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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇOES
NA PERSPECTIVA SÓC/O- TÉCNICA

• Fábio de Biazzi Jr.

A conveniência e a viabilidade da implementação do enfoque sócio-técnico


nas empresas.

The convenience and the viability 01sociotechnical approach in firms.

PALAVRAS-CHAVE:
Sistemas sócio-técnicos, orga-
nização do trabalho, projeto do
trabalho.

KEYWORDS:
Sociotechnical systems, work
organization, job designo

• Engenheiro de Produção e
Mestre em Engenharia de Pro-
dução pela POU/USP, Douto-
rando do Departamento de Psi-
cologia Social do Instituto de
Psicologia da USP.

30 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 34(1 ):30-37 Jan./Fev. 1994


o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA SÓCIO-TÉCNICA

A ORIGEM DA ESCOLA SÓCIO-TÉCNICA terceiro. As tarefas específicas consistiam


em fazer furos e cortes no veio, abrir gale-
A história da Escola Sócio-Técnica co- rias, transportar o carvão, montar e des-
meça junto às minas de carvão de montar a esteira rolante e fazer o teto de-
Durham, ao norte da Inglaterra, em 1949, sabar. A introdução do longwall method
quando alguns pesquisadores do então não trouxe o aumento de produtividade
recém-criado Tavistock Institute of Human esperado, fez com que as taxas de absen-
Relations foram chamados para analisar teísmo e rotatividade se elevassem e criou
os problemas relativos à mecanização uma incidência epidêmica de desordens
dos processos de mineração. psicossomáticas entre os mineiros. 2
O processo de mineração, desde seu Esse trabalho de extração de carvão foi
surgimento nos séculos XII e XIII, prati- então analisado cuidadosamente por Eric
camente não havia sofrido modificações L. Trist e Kenneth W. Bamforth. Dado o
significativas até então. Os mineiros rea- caráter multidisciplinar do Tavistock, ba-
lizavam seus trabalhos em duplas, um seado principalmente em Psicologia e So-
dos quais podia ser um aprendiz. As fer- ciologia, esta análise buscou descrever e
ramentas eram manuais e o trabalho ex- inter-relacionar os aspectos técnicos, or-
tremamente desgastante. A dupla era for- ganizacionais, sociais e psicológicos do
mada por escolha pessoal e executava to- trabalho de extração realizado sob o mé-
do o ciclo de operações de extração. Tra- todo de paredes longas. Dessa forma, foi
balhavam em locações dispersas e auto- cunhado, pela primeira vez, um exem-
selecionadas dos veios carboníferos - que plar do que podemos chamar de "análise
são como lâminas de 1 a 3 metros de es- sócio-técnica". Este trabalho foi publica-
pessura entre placas de rochas e que po- do em 195L3
dem se situar a centenas de metros de Poucos anos mais tarde, a continuação
profundidade. Trabalhavam sem super- dos estudos nas minas de carvão fez com
visão e eram pagos pelo trabalho da du- que esses pesquisadores presenciassem
pla. Esses mineiros possuíam um profun- uma outra experiência fundamental para
do conhecimento da mina e das condi- as bases da Escola Sócio-Técnica. Retor-
ções'de trabalho. 1 Esta forma de trabalho nando às minas de Durham, Eric L. Trist
era denominada hand-got system. e seus colaboradores encontraram, na al-
A mecanização das minas inglesas se deia de Chopwell, as mesmas técnicas e
deu pela introdução de um método de máquinas do método de paredes longas
extração chamado longwall method, numa organizadas diferentemente. O método
tradução direta, "método de paredes utilizado nesta mina era denominado
longas". De acordo com este método, um composite longwall method, numa tradução
veio carbonífero é extraído em faces que direta, "método composto de paredes
constituíam uma parede de cerca de 200 longas". Consistia no rearranjo do mes-
metros de largura. À medida que a pare- mo grande grupo de quarenta homens
de avança e todo o carvão é retirado, o te- em subgrupos interdependentes ao longo
to da área livre deixada para trás é feito dos turnos. Assim, cada mineiro executa-
desabar, criando condições seguras para va funções internamente alocadas em 1. MURRAY, H. Uma Introdu-
a progressão da parede longa. Este novo subgrupos que desempenhavam todas as ção aos Sistemas Sócio- Técni-
cos ao Nível do Grupo de Traba-
método exigia pesados investimentos em tarefas relativas à extração do carvão. As lho Primário. São Paulo:
maquinaria, como cortadores, furadeiras equipes dos turnos seguintes iniciavam o EAESP/FGV, 1977 (apostila).
e esteiras transportadoras. Para trabalhar trabalho onde as anteriores haviam ter-
minado. Todos recebiam o mesmo salário 2. HERBST, P. G. Sociotechni-
com essas máquinas, os mineiros foram cal design: strategies in multi-
separados em tarefas especializadas, que e incentivos, sendo o pagamento definido disciplinary research. Londres:
exigiam diferentes níveis de habilidade e pela produção do grupo como um todo. Tavistock, 1974.
eram remunerados por diferentes siste- Estes grupos eram significativamente au-
3. TRIST, E. L., BAMFORTH, K.
mas de pagamento. tônomos e alternavam papéis e turnos W. Some social and psychologi-
Cada parede longa era trabalhada por com um mínimo de supervisão. 4 cal consequences of the long-
um total de quarenta homens, que com- A existência dessa forma de organiza- wall method of coal-getting.
Human Relations, v.4, n.1, p.3-
punham sete grupos especializados, ope- ção constituía uma ruptura em relação à 38,1951.
rando quatro destes grupos em um pri- tendência de um maior fracionamento de
meiro turno, dois no segundo e um no tarefas e burocratização que se julgava 4. MURRAY, H. Op. cit.

© 1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 31


iJ!JlJ ARTIGO
indissoluvelmente ligada à crescente me- timentos e tudo de humano que os
canização e à evolução tecnológica e or- acompanha. O conceito de indivíduo e
ganizacional. O método composto de pa- grupos inerente à abordagem sócio-téc-
redes longas combinava a mecanização nica deriva de desenvolvimentos - em
com as principais características do artigo Psicologia Social, Psicanálise, Psicologia
hand-got system, das duplas de mineiros. de Grupos e Sociologia - pouco anterio-
Deste modo, surge o conceito de esco- res ao seu próprio surgimento, princi-
lha organizacional. Uma dada organiza- palmente devidos a Wilfred Bion, Kurt
ção de trabalho não é decorrente apenas Lewin e Elliott Jaques. 6
da tecnologia utilizada, mas depende, O mundo interno dos indivíduos é
além do nosso conhecimento técnico, de formado por seus instintos, inconsciente,
nossas premissas sobre os indivíduos e capacidades inatas, superego, crenças e
todos os nossos objetivos, sejam eles ex- valores. A relação com o ambiente exter-
plícitos ou não. Nas minas de carvão, a no é controlada pelo seu ego ou cons-
mesma tecnologia podia ser o suporte de ciente. Esses indivíduos apresentam di-
diferentes formas de organização, com ferenças também em termos de necessi-
diferentes resultados econômicos e hu- dades e expectativas. Assim, os modelos
manos. Além disso, o método composto e estruturas de trabalho que os motivam
de paredes longas ia contra outro dos não são únicos. Contudo, a Escola Sócio-
fundamentos mais importantes da Ad- Técnica considera que o comportamento
ministração Científica, cujos princípios das pessoas face ao trabalho depende da
têm realmente sustentado o modo de forma de organização deste trabalho e
produção das empresas ao longo deste do conteúdo das tarefas a serem executa-
século, apesar da existência aparente de das, pois o desempenho das tarefas e os
diferentes formas de organização. Ao sentimentos a elas relacionados - res-
contrário do que prega a Administração ponsabilidade, realização, reconheci-
Científica, o projeto do trabalho não cou- mento etc. - são fundamentais para que
be somente a especialistas. Embora não o indivíduo retire orgulho e satisfação
interferindo no projeto das máquinas, a do seu trabalho."
concepção da organização do trabalho Ainda com relação ao subsistema so-
em Chopwell coube aos próprios minei- cial, é interessante e curioso destacar que
ros, aos trabalhadores, a concepção foi os grupos possuem um nível de ativida-
então partilhada. de equivalente ao inconsciente indivi-
dual. Ao mesmo tempo em que se reú-
OS FUNDAMENTOS DA ESCOLA nem pãra o desempenho de uma tarefa
SÓCIO-TÉCNICA explícita, as pessoas interagem em outro
5. BERTALANFFY, L. Von . The nível, tacitamente, levadas por poderosas
theory of open systems in
physics and biology. In:
Após essa brevíssima introdução his- forças psicológicas.
EMERY, F. E. Systems thinking. tórica e da apresentação de alguns con- Então, o subsistema social, assim enfo-
Londres: Penguin Books, 1969. ceitos muito importantes, escolha orga- cado pela Escola Sócio-Técnica, e o sub-
nizacional e concepção partilhada, pode- sistema técnico de determinado sistema
6. BION, W. R. ExperiOncias
com grupos. São Paulo: Imago- mos tentar formar um quadro geral dos de trabalho devem ser considerados parti-
Edusp, 1975; JAQUES, E. Social fundamentos da Escola Sócio-Técnica. A cularmente e em suas relações e otimiza-
systems as a defense against organização na perspectiva sócio-técnica
persecutory and depressive an-
dos conjuntamente, para que os objetivos
xiety. In: KLEIN, M., HEIMANN, é, antes de mais nada, um sistema aber- organizacionais sejam atingidos ao mes-
P., MONEY-KYRLE, R. E. New to. Ela interage com o ambiente, é capaz mo tempo em que alcançamos o desen-
directions in psychoanalysis. de auto-regulação e possui a proprieda-
Londres: Tavistock, 1955; LE-
volvimento e a integração dos indivíduos.
WIN, K. Problemas de dinámica de de eqüifinalidade, isto é, pode alcan- Isto quer dizer que é preciso projetar em
de grupo. São Paulo: Cultrix, çar um mesmo objetivo a partir de dife- conjunto o sistema social e a tecnologia
1987. rentes caminhos e usando diferentes re- particular ao caso. Nas palavras de Hugh
7. TRIST, E. L. The Evolution of cursos." Ela é formada por dois subsiste- Murray, outro pesquisador do Tavistock,
Sociotechnical Systems. Docu- mas: o subsistema técnico - que são as otimização conjunta significa definir a na-
/I

mento n. 2, Ontario Quality of máquinas, equipamentos, técnicos etc. - tureza das características fundamentais do sis-
Working Life Center, junho,
1981. e o subsistema social - que são os indiví- tema técnico e traduzir isto em tarefas e em-
duos e grupos de indivíduos, seus com- pregos que considerem as necessidades e carac-
8. MURRAY, H. Op. cit. portamentos, capacidades, cultura, sen- terísticas fundamentais dos seres humanos .8
/I

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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA soao- TÉCNICA

Entretanto, essa otimização conjunta trole do trabalho dos operários, mas sim
deve sempre buscar a consecução de um voltado a garantir as condições e os re-
objetivo final - definido na abordagem cursos necessários ao bom funciona-
sócio-técnica como tarefa primária - que, mento do grupo. O líder para a Escola
no caso das organizações industriais é a Sócio- Técnica está voltado para o am-
obtenção de lucros. Esta proposição, apa- biente e para facilitar a interface am-
rentemente positivista e simplista, é es- biente-grupo. Além disso, ele - o líder -
sencial para que a abordagem sócio-téc- deve cuidar para que as relações sociais
nica não seja considerada como uma no interior do grupo se mantenham
simples forma de experimentação social, bem estruturadas e voltadas principal-
mas uma forma de buscar, em última mente à realização das tarefas, pois um
análise, o desenvolvimento de organiza- grupo semi-autônomo é um grupo de
ções mais eficazes." tarefa e um grupo de vivência, isto é,
um grupo que tem funções claras a exe-
OS GRUPOS SEMI-AUTÔNOMOS cutar e onde também existem relações
sociais e afetivas.
o foco principal dos estudos sócio-
técnicos se dirige à organização dos sis-
temas produtivos no âmbito dos indiví-
duos e suas atividades. Devido à base
conceitual, premissas e experiências vi-
Uma tioda organização
venciadas pelos pesquisadores do Tavis- -
'de trabaiho não é decorrente,
~ ~ -<

tock, uma forma específica de arranjo do ~ápt:nasdo teçrioiogJa


trabalho é privilegiada: os grupos semi-
autônomos, dos quais as duplas de mi-
utili~ada, f110sâepende alé{tl do
ç
l

neiros do primitivo hand-got system e os nos~o conhecimento técnico, de


grupos de Chopwell são exemplos. Co- nossqs premissas sobre os .
mo poderíamos então delinear o que de- ,- • < .• ' ,

fine um grupo semi-autônomo e funda- indiViduas e todos os nossos ob-


mentar o porquê dessa preferência? Po-
demos iniciar dizendo que um grupo se-
mi-autônomo ou auto-regulável se ca-
racteriza pela responsabilidade coletiva
frente a um conjunto de tarefas, onde o
arranjo do trabalho é definido com a
participação de seus próprios membros, É interessante destacar que a manu-
permitindo o aprendizado de todas as tenção de um mesmo grupo por longos
tarefas e a rotação das funções, e facili- períodos de tempo tende a cristalizar as
tando uma interação cooperativa. O gru- relações sociais em detrimento da perfor-
po semi-autônomo deve ainda ser res- mance das tarefas, dificultando a eleva-
ponsável pelos recursos à sua disposição ção da produtividade e a adaptação a
e ter autoridade para utilizá-los. mudanças ambientais e tecnológicas. Es-
A autonomia de um grupo semi-autô- sa particularidade do funcionamento
nomo pode abranger: métodos de traba- dos grupos somada a outras fortes ra-
lho, escolha de líderes, distribuição de zões sociais e psicológicas, conscientes
tarefas, definição de metas etc. É impor- ou não, que atraem os indivíduos para
tante ressaltar que enquanto algumas grupos, faz com que seja conveniente
9. MI LLER, E. J., RICE, A. K.
dessas formas de autonomia têm impac- projetar as organizações no sentido de Systems ot organization. Lon-
to direto sobre a performance do grupo - captar essas forças e não lutar contra dres: Tavistock, 1973.
como no caso da definição do método - elas. Daí a escolha deste tipo de arranjo
organizacional. 10. GULOWSEN, J. A Measure
outras simplesmente denotam o poder of work-group autonomy. In:
deste grupo frente à organização, como Contudo, as particularidades desse ou DAVIS, L. E., TAYLOR, J. C.
no caso da escolha de seu líder .10 daquele grupo semi-autônomo - o nú- Design ot Jobs, Harmonds-
Esse líder, ao contrário do que aconte- worth: Penguin Books, 1972;
mero de membros, o grau de autonomia, SUSMAN, G. I. Autonomy at
ce na organização burocrática conven- a duração etc. - variam de acordo com a work. Nova Iorque: praeger Pu-
cional, não está preocupado com o con- situação específica em que o grupo se in- blishers, 1976.

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i1m ARTIGO
sere, com a tecnologia utilizada e sua nas organizações por projetos e na sua
evolução e com as demais demandas forma matricial.P
ambientais que vive a organização. Porém, mesmo estas estruturas talvez
não sejam suficientes para as organiza-
o AMBIENTE E AS ESTRUTURAS ções na adaptação adequada às deman-
ORGANIZACIONAIS das ambientais. No caso de projetos mui-
to complexos, elas devem se associar a
Após alguns anos pensando nos siste- outras de modo a co-participarem em um
mas de trabalho primários, os pesquisa- trabalho conjunto formando o que os
dores do Tavistock se aperceberam que pesquisadores sócio-técnicos denominam
esta adequação dos grupos semi-autôno- matrizes organizacionais. Por outro lado,
mos a diferentes situações não era, por si quando se defrontam com uma situação
só, suficiente para que toda a organiza- complexa, ou um sistema de problemas,
ção se adaptasse às condições ambien- como no caso de organizações em um
tais. No início da década de 60, Eric L. distrito industrial ou organizações que
Trist e Frederick E. Emery se preocupa- pertençam ao sistema de saúde de deter-
ram em tentar definir qual o tipo de am- minada cidade ou país, as organizações
biente com que se defrontavam as orga- envolvidas formam domínios inter-orga-
nizações. Chamaram-no ambiente turbu- nizacionais, devendo se articular entre si
lento, caracterizado pela mutabilidade ou mesmo através da criação de organi-
das demandas sociais, econômicas e polí- zações que coordenem suas ações, cha-
ticas e pela rápida evolução das bases madas de organizações referenciais.P Co-
tecnológicas .11 locados assim os principais conceitos li-
Nessas condições ambientais ditas tur- gados à Escola Sócio-Técnica, devemos
bulentas, segundo a Escola Sócio-Técni- então considerar que sua abordagem en-
ca, as organizações estruturadas nos globa três diferentes níveis: o nível dos
moldes da burocracia tecnocrática pas- sistemas de trabalho primários, o nível
sam a se adaptar ao ambiente de uma da organização como um todo, e o nível
forma passiva, que incapacita progressi- chamado macrossocial, que abarca os sis-
vamente a organização a novas e profun- temas de organizações. As respostas só-
das adaptações. Essa adaptação passiva cio-técnicas apontadas para cada um de-
pode se dar nas formas de segmentação, les pressupõem então que deve haver um
fragmentação e dissociação - que se ca- tratamento harmônico e coerente entre
racterizam pela perda de foco dos objeti- todos e, somente dessa forma, ganha a
vos e metas da organização - respectiva- organização - podendo sobreviver e se
mente relativos à perda de foco entre os adaptar , e ganham os indivíduos - po-
níveis, ao longo do tempo e entre as divi- dendo se integrar e se desenvolver.
sões ou departamentos. Podemos fazer
um paralelo entre a adaptação passiva O PROJETO E A IMPLEMENTAÇÃO DE
das organizações com os mecanismos in- SISTEMAS SÓCIO-TÉCNICOS
dividuais de defesa psicológica, que re-
solvem um conflito apenas superficial- Um projeto organizacional sempre se
mente, e apenas fazem com que o pro- dá com base em um conjunto de premis-
blema se agrave com o tempo. sas, princípios e objetivos, quer eles se-
11. EMERV, F. E., TRIST, E. L.
The causal texture of organiza- A solução para uma satisfatória adap- jam francamente admitidos ou não. Ao
tional environments. Human tação e sobrevivência das organizações longo dos anos, os pesquisadores ligados
Relations, v.18, n.2, p.21-32, em um ambiente turbulento é, para a Es- à Escola Sócio-Técnica foram tentando
1965.
cola Sócio-Técnica,uma adaptação ativa. operacionalizar os conceitos e funda-
12. KINGDON, D. R. Matrix or- No âmbito do trabalho, como já disse- mentos sucintamente apresentados até
ganization: managing informa- mos, isto significa a adoção dos grupos agora. Com isso, é possível vislumbrar
tion technologies. Londres: Ta-
vistock, 1973. semi-autônomos. No âmbito das organi- atualmente os princípios que norteiam o
zações como um todo, a adaptação ativa projeto sócio-técnico e os atributos e ca-
13. TRIST, E. L. Referent orga- implica a adoção de uma estrutura que racterísticas do trabalho, dos grupos e
nizations and the development
of inter-organizational domains. permita a montagem e desmontagem das organizações que devem decorrer
Human Relations, v.36, n.3, dos grupos segundo as conveniências da desta adoção. Esses princípios e caracte-
p.269-84, 1982. situação, que é uma condição que existe rísticas devem estar na mente daqueles

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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA SÓCIO-TÉCNICA

envolvidos na montagem desta organi- gias genéricas, em forma de roteiro, que


zação nos moldes sócio-técnicos. apenas orientam àqueles responsáveis
Dos princípios de projeto sócio-técni- por sua coordenação e suporte. As condi-
cos, para falar apenas nos mais impor- ções essenciais para que a implementação
tantes, se destacam os seguintes: compa- da perspectiva sócio-técnica seja bem-su-
tibilidade, mínima especificação crítica e cedida são a existência de um fortíssimo
controle de variâncias. O princípio de apoio por parte da cúpula da organiza-
compatibilidade destaca a necessidade ção e, principalmente, o sentimento dis-
de aderência entre o processo de mudan- seminado de que a mudança é necessária
ça e seus objetivos. Em outras palavras, à sobrevivência da organização.
isto significa dizer que apenas um proje-
to participativo pode levar a uma organi-
zação participativa. Outro princípio es-
sencial, da mínima especificação crítica,
sustenta que o projeto do trabalho deve
se ater a um mínimo de prescrições, re-
duzidas ao essencial para que os traba-
lhadores e grupos possuam a capacidade
de resposta exigida à organização. O
princípio do controle de variâncias, por
sua vez, indica que os desvios não pro-
gramados de padrões ou procedimentos
devem ser eliminados ou controlados o
,raGterístícas fundamentaís des se-
mais próximo possível dos pontos de -"" "o<'" _.:>.,-

origem ."
A adoção destes princípios deve levar
à construção de uma organização essen-
cialmente diversa daquelas construídas
em moldes burocráticos, tayloristas e
fordistas. O trabalho deve possuir um O projeto e implementação em si não
conteúdo que demande as capacidades escondem nenhum grande mistério. De
intelectuais e criativas dos indivíduos, modo muito, muito, resumido, podemos
permitir um aprendizado contínuo, ge- dizer que constituem ciclos, cada vez
rar suporte social e reconhecimento e ter mais abrangentes de: formação de equi-
uma clara relação com a vida social dos pes, treinamento - com base em visitas,
operários e com os valores que eles par- estudos de caso e aulas - na abordagem
tilham com a sociedade. As tarefas e sócio-técnica, análise sócio-técnica e defi-
grupos devem ser tais que possibilitem a nição de instalações e métodos de traba-
visualização de um produto final e per- lho, até que se incluam todos os funcio- 14. CHERNS,A. B. Principies ot
mitam a realimentação sobre os resulta- nários e o mínimo essencial dos proces- Sociotechnical design revisiled.
dos, com diferenças mínimas de status e sos e métodos estejam definidos para a Human Relations, v.4D, n .3,
p.153-62, 1987.
uma composição heterogênea, multidis- entrada e funcionamento.>
ciplinar. Essas tarefas e grupos, assim Isto se aplica às organizações indus- 15. DAVIS, L. E. Evolving alter-
como a própria estrutura organizacio- triais ou de serviços, às unidades de pro- native organization designs:
their sociotechnical bases. Hu-
nal, devem trabalhar no sentido das ca- cessamento contínuo ou não. O essencial man Relations, v.3D, n.3, p.261-
racterísticas discutidas dos grupos hu- é compreender, como diz o próprio AI- 73,1977.
manos, levando à cooperação, colabora- bert B. Cherns, que o projeto e a imple-
16. COLEMAN, G. O., JOHNS-
ção e comprometimento. A organização mentação baseados na perspectiva sócio- TON, C. S. Implemenling lhe
como um todo estará voltada à alta per- técnica pertencem, antes de mais nada, sociotechnical svsterns ap-
formance, à mudança contínua e ao contí- àqueles que terão seu trabalho e funções proach, including self-managing
teams in a start-up organization.
nuo aprendizado, à auto-regulação, ao definidas nesse processo .17
Quality & Productivity Manage-
estilo participativo e, muito importante Contudo, visto que a implementação ment, v.9, n.4, p.4-14, 1992.
citar, à concepção partilhada .15 da perspectiva sócio-técnica em sistemas
17. CHERNS, A. B. The princi-
Quanto à implementação - seja em no- produtivos que já se encontram em ope-
pies of sociolechnical designo
vas instalações, seja em unidades já em ração requer um cuidado maior - pelas Human Relations, v.29, n.B,
operação - deve se basear em metodolo- disfunções que decisões equivocadas ou p.783-92,1976.

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iJ!J/J ARTIGO
fora de tempo podem provocar - Wil- pendendo da posição - ativa ou passiva
liam A. Pasmore desenvolveu, em 1988, - dos trabalhadores no processo de mu-
uma metodologia que dá suporte a esse dança, sendo que os pesquisadores do
tipo de processo .18 Tavistock parecem desejar que esta par-
ticipação seja a mais ativa possível.
CONSEQÜÊNCIAS DA ADOÇÃO DA Quanto à primeira crítica de Harry Bra-
PERSPECTIVA SÓCIO-TÉCNICA verman, podemos dizer que a busca da
eficiência organizacional é possivelmen-
Colocadas as bases, é necessário ava- te a única forma de a perspectiva sócio-
liarmos a conveniência e viabilidade da técnica não ser encarada como um expe-
adoção da abordagem sócio-técnica. Por rimento social e poder ser aceita pela so-
que deveríamos adotar - ou não - a pers- ciedade contemporânea ocidental nos
pectiva sócio-técnica? moldes em que se encontra estruturada,
A maior parte das lacunas conceituais no chamado capitalismo monopolista.
e metodológicas da Escola Sócio-Técnica De maneira mais abrangente, nós po-
acabaram por ser preenchidas ao longo demos tentar visualizar a conveniência e
dessas quatro décadas e meia, desde o as conseqüências da adoção e difusão do
seu surgimento. A única observação que enfoque sócio-técnico segundo três ópti-
achamos necessária destacar - quando cas distintas: a da esfera organizacional,
olhamos para a perspectiva sócio-técnica a da esfera humana e a da esfera social.
como uma resposta aos problemas orga- Uma análise da Escola Sócio-Técnicado
nizacionais - é que existe uma limitação ponto de vista organizacional é aquela
de escopo, de "poder de fogo". Embora que mais interessa aos dirigentes e exe-
consideremos a perspectiva sócio-técnica cutivos das empresas e se refere aos re-
como necessária ao sucesso das organi- sultados mensuráveis do desempenho
zações nos dias de hoje, a sua adoção, dos funcionários e da organização. Feita
por si só, não garante que isto ocorra. uma ressalva quanto às limitações das
Existem decisões estratégicas - por amostras utilizadas em revisões e avalia-
exemplo, aquelas relativas à escolha de ções - decorrentes da tendência à divul-
nichos de mercado ou as soluções apon- gação das experiências bem-sucedidas e
tadas pela pesquisa e desenvolvimento às várias amplitudes de mudança encon-
da empresa - cuja qualidade das respos- tradas nos diferentes casos -, podemos
tas depende muito de decisões tomadas sintetizar como principais resultados da
na cúpula das organizações e assim li- adoção da perspectiva sócio-técnica os
gam-se debilmente à adoção ou não do seguintes:
enfoque sócio-técnico.Assim, se conside-
rarmos a adoção da perspectiva sócio- 1. aumentos significativos de produtivi-
técnica como necessária ao sucesso orga- dade (e qualidade), não de 5 a 10 %,
nizacional, podemos dizer que ela não é mas em geral de 50 a 100 %;
suficiente. 2. redução de taxas de absenteísmo;
As críticas mais interessantes encon- 3. maior produtividade onde os grupos
tradas na literatura reportam-se à afini- têm mais autonomia;
dade da Escola Sócio-Técnica com as re- 4. maior adequação a unidades com cer-
gras da sociedade capitalista. São aplicá- ca de 200 a trezentos funcionários;
veis à Escola Sócio-Técnicaas críticas de 5. encontramos ainda uma maior aplica-
Harry Braverman, relativas à limitação ção em processos contínuos, embora
18. PASMORE, W. A. Designing das mudanças àquelas que reduzem os
eftective organizations: the so-
não sejam encontradas limitações para
ciotechnical systems perspecti- custos e melhoram a posição frente à processos discretos ou nos setores de
ve. Nova Iorque: John Wiley, concorrência e ainda a dedicação a "des- serviços;
1988. cobrir os móveis do comportamento hu- 6. e, por último, constatou-se que não
19. BRAVERMAN, H. Trabalho e mano e a manipulação dele nos interes- existem restrições de ordem cultural.
capital monopolista. Rio de Ja- ses patronais" .19 Contudo, devemos di-
neiro: Guanabara, 1987. zer que esta manipulação, como diz An- A análise da Escola Sócio-Técnica,do
20. GORZ, A. Crítica da divisão dré Gorz, depende da relação de forças ponto de vista do ser humano, é tão ou
do trabalho. São Paulo: Martins que preside a introdução das mudan- mais importante quanto a do ponto de
Fontes, 1989. ças.20 Assim, a manipulação ocorre de- vista organizacional. A adoção da pers-

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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA SÓCIO- TÉCNICA

pectiva sócio-técnica tende, relativamente A busca pela participação ativa dos


à adoção dos princípios da burocracia trabalhadores e a estruturação de organi-
taylorista-fordista, a provocar um maior zações matriciais e matrizes organizacio-
desenvolvimento e integração, psicológi- nais é mais e mais intensa a cada ano que
ca e social, dos indivíduos. Tende ainda a passa. Se considerarmos historicamente
orientar a produção e o consumo segundo o surgimento e consolidação dessa filo-
as necessidades e valores dos indivíduos. sofia que foi aqui apresentada, ressaltan-
Ao mesmo tempo em que privilegia uma do as datas em que os conceitos e idéias
qualificação não fundamentada em saber foram veiculados e difundidos - por
formal ou na automação, essa perspectiva exemplo, década de cinqüenta para os
leva à participação e a uma autonomia grupos semi-autônomos, década de ses-
responsável, baseada em conhecimento senta para ambiente turbulento e adapta-
técnico e relacionamento humano. ção ativa -, teremos então urna noção
A adoção da perspectiva sócio-técnica mais precisa do pioneirismo e do mérito
leva ainda à redução dos níveis de aliena- de tais idéias.
ção, não no sentido da posse dos meios
de produção ou dos produtos, mas nos
sentidos apontados por Robert Blauner
de: impotência, ausência de sentido, iso-
lamento e auto-alienação." Além disso,
permite um maior desenvolvimento de o projeto e á implementação
habilidades e potencialidades humanas baseados' na perspectiva
como: iniciativa, criatividade, autonomia,
responsabilidade, multifuncionalidade,
sócio-técnica pertencem/
confiança, solidariedade, reconhecimento antes de mais nada; àqueles
etc. Contudo, como o ser humano não se
que terão seu trabalho e
restringe apenas a essas facetas, uma si-
tuação ideal passa pela adoção do enfo- iiinções definidas nesse
que sócio-técnico e pela redução da jor- processo.
nada de trabalho, criando-se assim emba-
samento e tempo para que outras habili-
dades e potencialidades não contempla-
das no período de trabalho possam se de-
senvolver.
Por último, é necessário tentarmos es- A perspectiva sócio-técnica se vincula
boçar uma análise da perspectiva sócio- principalmente ao que o próprio Eric
técnica do ponto de vista social. Isto signi- Trist chama de democracia no local de
fica tentar compreender se essa aborda- trabalho. Sua adoção implica mudanças
gem tem se difundido e, por outro lado, qualitativas na relação indivíduo/ organi-
se esta difusão extrapola os limites das fá- zação. Além de se apresentar como uma
bricas. Quanto ao primeiro ponto, da di- das estratégias mais eficazes para a so-
fusão da perspectiva sócio-técnica, é pos- brevivência e desenvolvimento das orga-
sível avaliar o seguinte: quando nós ob- nizações nesse turbulento final de século,
servamos a evolução dos padrões de or- a perspectiva sócio-técnica acena com
ganização do trabalho e de estruturação possibilidades de integração e desenvol-
intra e interempresas nos últimos anos, é vimento - social, psicológico e técnico -
surpreendente o número crescente de para aqueles envolvidos nos processos de
pontos em comum que estas formas de mudança e condução dessas "novas fá-
organização têm com a Escola Sócio-Téc- bricas". Integração e desenvolvimento es-
nica. Isto transparece nos casos relatados, ses que serão tanto maiores quanto maio-
nos trabalhos publicados e mesmo em no- res forem a iniciativa e a participação dos
vas teorias que vêm surgindo. Essa apro- trabalhadores nesses processos, fazendo
ximação crescente não respeita fronteiras, valer suas necessidades e anseios e bus-
21. BLAUNER, R. Alienation and
dando-se, embora com diferentes ênfases cando uma forma de organização do tra- freedom: the factory worker and
e particularidades, nos Estados Unidos, balho verdadeiramente fundamentada his industry Chicago: University
Europa e Japão. em valores humanos, O ot Chicago Press, 1964.

Artigo recebido pela Redação da RAE em outubro/93, aprovado para publicação em novembro/93. 37

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