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Objetos verbais não identificados: um ensaio de Flora

Süssekind
Enquanto mercado e crítica privilegiam formas homogêneas e
estáveis, afirmam-se na literatura brasileira contemporânea
experiências com multiplicidades de vozes e registros. Autores
que trabalham com ‘formas corais’, em obras onde se cruzam
falas, ruídos e gêneros, conectam-se a uma linhagem
instabilizadora da literatura brasileira e à produção recente de
cinema, teatro e artes plásticas. Assim, contrapõem-se a
movimentos atuais de reafirmação de poéticas tradicionais e de
reforço ao que pesa no mercado
Por Flora Süssekind*

Antes mesmo da eclosão das jornadas de junho, e das


manifestações ainda em curso no país, um conjunto significativo
de textos parece ter posto em primeiro plano uma série de
experiências corais, marcadas por operações de escuta, e pela
constituição de uma espécie de câmara de ecos na qual ressoa o
rumor (à primeira vista inclassificável, simultâneo) de uma
multiplicidade de vozes, elementos não verbais, e de uma
sobreposição de registros e de modos expressivos diversos.
Coralidades nas quais se observa, igualmente, um
tensionamento propositado de gêneros, repertório e categorias
basilares à inclusão textual em terreno reconhecidamente
literário, fazendo dessas encruzilhadas meio desfocadas de falas
e ruídos uma forma de interrogação simultânea tanto da hora
histórica, quanto do campo mesmo da literatura. E que não à
toa conectam este campo a outras áreas da produção cultural. À
produção cinematográfica recente — basta lembrar, por
exemplo, a presença sonora do mundo em filmes como “O som
ao redor”, de Kleber Mendonça Filho, ou “A alma do osso”, de
Cao Guimarães, pautados, respectivamente, na escuta da
cidade e do silêncio. À atuação de coletivos artísticos, como o
Chelpa Ferro e seus experimentos com a arte sonora. À
reinvenção do coro no teatro brasileiro das últimas décadas,
como no trabalho de José Celso Martinez Corrêa (“neste milênio
egoico, competitivo, de fim do neoliberalismo (...) um trabalho
imenso reencontrar essa matéria coral”) e do Teatro Oficina
Uzyna Uzona no sentido de coros-protagonistas. A ele se
acrescentando a ação de grupos, como o XIX ou o Teatro da
Vertigem, ou alguns trabalhos pontuais (como “Labirinto”,
versão de Moacir Chaves e da Cia Alfândega 88 para dois textos
de Qorpo Santo). Ou, ainda, a ação de companhias no sentido
de outros modos, expansivos, de associação e troca de
experiências (como o Coletivo Improviso), ligados com
frequência também a diálogos diversos com o espaço urbano
(envolvendo por vezes, como em “Não olhe agora”,
intervenções bastante breves, e em lugares pré-
definidos).
 
 Não que não haja outras irrupções de modos
corais na cultura literária brasileira. Com frequência, ligadas a
certa instabilização das formas e do campo cultural de modo
geral. Lembre-se, nesse sentido, da dramatização interna em “O
Guesa”, por exemplo. Um adensamento sonoro de tal ordem
que parece tornar insustentável qualquer horizonte ideal de
univocidade. Lembre-se, igualmente, dos recortes de vozes em
Oswald de Andrade, da composição por colagem de “O homem e
o cavalo”, e da produção dos anos 1920 de modo geral,
momento de redefinição da prática literária no país. Assim como
o momento da Tropicália, que talvez possa ser pensado em seu
dialogo interartístico, em suas operações coletivas, todo ele,
como uma forma de intervenção coral. Assim como as vozes
polimorfas em Francisco Alvim, o desdobramento do poema em
várias materializações, como acontece na obra de Augusto de
Campos, ou a belíssima dramatização interna da poesia de
Carlito Azevedo, em especial depois de “Versos de
circunstância”.
 
 A alguns dos textos dos últimos anos que
trabalham com uma lógica coral talvez se pudesse associar a
expressão “objetos verbais não identificados”, empregada por
Christophe Hanna ao tratar dos processos, dos contextos e do
funcionamento crítico de certos experimentos literários de difícil
classificação. De difícil enquadramento, sobretudo, quando o
seu campo de inserção parece reforçar não a especulação, mas
a classificação, e os dispositivos institucionais, as
normatividades, eixos conceituais ou interpretativos que
privilegiem homogeneização, estabilidade, expansão
controlada.

Nas formas corais, há uma interrogação
simultânea tanto da hora histórica quanto
do campo mesmo da literatura

Contrastem-se a essa preferência pelo identificável os


deslocamentos operados por essas formas corais. Dentre as
quais destacam-se a produção recente de André Sant’Anna
(mesmo em monólogos mínimos, como “Comentário, na rede,
sobre tudo o que está acontecendo por aí”); a de Antonio
Geraldo Figueiredo Ferreira (“As visitas que hoje estamos”);
Veronica Stigger (de que é particularmente exemplar, nessa
linha, “Delírio de Damasco”); Beatriz Bracher (“Não falei”,
“Antonio”, “Cloc, Clac (o velho, o bebê, você, ela e eu)”).
Exemplos aos quais se poderiam acrescentar o desdobramento
de estados de exceção, o eco interno de ditaduras, que constitui
(entre o ensaísmo, o comentário crítico, o testemunho, a ficção)
um livro que estranhamente não encontrou ainda recepção mais
vasta como “História natural da ditadura”, de Teixeira Coelho.
Ao lado do trabalho em registro duplo (plástico/verbal) de
Lourenço Mutarelli (visível, nas invasões gráficas de “A arte de
produzir efeito sem causa”; e suposto, na série de maços de
cigarro de “O natimorto”), da bela flutuação de vozes por meio
das quais se arma (entre erros geográficos e acasos
fundamentais) o poema-relato de viagem que é “Engano
geográfico”, de Marília Garcia. Além, é claro, de Nuno Ramos,
em cujo trabalho, para além da dobra estrutural entre modos
meditativo e narrativo num livro como “Ó”, há toda a série de
“Falas”, algumas das quais composições explicitamente corais
que se ouvem em suas instalações plástico-sonoras.
 
 Não
deixa de ser curioso observar, nesse sentido, em comentários
voltados para a produção atual, a resistência a por em xeque
poéticas “incapazes de compreender o radicalmente novo”
(Hanna). Mesmo brevemente, talvez seja o caso de mencionar
dois textos divulgados recentemente em O GLOBO, no Segundo
Caderno. Como a defesa da profissionalização do escritor e de
uma expansão do mercado literário brasileiro, por parte de Luiz
Ruffato, sem que esse elogio de um lugar profissional de
atuação indique que “lugar” é esse e o que significa ocupá-lo.
Tal defesa não parece envolver uma discussão mais ampla
sobre o que sustenta essas inserções, sobre o critério de “obra
bem feita”, com temática autojustificada, e sobre o respeito a
modelos textuais passíveis de reaplicação pouco problemática
que parece guiar a possibilidade da manutenção de contratos
com grandes editoras e com o mercado externo. O que parece
explicar, por outro lado, a perda de vigor de tantos escritores
que, por vezes, em seu período de formação, pareciam capazes
de por à prova os padrões de inteligibilidade e interferência
disponíveis na vida cultural. É curiosa, igualmente, a
ressurreição velada da “literatura como representação
especular”, apoiada em visão finissecular das noções de ponto
de vista e de gênero literário, e numa compreensão sem
ambiguidades, sem complexidade, de literatura mesmo (vista
como território afirmativo, homogeneizador, pautado por leitura
temática e por coesões identitárias — nação, gênero, classe
etc.), como sugeriu Regina Dalcastagnè. Nesse sentido, as
formas corais, muitas delas propositadamente desfocadas,
muitas envolvendo múltiplas formas de refiguração material
(não adaptações) ou uma suspensão propositada da
formalização, criam um problema para esforços de encaixe
crítico imediatos e sem ajuizamento (pois a alocação das obras
só prescinde de análise se as “gavetas” de armazenamento se
mostrarem inalteráveis), para compreensões restritivas de
literatura que parecem não ir além de oposições binárias
sistêmicas como as que opõem ficção e testemunho,
sequencialidade e fragmentação, construtivo e expressivo, e
assim por diante.
 
 Mesmo num texto com outra amplitude de
observação, como “A literatura exigente”, de Leyla Perrone-
Moisés, divulgado na “Folha de S. Paulo” em 25 de março de
2012, que aponta rachaduras relevantes no campo literário,
estas se veem reduzidas, porém, a contraste talvez
simplificador entre literatura de entretenimento e literatura
exigente, de proposta. E a uma definição de “exigência”
regulada por generalizações temático-estilísticas (desconfiança,
meias palavras, resíduos, ausência paterna) capazes de juntar,
num mesmo grupo, obras de fato exigentes, autores para os
quais cada processo de formalização é igualmente problemático,
e outros cuja aparente experimentação é apenas uma espécie
de prêt-à-porter literário baseado em técnicas já mais do que
assimiladas, compradas prontas.

Produção complexa em meio
a uma retomada de linhas regressivas
no meio literário brasileiro

Leyla Perrone sublinha, no entanto, um movimento de


diferenciação. O que é importante inclusive para se
compreenderem movimentos reativos de reafirmação de
poéticas tradicionais ou de reforço ao que pesa no mercado.
Pois, de fato, se parece assistir, nos últimos anos, a
desestabilizações consequentes que não se tem conseguido
neutralizar. E que se contrapõem ao esforço de
reinstitucionalização, de retomada de linhas regressivas de
continuidade na cultura literária brasileira (dentre elas,
naturalismos simplistas, testemunhos empáticos, inventários de
tipos, usos e costumes, o poema como técnica pré-definida), o
que se fortaleceu curiosamente ao mesmo tempo em se
desenhava, no plano político, o movimento de redemocratização
do país. O que se pode perceber, no entanto, é que está em
curso uma complexificação da produção, processo a que talvez
não se tenha dado ainda, na mesma proporção, uma resposta
crítica e conceitual suficientemente vigorosa.
 
 Daí, talvez, em
várias dessas obras, explicitar-se, de saída, uma resistência a
qualquer captação formal mais imediata. É o que anunciam as
epígrafes de “As visitas que hoje estamos”, de Antonio Geraldo
Figueiredo Ferreira: “as vozes todas num ouvido só” (anônimo),
“o romance é uma espécie de coral de surdos-mudos em que
autor e leitores imaginam ocupar a posição do corifeu”
(anônimo), “com os haveres de uns e outros é que se enriquece
o pecúlio comum” (Machado de Assis). É evidente, aí, uma
espécie de figuração informe de vozes distintas, inclusive
regionalmente distintas, algumas evocando um universo
interiorano, outras explicitando sua extração citadina. Trata-se,
em geral, de monólogos intencionalmente pela metade, pedaços
de vida que parecem dialogar uns com os outros. Mas se há
essa explicitação coral, por outro lado, o texto inteiro do livro
oferece, ainda, outro inventário. O livro se afigurando uma
compilação de formas narrativas, de exercício com o
aforismático, com o poema breve, com o diálogo teatral, a
rubrica, o emblema. Parte desses textos envolveria autores
fictícios — um com o nome do escritor, mas outro sobrenome
(Levi), que descreve uma página do romance (“Ninguém
escreveu isso”) como capa do seu, e o outro, Eusébio Sousa,
autor defunto de um conjunto de sofismas e de uma peça,
movida pelo incesto e por referência constante ao universo
rodrigueano, talvez a sequência narrativa mais longa, e mais
próxima de alguma conclusão, de todo o livro.

A exposição do entroncamento problemático do rural e do
urbano, “de duas realidades que são uma só”, um esforço de
releitura da tradição narrativa brasileira, e de contraponto entre
compilação e esgarçamento, marcam “As visitas que hoje
estamos”. O que levaria Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira a
revisitar Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos,
Nelson Rodrigues, Francisco Alvim, em exercícios de evidente
retomada, mas indescartável incompletude, observando-se, a
cada um, certa nostalgia de formas que, já se sabe, não se
podem empregar a não ser como relíquias. O coro apontando,
ao mesmo tempo, assim, tanto para certa aspiração comunitária
(desmentida em pequenas maldades aqui e ali), para a
abrangência ansiada do painel social, quanto para os limites de
um épico que engenhosamente se esboça e inevitavelmente se
esgarça e teatraliza.
 
 O livro recém-lançado de Bernardo
Carvalho, “Reprodução”, também já abre com duas referências
diretas (e conflituosas) a uma escritura vocal. “Para aumentar
seu saber, escute o que dizem os outros” e “Só ouvimos o que
escutamos e só escutamos o que nos interessa”: a segunda
epígrafe anulando ironicamente a ideia de uma escuta vasta,
desinteressada, exposta pela primeira. Anulação ampliada,
ainda, ao longo do relato, pelo caráter pouco lúcido e
reacionário do monólogo do protagonista, um estudante de
chinês detido durante um check-in pela Polícia Federal, e cuja
lógica parece moldada pelos “comentários, na internet, sobre
tudo o que está acontecendo por aí”. Evidencia-se, nesse livro,
interlocução intencional com o trabalho de André Sant’Anna,
cujo interesse Bernardo foi dos primeiros a perceber. Em
particular com alguns dos narradores que André chama de
“famosos anônimos imbecis”, e que definiu, certa vez, como
“aqueles que antes viviam escondidos, mas que, agora, com a
internet, acham que têm opinião própria e viram comentaristas
de sites, blogs etc., sempre repetindo opiniões formadas,
opiniões imbecis normalmente”. É essa voz do lugar comum, de
uma fração frequentemente conservadora, autoritária,
preconceituosa, racista, misógina, da opinião pública, que
funciona como uma espécie meio assustadora de figuração coral
da maioria silenciosa nos textos de André Sant’Anna. E que ecoa
em textos-monólogos como “Rush”, “O importado vermelho de
Noé”, mas também em narrativas mais longas, como “Sexo”,
livro movido por uma espécie de máquina textual de clichês,
tensionada, porém, por uma construção rítmica difícil e pautada,
toda ela, em listas de repetições incansáveis, de expressões
formulaicas e tipificações diversas às quais se anexam mínimos
fiapos de enredo, mínimos mesmo.

Esforço de figuração de dimensão
coletiva, a que talvez não se tenha
dado ainda resposta crítica vigorosa

Há, pois, nesse contraponto entre lugar comum e ritmo


exigente, uma estruturação segundo a qual a coralização não se
define apenas via voz plural, anônima, como a princípio se
poderia supor, observando os textos de André, mas,
especialmente, via decalagem, repetição quase igual, mas
submetida a pequenas variações internas, um conjunto-em-
diferenciação de segmentos quase idênticos. Há economia
rítmica igualmente exigente, estrutural, pautada numa voz, nas
inflexões de uma voz, só que, desta vez, elusiva e
individualizada, em “Engano geográfico”, de Marília Garcia. Um
poema-relato em que se vai do “ele diz”, “ela diz”, do “ouve
uma mulher dizer”, a uma tensão constante entre a primeira e a
segunda pessoas verbais, entre declarações (“acabo de ver
d’est”, “tudo é opaco de um trem a 300 km/h”), hesitações
(“falar falar falar/mas sobre o que se pergunta”), interrogações
(“lembra daquela vez?”, “o que foi fazer ali pergunta”, ”o que foi
fazer no centro do mundo se pergunta”). Um livro no qual,
como no anterior, “20 poemas para o seu walkman”, Marília
Garcia, tendo a voz e a escuta como horizontes de escritura,
realiza exercícios narrativos que talvez devessem ser lidos com
mais atenção, fora do âmbito da poesia também. Agora de
extensão mais vasta, amplia-se, no poema, o jogo de
deslizamentos (geográficos, focais) e porosidades (uma cidade
em outra, vozes múltiplas numa voz) por meio do qual, mais do
que o percurso, é um reajuste constante de entonação e de
percepções que empresta configuração dinâmica a essas
observações.
 
 Em “O natimorto”, de Lourenço Mutarelli, é
uma forma-mercadoria que se apresenta simultaneamente
como enunciação coletiva e oráculo (a sucessão de pacotes de
cigarro, e de advertências sanitárias e ilustrações médicas
desastrosas que as acompanham) e com a qual dialoga tanto a
sucessão de relatos em primeira pessoa do protagonista (um
agente musical que interpreta à sua maneira as advertências,
como se fossem quase cartas de tarô), quanto a sequência de
diálogos entre ele e sua protegida (também fumante), a cantora
cuja voz não soa. E é via sucessão de cigarros (e de ilustrações)
e via alternância discursiva (entre texto-propaganda, descrição
imagética, relato pessoal e conversa a dois ou a três) que se
constrói — como vaivém entre pequenos fios verbais — um dos
melhores textos de Mutarelli, no qual converte em dobra
narrativa o que, em geral, constitui um processo de composição
em diferentes linguagens (gráfico-verbal), como costuma ser o
seu nas histórias em quadrinhos. Mas não aí. Aí isso se insinua,
mentirosamente.
 
 Há, também, transferência material em
“Delírio de Damasco”, de Veronica Stigger, que foi originalmente
uma exposição de parte dos textos compilados no livro,
realizada, em 2010, em tapumes da unidade 24 de maio do
SESC São Paulo. Se o caráter verbal dos fragmentos de
conversa ouvida ao léu, das frases recortadas ou inventadas, é
semelhante na mostra e no livrinho, da dimensão minúscula da
publicação parece emergir a ideia de uma apropriação meio
secreta, indevida, fantasiosa às vezes, do rumor da rua. O que
assinalam, mais uma vez, de cara, as epígrafes à beira do
contraditório — sobre o que a frase ouvida casualmente conteria
de presságio (De Quincey) e o comentário de Oswald — “A
gente escreve o que ouve — nunca o que houve”. Livro
composto inteiramente de vozes, que dialoga, assim, tanto com
as apropriações oswaldianas, quanto com a poesia coral de
Francisco Alvim. E assinala um processo de composição via
ready-made — como é o seu em “Destinos” (extraído das linhas
de ônibus paulistas) ou “Luana”, de “Gran Cabaret Demenzial”,
em toda a seção “Histórias da Arte” de “Os anões”, nos
reclames, conselhos caseiros, ilustrações de época que
irrompem, vez por outra, em “Opisanie Swiata”, e se mantêm
ali, soltos, desencaixados, quase coisas, como Bopp, o senhor
Andrade, Opalka, cujo decalque obrigatório cria uma espécie de
relevo, de rugosidade, em narrativa enganosamente ligeira,
plana.
 
 No trabalho de Nuno Ramos, as apropriações não
tendem propriamente ao decalque — derretem, afundam,
colidem, esfacelam-se. Não apenas quando se pensa nas
coleções de objetos quebradiços (como em “O globo da morte
de tudo”), nos pedaços de casas (de “Ai, pareciam eternas! (3
lamas)”), nos materiais de textura visivelmente conflituosa.
Também, em meio aos seus escritos, há os pedaços de coros
trágicos (“Mar Morto”), de textos de vária extração (“Carolina”),
de trechos de canções populares (em “Vai Vai”, “Choro Negro”),
que intervêm crescentemente nas instalações. Figurações corais
que, no seu caso, apontam para uma espécie de trava crítica à
própria objetivação da obra, num processo de formalização
dramatizado e redramatizado a cada novo trabalho.
Coralizações reincidentes, como as que se verificam na vida
cultural brasileira recente, sinalizando, não é difícil perceber, um
esforço de figuração de dimensão coletiva, apresentada, por
vezes, de modo espectral, como “comunidade ausente” (para
empregar expressão de Martin Megevand), e por vezes, no
entanto, como falta ativa que, no campo literário, tem
intensificado processos de redefinição movidos a formas
diversas de prática coral.
 
 *Flora Süssekind é crítica
literária, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa,
professora de Teoria do Teatro na UniRio e autora de "O
Brasil não é longe daqui", "Literatura brasileira e vida
literária" e "Papeis coloridos", entre outros.

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