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BIAZZI - Trabalho Na Perspectiva Sociotecnica 28032019
BIAZZI - Trabalho Na Perspectiva Sociotecnica 28032019
o TRABALHO E AS ORGANIZAÇOES
NA PERSPECTIVA SÓC/O- TÉCNICA
PALAVRAS-CHAVE:
Sistemas sócio-técnicos, orga-
nização do trabalho, projeto do
trabalho.
KEYWORDS:
Sociotechnical systems, work
organization, job designo
• Engenheiro de Produção e
Mestre em Engenharia de Pro-
dução pela POU/USP, Douto-
rando do Departamento de Psi-
cologia Social do Instituto de
Psicologia da USP.
mento n. 2, Ontario Quality of máquinas, equipamentos, técnicos etc. - tureza das características fundamentais do sis-
Working Life Center, junho,
1981. e o subsistema social - que são os indiví- tema técnico e traduzir isto em tarefas e em-
duos e grupos de indivíduos, seus com- pregos que considerem as necessidades e carac-
8. MURRAY, H. Op. cit. portamentos, capacidades, cultura, sen- terísticas fundamentais dos seres humanos .8
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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA soao- TÉCNICA
Entretanto, essa otimização conjunta trole do trabalho dos operários, mas sim
deve sempre buscar a consecução de um voltado a garantir as condições e os re-
objetivo final - definido na abordagem cursos necessários ao bom funciona-
sócio-técnica como tarefa primária - que, mento do grupo. O líder para a Escola
no caso das organizações industriais é a Sócio- Técnica está voltado para o am-
obtenção de lucros. Esta proposição, apa- biente e para facilitar a interface am-
rentemente positivista e simplista, é es- biente-grupo. Além disso, ele - o líder -
sencial para que a abordagem sócio-téc- deve cuidar para que as relações sociais
nica não seja considerada como uma no interior do grupo se mantenham
simples forma de experimentação social, bem estruturadas e voltadas principal-
mas uma forma de buscar, em última mente à realização das tarefas, pois um
análise, o desenvolvimento de organiza- grupo semi-autônomo é um grupo de
ções mais eficazes." tarefa e um grupo de vivência, isto é,
um grupo que tem funções claras a exe-
OS GRUPOS SEMI-AUTÔNOMOS cutar e onde também existem relações
sociais e afetivas.
o foco principal dos estudos sócio-
técnicos se dirige à organização dos sis-
temas produtivos no âmbito dos indiví-
duos e suas atividades. Devido à base
conceitual, premissas e experiências vi-
Uma tioda organização
venciadas pelos pesquisadores do Tavis- -
'de trabaiho não é decorrente,
~ ~ -<
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i1m ARTIGO
sere, com a tecnologia utilizada e sua nas organizações por projetos e na sua
evolução e com as demais demandas forma matricial.P
ambientais que vive a organização. Porém, mesmo estas estruturas talvez
não sejam suficientes para as organiza-
o AMBIENTE E AS ESTRUTURAS ções na adaptação adequada às deman-
ORGANIZACIONAIS das ambientais. No caso de projetos mui-
to complexos, elas devem se associar a
Após alguns anos pensando nos siste- outras de modo a co-participarem em um
mas de trabalho primários, os pesquisa- trabalho conjunto formando o que os
dores do Tavistock se aperceberam que pesquisadores sócio-técnicos denominam
esta adequação dos grupos semi-autôno- matrizes organizacionais. Por outro lado,
mos a diferentes situações não era, por si quando se defrontam com uma situação
só, suficiente para que toda a organiza- complexa, ou um sistema de problemas,
ção se adaptasse às condições ambien- como no caso de organizações em um
tais. No início da década de 60, Eric L. distrito industrial ou organizações que
Trist e Frederick E. Emery se preocupa- pertençam ao sistema de saúde de deter-
ram em tentar definir qual o tipo de am- minada cidade ou país, as organizações
biente com que se defrontavam as orga- envolvidas formam domínios inter-orga-
nizações. Chamaram-no ambiente turbu- nizacionais, devendo se articular entre si
lento, caracterizado pela mutabilidade ou mesmo através da criação de organi-
das demandas sociais, econômicas e polí- zações que coordenem suas ações, cha-
ticas e pela rápida evolução das bases madas de organizações referenciais.P Co-
tecnológicas .11 locados assim os principais conceitos li-
Nessas condições ambientais ditas tur- gados à Escola Sócio-Técnica, devemos
bulentas, segundo a Escola Sócio-Técni- então considerar que sua abordagem en-
ca, as organizações estruturadas nos globa três diferentes níveis: o nível dos
moldes da burocracia tecnocrática pas- sistemas de trabalho primários, o nível
sam a se adaptar ao ambiente de uma da organização como um todo, e o nível
forma passiva, que incapacita progressi- chamado macrossocial, que abarca os sis-
vamente a organização a novas e profun- temas de organizações. As respostas só-
das adaptações. Essa adaptação passiva cio-técnicas apontadas para cada um de-
pode se dar nas formas de segmentação, les pressupõem então que deve haver um
fragmentação e dissociação - que se ca- tratamento harmônico e coerente entre
racterizam pela perda de foco dos objeti- todos e, somente dessa forma, ganha a
vos e metas da organização - respectiva- organização - podendo sobreviver e se
mente relativos à perda de foco entre os adaptar , e ganham os indivíduos - po-
níveis, ao longo do tempo e entre as divi- dendo se integrar e se desenvolver.
sões ou departamentos. Podemos fazer
um paralelo entre a adaptação passiva O PROJETO E A IMPLEMENTAÇÃO DE
das organizações com os mecanismos in- SISTEMAS SÓCIO-TÉCNICOS
dividuais de defesa psicológica, que re-
solvem um conflito apenas superficial- Um projeto organizacional sempre se
mente, e apenas fazem com que o pro- dá com base em um conjunto de premis-
blema se agrave com o tempo. sas, princípios e objetivos, quer eles se-
11. EMERV, F. E., TRIST, E. L.
The causal texture of organiza- A solução para uma satisfatória adap- jam francamente admitidos ou não. Ao
tional environments. Human tação e sobrevivência das organizações longo dos anos, os pesquisadores ligados
Relations, v.18, n.2, p.21-32, em um ambiente turbulento é, para a Es- à Escola Sócio-Técnica foram tentando
1965.
cola Sócio-Técnica,uma adaptação ativa. operacionalizar os conceitos e funda-
12. KINGDON, D. R. Matrix or- No âmbito do trabalho, como já disse- mentos sucintamente apresentados até
ganization: managing informa- mos, isto significa a adoção dos grupos agora. Com isso, é possível vislumbrar
tion technologies. Londres: Ta-
vistock, 1973. semi-autônomos. No âmbito das organi- atualmente os princípios que norteiam o
zações como um todo, a adaptação ativa projeto sócio-técnico e os atributos e ca-
13. TRIST, E. L. Referent orga- implica a adoção de uma estrutura que racterísticas do trabalho, dos grupos e
nizations and the development
of inter-organizational domains. permita a montagem e desmontagem das organizações que devem decorrer
Human Relations, v.36, n.3, dos grupos segundo as conveniências da desta adoção. Esses princípios e caracte-
p.269-84, 1982. situação, que é uma condição que existe rísticas devem estar na mente daqueles
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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA SÓCIO-TÉCNICA
origem ."
A adoção destes princípios deve levar
à construção de uma organização essen-
cialmente diversa daquelas construídas
em moldes burocráticos, tayloristas e
fordistas. O trabalho deve possuir um O projeto e implementação em si não
conteúdo que demande as capacidades escondem nenhum grande mistério. De
intelectuais e criativas dos indivíduos, modo muito, muito, resumido, podemos
permitir um aprendizado contínuo, ge- dizer que constituem ciclos, cada vez
rar suporte social e reconhecimento e ter mais abrangentes de: formação de equi-
uma clara relação com a vida social dos pes, treinamento - com base em visitas,
operários e com os valores que eles par- estudos de caso e aulas - na abordagem
tilham com a sociedade. As tarefas e sócio-técnica, análise sócio-técnica e defi-
grupos devem ser tais que possibilitem a nição de instalações e métodos de traba-
visualização de um produto final e per- lho, até que se incluam todos os funcio- 14. CHERNS,A. B. Principies ot
mitam a realimentação sobre os resulta- nários e o mínimo essencial dos proces- Sociotechnical design revisiled.
dos, com diferenças mínimas de status e sos e métodos estejam definidos para a Human Relations, v.4D, n .3,
p.153-62, 1987.
uma composição heterogênea, multidis- entrada e funcionamento.>
ciplinar. Essas tarefas e grupos, assim Isto se aplica às organizações indus- 15. DAVIS, L. E. Evolving alter-
como a própria estrutura organizacio- triais ou de serviços, às unidades de pro- native organization designs:
their sociotechnical bases. Hu-
nal, devem trabalhar no sentido das ca- cessamento contínuo ou não. O essencial man Relations, v.3D, n.3, p.261-
racterísticas discutidas dos grupos hu- é compreender, como diz o próprio AI- 73,1977.
manos, levando à cooperação, colabora- bert B. Cherns, que o projeto e a imple-
16. COLEMAN, G. O., JOHNS-
ção e comprometimento. A organização mentação baseados na perspectiva sócio- TON, C. S. Implemenling lhe
como um todo estará voltada à alta per- técnica pertencem, antes de mais nada, sociotechnical svsterns ap-
formance, à mudança contínua e ao contí- àqueles que terão seu trabalho e funções proach, including self-managing
teams in a start-up organization.
nuo aprendizado, à auto-regulação, ao definidas nesse processo .17
Quality & Productivity Manage-
estilo participativo e, muito importante Contudo, visto que a implementação ment, v.9, n.4, p.4-14, 1992.
citar, à concepção partilhada .15 da perspectiva sócio-técnica em sistemas
17. CHERNS, A. B. The princi-
Quanto à implementação - seja em no- produtivos que já se encontram em ope-
pies of sociolechnical designo
vas instalações, seja em unidades já em ração requer um cuidado maior - pelas Human Relations, v.29, n.B,
operação - deve se basear em metodolo- disfunções que decisões equivocadas ou p.783-92,1976.
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iJ!J/J ARTIGO
fora de tempo podem provocar - Wil- pendendo da posição - ativa ou passiva
liam A. Pasmore desenvolveu, em 1988, - dos trabalhadores no processo de mu-
uma metodologia que dá suporte a esse dança, sendo que os pesquisadores do
tipo de processo .18 Tavistock parecem desejar que esta par-
ticipação seja a mais ativa possível.
CONSEQÜÊNCIAS DA ADOÇÃO DA Quanto à primeira crítica de Harry Bra-
PERSPECTIVA SÓCIO-TÉCNICA verman, podemos dizer que a busca da
eficiência organizacional é possivelmen-
Colocadas as bases, é necessário ava- te a única forma de a perspectiva sócio-
liarmos a conveniência e viabilidade da técnica não ser encarada como um expe-
adoção da abordagem sócio-técnica. Por rimento social e poder ser aceita pela so-
que deveríamos adotar - ou não - a pers- ciedade contemporânea ocidental nos
pectiva sócio-técnica? moldes em que se encontra estruturada,
A maior parte das lacunas conceituais no chamado capitalismo monopolista.
e metodológicas da Escola Sócio-Técnica De maneira mais abrangente, nós po-
acabaram por ser preenchidas ao longo demos tentar visualizar a conveniência e
dessas quatro décadas e meia, desde o as conseqüências da adoção e difusão do
seu surgimento. A única observação que enfoque sócio-técnico segundo três ópti-
achamos necessária destacar - quando cas distintas: a da esfera organizacional,
olhamos para a perspectiva sócio-técnica a da esfera humana e a da esfera social.
como uma resposta aos problemas orga- Uma análise da Escola Sócio-Técnicado
nizacionais - é que existe uma limitação ponto de vista organizacional é aquela
de escopo, de "poder de fogo". Embora que mais interessa aos dirigentes e exe-
consideremos a perspectiva sócio-técnica cutivos das empresas e se refere aos re-
como necessária ao sucesso das organi- sultados mensuráveis do desempenho
zações nos dias de hoje, a sua adoção, dos funcionários e da organização. Feita
por si só, não garante que isto ocorra. uma ressalva quanto às limitações das
Existem decisões estratégicas - por amostras utilizadas em revisões e avalia-
exemplo, aquelas relativas à escolha de ções - decorrentes da tendência à divul-
nichos de mercado ou as soluções apon- gação das experiências bem-sucedidas e
tadas pela pesquisa e desenvolvimento às várias amplitudes de mudança encon-
da empresa - cuja qualidade das respos- tradas nos diferentes casos -, podemos
tas depende muito de decisões tomadas sintetizar como principais resultados da
na cúpula das organizações e assim li- adoção da perspectiva sócio-técnica os
gam-se debilmente à adoção ou não do seguintes:
enfoque sócio-técnico.Assim, se conside-
rarmos a adoção da perspectiva sócio- 1. aumentos significativos de produtivi-
técnica como necessária ao sucesso orga- dade (e qualidade), não de 5 a 10 %,
nizacional, podemos dizer que ela não é mas em geral de 50 a 100 %;
suficiente. 2. redução de taxas de absenteísmo;
As críticas mais interessantes encon- 3. maior produtividade onde os grupos
tradas na literatura reportam-se à afini- têm mais autonomia;
dade da Escola Sócio-Técnica com as re- 4. maior adequação a unidades com cer-
gras da sociedade capitalista. São aplicá- ca de 200 a trezentos funcionários;
veis à Escola Sócio-Técnicaas críticas de 5. encontramos ainda uma maior aplica-
Harry Braverman, relativas à limitação ção em processos contínuos, embora
18. PASMORE, W. A. Designing das mudanças àquelas que reduzem os
eftective organizations: the so-
não sejam encontradas limitações para
ciotechnical systems perspecti- custos e melhoram a posição frente à processos discretos ou nos setores de
ve. Nova Iorque: John Wiley, concorrência e ainda a dedicação a "des- serviços;
1988. cobrir os móveis do comportamento hu- 6. e, por último, constatou-se que não
19. BRAVERMAN, H. Trabalho e mano e a manipulação dele nos interes- existem restrições de ordem cultural.
capital monopolista. Rio de Ja- ses patronais" .19 Contudo, devemos di-
neiro: Guanabara, 1987. zer que esta manipulação, como diz An- A análise da Escola Sócio-Técnica,do
20. GORZ, A. Crítica da divisão dré Gorz, depende da relação de forças ponto de vista do ser humano, é tão ou
do trabalho. São Paulo: Martins que preside a introdução das mudan- mais importante quanto a do ponto de
Fontes, 1989. ças.20 Assim, a manipulação ocorre de- vista organizacional. A adoção da pers-
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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA SÓCIO- TÉCNICA
Artigo recebido pela Redação da RAE em outubro/93, aprovado para publicação em novembro/93. 37