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Ocasião Madrasta
Jaime Monsanto

Chega a um aeroporto uma jovem ruiva. No meio de


pessoas arreadas de bagagem, esta jovem, traz consigo,
apenas, uma pequena bolsa debaixo do seu braço nu.
Aparentemente, deslocada num cenário de chegada a um
aeroporto, ela traz tudo que precisa.

A sua lingerie mais sexy e a antecipação de um


encontro, há muito tempo desejado, enredado por um medo,
que algo poderia correr mal, tão profundo e poderoso, que
só uma grande paixão poderia gerar.

Este sentimento grava-lhe no rosto um estado de


antecipação que a distingue da restante multidão.
Verdade, que ela tem, ainda, duas horas de espera, antes
que seu companheiro de aventura chegue. Refeita do
desnorteamento inicial, decide sentar-se num dos bancos
do aeroporto. Apenas o tempo suficiente, antes do
telefone tocar, para ver um homem mais velho claramente
em êxtase com outra jovem ruiva.

Telefone toca. A nossa jovem é desviada, desta cena


que se desenrola à sua frente, para olhar o seu telefone
e... Gela.

- É ele! - diz timidamente em voz baixa. Uma alegria


insana invade o seu rosto. Mais uma vez ele está a correr
um risco enorme ao telefonar-lhe. É evidente que ele não
podia suportar a antecipação e atreveu-se a ligar-lhe do
avião.
Ela atendeu o telefone em pânico.
- Por favor, desliga antes de seres descoberto!
- Está tudo bem. Estou no WC.
- Sim, mas eles têm formas de saber. Por favor! Não quero
que corra alguma coisa mal! Mais duas horas podes dizer-
me tudo ...
- É que, cada vez que eu fecho os olhos, vejo-te no
aeroporto, sozinha, a olhar para outro homem com a minha
idade, sensivelmente, e interrogo-me ...
- És tão idiota... Espera... Como é que tu?... sabes ...
Tu já estás aqui?
- Não, estou no avião. Disse-te. Porquê? É verdade??
- Bem .... Sim. Há um homem na minha frente a olhar
embevecido para outra rapariga da minha idade.

Ocasião  Madrasta                      2014  


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- Vês? Tenho este sentimento forte que já aí estou


contigo. - ela acaricia o cabelo.
- Agora mesmo, tive a clara sensação que acariciaste o
cabelo, como é teu costume.
Ela ri imoderadamente.
- Eu devo estar a ficar louca.
- Então? É verdade?
Completamente desconcertada. - Sim, mas??....
- Para que vejas como estamos em sintonia.

Vindo do nada, sentiu uma enorme explosão de


alegria. Uma força animal violenta. Confusa. Ela não
sabia explicar porquê, tudo parecia tão cliché e até
mesmo pateta. Sem a sua compreensão, encheu-a de
felicidade. Tanto assim, que só poderia dizer algo
igualmente pateta.
- Sinto-te tão perto... que sou capaz de te saborear...

- Sei como é. Eu cometi um erro com a hora do voo.


Esqueci a diferença de duas horas quando te disse a hora
de chegada.

Contendo a desilusão - Estás atrasado? Não sei se


posso esperar tanto tempo. Sabia que ia acontecer alguma
coisa. Outras duas horas que não passamos juntos ... já
tínhamos tão pouco tempo ... Ainda aí estás? ... Eu oiço
o som do aeroporto no fundo. - chora.
(Http://youtu.be/loXCk_VHA-o)
- Ok pára! Estou mesmo atrás de ti na cabine telefónica.
Enganei-me nas horas e cheguei duas horas antes.

... .. um ano antes ... (continuar)

... Oportunidade impar ...

Chega a um aeroporto uma jovem ruiva para apanhar o


seu avião. No meio de pessoas cheias de bagagem, esta
menina traz apenas uma pequena bolsa debaixo do braço nu.
Aparentemente deslocada num cenário de partida traz
consigo tudo o que precisa.

Noutro aeroporto um homem dos seus quarenta anos de


idade chega para apanhar o seu avião. No meio de pessoas
apinhadas de bagagens, este homem traz apenas uma pequena
bolsa pendurada ao ombro. Aparentemente deslocado num
cenário de partida traz consigo tudo o que precisa.

Ocasião  Madrasta                      2014  


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Estão ambos programados para sair cedo e chegar no


final do dia. Mesmo destino. O aeroporto de Stansted.

Esta reunião está a ser planeada durante os últimos


seis meses. Desde que eles se encontraram, muito
brevemente, enquanto estavam em trânsito aguardando o seu
próximo avião. Ele ali esteve duas horas e ela já há duas
horas que ali estava.

Quando ele chegava do seu voo colidiram um com o


outro. No momento em que seus olhos se cruzaram ... todo
o tipo de razões despontaram para perpetuar um diálogo
que só conheceu o seu fim duas horas depois com o
vaticínio da última chamada do voo dele.

Verdade, é que queria perder aquele avião, mas era


ainda muito cedo para ter a certeza, então, que ela
queria o mesmo. Era cedo demais para ambos. Ela tinha o
mesmo dilema.
Havia apenas tempo suficiente para trocar e-mails e
promessas de se escreverem. No momento em que ele a
deixou e ela teve tempo para descer à terra, um
pensamento fulminante surpreende-a.

Eu mal sei o seu nome e ele o meu.

A promessa foi cumprida. Ele escreveu no dia


seguinte dizendo exactamente o mesmo. Ele mal sabia o
nome dela apesar de conhecer as suas referências
musicais. Ele terminou dizendo - "Se bem que isto é já
muito, dada a alegria extrema que, aparentemente, tão
pouco me deu". Isso fê-la muito feliz.
Proponho - diz ele - mantê-lo assim. Escrever sobre os
nossos gostos em música, filmes, literatura e nossos
sonhos e objectivos sem ter que explorar muito do nosso
dia à dia. Assim o fizeram. Durante meses, eles
escreveram um ao outro. Rapidamente começaram a escrever
histórias sobre eles mesmos. Explorando as formas mais
extraordinárias de se reencontrarem. Aos poucos as suas
vidas diluíram-se neste mar magnífico de encontros
românticos fantasiados. Aparentemente, esta era
a vontade de ambos desde aquele primeiro encontro. Só
possível de ser plenamente explorada através da ficção e
seu mundo imaginário. Chegou o dia em que isso não era
suficiente. Toda esta conversa de se encontrarem tinha
que acontecer. Tinha que ser.

Ocasião  Madrasta                      2014  


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Decidem encontrarem-se, assim como na primeira vez e


em todas as suas fantasias trocadas por correio
electrónico, num aeroporto. Os horários são definidos e
voos reservados. Tudo é planeado e executado para,
finalmente, se encontrarem novamente. Ainda sem saberem
muito a respeito um do outro excepto todas as promessas e
expectativas exploradas na correspondência que trocaram.
Entram finalmente no avião. Desta vez eles vão chegar
praticamente ao mesmo tempo. Tudo foi pensado ao detalhe.
Ambos nos seus aviões ao mesmo tempo. Sem saberem,
decidem ambos tocar a mesma música nos seus telemóveis.
A sua música. http://youtu.be/wb4RauhteFA
Sabemos todos que não podemos usar telemóveis no
avião. Era algo que tinham que fazer. Era uma expectativa
demasiado grande. Verdade é que nunca acontece nada. A
questão é que desta vez sim. Desta vez correu mal. A
electrónica dos aviões foi afectada e as comunicações com
a torre comprometidas. Em ambos os aviões. Ao mesmo
tempo, a mesma música foi tocada. Então ... ...
Ambos foram presos. (Continuação)

... um ano depois ...

Agora estava ainda mais confusa e irracional. Ela


ainda chorava, mas tanto de tristeza como de felicidade
com dificuldade em sair daquele estado de espírito
tumultuoso. Correr simplesmente na direcção dele como
tantas vezes havia idealizado. Tudo o que conseguia fazer
naquele momento era chorar irracionalmente. Sem forças e
coragem sequer para se virar e confirmar que ele estava
realmente atrás de si. Na cabine telefónica. Afinal, com
a dádiva de duas horas.

Recompõe-se finalmente. Decide fazê-lo pagar


por aquilo que acabara de fazer com ela.
- Ok! Gozaste bem? Então, agora, se me queres, vais ter
que me apanhar.

Começa a correr desvairada pelo aeroporto fora.


Lágrimas ainda a secarem nos seus olhos e rosto. Saltando
por cima da bagagem dos outros passageiros. Ele seguindo-
a. Ansioso e confuso.
Todas aquelas pessoas calmamente à espera do seu
avião e esta imagem de força e vida apaixonada ruge no
seu meio. – ARE YOU CRAZY?? Alguém gritou.
YES! – Respondeu-lhes ela rindo... chorando ... correndo.
Sem parar.

Ocasião  Madrasta                      2014  


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Facilmente poderia ser confundido com um pervertido


perseguindo uma jovem. Mas ele não se importava. Não teve
tempo nem presença de espírito para pensar nisso. Ele
apenas se preocupava ... e corria ... e ficava para trás
... perdia-a de vista enquanto ela saia do aeroporto e se
embrenhava na floresta.

ELE SEGUIU-A>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> >>>>>>>>>>>>>>

Assim que entra na floresta... foi parado por um


cavalo enorme. Interpondo-se entre os dois. Ela estava
completamente hipnotizada por esta demonstração de força
e vigor.

Este não era um cavalo qualquer. Este cavalo era um


campeão com muitas corridas ganhas. Apenas algumas horas
antes, ele havia escapado da pista sem explicação
visível. Como se tivesse uma ideia fixa.

Agora, este cavalo majestoso era um obstáculo entre


ele e o objecto do seu desejo.

Os três banhados em suor.

Subitamente. Uma voz ainda distante gritou - LÁ ESTÁ ELE!


ALI ESTÀ POSIDONAS!

Ela tremeu.

TRAGAM A DIMITRA PARA ATRAÍ-LO! - disse a voz, e


assim o fizeram. Do outro lado da floresta trazem um
cavalo maravilhoso de um branco luzidio.
Tomado por esta força ancestral Posidonas, olhos
vermelhos, irrompeu pela floresta indiferente à armadilha
que lhe lançavam. Enquanto o cavalo se afastava o homem
precipitou-se para ela e escutou-a dizer - O MITO. O quê?
- Perguntou ele.

Não importa – agarrou-o. Beijou-o. Assim que os


beijos se tornaram em roupas rasgadas e suspiros
profundos... Ouviram uma voz - Parem com isso! Terão de
me acompanhar! Era a polícia.
Eles não estavam muito longe do aeroporto e as
pessoas estavam a assistir. Nem se aperceberam. Tal era a
insanidade que se apoderou deles. A polícia levou-os
devido à sua conduta indecente....
(Http://youtu.be/frMLDxg2X0U)

Ocasião  Madrasta                      2014  


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Ao serem arrastados pelo aeroporto, roupa meio


rasgada, podiam ouvir a voz da razão - Eles devem estar
loucos ... onde é que este mundo irá parar ??... Será que
não têm um mínimo de decência??
Verdade seja dita .... NÃO QUERIAM SABER .... Eles
ainda estavam na floresta a tentar finalmente consumar a
sua paixão. Moral era coisa que não lhes passava pelo
pensamento. Ela reparou apenas na rapariga ruiva, a mesma
que tinha antes na frente dela, seu rosto não denunciava
censura. Era o oposto. Ousaria dizer sensualidade e
admiração, como algo que ela própria desejava mas não
achava coragem.
Foram levados para uma pequena sala. Um policial
ficou com eles, esperando o seu superior. Lá estavam
eles. A centímetros de distância um do outro. Depois de
dias a idealizar aquelas poucas horas juntos. A uma
respiração do êxtase. Um abraço forte era tudo que seria
necessário para atingirem o clímax. Constrangido.
Acorrentado.

... Violência extrema ...

Foram interrogados. Temos duas pessoas a tocar a


mesma música ao mesmo tempo, com chegada marcada no mesmo
aeroporto à mesma hora e causando a perturbação do voo.
Quase provocando um desastre. Estes são tempos perigosos.
Temos que investigar. - disse o policial.

Estavam a ser pressionados ao limite. - Quer que eu


acredite que decide embarcar no avião com chegada à mesma
hora e no mesmo destino que esta menina - perguntou o
investigador - tocar a mesma música, ao mesmo tempo,
descontrolar o sistema do avião arriscando um acidente,
por mero acaso e sem combinação prévia ? E ainda esperam
que acredite que nem sequer se conhecem??

NÃO! - responderam ambos.

A puta que vos pariu!

A verdade é que não. Essa era a principal razão


deste encontro. Conhecerem-se melhor. Além da fantasia.
Depois das perguntas vieram as informações que a polícia
reuniu. Com a informação veio uma pequena tragédia.

Durante meses eles conseguiram manter o seu


relacionamento puro, longe da banalidade dos detalhes de

Ocasião  Madrasta                      2014  


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suas vidas. As banalidades da vida quotidiana. E agora,


os seus mundos imaginários foram, assim, violados e
destruídos pela realidade implacável.

Agora, como vosso narrador desta história, não vou


fazer o mesmo. Vou manter a privacidade deles preservada.
Verdade seja dita não há nenhum grande segredo ou alguma
coisa de que qualquer um deles se pudesse envergonhar.
Mas foi dito da forma errada. Por um policial desconfiado
numa sala de interrogatório. Aos gritos.

Mas o pior estava ainda para acontecer.


Eles colocaram-nos face a face na mesma sala. Os
policiais queriam enfrentá-los para ver se algum deles se
denunciava.
... Violência extrema...
Podem imaginar a quantidade de vezes que este
encontro foi ensaiado por ambos. Todas as possibilidades
exploradas. O que se diriam. Quem iria falar primeiro.
Conversas imaginárias levadas a cabo por ambos para se
prepararem. Deixados agora frente a frente passando-se
por estranhos (não na noite como a canção de Sinatra) na
sala de interrogatório.
Lágrimas fluíram não de vergonha ou constrangimento.
De decepção. Decepção, por verem um sentimento puro
violado. Eles negaram que se conheciam um ao outro,
porque não queriam violar a privacidade do parceiro que
não conheciam.
É por isso que esta menina estava tão preocupada que
algo pudesse correr mal da próxima vez que eles se
encontrassem...

... um ano depois ...

Vendo-se pela segunda vez nesta situação não


resistiram a culpabilizarem-se. O ideal romântico de se
reverem num aeroporto, na tentativa de reviverem o
momento em que, por obra do acaso, se haviam conhecido,
provara-se desastroso. A impotência para mudar o rumo dos
acontecimentos parecia derrotá-los finalmente.
Fora ouvem um burburinho. Pela janela eles podiam
ver os tratadores de cavalos tentando domá-los. POSIDONAS
escapara-se ao cativeiro, e em vez de fugir tentava
arrombar a jaula de DIMITRA. POSSIDONAS estava num
reboliço e só DIMITRA podia acalmá-lo. A porta cede
finalmente. POSSIDONAS invade a jaula e possui DIMITRA
contra as grades à vista de todos...

Ocasião  Madrasta                      2014  


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A um quilómetro de distância uma enorme onda embate


nas rochas da ilha. Tão forte quanto o tremor que ela
sente, ir do centro do seu corpo ao íntimo da sua alma,
ao beijar o seu amante.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .... Titânico
... ... ... ... ... ....

Despina - suspira ele, desfazendo a sua própria


onda.

Horas de preparação. Viagens pelo corpo imaginado.


Palavras de esperança. Promessas de olhares. Peles
fantasiadas. Júbilo de odores criados pelo frenesim de
corpos entregues à luta dividida entre a luxúria e o
pudor. Como se todos os corpos antes dos deles fossem uma
memória apagada pela novidade daquele encontro. Sentidos
ao rubro. Dos seus corpos não se conhecia já uma
fronteira de tão enlaçados estavam. Limitados pelas
algemas, que lhes prendiam as mãos, tinham encontrado,
pelo entrelaçar das pernas, uma forma de se fundirem.
Moldados num enlaçado fervido por meses de paixão
refreada. A pouca roupa que lhes restava da primeira
tentativa, ensaiada no exterior do aeroporto, resistia,
teimosamente, às investidas dos dois amantes para se
livrarem das últimas amarras que frustravam a sua paixão.

Irrompem pela sala os oficiais. Gelam ao depararem-


se com a imagem daqueles dois.
Já eles - estavam naquela jaula com POSSIDONAS. Eram
também a DEMÉTER. O desejo de possuir e serem possuídos
alimentava-os a ambos. Os dois consumiam-se num inferno
de tesão retraído, acorrentado por demasiada preparação.
Demasiada antecipação. Demasiada procura de um ideal de
romance e mistério desmontado pelo impulso animal que
agora os consumia. Em que eram achas e fogo
simultaneamente.
Frios. Indiferentes a tudo isto. Os seguranças
investiram sobre os dois amantes com a fúria ignorante da
moral e dos bons costumes. Desempenhavam o seu papel na
castração daquele acto carnal e despreocupado com a
frieza de autómatos. Na luta, para separarem os dois
amantes, a roupa, já exígua, despertava-lhes cuidados.
Essa hesitação foi a suficiente para que os dois se
escapulissem por entre os seus agressores com a chave das
algemas, entretanto, caídas no chão pela esfrega da
contenda.

Ocasião  Madrasta                      2014  


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O aeroporto e a sua placidez metódica, calculada e


executada com precisão de uma máquina cuidadosamente
oleada pela disciplina, via a sua paz de formigueiro
perturbada, novamente, por esta imagem de caos. Os dois
amantes, agora liderados por ele, corriam, saltavam
bagagens, ziguezagueavam por entre rostos atónitos e
descrentes.
Ouve-se uma voz gritar: “Não tem jeito nenhum!
Cambada de tarados!
SIM! – gritou ela, correndo e soltando-se das suas
algemas, entretanto cedidas pelo seu amante já liberto.
Numa celebração de vida - por outros - vista com um
sorriso de escárnio nos lábios.
Embrenham-se no caos da floresta. Dão, finalmente,
as mãos. O som dos perseguidores alimenta a sua
escapatória, comprometida pela vontade de se agarrarem
ainda em fuga. A proximidade dos corpos estorva o avançar
dos dois por entre a vegetação que lhes fustiga os corpos
acicatando ainda mais o fogo que lhes queima as
entranhas, forjado pela demora da consumação da sua
paixão. Esse imperativo de proximidade, na fuga, abranda-
lhes o ritmo e encurta a distancia dos seus
perseguidores.
Deparam-se com uma enorme escarpa, açoitada pela
excitação do mar. Encurralados pelos perseguidores, os
seus corpos exibem um alto-relevo esculpido, a sangue,
pela resistência da vegetação selvagem que acabavam de
deixar para trás.
Num relance de olhar a decisão é tomada e selada por
um beijo de entrega ao abismo em que se lançam...
O mar envolve-os num abraço cúmplice que,
rapidamente, os sonega ao olhar incrédulo dos seguranças,
entregando-os, livres de perigo, minutos depois, numa
pequena praia deserta. Longe de ameaça. Às portas do
orgasmo, há muito, ansiado. Com o corpo inflamado pelas
investidas do seu amante, temperadas pelo sal do mar
conivente, salgando e queimando as marcas da fuga
talhadas em todo o corpo. Emaranhados na areia, o vai e
vem do mar era intensificado pela brisa suave que lhes
amaciava o corpo até nova investida das ondas a estimular
as feridas. É nesta opulência de sensações descontínuas
que Possidonas e Deméter presenciam a convulsão titânica
que se apodera dos dois abraçada pelo mar, assimilada
pela areia e celebrada ao sol.
 

Ocasião  Madrasta                      2014  

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