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Fichamento: Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial

Entre os séculos XIV e XVII ocorreram transformações importantes na percepção


do tempo no âmbito da cultura europeia ocidental. Inicialmente, o galo era considerado
como o relógio da natureza, mas há um evidente contraste entre o tempo da natureza e o
tempo do relógio. A difusão de relógios a partir do século XIV e sua expansão no século
XVII produziram mudanças socioeconômicas, culturais e políticas. p. 268
Assim sendo, Thompson preocupa-se com algumas questões relacionadas à
mudança no senso de tempo que afetou a disciplina de trabalho e o modo como esta
mudança influenciou na percepção interna de tempo dos trabalhadores. p. 269 Também
volta sua atenção para a medição e percepção de tempo como meio de exploração da mão
de obra p. 289.
Em um primeiro momento, o autor analisa a medição do tempo feita pelos povos
primitivos, a qual está ligada aos processos familiares no ciclo do trabalho ou das
atividades domésticas. Tal medição também era feita por meio de orações (Chile e
Inglaterra) e da direção dos ventos (ilha Aran). Os camponeses da Argélia, por exemplo,
são indiferentes à passagem do tempo e não o controlam ou poupam p. 270. De acordo com
Thompson, esse descaso pelo tempo do relógio apenas é possível numa comunidade de
pequenos agricultores e pescadores, onde as atividades diárias se desenrolam pela lógica da
necessidade.
Nesses contextos a percepção do tempo é descrita como orientação pelas tarefas.
Assim, o camponês ou trabalhador cuida daquilo que lhe é necessário e em sua comunidade
há pouca separação entre o “trabalho” e a “vida”, pois as relações sociais e o trabalho
misturam-se p. 271.
Porém a questão da orientação pelas tarefas torna-se muito mais complexa na
situação em que se emprega a mão de obra. A partir da contratação, a orientação pelas
tarefas transforma-se no trabalho de horário marcado. Assim, os contratados vivenciam
uma diferenciação entre o tempo do empregador e o seu próprio tempo. O empregador
utiliza o tempo de sua mão de obra e zela para que não seja desperdiçado p. 272.
Em um segundo momento, Thompson discute sobre a construção e difusão de
relógios nas cidades e nas grandes cidades-mercados a partir do século XIV em diante.
Contudo, a precisão das horas marcadas por esses relógios na época da Revolução
Industrial é discutível, pois na metade do século XVIII o tempo marcado pelo relógio ainda
pertencia à gentry, aos mestres, fazendeiros e comerciantes, e “talvez a complexidade do
formato e a preferência pelo metal precioso fossem uma maneira deliberada de acentuar o
seu simbolismo de status” p. 277, pois o relógio além de ser útil conferia prestígio ao seu
dono.
Segundo Thompson, na década de 1790 já havia muitos relógios na Inglaterra. A
ênfase deixou de ser a do “luxo” e passou a ser a da “conveniência”. Neste momento,
ocorreu uma expansão geral de relógios, uma vez que a Revolução Industrial exigia maior
sincronização do trabalho. Além disso, este instrumento regularizava os novos ritmos da
vida industrial e representava uma das mais imediatas necessidades para o avanço do
capitalismo industrial p. 279
Enquanto a manufatura era administrada em escala doméstica, sem divisões
complexas do processo de produção, o grau de sincronização do trabalho era pequeno e a
orientação pelas tarefas ainda predominava. Assim, ainda havia a irregularidade
característica dos padrões de trabalho anteriores à introdução da indústria movida a
máquinas p. 280. Inicialmente, estes padrões alternavam entre os momentos de atividade
intensa e os de ociosidade, pois os homens ainda detinham o controle de seu trabalho
produtivo p. 282.
Nas áreas em que havia industrias de pequena escala ou domésticas ocorria a
tradição da Santa Segunda-Feira, a qual se perpetuou nas minas, na manufatura e na
indústria pesada da Inglaterra até o século XX p. 283. Desse modo, é possível concluir que
a irregularidade do trabalho estava estruturada e pontuada nos feriados e feiras tradicionais
p. 285.
Em contrapartida, o trabalhador rural não tinha Santa Segunda-Feira, trabalhava
diariamente durante longas horas, não tinha direitos ou terras comuns e estava sujeito a uma
intensa disciplina de trabalho. Tanto os cercamentos quanto o desenvolvimento agrícola
voltaram à atenção para a coordenação eficiente do tempo dos trabalhadores.
Com o objetivo de abordar as várias questões sobre a disciplina de trabalho,
Thompson analisa o Law Book (Livro de leis) da Siderúrgica Crowley p. 289. Neste
documento consta que o supervisor da fábrica devia manter os registros do tempo de cada
trabalhador, bem como o diretor tinha de manter o relógio de pulso trancado para que
ninguém o alterasse. Assim, já em 1700, inicia-se a consolidação do capitalismo industrial
disciplinado que utiliza a folha de controle do tempo, os delatores e as multas p. 291.
Simultaneamente ao advento do capitalismo industrial disciplinado, os moralistas da
época fizeram críticas aos costumes, esportes e feriados populares. Por outro lado,
exaltavam as escolas “por ensinarem o trabalho, a frugalidade, a ordem e a regularidade” p.
292. Eles defendiam que por meio da escola a nova geração ficaria acostumada com o
trabalho constante, com a pontualidade e a fadiga.
Essas críticas contra os hábitos do povo foram contestadas. A partir da imposição da
nova disciplina de trabalho, os artesãos mais organizados começaram a lutar pela redução
da carga horária. Nas fábricas têxteis e nas oficinas, onde se impunha a nova disciplina do
tempo, a disputa pela redução de horas trabalhadas tornou-se mais intensa p. 293.
No que se refere à internalização da disciplina do tempo, Thompson a situa no
contexto da evolução da ética puritana, uma vez que “Baxter e seus colegas ofereciam a
cada homem o seu próprio relógio moral interior” p. 295. Em seu Guia cristão, ele destacou
as imagens do tempo como dinheiro e defendeu que todo o tempo deveria ser empregado
nos deveres.
Por meio dos relógios, da supressão das feiras, da divisão e supervisão do trabalho
foi imposta uma nova disciplina do tempo e novos padrões de trabalho p. 297. O
puritanismo foi responsável por converter as pessoas a novas percepções do tempo,
saturando suas mentes com o lema “tempo é dinheiro”. Dessa forma, na sociedade
capitalista o tempo passou a ser negociado, utilizado, administrado e houve uma clara
distinção entre o “trabalho” e a “vida” p. 300.

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