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O Cinema Hollywoodiano e A Representação Latina
O Cinema Hollywoodiano e A Representação Latina
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Entrevista disponível no You Tube concedida ao late show argentino Animales Sueltos em setembro de
2013.
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O filme é questão é Chamas da vingança (Man on fire) de 2004, dirigido por Tony Scott com Denzel
Washington no papel principal. Darín faria o antagonista da trama.
cotidianamente3 e que moldam os imaginários e a forma como são vistas culturas
diversas. A capacidade de construção do cinema e, atualmente, da televisão não tem
comparação com nenhuma outra arte.
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Me vem à mente especificamente séries como C.S.I. Miami (2002-2012) com sua trama e crimes
centrados em Miami, uma das cidades com maior incidência de imigrantes latinos, dentro deste contexto,
obviamente, os criminosos, geralmente, são latinos ou envolvidos em gangues latinas.
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Um código de censura que foi estabelecido em Hollywood dos anos 1930 a 1960 por conta da pressão
de religiosos e conservadores que se escandalizavam com cenas consideradas impróprias: nudez,
prostituição, uso de drogas, miscigenação racial, uso de palavras de baixo calão, etc.
somente os atores estadunidenses poderiam protagonizar ou ter papéis de importância
nos filmes. A censura encerrou, porém a postura do cinema com a origem de alguns
atores permaneceu.
Não somente dos latinos, os indígenas e os africanos, mesmo aqueles
estadunidenses também foram sempre deturpados e estereotipados por Hollywood. O
autor Robert Stam (2000), um estadunidense que pesquisa sobre cultura e é considerado
um profundo conhecedor do cinema brasileiro, em seu livro Introdução à teoria do
cinema retrata os vários cinemas ao redor do mundo e sua perspectiva dentro dos
Estados Unidos. Ele fala que frequentemente o homem latino é estereotipado como
violento, membro de gangue, toureiro ou revolucionário, enquanto a mulher é sempre
hipersexualizada. Os mexicanos são comumente retratados nos filmes de faroeste, por
exemplo, de forma inversamente proporcional ao anglo americano (termo usado por
ele), ou seja, enquanto o primeiro é preguiçoso e desmazelado, o segundo é o forte
trabalhador e conquistador, isto no que ele chama de ficção de conquista. “A moralidade
é definida pela cor, quanto mais escura pior será a personagem.” (STAM, 2000). Isto
revela padrões opressivos de preconceito.
Para Stam (2000) não somente a imagem, mas a forma de filmagem também é
fundamental para demonstrar este preconceito, ele sugere que ao analisarmos um filme
buscando estas questões que observemos: quanto tempo eles aparecem na cena? Como
são filmados? Quanto tempo aparecem em comparação com os euro-americanos? São
personagens ativas ou apenas elementos decorativos? Como se posicionam?
Uma outra análise apontada pelo autor é de algo que consideramos de alguma
maneira inocente: desenhos e desenhos animados. Neste contexto específico, os estúdios
Disney mostram personagens e lugares latinos, africanos e orientais sob estereótipos
totalmente preconceituosos de forma naturalizada o que nos dá um panorama
desalentador de como uma minoria que detém o monopólio do poder da imagem vê uma
maioria e cria representações sem nenhum pudor sobre ela5.
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Pense em Zé Carioca: como ele é representado? Um corvo, portanto, preto, malandro, preguiçoso,
sempre tentando “se dar bem”.
O latino6, desde as primeiras décadas, é retratado como o bandido, o malandro.
Isto é visível nos faroestes que retratam a conquista e expansão de fronteiras nas terras
de um povo preguiçoso, pobre e servil sendo coadjuvantes para o heroico cowboy
americano. Nos anos 1970 e 1980 o papel passou a ser de mafioso (para os italianos) e
narcotraficantes das mais diversas origens: México, Colômbia, Bolívia, etc. Neste
ponto, voltamos a fala de Darín que demonstra o quanto esta imagem ainda está posta.
Numa outra frente, temos a questão das mulheres. E evoco como um exemplo
primordial Carmem Miranda. A atriz foi convidada para participar de produções
cinematográficas nos Estados Unidos durante o período de 1940 a 1945 em que a
política externa norte americana estava voltada para conquistar e moldar o restante das
Américas através da utilização de atores latino-americanos no cinema hollywoodiano. A
ideia era promover a amizade e a troca cultural, porém deixando claro a superioridade
dos Estados Unidos sobre o restante. “Ao lado de outros artistas latino-americanos, seu
papel era suavizar, naturalizar e disseminar as narrativas interamericanas [...] por meio
da comédia, da música, de suas curvas, das piscadelas e do grande sorriso.” (MACEDO,
2013).
Neste contexto, Carmem Miranda representa bem a forma como os latino-
americanos eram vistos de forma distorcida principalmente as mulheres. Suas roupas
precisavam deixar a mostra as pernas, o abdômen, os braços e o busto, suas unhas e
boca pintados de vermelho e com uma forte conotação de inspiração nos trajes
caribenhos. A baiana da atriz mescla identidades diversas ao mesmo tempo em que as
distorce, confundindo e negando as diversas etnias, costumes e culturas que convivem
nas Américas do Sul e Central e no México. Além do agravante de mostrar a mulher
latina como objeto de desejo e disposta ao sexo fácil, a mulher caliente, como a cubana
Estelita Rodriguez que atuou na década de 1950 e era chamada de Cuban fireball (bola
de fogo cubana). A representação e a apresentação delas induz à ideia de que as
mulheres latinas são somente para desfrutar, não para se apaixonar.
Neste período propagou-se e consolidou-se a imagem da América Latina como o
paraíso para as férias dos estadunidenses com suas praias, belezas naturais, mulheres
permissivas e homens servis, onde seu dinheiro compra tudo por tratar-se de lugares
pobres e subdesenvolvidos. Mesmo com toda a evolução das últimas décadas ainda há
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Latino: aqui referido como os povos de línguas originadas do latim como alguns europeus (espanhóis e
italianos) e os da América Latina englobando Américas do Sul e Central e o México. Inclusive o México,
assim como o Egito, é tão estereotipado que o imaginário cinematográfico o descolou de sua localização
geográfica. “Esquecemos” que o primeiro faz parte da América do Norte e o segundo da África, embora
eles sejam vistos de forma contrária, é um bom exemplo.
muito que mudar nesta visão que compartimenta conhecimentos, que não vê os
verdadeiros sujeitos sociais, que contempla o outro somente de acordo com seu desejo.
É a cultura de que o homem branco, civilizado, racional é aquele que vem da Europa
(ainda assim, partes dela) e dos Estados Unidos da América.
Mais recentemente as mudanças, bem vindas, tem sido por conta das produções
e inserções da América Latina no cenário dos Estados Unidos e da Europa. Vários
filmes de qualidade inquestionável tem tido visibilidade, assim como diretores e atores
latinos, tem ganho cada vez mais espaço.
Em 2014 Gravidade (2013) deu a seu diretor, o mexicano, Alfonso Cuarón o
Oscar de Melhor Diretor, prêmio recebido também em 2015 por outro mexicano,
Alejandro González Iñarritu por Birdman ou A inesperada virtude da ignorância
(2014). Nos últimos anos filmes latino-americanos tem conquistado sucesso de público
e crítica numa clara demonstração da capacidade e da qualidade do cinema local, filmes
como Relatos Selvagens (2014), O segredo de seus olhos (2009), A pele que habito
(2011), O labirinto do fauno (2006) para citar somente alguns e os diretores como
Guillermo Del Toro, Pedro Almodóvar, entre outros, além dos mencionados por
ganharem o Oscar, ficaram conhecidos por projetos de sucesso. Cada vez mais latinos
tem participado e ganhado notoriedade em Hollywood.
A qualidade e a capacidade do cinema latino-americano tem crescido cada vez
mais conquistando o público e competindo no e com o mercado internacional,
esperemos que este desenvolvimento faça com que avance cada vez mais a
desconstrução dos estereótipos. Prova disto, são os excelentes diretores e atores latinos
que tomado cada vez mais espaço, além de cinemas nacionais que tem se destacado pelo
mundo afora, como é o caso do Novo Cinema Argentino, nas palavras de Fernando
Mascarello (2008) que tenta ter no cinema uma forma de reflexão, de catarse,
mostrando conflitos pessoais e do indivíduo de forma a mostrar o mundo, algumas
vezes de um realismo desconcertante ao nos fazer encarar um mundo ao qual temos que
nos adaptar.
A intenção desta breve exposição era deixar em aberto as questões para
discussão e aprofundamento na apresentação do projeto, para isto, utilizaremos trechos
de alguns filmes e séries de televisão na intenção de gerar um debate produtivo e
dinâmico. Alguns podem se perguntar e apontar a falta de menção aos filmes brasileiros,
estes serão deixados para mais tarde pois, há previsão de um momento somente para o
nosso cinema nacional, por isto não o abordamos aqui.
Bibliografia de apoio:
BALIEIRO, F. F. Carmem Miranda entre desejos de duas nações: uma análise de suas
personagens baiana e latino-americanas no cinema. In: Anais do XI Congresso Luso
Afro Brasileiro de Ciências Sociais, Salvador, 2011.
Alguns sites
Frida (2002)