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RESENHA

DOM DO CRIME
MARCO AMERICO LUCCHESI

PROFESSOR GUILHERME FARIAS


INTRODUÇÃO
O livro O Dom do Crime, de Marco
Lucchesi, é o primeiro da trilogia*,
lançado em
2010, pela Editora Record, 160 páginas,
primeiro romance do autor, revela-se uma
obra para quem é amante da literatura
antiga brasileira, pois se mostra num
hibridismo com discursos literários de
escritores do século XIX, principalmente
Machado de Assis.
*Dom do Crime (2010), O Bibliotecário do Imperador (2013) e Adeus,
Pirandello (2021).

Professor Guilherme Farias


RESENHA 03
Provavelmente nenhum outro escritor da
literatura brasileira teve tanto êxito
quanto
Machado com sua obra Dom Casmurro, no
sentido de estar no imaginário popular
por gerações, mesmo os que terminaram
o ensino médio e tem algum tipo de
trauma com a obrigatoriedade de leitura
de obra com escrita tão hermética, ao
menos ficou com o questionamento:
“Capitu traiu?”.
A academia sempre se debruça sobre essa
questão, e por não ser possível
realmente saber a verdade, vemos tantos
autores, pesquisadores e a população em
geral romancear suas versões sobre
Capitu e Bentinho.
É justamente a intenção de Luchessi ao
criar esse romance, ou seja, a principal
referência de Machado foi ter
acompanhado o julgamento de Mariano
que matou
Helena e inspirou o Casal Capitu e
Bentinho. Pois Machado trabalhava no
Diário do
Rio de Janeiro e por meio de sua
profissão acompanhou de perto o caso.
Interessante que Lucchesi tenha
escolhido o romance para mostrar esse
ponto de
vista.Professor Guilherme Farias

Pois o livro é uma obra de ficção, que 04


mescla fatos reais com elementos de
ficção.
Achei interessante o mapa com a planta
da cidade do Rio de Janeiro marcando os
pontos de cada casa, vemos a casa de
Capitu, a casa de Bentinho e a casa de
Machado de Assis. Ele tem uma
linguagem bem no estilo de Machado de
Assis, em
muitos trechos me remeteu a um diário,
com capítulos rápidos, alguns de apenas
uma página, parecendo um golpe de
lâmina inesperado, tal qual Mariano
atacando
Helena, o texto-poema do autor nos
deixa apreensivos e vidrados com o
julgamento no tribunal, as
argumentações dos advogados, os relatos
são muito
bem descritos por Lucchesi.
O desejo do narrador que seu livro só
venha a público no futuro, no século XXI,
em
2010, ano do lançamento de O Dom do
Crime é uma sacada interessante até
mesmo pela linguagem rebuscada que
deixa a noção de passado mais explícita.
O caminho construído por Lucchesi nessa
narrativa nefasta alinha as histórias de
Bentinho e Mariano com a de Capitu e
Helena, esse caminho obviamente é o do
ciúmes, Combinada
Professor com
Guilherme a suspeita de
Farias
traição, corroborado

pelo amor impulsivo
dopassado gravado nos juizados e
registros literários, que enriquece os 05
debates sobre
a literatura brasileira.
Bentinho e Dr. Mariano vão a eventos
sociais sozinhos: um encontra Escobar
com
Capitu e o Mariano vai sozinho ao baile
pois Helena alega ‘’motivos futeis”.
Parentes e colaboradores estranhamente
são acusados de descobrir "falhas"
familiares, colocando dúvidas e frases
maliciosas, igual José Dias faz várias
vezes,
provocando Bentinho, em Dom Casmurro.
Na época existiam os folhetins que eram
lidos e discutidos pela sociedade, da
mesma forma que crimes famosos,
exatamente como é hoje com os filmes e
séries dos streamings vide caso Nardoni,
Richthofen, Matsunaga, etc que viraram
filmes,
séries e documentários e são discutidos
amplamentes em redes sociais, entre
amigos e em vídeos.
Fica nítido quando o narrador confessa
que um de seus "...vícios consiste em
assistir ao julgamento dos crimes". Os
rábulas e os desqualificados cursos de
Direito são questionados pelas
absolvições em crimes passionais, em
uma época

Professor Guilherme Farias


em que era normal "salvar a honra


matando a mulher". Os recursos 06
argumentativos
dos advogados são brilhantes, como o
excelente discurso que Evaristo
proclamou
para destruir seu oponente Varella e
conseguir a absolvição do réu, ao usar,
para
defender o acusado, o próprio argumento
de Varella em outro júri, apesar de
discordar totalmente da absolvição de Dr.
Mariano pois Lucchesi acaba por nos
mostrar através do romance que Helena e
Capitu eram apenas vítimas em uma
sociedade machista que ainda inocenta
naturalmente feminicídios.
Mariano era médico e usou de sua
ferramenta de trabalho, o famoso bisturi,
não
para salvar uma vida e sim tirar uma vida.
No início do livro temos um fundamento
filosófico de Hipócrates, pai da medicina:
"Quando os remédios não curam, cabe
ao ferro trazer de volta a saúde".
O Dr. Mariano ficou famoso na época por
ser médico do pai do poeta Olavo Bilac,
por isso o crime ganhou tanta
notoriedade na mídia daquele período,
Machado
naquele tempo trabalhava no Diário do
Rio de Janeiro e provavelmente teve
proximidade direta com as notícias do
Professor Guilherme Farias

caso que Lucchesi acredita ser possível


afirmar que o crime serviu de inspiração 07
para Machado de Assis escrever Dom
Casmurro.
Mariano foi absolvido no argumento de
ser portador de uma loucura transitória, e
também por um aumento do fluxo
sanguíneo, chamado no meio científico
como
hiperemia cerebral, e para fechar
insanidade temporária, pela sorte do
próprio a ciência ainda estava
engatinhando com relação a esses temas
psicológicos na
época do julgamento. Embora, ao meu
ver, após a argumentação de Viveiros de
Castro, ficou claro que a ação de Mariano
foi premeditada e não teve nenhum tipo
de ligação com doenças psicológicas.
Obviamente essa obra é uma grande
homenagem ao escritor Machado de
Assis, e
diria que é um excelente livro para ser
consumido logo após ler Dom Casmurro
isso
porque Lucchesi faz algumas observações
bastante interessantes sobre o texto,
que conduzem o leitor a visão de que
Bentinho carregava um ciúmes doentio
em
sua mente assim como o Dr. Mariano e,
mais do que isso, resultado da mesma
sociedade machista que transformava
uma Professor Guilherme
mulher em Farias
adúltera facilmente.

Para concluir, a leitura do livro torna o


amante da literatura do Bruxo do Cosme 08
Velho ainda mais encantado pela
linguagem machadiana de Luchessi.
Embora para
meu gosto não agrade tanto, é inegável o
trabalho detalhado e bem amarrado da
trama de Dom do crime, para quem ama a
forma de escrita de Machado é um prato
cheio e recomendo para esse tipo de
leitor.

Professor Guilherme Farias

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