece o naô deixava elle livre p.º querer couza q encontrace o parecer de Ruy
Gomes, o q nos Princepes vinha naô so acazo a grandes danos em ordem ao governo
de seus vassalos, mas tambem a ser grande a inominia sua, pois se faziad servos
por vontade daquelles de quem por nacim.'º eraô senhores: passados algiis dias
[1780] depois desta advertencia, se achou o Emperador huã tarde enfadado, e quis jogar
a prim.”, jogo q naquelle tempo se uzava m.'º, estavad algiis senhores na caza,
e entre elles Ruy Gomez, quis o Emperador fosse elle hii dos quatro q jugaçem,
avia na menza restos de grande concideraçaô, em huã maô envidou Ruy Gomez nas
duas com 37. encontrados; forance os dous a baralha; teve o Emperador dezencontrado,
e revidou o resto q Ruy Gomez teve; derance as cartas, vio o Emperador logo as
suas, e achou q tinha primeira; lançoa na menza, com grande festa p.: Ruy Gomes,

109 Rui Gomes da Silva (15172-1573) já em 1553 goza de grande favor junto del-Rei Filipe II.
188

disendo, gane Ruy Gomes, gane: foy Ruy Gomes vendo as suas cartas, e veyolhe o
seis de trinta e sete em q hia, e fez o masso, com tudo vendo q o Emperador
estava ja empenhado no gosto de ganhar aquella maô, ainda q ella importava m.º
com q estava de cuidar q tinha ganhado, se meteo na baralha com o masso; gano
V. Magestad, acabou o jogo: No dia seguinte estando o Emperador comendo,
[179] disse p.: os sircunstantes G lhe acistia a menza; buena mano fue aquella q ayer
gane a Ruy Gomez; hã fidalgo q avia estado de tras de Ruy Gomez, e lhe avia
visto o jogo, e dera fé do masso, com que se metera na baralha, respondeo ao Empe-
rador, dizendo, fuera buena sefior se VMg.º la ganara; como (tornou o Emperador)
no la gane, no esse* premera, es verdad (respondeo o outro) q VMg.! esso**
premera pero Ruy Gomes tenia el masso; pues se tenia el masso (disse o Emperador)
como no le echó en la mesa y se metio en la baraja; el masso le vi yo (responde
o fidalgo) el no descobrilo pienso yo aver cido no querer quitar a VMg.º el
gusto q en se no tener de aver echo primera; pensando con ella aver ganado la mano:
Acabou o Emperador de comer, e tanto q vio ao Princepe lhe disse, hijo haced cazo
de Ruy Gomez & es hombre para esso: e o Princepe lhe bejou a maô plo d.tº: teve
Ruy Gomes tanto lugar na vontade do Princepe q como o Emperador se recolheo,
e o Princepe ficou governando toda a Monarchia, Ruy Gomez era o q fazia, e mandava
tudo, mas foy taô fidalgo, e tad dezentereçado em seu valim.'º q os requerentes em suas
[1790] pertençoês, o tinhaô e respeitavad mais por pay q por valido; clRey o fez seu
Camareiro Mor, e Contador Mór de Castella q saô of.º* de grande rendim.*º; deulhe
Título de Princepe de Ebola, e de Duque de Patrana e o hia fazendo Sôr de
tudo o q vagava p.º* a Coroa, o q Ruy Gomes aceitava porã sabia q esse era o
gosto delRey, porem uzando depois de sua N4 fidalgia, mandava passar a provizad
da m.“ ou na pessoa do fº do morto, por quem a couza vagara, ou quando o
naô tinha na daquelles q por seus serv. a merecia melhor, e em razaô disto era
chamado de todos, naô Ruy Gomez, mas Rey Gomes da Silva, porque o N.! seu
mais era de Rey q de vassalo, e q. a provizad hia asinar por elRey, dizia clRey
ao Secretr., yo no hise*** m.e desto a Ruy Gomez pues como esta provision en
hulano se ha passado, huã ves lhe respondeo o Secretr.º, sefior el Princepe
Ruy Gomes es como el tocino el qual por mas sal q le echem toma solo lo q le es
menister para su templança, disse entaô elRey, pues porã yo conosco la templança
[180] de Ruy Gomez por esso le echo tanto sal: disse Ruy Gomes a elRey, no me aga

* Entende-se «hice em espanhol.


*k* Entende-se «hizo», em espanhol.
*kk Têse «hiso» no Ms.
189

VMg.º tantas mercedes, porã me hara con esso aborrecible a los hombres, lRey
lhe respondeo, yo hago lo q me pide la afficion q os tengo, y por mas q ella vos
aga aborrecible vos os sabeis muy bien aser amable: Saindo elRey hã dia de
veraô arrecrear-se a caza de campo, depois de comer se recolheo a dormir a sésta,
e Ruy Gomes a foy passar só a hã sotaô encostado em huã cadeira, acordou elRey,
chamou, acudiranlhe, perguntou por Ruy Gomez, diceranlhe & fora so passar a
sésta aquelle sotaô; levantouce elRey, e só se foy logo lá, e entrando na caza se
foy à cadeira onde Ruy Gomes dormia e bolindo com ella p.: o despertar, acordou
Ruy Gomes, e em acordando levou de hã punhal & tinha na sinta, ainda mal
desperto, dizendo, quien es; elRey lhe respondeo, soy yo Ruy Gomez, quereis me
matar; no sefior (disse Ruy Gomes) quisera clavar la rueda porã no diera mas
[180v] bueltas: devulgouce este dito de Ruy Gomes, e a historia delle, e foy m.'º selebrado
nas cortes de Castella e Portugal, e com m.'* razaô, porã parece naô podia a furtuna
levantar mais hã vassalo na roda do amor e afeiçaô de seu Princepe & chegar ece
Princepe ahy por sy mesmo a despertalo do sono, por naô fiar da dilig.º alhea a
preça com q o desejava prez.'s, plo q justamente podia temer da tal roda q
qual quer outra volta q deçe seria mais dezandar de novo, q andar de novo:
Cazou Ruy Gomez com D. Anna de M.s:, e de la Cerda Dama de Palacio
q com hi olho menos, em cujo lugar trazia outro de prata foy o assombro da
fermozura daquelles tempos; era esta s.'2 filha unica de D. Di.º de M.s: Conde de
Melito, & fora f£.º daquelle grande Cardeal de Toledo D. P.º Gonçalles de M.“* jrmaô
do Duque do Infantado, avido em D. Meçia de Lemos f£* do 8.º da Trofa em
Portugal q fora a Castella com a R.º D. Izabel m.r 2.º delRey D. Joad o 2.º
e may da R.º Catholica por Dama sua; naô mostrou elRey ter gosto do cazam.'º de
Ruy Gomes, mas ainda assim lhe honrou seu sogro com titº de Duque de
[181] Francavilla [2], o qual Ducado por sua morte veyo a herdar Ruy Gomez, juntam.te
com o Condado de Melito, e posto & gozaçe de todos os tit.ºs q temos d.*o, nas
suas cartas mecivas nunca uzou algii delles, eu vy m.':s q escrevia a sua Jrmaã
D. Joanna Henriã* m. de Fran. de Az.ºº em poder de Simaôd Correa Baharem
seu sobr.º, as quais firmava todas por este modo, Servidor y buen jrmano de V.M.“
Ruy Gomes da Silva: Vivia ainda seu pay Fran.“ da Silva em Portug, e fazia o velho
nas converçações dos parentes e amigos, galanteria da valia do £º, e dizia, querem
Vs.Ms. saber couza he o mundo, he tal q o manda e governa Rodrigo: Mandou]
o elRey D. Phelipe a elRey Dom Seb." seu sobrinho sobre matr. de m.'* impor-
tancia; trouxe Ruy Gomes grande acompanham.'º, e recebeo delRey D. Seb.im mta
honra; poucos dias depois de sua chegada o mandou elRey chamar por hi correo
a grande pressa; bejou a maô a elRey D. Seb.m, e se voltou a Castella pla
190

Chamusca aonde seu pay estava, p.! lhe bejar a maô; depois de chegado a Castella
morreo o d.'º sey pay, por cuja morte veyo a herdar cá em Portug.!, por seu Jima
[1810] mayor Joaô da Silva ser falecido ja, o Reguengo de Nespereira, e o Morgado de
Orgens junto a Vizeu, com os lugares da Chamusca, e Ulme termo de Santarem, os
quais elRey D. Seb.:m lhe fez logo Villas, assinando lhe termo cada huã por sy;
toda esta faz.da administrou cá emquanto elle viveo seu cunhado Fran.“ de Az.'o:
Estudava Fernaô Telles jrmaô de Ruy Gomes em Coimbra; foy opozitor ao Colegio
real de Sa Paulo, e perdeo a beca, do à se deu por taô injuriado & deixou a Un.ºs,
e com animo de naô viver mais em Portugal passou a Castella; disse a seu jrmaô o
à lhe acontecera, e o prepozito q levava q elle quizece darlhe por la algú remedio
de vida; Ruy Gomez o levou a bejar a maô a elRey, e lhe disse, aqui tiene VMg.!
mas hun bassalo: es hun hermano mio. Viene de Portugal huyendo a huna afrenta
q le an hecho las letras en la Un.º de Coimbra y no piença bolver alla por la bengança;
entaô lhe contou a ocaziad de sua ida; elRey lhe respondeo, huelgome de verle,
estease en Vuestra casa por my cuenta q presto le daremos de comer; naô passou
[182] m.'º tempo, quando passou desta vida o Marques de Tavara, deixando huã f.*
herdeira daquelle Estado, o qual hé no Rn.º de Cecilia, e val 30U. cruzados de
renda em cada hi anno; mandou elRey senificar a seus parentes q levaria gosto
de q ella cazace com hã jrmaôd do Princepe Ruy Gomez; vierad todos nisso de
boa vontade, assim por aquella ser a delRey, como tambem por ficarem aparentados
“com a caza do d.tº Princepe, e por este modo veyo Fernaô Telles a ser Marquez
de Tavara, o qual estado elle logrou pouco tempo porã foy Ds servido levalo p.º
sy brevem.*s, deixando a Marqueza sem £.ºs, a qual cazou por sua morte com L.co
Telles da Silva primo com jrmaô do Marques defunto seu marido £.º de seu tio
Bras Telles de M.ºs, em cuja decendencia se concerva a caza e Marquesado de Tavara:
Ouve Ruy Gomes da Princeza D. Anna sinco £º varoês e huã fa, o £º mayor
herdou toda a caza de sey pay, q se concerva hoje em seus decendentes; o 2.º se
chamou D. Diogo da Silva, e teve huã comenda grande na ordem de Alcantra,
à seu pay nomeou nelle; cazou com a £º do Condede Salinas, e Ribadeo herdeira de
[1820] seus Estados, a qual morreo sem lhe deixar sucessaô, por sua morte cazou com
huã jrma da Condeça defunta 3 lhe sucedeo na caza, e ouve della hã £º por nome
D. R. da Silva Sarm.ºº, e Vilhandrafnjdo & hoje he Conde de Salinas e Ribadeo;
e he mais Duque de Jrar no Rn.º de Aragaô, por ser cazado com a Duqueza
proprietaria daquelle estado: Ao d.tº D. Diogo da Silva seu pay mandou elRey
D. Phelipe 3.º de Castella por VizoRey e General da soldadesca castelhana a este
Rn.º de Portugal, e lhe fez m.“e do tit.º de Marques de Alanquer com o senhorio
da mesma V.º, do qual seu filho por sua morte tambem gozou emqg.º este Rn.º
191

esteve sogeito a Castela: o 3.º fº de Ruy Gomes se chamou D. Fran.e da


Silva, e foy Marques de La Elizeda: o 4.º ouve nome D. Ps Gonçalles de M.“3, foy
religioso * na observancia do Seraphico P.º Sad Fran.ºº, e depois de aver sido Comiss.º
g na familia Sismontana foy feito por elRey D. Phelipe 3.º de Cast.i Arcebispo de
Saragoça, e agora o he de Granada, sendo elle ainda m.'º mancebo lhe disse hum
[183] dia o mesmo Rey D. Phelipe, fray P.º Gonçalles yo os quiziera haser Obispo,
pero diseme q sois moso, e elle respondeo, quanto desso Sefior cada dia me voy
emendando, o ultimo f£º de Ruy Gomez se chamou tambem Ruy Gomes como
seu pay, porã foy posthomo, nacendo depois delle morto, e teve tit.º de Conde
de Galves: a filha ouve nome D. Anna da Silva, cazou com D. Affonço Peres de
Gusmad o bom Duque de Medina Sidonia, e foy Avó da Raynha D. Luiza de
Gusmaô mulher delRey D. Joaô o 4.º de Portugal: morreo Ruy Gomez no amor
e graça do mesmo Rey D. Phelipe o prudente, sem deminuissaô da m.** valia q sempre
com elle teve, e sua morte foy m.'º sentida de toda a sorte de gente, couzas ambas,
e cada huã dellas por sy raram.'* ou nunca acontecidas, em semelhantes pessoas,
elRey como perdeo Ruy Gomez naô ficou mais de outrem o lugar q elle
lhe dera em sua graça, e dahy em diante viveo, e morreo sem valido.

CXIX

[De um fantasma que entrou numa torre e da luta que houve]

Joaô da Silva S.ºr da Chamusca, e Ulme, foy Avó do Princepe Ruy Gomez
[183v] de q agora acabamos de falar pay de seu pay Fran.“ da Silva, e foy cazado 3. vezes,
a 2º m. de q som.'* ouve £ºs, e foy may do d.tº Fran.º da Silva: se chamou
D. Joana Henriques, e era £º de D. Fern. Henriã S.º: das Alcassovas: Vivendo
Joaô da Silva hum veraô com ella no seu Morgado de Orgens junto a Vizeu lhe
aconteceo o cazo seg.'s. Estando elle ja huã noite lançado na cama em huã Torre
alta donde dormia por razaô das calmas, e com huã janela da mesma Torre
aberta, estava D. Joanna em huã caza debaixo aonde tinha o seu estrado, sentada nelle,
com hii bofetinho diante, e nelle huã vella aseza rezando por hã livro, e estava só
sem ninguem porã tinha [saído] a gente de sua caza' toda, actualm.te ceando,
estando D. Joanna assim só rezando, sentio sobir por huã escada 3 de huã logea vinha

* Lêse «reliogo» no Ms,


192

dar naquella caza onde ella estava, e levantou os olhos p.* ver quem vinha, vio
entrar pla porta dentro huã Fantasma de notavel grandeza toda cuberta de orelhado,
a qual sem fazar cazo algã della encaminhou por outra escada q hia dar na
[184] Torre aonde Joaô da Silva jazia ja na cama dormindo, vendo D. Joana q a Fantasma
hia buscar seu marido, tomou a vella em huã maô, e o livro na outra, e com coraçaô
seguro e mais q varonil se foy andando apos ella, e em sobindo p,la escada da Torre
levantou a vos, é falando com elle disse, Senhor acordai q vay a vos huã Fantasma,
nad temaes Senhor q he Fantasma, ao falar alto de D. Joanna, acudio a sua
gente e achoula] ainda sobindo a escada apos a Fantasma, as pessoas q tiverad
valor sobiraô com ella, as q tiveraô medo tornaraô p.º tras, quando a Fantasma
chegou asima ja Joaô da Silva estava desperto, a Fantasma em o vendo se arremeçou
logo a elle, e elle a esperou em pé em camiza sobre a cama, e andaraôd m.'º grande
espaço de tempo a braços, estando prezentes D. Joanna e as pessoas q com ella
sobirad as quais chamavaô plo nome de Jhs, e D. Joanna alentava o marido dizendo
& nao temece, athe q a Fantasma falando com elle lhe disse em vos clara e
intelegível q todos os q estavad na Torre ouvirad m.to bem: Eu trabalhei quanto
[1847] pude por te trazer p.? a janella porã te queria lançar della abaixo, mas essas reliquias
q trazes ao pescosso te valeraô, e mo impidirad: porem ja q eu naô pude fazer o q
detriminava, eu te deixarey hã sinal q te fique emquanto viveres, e dizendo isto lhe
deu huma unhada no toutiço, e foy correndo com ella plas costas athe hã
calcanhar, deixando o todo escabado como hã savel, e vatou pla janella fora,
Joaô da Silva cahio sobre a cama como morto sem dar acordo de sy, D. Joanna
mandou logo ao Mostr.º de Saô Fran.“ seu vizinho buscar hã confessor e a Vizeu
Medico, e Serugiaô, e como elle esteve p.? isso lhe disse, q aquilo eraô avizos do
Ceo 3 olhace como vivia, q aly mandara vir confessor, q se confessace m.*º bem,
tratace de sua alma, e se puzece bem com DS, felo assy Joaô da Silva & parece
naS andava entaS em m.'º bom estado: curarano da unhada, sarou della, mas
sempre viveo com sinal como test.º do q lhe acontecera, e avizo p.º olhar como
nome
vivia: esta historia contava a mesma D. Joana Henriques a sua neta do mesmo
[185] mulher de Fran.º de Az. S.er da Ponte do Soro que a refiria a Simaô Correa
Baharem seu Sobr.º de cuja boca eu a ouvi algumas vezes, o d.'º Simaô Correa em
comp.! do d.'º Fran. de Azio passou hã veraô na mesma quintade Orgens aonde
a historia aconteceo, e vio a Torre aonde Joaô da Silva andou abraços coma Fantasma,
e a janella por onde ella o queria lançar. =
193

— CXX

- [De como El-Rei D. Sebastião aprendeu a Jogar cartas] 110

— D. Aleixo de M.º Ayo à foy delRey D. Sebastiaô, de q atras he feita larga mençaô,
sendo o d.º Rey ainda moço, e estando huã noite de inverno enfadado, quis
passar duas horas della em jugar algú jogo de cartas, com outros moços fidalgos de
sua idade, e criassaô, e porã entad o q mais se uzava era a primeira no qual os outros *
eraô ja mestres, elRey naô começava ainda a ser decipolo, disse
p* o Ayo, quero
Jagar a prim.”: porq a naô sei jugar, e vos me ensinareis, veyo D.
Aleixo nisso,
estava de tras delRey e ensinava-o, teve q fazer, chamou hã moço fidalgo
q tambem
sabia jugar, e estava vendo de fora, e polo em seu lugar p.º q encinac
e a elRey em
[1857] quanto clle faltava: foy D. Aleixo, e tornou: quis o moço q elle deixara
ensinando
a elRey tirarce do posto, e Dom Aleixo lhe disse q fosse contenuando; ensinava O
moço, e D. Aleixo via; plo descurço do jogo atentou D. Aleixo q elRey
plo consº.
do mestre q lhe dera, naô envidava, nem tinha, senaô com Jogo
m.*º seguro: disse
entaô p.º o moço, fidalgo, arredaivos p.* la q eu deixeivos ahy
de tras delRey p.
o ensinares a Jugar, mas naô para o ensinares a ganhar, |

CXXI
[De um enforcado que surpreendeu quem o sentenciou]

Vivendo elRey D. Joad o 3.º em Evora com a Raynha D. Cather


ina estava la
toda a corte; e tambem o Regedor Joad da Silva com toda a caza
da Suplicaçaõ,
e lá se julgavad todos os feitos siveis, e crimes, q pertenciad a d.':
caza: Vivia o
Reg.%or com sua caza em huã guinta fora da Cid. q lhe foy dada de
apozentadoria;
della hia plas menhas à Rolaçaô, e se ficava jantando na cid.s, hia nas
tardes ao Paço,
e algumas noites acistia à meza delRey, e depois de tudo isto se voltava
a dormir
[186] a sua quinta; sentenceouce huma menhaa na Rolaçaô hã homê
à morte, e foy
enforcado na forca da Cid.s, naquela noite se deteve o Reg.
em Evora de man."
q quando se ouve de recolher a sua caza era Ja tarde; posse a cavalo
elle e hum criado
seu 9 lhe levava o Bastaô, e sem mais outra comp.* se sahio de
Evora; era o seu caminho
por junto ao Chafaris q chamaô dos Bravos, e-delle olhando p-* o lado esquerdo se

tio Cf. Supico de Moraes, Collecçam política, H, 132.


* Repete-se a palavra «outros» no Ms.
18
194

p.* o criado & hia


diviza a forca; indo assim o Rg.ºr e pondo os olhos nella disse
criado p.* a forca
atras, eis la está pendurado o homê q hoje enforcamos; olhou o
e a poucos passos
e vio estar o homê enforcado nella; foy o Reg. andando
do;
olhando outra vez o criado p.º a forca lhe disse, 8.º ja la naô vejo o enforca
fazia
parou o Rg.%*, e olhando tambem p.º a forca e firmando bem a vista nella (porá
ia
luar claró), disse p. o criado, nem eu o vejo ja la, por ventura q lhe quebrar
, e dahy a hã
o baraço, e cahiria no chaô, e nad deve ser outra couza: foraô andando
credo tornou o criado a olhar p.º a forca, ja todo desmayado disse p.* o amo, Senhor
vinha p.º
[1860] eis cá vem o enforcado a correr; olhou o Rg.%s, e vendo à o enforcado
elle correndo; apertou as pernas ao cavalo e lançou tambem a correr a rredea
e abraçandoce
solta mas o enforcado se pos em breve com elle, e saltandolhe nas ancas,
r com justiça,
por detras com elle, disse, agora sabereis se me mandastes enforca
do
ou sem ella; o criado vendo o enforcado cavalgado nas ancas do Rg.ºr, vencido
o
medo cahio do seu cavalo abaixo, e aly ficou morto; o cavalo do Reg.dr sentind
correr; naô
em sy o pezodo enforcado bufando sé pos brevem.'* em caza a todo o
perdendo o Rg.º: o animo antes chamando plo nome de Jhs q lhe valece, a gente
ada
de sua caza q estava ja esperando por elle com tochas prestes, ouvindo a estrope
quinta
do cavalo as asenderad logo e saindo com ellas a esperalo ao pateo da
virad entrar o Reg.” som.'* com o enforcado nas ancas; O cavalo parou aonde
varas verdes;
[187] elle sempre custumava a descavalgar todo suado, e tremendo como
estava
os criados espantados do q viaô se chegaraô a elle p.* o decerem do cavalo, e
m.tº
o enforcado taS aferrado nelle & nunca puderad tiralo da sella; depois de
chamar plo nome de Jh foy DS servido q o enforcado o deixou, e se foy embora,
ficou tal, e taô moido, q depois de o decerem do cavalo se nad podia
o Rg.%
ter em pé, e nos braços e levaraô a lançar na cama, aonde esteve m.*º* dias, e
m.tº mal, procurou logo p,lo criado q vinha com elle, e mandou à fosse pjlo mesmo
em sua busca; forad e acharano morto na estrada, como dissemos assima.
caminho

CXXII

[De um furto na forca de Santa Bárbara e de uma viagem a Roma] !!!


* Estando D. Joaô da Silva 2.º Conde de Portalegre ceando huã noite nas suas
se moveo a sua meza pratica de medos, e
cazas da Ribr.? na Cid.º de Lisboa,
contaraS algumas historias de homens q em algumas ocazioês m.'º medonhas

111 M. em 1551.
195

mostraraôd grande coraçaô, vencendo todo o pavor, e medo q a carranca dellas fazia,
[1870] ainda ha homens m.!º valentes: aviace naquela menha enforcado hã homg na forca
de S.t2 Barbora; falouce q bem mostraria naô ter medo quem aquellas horas (% ja
deviaô ser as onze) se atrevece só sem comp.º a hir cortar huã pequena da alva
daquelle enforcado; quiz o Conde saber se aviria em sua caza homê q tal quizeca
cometer; propos p.º isso serto preço, nenhã dos sircunstantes ouzou àceitar e
empreza; sahio hfi pagem, e achou acazo hii lacayo na salla, ao qual disse o 7 o
Conde prometera a quem tivece tanto animo % aquellas horas fosse a forca de S.':
Barbora cortar huã pequena da alva do homê & estava enforcado nella, o lacayo lhe
perguntou se sahira alguem ao d.'º Conde, respondeulhe o pagem & naô; disse o
lacayo entaô pois eu irei se o Conde me der isso q promete; tornou o pagem p.º
a meza, e disse ao Conde, S.º:, diz fulano & se VS. está ainda pla promeça q elle
irá, mandou o Conde chamar o lacayo e lhe perguntou se se atrevia a hir aquellas
[188] horas aonde o pagem tinha d.t, e respondeoo lacayo à sim, lhe disse o Conde q
avia trazerlhe aly o pedaço da alva do enforcado, e ã p. saber a verdade o avia
mandar fechar em huã caza como viece, ate mandar saber pla menha sedo à
forca se faltava la na alva o retalho q elle trouxece; o lacayo disse p.* o Conde q
mandace sua S.º fazer todas as dilig..s q fosse servido; e tomando a sua capa,
e espada se foy só à forca de S.t: Barbora, abrio a portinha, sobio a escada, cortou
com huã tezoura & p.º isso levava hã retalho da alva do enforcado, e o meteo na
aljubeira, e sem sentir pavor algã em seu coraçaô se tornou a decer e a sahir com grande
animo, pla portinha por onde entrara, e indo andando plo campo que vulgarm.'*
sé chama da forca vio diante de ssy huma mula em osso, solta, como que fora
aly lançada de amejoada p.* tomar os orvalhos da menhaa; em a vendo disse com
sigo, ja que tu ahy estás naô me eide eu cançar em hir por meu pé se me tu
[188v] aguardas; dizendo isto se chegou à mula, a qual naô bolio com sigo, tirou entad do
sinto e fazendo delle cabresto lho lançou ao. pescosso, e se pos em sima della, a mula
tanto q o sentio emsima de sy, se pos a caminhar com andadura taô apreçada,
e taô espantoza, q o lacayo assy pela viloçidade do movim.t, como tambem pla
escuridade da noite naô podendo firmar a vista, naô percebia os objetos, nem sabia
por onde a mula o levava, nem tinha o pençam.'º em outra couza mais q em
naô largar o sinto 7 ao pescosso lhe tinha lançado, ao qual hia pegado com ambas
as mãos, e punha nisso alem do cuid.º todas suas forças; foy amanhecendo, e posto
q a luz da menha lhe pudera ja descubrir terras q estranhace, com tudo, nem o
arrebatado andar da mula lhe deixava obrar os sentidos, nem o trabalho grande
em se sustentar em sima della, a q hia todo aplicado; lhe deixava o entendim.to
livre p.* cuidar em outra couza: Foy o dia entrando mais, ea mula andando
196

[189] menos; pode elle entaô devizar q caminhava por huã estrada larga naô conhecida
delle em comp.? de m.'* gente cuja lingoa naô entendia, p. huã cidade grande,
de eedifíçios nobres, na qual levava o rosto, e se lhe hia ja avizinhando m.'s; tanto
q chegou a ella, perguntou q cidade era ao pr. homê q se lhe ofereceo diante,
o qual acertou de o entender, e lhe respondeo-q era a Cidade de Roma, m.'º
espantado de ver q hum homg em huma mula em osso, q elle governava com
o seu proprio sinto, sinaes por se deixava entender q naõ devia caminhar de
m.'º longe, naô conhecia a Cid. p.: onde caminhava, estando nella: ouvindo o
lacayo dizer q era Romia aquela terra em q estava, bem q alcançou q mula era
a q o trouxera a ella, em taô breve espaço de tempo, porem sem se turbar couza
alguma, perguntou ao mesmo p.* onde morava o Cardeal Silva: Era este Cardeal Dom
Miguel da Silva !!2, o q sendo Bispo de Vizeu, e escrivad da puridade delRey
D. Joaô o 3.º empetrou o Capelo de Cardeal, naô sendo por ordem do mesmo
[1890] Rey, plo 3 foy por elle desnaturalizado deste Rn.º, e lhe foy forçado viver na corte
de Roma: era £º de D. Di.º da Silva p.”” Conde de Portalegre, e irmaô do
d.te Conde D. Joaô; e sendo o d.tº lacayo informado plo homê a quem o perguntara,
da parte aonde o Cardeal vivia naô faltou quem o guiace p.º lá; chegado enfim
ao seu Palacio descavalgou da mula, e deixandoa no terreiro solta, sobio assima,
e mandou dizer ao Cardeal q estava aly hi criado do Conde seu jrmaô; alegrouce
o Cardeal m.'º porã naô tinha novas do Conde senaôd as q lhe levavad a caza os
portuguezes q em Roma acistiaô se acazo de cá lhe hiaô nas suas cartas: porquanto
tinha elRey D: Joaô mandado 3 nenhum vassalo seu lhe escrevece, nem tivece algii
comercio, ou correspondencia com elle, inda q fosse seu propio jrmaô, sob pena de
ser tambem. desnaturalizado do Rno.; mandou o Cardeal logo q entrace, e recebendo
o com grande. prazer, e alegria, lhe perguntou plo Conde seu jrmaô, e pla cauza
de sua ida a Roma; o Conde meu 8.º (respondeo o lacayo) deixei eu esta noite
[190] com mui boa saude nas suas cazas da ribeira de Lisboa; a cauza de minha vinda
a esta corte Romana foy esta: contoulhe entaô o modo com q aly fora, e pedio
m.to ao Cardeal quizece escrever ao Conde porã se avia de partir logo; o Cardeal o
quis devirtir disso; mas vendo q estava detreminado a partirce lhe mandou dar de
comer, emquanto elle escrevia; como o Cardeal escreveo recebeo o lacayo a carta,
e decendo abaixo achou a mula no lugar onde a deixara; lançoulhe o sinto ao
-
pescosso, e se tornou a: por em sima della, e se partio de Roma, caminhando com
a mesma vilocid. q dantes; chegou a Lx.º das des p.º as onze da noite, descavalgou
da mula ( logo dezapareceo) e entrando plo pateo do Conde sobio à salla; o Conde

112 N. em 1480, m. em 1556.


197

e toda a gente de sua caza vendo q o lacayo naô tornara estavaô espantados, his
dizendo 3 saltariaô com elle ladroês e q o matariaô, outros 3 algã Alcayde q o naô
conhece por criado do Conde o prenderia por depois do sino, e levaria ao tronco,
mas huã contra couza so fora, se avia logo saber: o Conde tinha p.: sy, q o Vilaô
[190v] ouvera medo, e & receando alguma matraca da gente de caza naô ouzara tornar a
ella; estando todos nesta confuzad sobre o q ao lacayo averia sucedido; eis q entra
elle pla salla, os pagens q nella estavaô, vendoo entrar foraS com. grande alvoroço
dizelo ao Conde à estava posto à meza ceando; o Conde. o mandou entrar e lhe
disse, pois q foy isto, como naô viestes onte p.º caza, como avia vir eu onte
(respondeo o lacayo) se eu ainda agora chego de Roma; era o lacayo homê dezidor,
e q tocava de Chocarreiro, e deu a todos com a reposta matr. de grande rizo;
o Conde lhe tornou dizendo, se vindesde Roma dizeinos o & vay por la; o q por -
la vay dira aqui a VS. o Cardeal da Silva; q eu poderei dizer q deixei a sua S.º
Illustricima com muy boa saude, e tirando: daljubeira a carta do Cardeal 3 trazia p.?
o Conde seu jrmad, a bejou, e a deu em sua maôd propria; aqui seçaraôd as
zombarias, e os rizos se converterad em espantos, porã todos em o Conde conhecendo
[191] a letra do Cardeal ficaraô como pasmados, olhando p.º o lacayo, sem poderem
tirar os olhos delle; o Conde leo.a cartana qual lhe fazia mençaS do d.'º.lacayo
o Cardeal, e como a acabou de ler lhe perguntou quem o levara a Roma, ou
porque modo fora la; contou entaô q depois de cortar o rretalho da alva do
enforcado (ã logo ali mostru) e vindoce ja p.º caza achara no campo da forca huã
mula, e q imaginando seu dono a lançaria aly p.? tomar as orvalhadas da menhaa se
puzera nella por naô tornar a pé, q estava ja cançado, e Ga d.'* mula o levara
naquela norte a Roma sem elle saber por onde, e que vendoce em Roma
perguntara p,lo Cardeal Silva, e lhe dera novas de sua S.º, e q acabando sua Ill. de
escrever tomara a carta, e se tornara a por na mesma mula & o levara, e q ella
o tornara a por em Lx. aquellas horas q sua S.: o mandara entrar; ouvindo isto o
Conde mandou, & pois elle fora à forca e trouxera o rretalho da alva do enforcado,
lhe decem o q elle Conde tinha posto de premio a quem la fosse, e demais disso
[1914] lhe pagacem seu serv.º porã se-naô queria mais servir delle, e ao lacayo disse, botovos
fóra-de minha caza, naô porã fostes a Roma neça mula, q dizeis, senad porã viestes,
dandolhe a entender q de hir naguella mula a Roma com tanta brevid.* poderia
elle naô ter culpa, porem % de tornar nella depois de saber ja q mula era e com
a mesma brevid., não podia deixar de ser culpado. o
198

CXXII |

[De algumas famílias nobres]

O prim.?º Conde de Vimiozo D. Fran. de Portugal foy filho do Bpô de Evora


Dom Affonso, o qual era £.º natural do Marques de Valença D. Affonço, f£º mayor
do prim.'º Duque de Bragança D. Affonço, e foy o Conde cazado de 2.º matrimonio
com hiia filha do S.º* D. Alv.º seu tio, primo com jrmaô do Bispo seu pay, e jrmaô
do Duque de Bragança D. Fern. do nome, da qual entre outros filhos ouve a D. À.
de Portugal, q lhe sucedeo no tit. e caza, e a D. M.º de Portugal; estes dous £.º* se lhe
cazarad ambos em sua vida por amores, D. À.º com huã filha de Fran. Gusmaô
[192] castelhano por nacim.'' Mordomo Mor q foy da Infante D. M.º filha delRey
D. M.º e da Raynha D. Leonor jrmá do Emperador Carlos 5.º, sua 3.º mulher:
D. M.4 com £* de D. Henriã de M.º G.* da caza do Sivel q foy filho 2.º do
Conde Prior; destes dous £ºs quando cazaraô disse o Conde seu pay, q hã delles
o dezonrara, e o outro lhe dezobedecera: do D. A.º G por morte de seu pay
foy 8.º de sua caza e o 2.º Conde de Vimiozo forad £.º* aquelle famozo Conde
D. Fran.º q foy o 3.º em ordem,e o pr.º na grandeza de animo, e outras m.º*
partes naturaes, e acqueridas de q foy dotado do qual falamos largam.t* asima 113,
e D. Luis de Portugal 4º Conde q foy do Vimiozo 3 114 da Condeça D. Joana
de Castro 115 sua m.e: £3 de D. Fern.do de Castro p.º Conde do Basto (com quem
viveo cazado m.tºs annos, e depois de comum concentim.'º se apartaraô a viver reli-
giozam.'* elle na religiaô de Saô D.º, chamado fr. D.ºs do Rozairo, e ella no Mostr.º
do Santis.º Sacram.'º de Lisboa de religiozas da mesma ordem); ouve a D. À.º de
Portugal 5.º Conde de Vimiozo, e p.'” Marques de Aguiar por m.º delRey D. Joad
[192v] o 4.º nosso $.º* caza com filha de D. Xp.“” de Moura p.'º Marques de Castello R.,
e a D. Fern. de Portugal G mataraô os Olandezes em Flandes 116, pelejando em
serv.º delRey D. Phelipe 3.º de Castela, e a D. Miguel seguio as letras, e teve
grao de D.* na faculdade de S.t* Theologia, e na dos Sagrados Canones, q tomou na
Un.ie de Coimbra 117; elRey D. Phelipe o 4.º de Castella o fez Bispo de Lamego; :

113Vide a anedota XLVIII |


114M. em 1637. Segundo Caetano de Sousa, seria o 3.º Conde, visto que seu irmão D. Prancisco,
a quem sucedeu, nunca chegou a sê-lo.
115 Ou D. Joana de Mendoça, como diz Caetano de Sousa (X, 434).
16 A 31 de Agosto de 1621.
17 Aceito a 15 de Novembro de 1619, segundo Caetano de Sousa, (X, 435).
199

elRey D. Joaô o 4.º de Portugal logo depois de sua filice aclamaçaô o mandou a
Roma Embax.º” ao Papa Urbano 8.º dandolhe por elle obidiencia como Rey fiel,
e Catholico; mais de hi anno esteve o Bispo na Curia Romana com grande
caza, sem nunca o d.'º Papa (por respeitos temporaes) lhe querer dar audiencia
como a Embax.º* de Rey; naô quis o Bispo verce com o Papa de outra man.'s,
e fazendo seus protestos, se sahio de Roma, e se veyo a Portugal, aonde estando
ainda em Lx.: sem tornar a sua Igr* o levou D3 p.' sy de huma doença
apreçada !!8: de D. M.“ de Portug.! £.º tambem do p.º Conde D. Fran.eº, e daquelle
[193] seu prim.'º matrimonio foraô £.ºs D. Henriã de Portugal !!º, e D. Joaô de Portugal,
ambos estes jrmaôs por naô desgenerarem de seu pay e do Conde D. A.º seu tio,
cazaraô tambem por amores, ainda q nestes seus amores entrava como motivo pren-
cipal a sua conciencia, porã D. Henriã cazou com D. Anna de Atayde 12º filha
de D. Ant.º de Atayde 2.º Conde da Castanheira, a qual era Dama de Raynha
D. Catherina, e tinha 40 U cruzados de dotte, q naquelle tempo em mulher de sua
calid.* vinha a ser huã grande couza, e D. Joaô com D. Magdalena de Vilhena filha
unica, herdeira de Fran. de Sousa de Tavares, e vinha a ter outro tanto dote
e a ser m.'º grande cazam.'?; ouve D. Henriã de sua m.“* dous filhos e duas £:s;
hã dos filhos se chamou D. M.º! de Portugal, o qual cazou em vida de seus pais com
D. Luiza de Vilhena £º de D. M.4 de Castro S.º* de Fonte arcada, e Comendador
da Redinha, da qual ouve D. Alv.º de Portugal, e Dom Di.º de Portugal, D. Joad
[193] e D. Jorge; este D. Alv.º vivendo em Santarem, mancebo de m.tº boa feiçaS, cazado
com sua prima com jrma f.º de D. Alv.º de Castro S.º* de Fonte arcada, seu tio
jrmaô de sua may, da qual naõ tinha ainda mais q huã so filha, se foy huã tarde
de veraô ao Tejo com seu jrmaô D. Jorge q estudava em Coimbra prezeonista
no Colegio Real de Saô Paulo, e estava entaô aly seu hospede, por se recriárem com
hiis criados seus q cantavaô, e despindoce hã delles p.º se lavar em hã pego alto,
se lançou a nadar, e ou por q naô era bom nadador, ou porq lhe faltou o animo
nagoa, começou a bebela contra sua vontade, e a gritar q se afogava; o outro jrmaô
q estava no batel vestido, vendo seu jrmaô naquelle perigo plo livrar delle levado
da compaxaô natural, sem fazer algum descurço se lançou assim como estava no
mesmo pego, e ambos na agoa ja no mesmo perigo; cada hã tratava de se salvar
pegandoce ao outro de man.': q ambos os jrmaôs abraçados se forad ao fundo, e se |
[194] afogarad sem lhe poderem valer os criados, nem os barqueiros q híis e outros

118 A 3 de Janeiro de 1644.


ti? D. Henrique de Portugal m. em 1625.
120 D, Ana de Ataíde m. em 1627.
200

faziaô toda a diligencia por isso, com grande magoa da gente daquella: Villa aonde
D. Alv.º era m.'º bem quisto, e de toda a outra do Rn.º a quem chegou a noticia
de taô lastimozo cazo !2!: o outro £º de Dom Henriã se chamou. D. Joad de
Portugal, q foy mancebo m.*º briozo q servio m.tº bem pla Coroa deste Rn.º; seus
pays o amavaS m.º; trataraô de cazalo com D. Ant.* de Vilhena £.º de Ant.º Correa
Baharem S.º* do Morgado do Carregado, p.º o q alem do q elle ja posuhia lhe
apricarad mais as suas terças; estando os concertos feitos, e elles ja apregoados p.?
se receberem, adoeceo - D. Joaô e morreo 122: e D. Ant. veyo a cazar depois
com Ant. Correa Baharem primo com jrmaô de seu pay; foy Ant.” Correa
m.tº honrado fidalgo, m.'º estimado, e amado de todos por suas boas partes,
e proceder; ouve da d.t D. Ant.* hãfilho por nome Luis fran. Correa Baharem
q he moço fidalgo do Princepe D: Theodozio filho delRey D. Joaô o 4.º nosso 8.º
e tres £is D. M: Vicenciade Vilhena; D. Paula M.* de M.ss, e D. Luiza de
[194] Tavora 123: as duas £2s do sobre d.te D. Henrique de Portugal foraô, D. Guiomar
de Portugal Condeça da Castr.? 2.º mulher do Conde D. M.! de Atayde, séu tio,
meyo jrmaô de sua may, e D. M.* de Portugal q cazou com D. Luis de Alm.da 124,

CXXIV

[De um casamento que se desfez na última hora].

O sobred.o D. Joadde Portugal £º de D. M.º de Portugal e jrmaô de


D. Henrique naô tendo ainda de sua m.” D. Madalena de Vilhena mais q huã so
filha acompanhou elRey D. Sebastiaô na jornada dé Africa, e se achou com
elle na Batalhã de Alcacer, aonde nem cativou, nem tornou mais a este Rn.º, em
razão do foy julgado por morto; a filha se chamou D. Joana de Portug! e sahio
moça 1.º fermoza, e m.'º entendida, e com outras muitas partes, as quais juntas
ao grande dotte q sua may tinha p.º ella, a fazia hã muy notavel cazam.'º; sua
may com seus parentes a tinha com grande conviniencia cazado com D. M.! de
[195] Portugal mancebo m.*º gentilhomê e m.'º descreto, seu primo com jrmaô £º mayor
de seu tio D. Henrique; ella se cazou por amores, e a furto de sua may, e parentes

121 O acidente foi referido por Caetano de Sousa (X, 473), que lhe dá a data de 5 de Agosto de 1640.
122 Cf Caetano de Sousa, X, 472. e E
123 Cf, Caetano de Sousa, XII, pt. 1, 35.
124 Cf, Caetano de Sousa, X, 472.
201

com D. Lopo de Almeyda % lhe paceava e a quem ella tinha afeiçaô, por este
modo: No dia apontado p.º ella se aver de receber com o d.to D. M.º seu primo,
sahio elle de caza vestido de gala em hã coche, acompanhado de seu pay e parentes,
os quais todos tambem galantes em m.'º* outros coches; hiaô ajudar a festejar
aquelle recebim.'º, q tanto a prazer de todos elles se selebrava; sahio ella tambem
em outro coche acompanhada de sua may, e outras parentes suas; sahio tambem
de sua caza D. Lopo de Almeyda em couche com algiis fidalgos seus parentes,
ao qual D. Lopo ella d.'* D. Joana avizara antes q em todo o cazo se achace prez.'*
aquelle acto, porã com elle se avia de receber, e naô com o outro, era muy sabido
em Lx.º o galanteo q Dom Lopo fazia a D. Joana, e àfeiçao q ella lhe tinha,
prencipalm.te de seu primo D. M.4 de Portugal, porã nunca ella mostrara
contentam.tº quando lho gabavaõd, ou falavad em cazar com elle, e m.'º quando
[1950] asertava de ver a D. Lopo, ou lhe falavaô nelle, hã fidalgo parente de D. M.4 vendo
hir D. Lopo p.º a mesma parte p.º onde elles hiaô vestido de gala, disse p.º D. M.º,
ah 8.º D. M.º vos ides m.'º contente recebervos com vossa prima, pois eu entendo
q inda ella vay m.'º mais contente q vos, porã se vai receber com D. Lopo,
se O quereis ver vestido ao galante como noivo olhay p.: acola; olhou
D. M.l e tanto q o vio entendeu o neg.”, e fez voltar o couche em q hia;
voltarad com elle os outros q o acompanhavaô, indo confuzos aquelles fidalgos seus
parentes à naô sabiaô a razaô da volta; D. Joana estava ja na Igr.: quando entrou
D. Lopo; levantouce ella do seu lugar, e se foraô ambos andando p.' onde estava
o Parrocho, em cuja prezença se receberaô, e se foraô p.º sua caza m.'º contentes;
este contentam.* q D. Joana mostrou q tinha entaô de cazar com D. Lobo [sic],
contra vontade de seus parentes pagou ella depois em m.ts desgostos q com o
[196] mesmo D. Lopo, teve, os quais lhe apreçaraS a morte, q a tomou vivendo mizeravelm*e
em Lisboaem humas cazas à praça da palha, D. Madalena de Vilhena sua may
selebrou segundas vodas com hi fidalgo q fora estudante Theologo e se chamava M.º
de Sousa Coutinho fº de Lopo de Sousa Coutinho o de Santarem 125,

125 Uma nota com aparência apenas genealógica, mas cheia de significado histórico, pois implica
que o coleccionador das Anedotas portuguesas ignorava quem era Fr. Luís de Sousa, que, se não tinha a
fama que a peça de Almeida Garrett lhe deu, pelo menos era conhecido escritor já no século xviT.
202

CRXV:
[De um fidalgo com pés sujos e o que Panasco lhe disse]
No Paço delRey D. Joad o 3.º entrou hi dia hã fidalgo com os pés m.*
sujos, q os tinha m.'º grandes; disse o Panasco (de q ja falamos asima) !26 pudera
VM nad entrar com eçes pés no Paço; respondeulhe o fidalgo, tambem VM.
pudera naô entrar com eça cutilada q tem no focinho taô mal curada; respondeulhe
o Panasco, ficou assy mal curada porge ma deraô em parte donde naô avia surgiaô;
respondeo o fidalgo, naô devia VM. de lhe chegar com a lingoa, com & o
Panasco por ser negro ficou muy embaraçado.

CXXVI

[De como se dá corda a uns relógios desacordados]

No tempo do mesmo Rey D. Joaô 3.º avia Relogio no Paço, e outro Relogio
[196] nos Contos; deu o do Paço des horas, e os dos Contos doze; disse elRey a
D. P.º dAlmeyda, vos vedes a variedade destes relogios nas horas q deraô;
respondeu lhe D. P.º, quer V. A. q este ande serto; dice clRey & folgaria m.*”;
respondeo D. P.º, pois mandeo V. À. por fora do Paço, e logo andara serto.

CXXVI

[Do que se disse na véspera de S. João]


Custumava o mesmo Rey D. Joaô o 3.º em vespora de Saô Joaô naô comer
couza | tocace sangue; perguntou a fulano da Silveira q comeria naquelle dia; elle
lhe respondeo, como V. À. a ponta da espada de fulano q em sua vida [não], tocou
sangue 127, |
126 Vide a anedota 69. Cf. também Supico de Morais, HI, 213, onde a versão mais actualizada
esclarece a agudeza moral para o leitor moderno (setecentista): se quer que fale verdade, mande-o afastar
do paço.
127 Cf Gaspar Pires Rebelo, Novelas Exemplares, II parte (1669), p. 347, onde a essência da anedota
é posta em outro contexto:
«A espada não trazia mortalha, nem sinal de ter morte
algiia: antes cuydo se podia dizer della o que de outra
encareceo hum mantieyro delRey Dom Manoel, ao qual mandando elle
que em certo dia lhe desse a comer cousa que não tivesse sangue,
lançou a mão à espada de hum fidalgo que estava presente,
dizendo desta pode vossa Alteza comer, que nem tem sangue,
nem o tirou niica».
ÍNDICE

DAS PESSOAS E LUGARES PRINCIPAIS QUE SE MENCIONAM NESTA OBRA

ABRANCHES, D. Álvaro de, Capitão de Tanger, 30 Almada, D. Britis de, mulher de Aires Correia
Acis vide Convento de Acis (q.u.), 93
D. Afonso, Bispo de Évora, 198 Almada, Cristóvão de, Provedor da Casa da Índia,
D. Afonso, 1.º Dugue de Bragança, 198 149
D. Afonso, Marquês de Valença, 198 Almada, Fernão Rodrigues de, 149
D. Afonso, Rei de Portugal, 93, 101, 105, 107, Almeida, Álvaro Fernandes de, 93
163, 164, 165 Almeida, D. António de, Contador-mor e filho
África, 29, 44, 47, 50, 54, 55, 59, 61, 68, 75, 91, de D. João de Almeida, 2º Conde de Abrantes
92, 111, 124, 131, 164, 169,200 (g.v.), 120
Aguiar, D. Benta, Abadessa do Mosteiro de Coz, 56 Almeida D. António de, irmão de D. João de
Aguiar da Beira, 53 de Almeida, 2º Conde de Abrantes (q.v.), 119
Alarcão, D. Paula, pai de D. Paula de Vilhena Almeida, D. Dinis de, filho de D. Lopo, 3º Conde
(q.v.), 169 de Abrantes (q.v.), 120
Alba, Duque de, 47-48 Almeida, D. Diogo de, neto de D. João de Almeida,
Albergaria, Lopo Soares de, 3º Governador da 2º Conde de Abrantes (q.v.), 120
Índia, 29 Almeida, Diogo Fernandes de, Alcaide-mor de
Albuquerque, Afonso de, 91 Abrantes, 163
Alcácer-quibir, Batalha de, 32, 54, 58, 62, 111, Almeida, D. Diogo Fernandes de, 6º Prior do
130, 131, 149, 200 | Crato, 92, 164
Alcáçova, Luís de, 89 Almeida, Fernão Álvares de, avó de Lopo de
Alcobaça, 54, 56 Almeida, Conde de Abrantes (q.v.) 164
Alcunhas Almeida, D. Francisco de, 1º Vice-rei da Índia,
o Picassino, 29, 115; o Chorão, 49; o Sujo, 73; 109, 164
o do Sem, 84; 0 Galego, 88; o Grande, 92, 97; Almeida, D. João de, filho de D. Lopo de Almeida,
o Bravo, 100; Filho da Açoitada, 102; 0 Velho, Conde de Abrantes (q.v.), 117-119
111; Panasco, 115; o Brazeiro, 122: o Pru- Almeida, D. João de, 2º Conde de Abrantes, 120,
dente, 125; o Chapeirão, 128; o Doutor da 164
Mula Ruça, 128; o Corcós, 132; o Túbara, Almeida, D. João de, Senhor da Casa de Abrantes,
137; o Vilão, 146; o Corrieiro, 153; o Rico- 130
feitio, 155; o Sacho, 155; os Matapães, 156; Almeida, D. Jorge de, Bispo de Coimbra, 164
o Muchacho, 160; o Capueiro, 169; o Sete Almeida, Lopo de, 1º Conde de Abrantes, 163-164
carapuças, 169; o Duro, 169; o Chiado, 174 Almeida, D. Lopo de, 3º Conde de Abrantes, 117
Alemanha, 106, 107 Almeida, D. Lopo de, filho de D. João de Almeida
Alexandre VI, Papa, 109, 110 (g.v.), 119, 201
Alfama, Bairro de, 117 Almeida, D. Luís de, 200
Algarve, 99 Almeida, Marcos de, o «Corrieiro», 153-155
Aljubarrota, Batalha de, 102 Almeida, Matéus Fernandes de, pai de Marcos de
Almada, D. André de, Decano perpétuo da Uni- Almeida (q.v.), 153
versidade de Coimbra, 158-160 Almeida, D. Pedro de, 202
204

Almeirim, 49, 53, 62, 65, 67, 137, 179 Baharém, António Correia, filho de Simão Correia
Almourol, Castelo de, 149 Baharem (g.v.), 131, 200
Alvalade, 75 Baharém, António Correia, primo de Jerónimo
Alvarenga Rui Gomes de, Desembargador, 29 Teixeira (g.v.), 111, 200
Álvares, D. Fernando, Camareiro-mor, 47 Baharém, Francisco Correia, filho de Simão Cor-
Álvares, Fernão, Tesoreiro-mor, 63 reia Baharem (q.v.), 131
Alvito, 64 Baharém, Luís Francisco Correia, Moço Fidalgo
Fr. Amadeu [João de Meneses da Silva no século do Príncipe D. Teodósio, 200
(g.v.)], 107-109 Baharém, Manuel Correia, Senhor do Morgado do
Amaral, Belchior do, Desembargador do Paço; Carregado, 96, 114, 123, 128, 130
181-182 Babarém, Reino de, 94
D. Ana, mulher de Francisco de Vasconcelos (q.v.), 89 Baharém, Simão Correia, 80, 112, 127, 129, 130,
Andrade, Fernão Álvares de, Secretário das Mercês 131-132, 138, 192
de D. João III, 120 Barba Roxa, pirata, 67
Angélico, Papa, 109 Barreto, Nuno Rodrigues, Alcaide-mor de Faro,
Anjos, Mosteiro dos, 57 177
D. Antónia, filha de Aires Correia (g.v.), 93 Barros, Francisco de, filho de Jorge de: Barros
D. António, Prior de Crato, 79, 81, 111, 138, 149 (g.v.), 169
Apostiça, vide Quinta da Apostiça Barros, Francisco de; Moço da Câmara de D. João
Arábia, 32, 162 - HI, 160-161
Aragão, 184 Barros, João de, 172
Aragão, D. Francisco de, 51, 177-178 As décadas de, 172
Arcebispado de Braga, 141-142 Barros, Jorge de, contratador, 168
Arguela vide Quinta de Arguela Barros, Jorge de, natural de Braga, herdeiro do
D. Artur, Chocarreiro de D. João III, 185-186 morgado de D. Luisa de Barros (q.v.), 169
Ataíde, Álvaro de, Alcaide-mor de Alvor, 164 Barros, D. Luisa, filha de Jorge de Barros te v. ),
Ataíde, D. Ana de, filha de D. António de Ataíde, 168-169
2º Conde de Castanheira (q.v.), 199 Batalhas vide Aljubarrota
Ataíde, D. Antônio de, 1º Conde de Castanheira, Belém, 61
71-72, 86, 87, 93, 95, 124, 179 Belém, Convento de, 66
Ataíde, D. António de, 2º Conde de Castanheira, Berberia, 52
199 Berlengas, Arquipélago das, 67
Ataíde, D. Fernando de, 95 Bintão, Rei de, 94
Ataíde, D. Jerónimo de, 88 Bispado de Ceuta, 141
Ataíde, D. Joana de, mulher de Francisco Teixeira Bórgia, César de, Duque Valentino, 110
de Távora (q.v.), 111 Bragança, D. Constantino, 7º" Vice-rei da Índia,
Ataíde, D. Jorge, Bispo de Viseu, 125 -32, 140
Ataíde, D. Jorge, Capelão-mor da Igreja de Santa Bragança, Duque de, 49
Cita, 157 D. Breatis, filha de Aires Correia (q.v.), 93
Ataíde, D. Manuel de, 200 D. Britis, mulher de D. João de Sousa (g.v.), 93
Aveiro, Duque de, 48 Brito, D. Ana de, mulher de Gaspar de Teive
Azambuja, Vila de, 124 (q.u.), 57
Azamor, 29, 65, 92 Brito, João de, irmão de Luís de Brito (g.u.),
Azevedo, Francisco de, Senhor da Ponte do Soro, 109
186, 189, 192 Brito, Luís de, Senhor do morgado de São Lourenço
Azevedo, Francisco de, Senhor da Ponte do Soro, de Lisboa, 109
Alcaide-mor de Sintra, 129-130
Azevedo, D. João de, Almirante do Reino, 149 CABRAL, João Gomes, Capitão da Guarda de
D. Sebastião, 146
BADAJOS, 136 Cabral, Pedro Alves, 93
Baharém, António Correia, «o Velho», 122-124, Câmara, P. Luís Gonçalves da, 33, 44
127, 128 Câmara, Martim Gonçalves da, 44
205

Câmara, Simão Gonçalves da, 3º Conde da Calheta, Castro, D. Maria de, mulher de D. João de Meneses,
90 - Alferes-mor (q.v.), 138
Camões, Luís de, 167-168, 170-174, 175-178 Castro, D. Miguel de, Arcebispo de Lisboa, 143
Caminha, Simão de, 147 Castro, D. Simão de, filho de D. Joãode Castro
Cancioneiro geral, 85 (g.v.), 131
Canto, João da Silva do, 149 Castro, D. Violante, filha de João da Silva do
D. Carlos, Príncipe de Espanha, 30 Canto (q.v.), 149
Carlos V, Imperador de Espanha, 30, 66, 71, 75, Castro, D. Violante de, mulher de João de Castilho
115, 136, 167, 187-188 (g.v.), 116
Carneiro, Pedro de Alcáçova, Conde da Idanha, D. Catarina, Duquêsa de Brangança, 148
145 D. Catarina, filha de Rui Lourenço de Távora
Carregado vide Quinta do Carregado (q.u.), 69
Cartas missivas de Rui Gomes da Silva, em poder D. Catarina, Rainha de Portugal, 31, 33, 38, 43,
de Simão Correia Baharém (g.v.), 189 44-45, 49, 64, 73, 75, 83, 113, 122-124, 125,
Cartinha para ensinar a ler, e escrever [de Fr. João 138, 141, 148, 177, 185-186, 199
Soares (q.0.)], 166 César, Francisco, irmão de Vasco Fernandes César
Carvalhal, Fernão Mendes, Alcaide-mor de Tavira, (g.u.), 160
101 César, Vasco Fernandes, Provedor dos Armazens,
Carvalho, Gonçalo Pires, natural de Alcdcere do 160
Sal, 86 Ceuta, 67
Carvalho, Pedro, filho de Gonçalo Pires Carvalho, Chã do Couce, 144
119-122 Chafariz delRei, Casas do (Lisboa), 123
Castanheira, Mosteiro de, 93 Chafariz dos Bravos (Évora), 193
Castela, 187, 189, 190 Chaúl, 95
Castelbranco, D. Álvaro, Bispo de Coimbra, 158 Chiado, António Ribeiro, poeta, 174-175
Castelbranco, D. Duarte de, Conde de Sabugal, Chipre, 49
Meirinho-mor do Reino, 130: Chocarreiro, 197
Castelbranco; D. Gonçalo de, 130 vide também D. Artur, Couto, Panasco..
Castelo Rodrigo, 59 Cirne, D. Ana, filha de Manuel Cirne (q.v.), 186
Castilho, João de, Escrivão da Câmara de D. Sebas- Cirne, Manuel, «o Velho», Senhor de Agrela, 186
tião, 116 Clemente VII, Papa, 33
Castro, D. Álvaro de, Senhor de Fonte Arcada, 199 Coa, 59
Castro, D. Álvaro Pires de, Conde de Arraiolos, Concílio Tridentino, 138-139, 166
102 Congo, 115
Castro, D. António de, irmão de D. Simão de D. Constança, irmã de D. Francisco de Portugal,
Castro (q.v.), 131, 132 3º Conde de Vimioso, 81
Castro, D. Antónia de, mulher de D. João de Castro Convento de Acis, 109
(q. v.), 131 Convento de Milão, 109
Castro, D. Britis de, filha de D. Álvaro Pires de Convento de Santa Catarina da Carnota, 124
Castro (g.v.), 102-105 Convento de Santa Catarina de Monte Sinai, 163
Castro, D. Diogo de, 66 Convento de Santa Clara da Castanheira 125
Castro, D. Fernando de, 1.º Conde do Basto, 198 Convento de Santa Maria da Paz, 109
Castro, D. Henrique, «o da Charneca», 128, 129 Convento de Santo António de Lisboa, 163
Castro, D. Inês de, 102 Convento de Santo Domingos, 168
Castro, D. Isabel de, mãe de Simão Correia Baharém Convento de Santo Domingos de Bemíica, 141
(q.v.), 129 Convento de São Francisco de Lisboa, 162
Castro, D. Joana de, Condessa de Vimioso, 198 Córdoba, D. Diogo de, Estribeiro-mor de D. Felipe,
Castro, D. Joana de, filha de D. Henrique de Castro II, 148-149
(g.v.), 128, 129, 131 Correia, Aires, filho de Aires Correia, Senhor da
Castro, D. João de, Senhor de Resende, 131 Quinta do Carregado (q.v.), 93
Castro, D. Luís de, Senhor da Casa de Monsanto, 95 Correia, Aires, Senhor da Quinta do Carregado,
Castro, D. Manuel de, Senhor de Fonte Arcada, 199 92, 93, M
206

Correia, Álvaro Vasques, Alcaide-mor de Abrantes, D. Dinis, Infante, filho de D. Pedro I, 102
100-101 D. Dinis, irmão do Duque de Bragança, 111
Correia, António, filho de Aires Correia, 93-95 Diu, 95, 97
Correia, João Rodrigues, 130 Docem vide dOcem
Correia, D. Leanor, filha de João Rodrigues Cor- D. Duarte, filho do Infante D. Duarte, 144
reia (q.v.), 130 D. Duarte, Rei de Portugal, 166
Correia, D. Leonor, mulher de Simão Correia
Baharém (g.v.), 131 Eça, D. João de, Fidalgo de D. João III, 137
Correia, Martim, criado do Infante D. Pedro, Egito, 162 no
Duque de Coimbra (g.v.), 101-102 Elvas, 136
Correia, D. Paio Peres, Mestre da Ordem de San- Embaixada a Castela
tiago, General de D. Sancho II, 99-100 de Luís da Silveira, 71-72
Correia, D. Pedro Paes, pai de D. Paio Peres de Lourenço Pires de Távora, 43
Correia (g.v.), 99 Entre-Douro-e-Minho, 52, 67, 91, 126, 151
Correia, Vasco, filho de Aires Correia (q.v.), 93 Enxabregas vide Paços de Enxabregas
Corte-Real, Manuel, 149 Estaos vide Paços dos Estaos
Corte-Real, D. Margarida, mulher de D. Cristó- D. Eufrazia, Princesa de Asculy, 51
vão de Moura (q.v.), 149 Évora, 65, 66, 69, 81, 193
Corte-Real, Vasco Antunes, Capitão da Ilha
Terceira, 149 FARO, D. João de, 127
Cortes, Maria, natural de Goa, 176 Faro, D. Luisa de, mulher de D. João de Faro
Costa, D. Álvaro da, Camareiro de D. Manuel 1, (g.v.), 127
156 Federico III, Emperador de Alemanha, 106, 163
Costa, António Lopes da, 30 D. Felipa, Rainha de Portugal, 100
Costa, D. Gil Eanes da, Veador da Fazenda de D. Felipe 1, Rei de Castela, 30, 32, 47-48, 66,
D. Sebastião, 156 78, 117
Costa, D. Maria da, filha do Senhor de Pancas, D. Felipe II, Rei de Castela, 57, 81, 125, 129,
126 138, 143, 145, 147, 148, 149, 150, 156
Cotovia, 123 D. Felipe II, Rei de Castela, 90, 149, 150, 190
Coutinho, D. Bernardo, Alcaide-mor de Santa- D. Felipe IV, Rei de Castela, 98
rém, 31 Fernandes, Álvaro, atafoneiro, 174-175
Coutinho, D. Jerónimo, 127 D. Fernando, Infante, 65
Coutinho, D. João, Conde do Redondo, 30 Ferraguda vide Quinta da Ferraguda
Ferreira, Fernão de, filho de Alonso de Herrera
Coutinho, Lopo de Sousa, «o de Santarém», 201
Coutinho, D. Luís, Comendador do Castelo de (gv), 93
Golegã, 149 Ferreira, Marquês de, 32
Coutinho, D. Luís, 4.º Conde do Redondo, 33 Fez, 54, 111
Coutinho, Manuel de Sousa, filho de Lopo de Figueira, Diogo de, Comendador de Alhos Vedros,
Sousa Coutinho (g.v.), 201 128
Coz, Mosteiro de, 56 Figueiró, Vila de, 88
Crato, Prior de, 78, 81 França, 119
Cunha, António da, Lente de Prima na Universi- Freire, Simão, Senhor de Boubadela, 75
dade de Coimbra, 151-152 . Furtado, António, Tesoureiro-nior da Chancelaria,
Cunha, Nuno da, Governadorda Índia, 63 151-152
Cunha, Simão da, Trinchante de D. João III, 63
Cunha, Tristão da, Senhor de Povolide, 125 Garecos, 153, 154, 181
Gama, Fernão Gomes da, Escrivão da Casa da
DAMÃo, 133 Índia, 169
Desafios: entre Pantaleão de Sá e D. Manuel Gama, D. Vasco da, 3º Conde da Vidigueira, 32
de Lima, 97-99; entre D. Jorge de Meneses Girão, D. Pedro, 1º Duque de Ossuna, 147
e Rui Pereira, 137-140 Goa, 97, 133, 176
Dias, Damião, escrivão, 63 Goes, Vila de, 71
207

Gonçalves, Sebastião, bastardo de D. Teodósio Tarém, 100


(g.v.), 140 D. Jaime, Dugue de Bragança, 85, 111, 136
Gouveia, Marquês de, 143 Jerusalém, 167
D. Grácia, mulher de João de Sd (q.v.), 115 D. Joana, filha de D. Henrique de Noronha ( q.u.),
Granada, Fr. Luís de, 141 32
Granada, D. Magdalena de, neta delRei Chico, D. Joana, mulher de Simão de Miranda (q.v.), 93
82-83 D. Joana, Princesa, filha de D. Carlos V, 75, 136,
D. Guiomar, mulher de D. Henrique de Castro 147
(q..), 128, 131 Joana de São Francisco vide D. Joana, mulher de
Gusmão, D. Afonso Peres de, Duque de Medina Simão de Miranda
Sidonia, 191 D. João 1, Rei de Portugal, 100-102
Gusmão, Francisco, Mordomo-mor da Infante D. João II, Rei de Portugal, 121, 161
D. Maria, 198 D. João III, Rei de Portugal, 30, 31, 39, 43, 48-49,
Gusmão, D. Luisa, mulher de D. João IV, 191 57, 63-66, 69, 71, 74, 75, 82, 86, 87, 88, 89,
91, 95, 111, 115, 116, 119, 120, 124, 132, 135,
D. Henrique, Cardeal, 31, 38, 49, 51, 5455, 140, 145-146, 167, 178, 185-186, 196, 202
56, 65 D. João IV, Rei de Portugal, 81, 90, 132, 136,
D. Henrique, filho de D. Fernando Henriques 143, 148, 159, 191, 198
(a.v.), 68 D, João, Infante, filho de D. Pedro I, 102
Henrique, D. Joana, mulher de João da Silva, D. João, Príncipe, filho de D. João III, 30, 32, 127
Senhor da Chamusca (g.v.), 191, 192 Jogos vide Primeira
D. Henrique, Rei de Portugal, 32, 156 D. Jorge, Duque de Coimbra, 102
Henriques, D. Fernando, Senhor das Alcáçovas, D. Jorge, Mestre de Santiago, 141
68, 191
Henriques, D. Guiomar, mulher de D: Simão da LAncasTRO, D. João de, Duque de Aveiro, 4141-142
Silveira, 75, 76 Larcão vide Alarcão
Henriques, D. Lourença, irmã de D. Joana Hen- Lemos, D. Mécia de, mãe de D. Diogo de
riques (g.v.), 130 Mendonça (g.v.), 189 .
Herrera, Alonso de, fidalgo castelhano que veio a Lencastre, D. Afonso de, Alcaide-mor de Óbidos,
Portugal, 93 111
Hospital de Santarém, 102 D. Leonor, Infante, filha de D. Duarte, 105-107
Humores, 54 D. Leonor, mulher de Federico III, 163
D. Leonor, Rainha de Portugal, mulher de D
Ipírio, Bispo de Lamego, 52 Manuel, 77, 167
Igreja Catedral de Siguenza, 182-183 Lerma, Duque de, 150, 151
Igreja do Loreto, 166 Lima, D. Diogo Lopes de, Veador da casa de
Igreja de Nossa Senhora da Rosa, 169 D. Sebastião, 126
Igreja de Santa Cita, 156 Lima, D. Francisco de, Visconde, 145
Igreja de Santa Maria em Abrantes, 119 Lima, Jorge de, 65
Igreja de Santo Eloi, 104 Lima, D. Manuel de, 97-99
Igreja de São Pedro, 108 Limoeiro, cárcere lisboeta, 167
Ilha Terceira, 138 Lisboa, 53, 55, 66, 67, 90, 95, 97, 98, 126, 129,
Índia, 29, 44, 63, 65, 69, 70, 93, 97, 98, 138, 150, 153, 156, 165, 168, 172, 177, 178,
109, 110, 120, 126, 132, 133-134, 137, 140, 180, 185, 194, 196, 199, 201
163, 176 Lisboa, Fr. Marcos de, Cronista Geral da Ordem
Inquisição, 73 Seráfica, 157-158
D. Isabel, Duquesa de Bragança, 111 Lobo, D. Diogo, 2º Barão de Alvito, 155
D. Isabel, Rainha de Portugal, mulher de Lobo, D. Felipe, 63
D. Afonso V, 101 Lobo, Francisco de Faria, 153-155
D. Isabel, Rainha de Portugal, mulher de Lobo, João, 4.º Barão de Alvito, Veador da Fazenda
D. João II, 189 de D. João III, 135
Itália, 107-109, 110 Lobo, D. Rodrigo, Barão de Alvito, 113
208

Lombardia, 108 Mendonça, D. Diogo, Conde de Melito, 189


Lopes, Francisco, médico de D. João III, 128, 135 Mendonça, D. Felipa de, 32
Lorvão, Mosteiro de, 58 Mendonça, D. Joana de, filha de Diogo de Mendonça
Loureiro, Luís de, Capitão na tomada de Azamor, (q.v.), 85
65-66 Mendonça, Nuno Furtado de, Aposentador-mor
D. Luís, Infante, filho de D. Manuel I, 91, 111, de Afonso. V, 101, 102
115, 120 Mendonça, D. Pedro Gonçales de, Arcebispo de
D. Luisa, Rainha de Portugal, 33 Saragoça, 191
Mendonça, D. Pedro Gonçales de, Cardeal. de
MapDrID, 91 Toledo, 189
Malaca, 94 Meneses, Aires Teles de, trovador, 85
Malafaia, Pedro Gonçalves, Veador da Fazenda Meneses, D. Aleixo de, Aio de D. Sebastião, 29-46,
de D. Duarte, 164 62, 193
Manuel, D. Afonso, filho de D. Nuno Manuel Meneses, D. Fr. Aleixo de, Arcebispo de Goa, 33
(g.v.), 68 Meneses, D. Álvaro de, Pagem de D. Sebastião,
:
Manuel, D. Jorge, filho de D. Nuno Manuel 32, 47, 62
(g.u.), 68 Meneses, Bras Teles de, 190
Manuel, D. Leonor, Marquesa de Navarres, 50 Meneses, Diogo da Silva, 1º Conde de Portalegre,
Manuel, D. Nuno, Guarda-mor de D. Manuel I, 68 105
Manuel, D. Nuno, 2º Senhor de Atalaia, Embaixa- Meneses, D. Duarte de, 64
dor à França, 58 Meneses, D. Duarte de, Conde de Viana, 108
Manuel, D. Pedro, 2º Conde de Atalaia, 33 Meneses, D. Duarte de, Governador da Índia, 95;
D. Manuel LI, Rei de Portugal, 68, 77, 92, 95, 130, 131
Meneses, D. Fernando de, Senhor do Prazo do
105, 109, 110, 148, 161, 162, 167
D. Margarida, Rainha de Castela, mulher de Louriçal, 138
Meneses, D. Fernando de, trisneto de Fernão
D. Felipe II, 90 :
D. Maria, Infante, filha de D. Manuel 1, 167 Álvares de Andrade (g.v.), 120
D. Maria, irmã de D. Pedro de Meneses, 3º Mar- Meneses, Fernão Teles de, 186, 187, 190
quês de Vila Real, 32 Meneses, D. Francisco de, Governador de Portugal
D. Maria, Princesa, filha de D. João III, 30, 32, 57 no reinado filipino, 143
D. Maria, Rainha, mulher de D. Manuel I, 109, Meneses, D. Garcia de, Bispo de Évora, 108
110 Meneses, D. Jerónimo de, Bispo do Porto, 157
Mar Roxo, 29 Meneses, D. Joana de, 31, 32
Meneses, D. João de, 29, 31, 115, 116 no
Mártires, Fr. Bartolomeu dos, 141-142
Mazagão, 47 Meneses, D. João de, Alferes-mor de D. Felipe III,
Melique Aoz, 30 138
Melo, D. Álvaro de, neto de D. Rodrigo (g.v.), Meneses, D. Jorge de, «de Cantanhede», 62-63
145 . Meneses, D. Jorge de, «o Túbarar, 137-139
Melo, D. Beatriz de, 29 Meneses, Jorge de Sousa de, Copeiro-mor do Car-
Melo, Garcia de, «o Braseiro», 121 deal Infante D. Henrique, 123
Melo, D. Guiomar de, filha de Afonso de Torres Meneses, D. Leanor, fundadora do Mosteiro dos
(g.u.), 137 Anjos em Madrid, 57
Meneses, D. Luís de, 32 :
Melo, D. Luisa de, filha de André Pereira de
Meneses, D. Luís de, Alferes-mor de D. Sebastião,
Miranda (q.v.), 149
Melo, Manuel de, Monteiro-mor, 122 116, 137, 180
Melo, D. Rodrigo de, herdeiro da Casa de Tentu- Meneses, D. Luís de, Capitão-mor do Mar, 95
gal, 62-63 Meneses, D. Luís de, 3º Conde de Tarouca, 180
Mendonça, D. Ana de, filha de Nuno Furtado de Meneses, D. Luisa de, 33
Mendonça (g.v.), 102 Meneses, D. Manuel de, Bispo de Coimbra, 55
Mendonça, D. Ana de, mulher de Rui Gomes da Meneses, D. Maria de, Condessa da Calheta, 90
Meneses, Maria de, filha de D. Fernando de
Silva (g.v.), 180-181
Mendonça, Diogo de, Alcaide-mor de Mourão, 85 Meneses (q.v.), 32
209

Meneses, D. Maria de, filha de João Rodrigues de Murta, Torre de, 101
Sá (q.v.), 82-83 Músicos, 187
Meneses, D. Mécia de, 33
Meneses, D. Miguel de, 4º Marquês de Vila Real,
Nicorau, Papa, 106
144-145
Meneses, D. Paula Maria de, irmã de Luís Francisco Noronha, D. Álvaro de, 32, 133
Noronha, D. Diogo de, «o Corcós», General da
Correia Baharém (q.v.), 200
Meneses, D. Pedro de, 1º Conde de Cantanhede, Armada do Estreito, 132-134
Noronha, D. Fernando de, Conde de Linhares, 146
29, 32
Noronha, Fernando Álvares de, General das Galés
Meneses, D. Pedro de, 3º Marquês de Vila Real, 32
Meneses, D. Pedro de, Senhor de Cantanhede, 32, do Reino, 45, 46, 133
150
Noronha, D. Henrique de, 32
Meneses, Rui Noronha, D. Maria de, 33
Teles de, Alcaide-mor de Covilhã,
Noronha, D. Maria de, filha de Rui Teles de
138
Meneses, Rui Teles de, Senhor de Unhão, 186 Meneses (q.v.), 186
Noronha, D. Tomás Jordão de, poeta, 159-160,
Meneses, D. Tristão de, 30
180
Meneses e Vasconcelos, D. Antônio, Senhor da
Nossa Senhora da Lapa, Romagem de, 61
Casa de Mafra, 73
Nossa Senhora de Graça, vide Mosteiro de Nossa
Micar, Rio, 94
Milão vide Convento de Milão Senhora de Graça
Nunes, Beringeira, filha de Rui Pereira, «o Bravo»
Miliguias, Senhor de Diu, 95
Miranda, André Pereira de, Senhor de Carvalhais (q.v.), 100-101
e Verdemilho, 149
Miliquias, Senhor de Diu, 95 dOcém, António, 84, 93
Miranda, André Pereira de, Senhor de Carvalhais dOcém, Pedro, filho de António dOcem (q.v.),
e Verdemilho, 149 84-85, 86
Miranda, Simão de, Capitão de Sofala, 93 dOcém, Simão de Sousa, filho de António dOcém
Moccrim, Rei, 94 (q.v.), 84-85
Moisés, Lei de, 164 Ordem de Alcântara, 190
Montemayor, Jorge de, 177 Ordem de Avis, 102, |
Montemor-o-Velho, 177 Ordem de Cristo, 91, 94, 101, 109-111, 149
Monte Sinai, 164 Ordem de Santiago, 99-100, 115
P. Montoya, Confessor de D. Sebastião, 44, 48 Ordem de Santo Agostinho, 165
Mosteirinho da Conceição de Matozinhos, 162 Ordem de São Bento, 90
Mosteiro de Nossa Senhora da Graça, 138, 139 Ordem de São Bernardo, 59
Mosteiro de Santa Clara de Santarém, 187 Ordem de São Francisco, 156, 162
Mosteiro de Santa Maria de Aguiar, 59 Ormus, 95
Mosteiro do Santíssimo Sacramento de Lisboa, Oropesa, Conde de, 118
198
Mosteiro de Santo António da Castanheira, 125, Paços de Enxabregas, 62, 113, 141
127 Paços dos Estaos, 73
Mosteiro de São Francisco, 192 Paços Velhos dos Bispos de Coimbra, 165
Moura, António Teles de, 48-49 Pago, Cidade do, 94
Moura, D. Cristóvão de, 1º Marquês de Castelo Paixão, Fr. Guilherme da, Abade Geral de Alco-
Rodrigo, 117, 147-152, 198 baça, 54
Moura, D. Luís de, 133 Palmeirim de Inglaterra, 75
Moura, Fr. Luís de, 48-49 Palmela, 64
Moura, D. Manuel de, filho de D. Cristóvão de Panasco vide João de Sá
Moura (g.v.), 151 Papa vide Alexandre, Clemente, etc.
Mourão, 85 Paris, 58, 78
Mouros, 93, 99, 100 Pastora Diana, 177
Múrcia, 100 D. Pedro, Duque de Coimbra, filho de D. João I, 101
14
210

Fr. Pedro, Pregador de D. Sebastião, 49 Póvoa, Fr. João da, Vigário Provincial de D. João II,
D. Pedro Dinis, filho de D. João de Lancastro 161-162
(g.u.), 143 Povos, 64
Pedrogão, Vila de, 88 Praça da Palha (Lisboa), 201
Pereira, Álvaro, Marechal, Senhor da Terra da Primeira, jogo de cartas, 188, 193
Feira, 100 - e Prodígios: cometas, 51; endemoninhados, 59-61;
4 | esquadrões de gente a voar, 52; imagens, 61;
Pereira, D. Bárbara, filha de Manuel Quaresma
(g.u.), 113 peixes, 51; retratos, 57; visões, 58, 108; vozes,
4 48-49, 51, 53-54, 56
Pereira, Leonor, filha do Marechal Álvaro Pereira
(g.v.), 100, 101
Pereira, Nuno Álvares, Condestável, 101 QuaresMa, Manuel, Secretário da Rainha D. Cata-
Pereira, Nuno Álvares, 6º Conde da Feira, 137 rina, 113-114
Pereira, Rui, 138-140 ' Quinta da Apostiça, 70
Pereira, Rui, «o Bravo», 100 Quinta de Arguela, 126, 127
Pernom, Duque de (francês), 79 Quinta de Ferraguda, 111
Pestana, Francisco Pereira, fidalgo criado do Infante Quinta do Carregado, 92, 93, 95, 111, 127, 130
D: Luís, 91-92 '
Resto, P. Amador, 44
Pinto, António, poeta, Secretário de Lourenço Pires
Redondo, Conde de, 47
de Távora (q.v.), 1714-172
Rei de Bintão, 30
Poesias, 50, 80, 81, 85, 86, 121, 128, 135, 167-168,
170-171, 172, 176, 177, 178 Rei de Cambaia, 30
Reis Católicos, 108
Portugal, D. Afonso de, Bispo de Évora, 81, 198 Terra
Resende, Martim Vasques de, Senhor da
Portugal, D. Afonso, 2º Conde de Vimioso, 68
de Resende, 101
Portugal, D. Afonso, 5º Conde de Vimioso, 198
Portugal, D. Álvaro de, filho de D. Henrique de Ribadeo vide Salinas, Conde de
Portugal (g.v.), 199, 200 Ribeiro, Bernardim, 47
Rocio de Lisboa, 73, 75
Portugal, D. Diogo de, filho de D. Henrique de
Portugal (g.v.), 199 D. Rodrigo, Marquês de Ferreira, 145
Rolim, D. António, 47, 125
Portugal, D. Fernando de, 198
Portugal, D. Francisco de, 1º Conde de Vimioso, Rolim, D. Francisco, Senhor de Azambuja, 68, 124
77, 198, 199: . Rolim, D. Manuel Childe, neto de D. António
Portugal, D. Francisco de, 3º Conde de Vimioso, Rolim (q.v.) 125
Roma 107, 109, 110, 112, 196
78-82, 198
Sá, Francisco de, 111
Portugal, D. Guiomar de, 2º mulher do Conde
D. Manuel de Ataíde (g.v.), 200 . Sá, Francisco de, Alcaide-mor do Porto, 96
Portugal, D. Henrique de, 199-200 Sá, João de, «Panasco», Camareiro de D. João III,
Portugal, D. Joana de, filha de D. João de Portu- 114-116, 202
gal (g.v.), 200 Sá, João Rodrigues de, Alcaide-mor do Porto, 82-83
Portugal, D. João de, filho de D. Henrique de Por- Sá, Pantaleão de, 96-98
tugal (g.v.), 199, 200 Safim, Rei de, 94
Portugal, D. João de, filho de D. Manuel de Por- Saldanha, António de, Comendador de São João
tugal (g.v.), 199, 200 da Pesqueira, 186
Portugal, D. Jorge de, filho de D. Henrique de Saldanha, António de, consogro de Rui Lourenço
Portugal (q.v.), 199 de Távora (q.v.), 70
Portugal, D. Luís de, 4º Conde de Vimioso, 198 Salinas, Conde de, 190
Portugal, D. Manuel de, 198 Salvaterra, Vila de, 91
filho de D. João de Sanches, António, escudeiro, 96
Portugal, D. Manuel de,
Portugal (q.v.), 199 Sandoval e Rojas, D. Francisco Gomes, 1º Duque
Portugal, D. Maria de, mulher de D. Luis de de Lerma, 90
Almeida (q.v.), 200 Santa Catarina da Carnota, 157
Portugal, D. Miguel de, Professor da Universidade vide também Convento de Santa Catarina da
de Coimbra, 198-199 Carnota
211

Santa Clara de Lisboa, 93, 111, 113 Silva, D. Diogo da, filho do Conde D. João da
Santa Clara, Fr. Francisco de, 56 Silva (q.u.), 143
Santa Maria da Paz vide Convento de Santa Maria Silva, Diogo da, filho do Regedor João da Silva
da Paz (g.v.), 155
Santa Maria de Aguiar vide Mosteiro de Santa Silva, D. Diogo da, 1.º Conde de Portalegre, 196
Maria de Aguiar Silva, D. Felipa da, dama da Rainha D. Maria,
Santarém, 29, 129, 199 109, 111...
Santarém, Fernando Afonso de, Camareiro de Silva, Fernão (ou Fernando) da, clérigo, 155
D. João I, 102-105 . Silva, Fernão da, «o Capueiro», Veador da Fazenda
Santarém, João Afonso de, 102 “de D. Sebastião, 169.
Santiago de Compostela, 103 Silva, D. Francisco da, Marquês de la Elizeda, 191
Santo António, Província de, 124, 125, 131 Silva, Francisco da, Senhor do Morgado da Cha-
Santo António da Castanheira vide Mosteiro de musca e Ulme, 186-187
Santo Antônio da Castanheira Silva, D. Helena da, religiosa de São Bernardo, 58
Santo Domingos de Bemfica vide Convento de Silva, Henrique Correia da, filho de Martim Cor-
Santo Domingos de Bemfica reia, 102
Santo Eloi vide Igreja de Santo Eloi Silva D. Isabel da, Condessa de Penela, 164.
Santo Estévão de Alfama, Freguesia de, 154 Silva, D. Isabel da, irmã de Luís Álvares de Távora
Santos o Novo, casas de, 142 (q.0.), 11
São Pedro vide Igreja de São Pedro Silva, Isabel Gomes da, mulher de Pedro Gonçalves
São Pedro de Montorio, 109 Malafaia (q.u.), 164
São Sebastião, 55 Silva, D. João da, Capelão-mor de D. Felipe III,
São Vicente, 55 143
São Vicente, Cabo de, 67 Silva, D. João da, Conde de. Portalegre, 54, 143
Sarmento, D. Rodrigo da Silva, Conde de Salinas, Silva, João da, filhode Francisco da Silva (g.v.),
190 186, 187, 190.
D. Sebastião, Rei de Portugal, 31, 32, 33, 39, 43, Silva, João da, Regedor, 127, 155, 167, 168, 193-194
46-49, 55, 58, 61-62, 78, 96, 111, 112, 113, Silva, João da, Senhor da Chamusca e Ulme, 191,
114, 115, 117, 122, 126-127, 131, 138, 139, 192
140, 143, 144, 146, 169, 179, 180, 186, 189, Silva, Fr. João de Meneses da, filho de Rui Gomes
190, 193, 200 da Silva (g.v.), 105-109
Sé de Coimbra, 165 Silva, Jorge da, filho do Regedor João da Silva
Sequeira, Diogo Lopes, Gavernador da Índia, 94 (q.0.), 167-169
Sesimbra, 70 Silva, D. Jorge da, 2º Conde de Portalegre, 194-195,
Sevilha, 100 196-197
Siabra, Pedro de Sousa de, 126 Silva, Leonor da, filha de Fernão Mendes de Car-
Sicília, 190 valhal, 101-102
Silva, Aires Gomes da, Senhor de Unhão e Mei- Silva, Lourenço da, Regedor, 169
nedo, 164 Silva, Lourenço da, Regedor da Casa da Suplicalão,
Silva, D. Álvaro da, Conde de Portalegre, 143 155, 156
Silva, D. Ana da, filha de Rui Gomes da Silva, 191 Silva, Lourenço Teles da, 190
Silva, António da, fidalgo de Campo Maior, 90 Silva, Luís da, Veador da Fazenda de D. Sebastião,
Silva, Bartolomeu da, «o Ricofeitio», 155 155
Silva, Bernardo Moniz da, Comendador da Torre Silva, D. Luisa da, mulher de Pedro da Silva (q. v)
e das Olaias, 130, 186 169
Sila, D. Britis da, mulher do Conde Lopo de Silva, D. Manrique da, 143
Almeida (q.v.), 164 Silva, Manuel da, 138-139
Silva, D. Catarina da, mulher de Antônio de Sal. Silva, Maria Mendes da, mulher de D. Pedro Paes
danha (q.v.), 186 Correia, . 99
Silva, Fr. Diogo da, Arcebispo de Braga, 162 Silva, D. Miguel da, Bispo de Vizeu, 64.
Silva, D. Diogo da, filho de Rui Gomes da Silva Silva, D: Miguel da, Cardeal, 196, 197
(g.v.), 192 Silva, D. Pedro da, Comendador-mor de Avis, 164
212

Silva, Pedro da, «o Duro», 164 Távora, Cristóvão de, filho de Lourenço Pires de
Silva, Rui Gomes da, 186 Távora (q.v.), 113-114
Silva, Rui Gomes da, Alcaide-mor de Campo Maior, Távora, Francisco Teixeira de, filho de António
105 Teixeira (g.v.), 111
Silva, Rui Gomes da, filho de Francisco da Silva Távora, D. Joana de, mulher de Manuel Correia
(q.v.), 187-191 Baharém (q.v.), 129
Silva, Rui Gomes da, Príncipe, Duque de Pastrana, Távora, Lourenço Pires de, Embaixador a D. Car-
129 los V, 43; Capitão-mor da Armada de Carga, 69
Silva, Rui Pereira da, Guarda-mor do Princepe 113-114
D. João, 127 Távora, Luís Álvares de, «o Velho», Senhor da
Silveira, António da, cortesão de D. João III, 73-74 Casa de Távora, 111
Silveira, Diogo da, 2º Conde da Sortelha, 83 Távora, Luís Álvares de, « Velho», Senhor do
Silveira, Luís da, Embaixador a Castela, 71-72; Mogadouro, 76, 127
Conde da Sortelha, 74 Távora, D. Luisa de, irmã de Luís Francisco Cor-
Silveira, Nuno Mendes da, Senhor de Goes, 71 reia Baharém (g.v.), 200
Silveira, D. Simão da, 74-76 Távora, D. Maria de, mulher de António Teixeira
Silveira, Vasco da, Coronel, 53 (g.v.), 111
Sintra, 47, 65, 138 Távora, Martim de, filho de Pedro dOcém, 86
Soares, André, Secretário da Rainha D. Catarina, Távora, Rui Lourenço de, Trinchante de D. João
122-124 JII, 63-70, 114
Soares, Fr. João, 165-166 Távora, Rui Pires de, cantor, 132
Sofala, 93 Távora, D. Violante de, 32
Soto-Maior, Pedralves de, Conde de Caminha, 88 Teive, Gaspar de, Estribeiro-mor da Princesa
Sousa, Álvaro de, Capitão de Chaúl, 149 D. Joana, 57
Sousa, D. Diogo de, 63, 88-89 Teixeira, António, filho de Jerónimo Teixeira (q.v.),
Sousa, D. Diogo de, Arcebispo de Braga, 126 111
Sousa, Francisco de, «o de Santarém», 146 Teixeira, Jerónimo, filho de João Teixeira (g.v.),
Sousa, D. Helena de, filha de Tomé de Sousa 109-111
(q.0.), 126 Teixeira, João, Senhor da Casa de Teixeira, 109
Sousa, D. João de, Senhor de Sagres, Guarda-mor Tejo, Rio, 65, 199
de D. Manuel I, 92-93 Telo, D. João, filho de D. Jorge de Meneses (g.v.), 138
Sousa, Lourenço de, Aposentador-mor, 33 Tentudia, 100 os
Sousa, D. Pedro de, 1º Conde do Prado, 31, 93 Tentugal, Vila de, 161-162
Sousa Pedro de, Prior de Rates, 126 D. Teodósio, Duque de Bragança, pai de D. João IV
Sousa, D. Rodrigo de, 63 81
Sousa, Simão, filho de Álvaro de Sousa (q.v.), 149 D. Teodósio, Dugue de Bragança, 136, 140, 141
Sousa, Tomé de, Veador da Casa de D. Sebastião Terreiro do Paço, 77, 121, 146
68, 112, 126-127 Toledo, 119
Sousa, Vasco Mendes de, 101 Tomar, 65, 79, 156, 157
Torre Velha, 61
TâÂncER, 45, 64, 90, 113 Torres, Afonso de, 137
Távara, Marquês de, 190 Toureação, 92
Tavares, António de, Cónego da Sé de Lisboa, 163 Tovar, Sancho de, 61-62
Tavares, Francisco de Sousa de, 199 Trofa, Senhor da, 189
Távora, Álvaro Pires de, Senhor da Casa de Távora, Tronco, golilha lisboeta, 182
125 Tánis, 115
Távora, D. Ana, mulher de D. António de Ataíde Turco, 107, 110, 163
(q.u.), 125 Tuy, Comarca de, 91
Távora, Bernardim de, Reposteiro-mor de D. João
JII, 132 Ursano VIII, Papa, 199
Távora, Bernardim de, Reposteiro-mor de D. João Universidade de Coimbra, 151, 158, 159, 190, 198
IV, 132 Universidade de Alcalá, 119
213

VaL de Cavalinhos (Lisboa), 138, 139 Vila Real, Marquês de, 48


Valentino, Duque vide Bórgia, César de Vilhena, D. Antónia de, filha de António Correia
Vasconcelos, D. Afonso, 1º Duque de Penela, 164 Baharém (g.v.), 200
Vasconcelos, Francisco, Senhor do Morgado do Vilhena, D. Antónia de, mulher de Diogo da Silva
Esperão, 89 (g.v.), 155
Vasconcelos, D. Joana de, 88, 89 Vilhena, D. Joana, filha de Francisco de Azevedo
Vasconcelos, João Rodrigues de, 90 (g.v.), 130
Vasconcelos, Luís de Sousa de, Alcaide-mor e Vilhena, D. Luisa de, filha de D. Manuel de Castro
Comendador do Pombal, 90 (g.v.), 199
Vasconcelos, Manuel, Regedor, Senhor de Vilanova Vilhena, D. Magdalena de, herdeira de Francisco
de Foscoa, 111 de Sousa de Tavares, 199
Vasconcelos, D. Maria de, filha de Rui Mendes de Vilhena, D. Maria de, Dama de D. Catarina,
Vasconcelos (g. v.), 88 138
Vasconcelos, Pedro da Silva de, 88 Vilhena, D. Maria de, filha de Francisco de Azevedo
Vasconcelos, Pedro de Alcáçova de, 89 (g.v.), 129
Vasconcelos, Rui Mendes de, Conde de Castel- Vilhena, D. Maria Vicência de, imã de Luís
melhor, 89-91 Francisco Correia Baharém (q.v.), 200
Vasconcelos, Rui Mendes de, Senhor das Vilas Vilhena, D. Paula de, mulher de Francisco de
de Figueiró e Pedrogão, 88 Barros (g.v.), 169
Vasconcelos e Meneses, D. Fernando de, Arcebispo D. Violante Eugenia, mulher de N. 4. Pereira
de Lisboa, 66 (q.u.), 137
Vasques, Violante, filha de Vasco Mendes de Sousa Visões vide Prodígios
(g.v.), 101 D. Vitória, Dama da Infante D. Maria, 130
Vega, Juan de, Comendador-mayor, Conde de
Grayal, 147 Xisto IV, Papa, 108
Veles, 99
Versos vide poesias Zunica, D. Fadrique de, Senhor de Mirabel, 32
Viladorta, Conde de, 143 Zufiia D. Inês de, 32

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