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O Poder Das Palavras e A Força Das Imagens PDF
O Poder Das Palavras e A Força Das Imagens PDF
António Fidalgo∗
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O poder das palavras e a força das imagens 3
ferência, está a distinção entre o geral e o lart, no facto de ser muito mais concreta
particular ou entre o abstracto e o concreto. e emocional. “Enquanto Londres emitia
Tudo o que é percepcionado, aquilo que, em notícias anunciando as atrocidades cometi-
termos retóricos, entra pelos olhos dentro, é das pela soldadesca inimiga, com fotogra-
particular e concreto. O que é dado aos senti- fias mostrando-a em pilhagem, etc., Berlim
dos é aquilo e não outro, é algo determinado, lançava-se em longas dissertações, demons-
concreto e definido. trando que só o interesse do Reino Unido em
Ora para convencer há que descer ao parti- liquidar a indústria do seu concorrente tinha
cular e ser concreto. Os ouvintes precisam de justificado a guerra, explicando com profun-
sentir, e não apenas de entender, a verdade ou dos detalhes as razões históricas e diplomá-
a justeza daquilo que se lhes pretende trans- ticas da política de cerco da Alemanha por
mitir na peça retórica. Para isso nada me- parte de Eduardo VII.”2
lhor do que um caso real, um exemplo ou
uma fábula. Aqui encontramo-nos no âm-
bito do particular e concreto. É sabido que o 4 A força das imagens
livro de Harriet Elizabeth Stowe, A Cabana
A força retórica das imagens advém-lhes de
do Pai Tomás, teve uma influência decisiva
serem particulares e concretas. Não há uma
no sentimento popular norte-americano con-
imagem do homem em geral, mas deste ou
tra a escravatura e que, por isso, é apontado
daquele homem, bem concreto e definido.
como uma das causas da guerra civil ame-
Enquanto as palavras designam (na lingua-
ricana. Para convencer um povo da injustiça
gem de Kant) conceitos, representações ge-
da escravatura, uma boa história vale mais do
rais, as imagens são de cariz intuitivo, e, por-
que um tratado filosófico sobre a igualdade
tanto, representações particulares. Tudo o
humana.
que é real é determinado, particular e con-
No convencimento o apelo às emoções é
creto. Um homem real é um ser com de-
tão ou mais forte, consoante as circunstân-
terminadas características, com uma fisiono-
cias, que o apelo à razão. E aí jogam os ca-
mia própria e outras particularidades únicas.
sos e não as ideias. Para convencer um pai
Ora a imagem é sempre a imagem de alguma
ou uma mãe que, por tradição e cultura, ti-
coisa, com uma forma determinada, a ima-
ram os filhos da escola para os pôr a traba-
gem de algo concreto. As palavras são sem-
lhar e, assim, os integrar logo cedo na eco-
pre da ordem do geral, referem-se a classes
nomia familiar, não bastam discursos racio-
de objectos e o seu significado é de natureza
nais, há que saber ‘pintar’ o futuro negro que
ideal. A palavra “homem”, significando ser
a baixa escolarização acarreta e, simultanea-
humano, tanto pode referir-se a uma homem
mente ‘pintar’ o futuro risonho de uma esco-
como a uma mulher, a um jovem como a um
laridade completa. E aqui ‘pintar’ significa
idoso, a um branco como a um negro, a um
ser concreto, expor esta e aquela possibili-
baixo como a um alto, a um gordo como a
dade.
A supremacia da propaganda britânica so- 2
- Armand Mattelart, A Comunicação-mundo.
bre a germânica, durante a Primeira Guerra História das Ideias e das Estratégias, Instituto Pia-
Mundial, residiu, segundo Armand Matte- get, Lisboa, 1997, p. 65.
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O poder das palavras e a força das imagens 5
que normalmente são expressas pela lingua- interfere geralmente nas nossas concepções
gem. de bondade e de beleza, e sempre na de ver-
Tais representações gráficas de relações dade.5
lógicas são usualmente uma simplificação, Dito isto, Postman procura demonstrar ao
por vezes tremenda, que torna muito mais fá- longo do livro de que “o declínio da epis-
cil o acompanhamento de quem ouve, e vê, temologia tipográfica e a concomitante as-
das ideias do orador. É que há uma ambi- censão da epistemologia televisiva tem gra-
guidade nas grafismos, quase plástica, que ves consequências na vida pública, que desse
dá para todos. No momento em que houver modo nos tornamos cada vez mais néscios.”6
necessidade de determinar de forma clara o
tipo de relação em vista, e isso só poderá ser
feito por palavras, então a simplicidade de- 6 A imagem do orador
saparece e surgem as incongruências e dis-
Ao mesmo tempo, e numa sociedade suma-
sonâncias.
mente mediatizada o político converteu-se na
Na crítica que faz à televisão em Amusing
sua própria imagem. Postman deu-e bem
Ourselves to Death,3 Postman dá-se bem
conta disso ao afirmar que a retórica passou
conta de como a veiculação do discurso pú-
de uma retórica do discurso para uma retó-
blico pelos meios de comunicação audiovi-
rica da apresentação audiovisual, em que as
suais transforma radicalmente a natureza do
pessoas da esfera pública são obrigadas a um
discurso e mesmo toda a sociedade. A aná-
desempenho de verdadeiros actores. Mais do
lise que faz é de como a televisão representa
que o conteúdo, o que importa é a telegenia
o fim do espírito tipográfico no discurso pú-
de quem o transmite e a forma agradável de
blico.
como o transmite.
A expansão da televisão no quotidiano das
pessoas significa uma alteração no seu modo
de percepcionar, pensar e viver, ou seja, dá 7 O poder das palavras
azo a uma nova epistemologia. É que, pelo
princípio da ressonância, 4 um meio ultra- E, no entanto, só as palavras verdadeira-
passa o contexto inicial e restrito do seu uso, mente têm o poder de convencer. Parece isto
ele induz a uma nova maneira de organizar um paradoxo, depois do que foi dito. Procu-
a mente e a outras formas de assimilação da rarei demonstrar que não há paradoxo algum.
experiência do mundo e dos outros. O meio
5
- “It sometimes has the power to become impli-
3
Neil Postman, Amusing Ourselves to Death. Pu- cated in our concepts of piety, or goodness, or beauty.
blic Discourse in the Age of Show Business, Penguin And it is always implicated in the ways we define and
Books, New York, 1986. regulate our ideas of truth.” Ibidem, p.18
4 6
- O conceito de ressonância busca-o Postman - Some ways of truth-telling are better than
(ibidem, p. 17) em Northrop Frye, The Great Code: others, and therefore have a healthier influence on the
The Bible and the Literature, Toronto: Academic cultures that adopt them. Indeed, I hope to persuade
Press, 1981. “Through resonance, a particular state- you that the decline of a print-based epistemology and
ment in a particular context acquires a universal sig- the accompanying rise of a television-based epistemo-
nificance.” logy has had grave consequences for public life, that
we are getting sillier by the minute.” Ibidem, p. 24.
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6 António Fidalgo
7
- Roland Barthes, Elementos e Semiologia, Lis-
boa: Ediços 70.
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