Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
V. 22 >j. 68 ( I 9 9 5 ) : l 16-137
HEIDEGGER E OS PRESSUPOSTOS
METAFÍSICOS DA CRÍTICA
DA MODERNIDADE
Wilson Gomes
UFBa
Ahsímct: llcidr^^cr and Iht- mctapUyMal yif^iipiiosal of mcd,'niily'-3 cntiquc. The article
departs from presuposilion that lhe set of discourses and means of thought that
conslilutc lhe horizon of so-called "critique of modernily" lakes from Heidegger and
his reflcclions on thc "being's mafter" one primary reference and source. This article
Ihus intends lu argue on lhal presuposifion, showing that. if. on one hand. il's true
that he can be hcld as a foundcr of lhe contemporary style of crilicizing modernily.
on lhe olher, thc modern way in ivhich lhe being is thought (or "forgotlen") is.
according to lhe same Heidegger. jusl another veision of lhe metaphysical decision
that we could take by surprise in lhe very orit;ins of western thought. The thesis, lhe
lhemes and (he vocabulary by wich Ihis "modernily crisis" is piomoled and said,
ruvcals, fherefore. lhe ways of its foiindalion on lhe heideggerian's critique of lhe
metaphysical presupositions on lhe malter of lhe being.
Kcy uurííi. Crilic, Modernily, Heidegger, Metaphysics.
l i n t r e l a n t o , se é b e m v e r d a d e q u e o d i s c u r s o filosófico da "crise da
m o d e r n i d a d e " a t i n g e o a l v o q u a n d o e n c o n t r a e m H e i d e g g e r (e no
N i e t z s c h e h e i d e g g e r i a n o ) as malri^^es para as suas leses a - m o d e r n a s ,
p o r o u i r o l a d o , o tema da m o d e r n i d a d e e m H e i d e g g e r s ó p o d e ser
c o m p r e e n d i d o à l u z d a sua critica à metafísica o c i d e n t a l . N a v e r d a d e ,
s e g u n d o H e i d e g g e r , a única c o n l r i l n i i ç ã o da m o d e r n i d a d e ã hi/hris
f i i n d a m e n l a l da história d o p e n s a m e n t o consisle e m pensar o ente i j i i e
se pergLUila pelo ser a t r a v é s d o conceito de c o n s c i ê n c i a , conceito ade-
q u a d o ã noção de ser já disponível pelas decisões históricas (metafísicas)
q u e f u n d a r a m o p e n s a m e n t o o c i d e n t a l . N a m o d e r n i d a d e a metafísica
da e s l a b i l i d a i l e t r a d u z - s e e m nielafisica d o sujeito. " A é p o c a q u e cha-
m a m o s d e m o d e r n i d a d e se caracleri/.a p e l o f a t o d e q u e o h o m e m se
c o n v e r t e e m m e d i d a c c e n t r o d o ente. O h o m e m é o subjacente a t o d o
e n t e ; d i l o e m l e r m o s m o d e r n o s , o subjacente a t o d a o b j e t u a l i z a ç ã o e
r e p r e s e n t a b i l i d a d e , o h o m e m é o iubjeclitm", d i z H e i d e g g e r ' . Desse
m o d o , a m o d e r n i d a d e t r a d u z a e n é s i m a m e t a m o r f o s e d e u m pecado
das o r i g e n s , o de pensar o ser a p a r t i r d o ente. A m e t a f í s i c a , a d e c i s ã o
d e ohlío d o ser. chama-se na m o d e r n i d a d e teoria d o c o n h e c i m e n t o ,
mas é a m e s m a velha metafísica de l'latão e A r i s t ó t e l e s .
A s s i m , a c o r r e i a c o m p r e e n s ã o das d i s c u s s õ e s pelas q u a i s se i n a u g u r a
a " c r i s e d . i m i ) d e r n i d a d e " , da relação destas c o m H e i d e g g e r c o m o
f u n d a d o r o r i g i n á r i o das suas i n t e n ç õ e s d e p e n s a m e n t o e d o l u g a r da
116 S(ntcxí- Nura FU.SL', Belo lloriíoiil:: i: 22. ii. (ÍH. I99S
" q u o s l à o m o d i T n i d n t l c " no p e n s a m e n t o h e i d e g g e r i a n o , dej^ende ne-
c e s s á r i a m e nle, a nosso m o d o d e ver, da c o r r e i a c o m p r e e n s ã o d a s
d e c i s õ e s pelas q u a i s o p e n s a m e n t o o c i d e n t a l o p t o u p o r pensar o ser
d e u m a cerla f o r m a e não de o u l r a . C o m o esle aspeclo parece passar
despercebidci ã m a i o r i a das d i s c u s s õ e s c o n l e m p o r â n c a s , esle ensaio
p r e t e n d e j u s t a m e n t e oferecer a l g u n s e l e m e n t o s para o j u s t o e n f o q u e
d o p r o b l e m a , i n s i s t i n d o , p o r conseguinte, nos pressupostos metafísicos
da crítica da m o d e r n i d a d e .
Pois b e m , o q u e q u e r e m o s d i z e r q u a n d o a f i r m a m o s a nossa p e r p l e x i -
d a d e a n t e o d i s c u r s o sobre o m u n d o , a r e a l i d a d e , as coisas q u e d o m i -
na a nossa é p o c a ? Provinviiumüe aqui sc exprime o desuniparo proivendo
pclii aparente perda de mlidadc do discurso sobre n rcaliditáe em face de novas
caleyoriiis peliis ijiiais se diz e nas quais se formula a experiàicia Innitaiin do
rciil em nosso tempo.
1 . N ã o i m p o r t a n d o o m o d o c o m o a r e a l i d a d e venha a ser c o m p r e e n -
d i d a , real é a q u i l o que "está d i a n t e " . Ser é e s t a r - d i a n l e , vorüci^ni, e
p e r d u r a r nesta s i t u a ç ã o , fiste e s t a r - d i a n t e q u e d u r a é a iminência d a
r e a l i d a d e , a n i e a q u a l as c o n s c i ê n c i a s n ã o p o d e m se f u r t a r ,
2. E n t r e t a n t o , d u a s o u t r a s s ã o as c a r a c t e r í s t i c a s d a n o ç ã o de r e a l i d a d e
q u e m o r m e n t e d i s t i n g u e m a nossa é p o c a , e q u e H e i d e g g e r condensa
em d u a s p a l a v r a s chaves: VorluiiiíiciilwH e Zubníiilciilifil. listas não
d e v e m ser t r a d u z i d a s , mas i n t e r p r e t a d a s . Real é aquilo qiic esta ao al-
cance da mão (llaiid) como objeto ou coisa inerte, p o r t a n t o , o o b j e t i v a m e n -
te d a d o , o s i m p l e s m e n l e - a í ; real é aqiniu ijiie está ao alcance da mão como
coisa utilizável, c o m o i n s t r u m e n t o , utensílio, d i s p o s i t i v o etc,
r . x i b i ç ã o . d i s p o n i b i l i d a d e , e x i s t ê n c i a ( n o s e n t i d o d e r e a l i d a d e oir
actuahias. p o r t a n t o de n ã o - p o s s i b i l i d a d e ) , d u r a ç ã o e e s t a b i l i d a d e . A
c o n c e p ç ã o de ser q u e está a q u i e m causa apresenta-o, para usar u m a
m e t á f o r a física, c o m o p a r a l i s a d o , i m ó v e l . F.stamos no A n l i - H e r á c l i t o .
K a d a f l u i . A n t e s , t u d o f l u i , m e n o s o ser q u e , e n q u a n t o s u b - p o r t a tais
m u d a n ç a s , sub-trai-se a elas.
118 Sintffe Niwa FOKI', ISI-III Ihinzonlc, IK 22, ii. 6S. 1995
A este p o n i o st- i n l r o d i i / a nossa q u e s t ã o , l i n r e d a d o s na t r a m a q u e nos
lança a p a l a v r a r e a l i d a d e , nela i n t r o d u z i d o s pela c h a m a d a "crise da
m o d e r n i d a d e " , h a v e m o s de nos p e r g u n t a r c o m o f o i possível q u e che-
ga'ssemos a tal p o n t o , Para H e i d e g g e r , t|ue, c o m o dissemos, c o n s a g r o u
a sua o b r a a r e s p o n d e r a essa q u e s t ã o , t u d o ê f r u t o d e certas escolhas,
d e cerlas d e - c i s ò e s ( n o s e n t i d o m a i s r a d i c a l d e cacdo, c o r t a r ) na história
d o p r o b l e m a . Por isso, para ele n ã o r e s l a n i d ú v i d a s q u a n t o ao f a l o de
q u e a história d o o c i d e n t e é a história d o ser, o u , m e l h o r , d o esqueci-
m e n t o d o ser.
Pode-se, d e f o r m a m u i t o s i m p l i f i c a d a , i n d i c a r as cisòes q u e d e - c i d i r a m
a nossa resposta ao p r o b l e m a da r e a l i d a d e e m a l g u m a s escolhas: 1) A
d e c i s ã o d e pen,sar o ser c o m o realidade, ao i n v é s de c o m o possibilidade;
a escolha d e pensar o ser c o m o estabilidade e s u p o r t e e n ã o c o m o pos-
sibilidade liberta, e m Aristóteles e na sua r e c e p ç ã o na l a t i n i d a d e ; 2) A
decisão de pensar o ser c o m o visibilidade, ao i n v é s de c o m o aberluni,
e m P l a t ã o ; a d e c i s ã o , a esta l i g a d a , d e pensar o ser c o m o presente e n ã o
c o m o clareira; 3) O esquecimento do ser o u d a diferença e n t r e ser e enle,
d e Platão a N i e t z s c h e ; 4) A perda do sentido do nada e a alteração do
sentido da verdade.
2.1 C o m o se f o r m u l a a p e r g u n t a p e l o ser: r e a l i d a d e v e r s u s
possibilidade
D e n t r e as f ó r m u l a s p r e f e r i d a s p o r H e i d e g g e r para i n d i c a r a f o r m a da
p r o b l e m á t i c a o n t o l õ g i c a tal c o m o se d e l i n e o u no o c i d e n t e , pode-.se
e n c o n t r a r esla: " Ü ser assume o s e n t i d o d e realidade'"'. O i ] u e s i g n i f i c a
isso, q u e mistérios se e s c o n d e m na p a l a v r a o n d e f o m o s d e s t i n a d o s a
f o r m u l a r a no,s,sa q u e s t ã o ? T r ê s p e r c u r s o s se nos a p r e s e n t a m , tão l o g o
esboçamos a indagação.
N ã o é preciso u m g r a n d e e s f o r ç o para d e s c o b r i r q u e no c o r a ç ã o de
" r e a l i d a d e " ( o u d o r o m a n o realitas) repousa res, q u e se c o s t u m a t r a d u -
z i r c o m o "coi.sa". De res, no b a i x o - l a l i m d e r i v o u - s e o a d j e t i v o realc,
real. I ^ i n d e p o d e m o s " d e d u z i r " , na t r i l h a de o u t r a s e t i m o l o g i a s , u m
d u p l o s e n t i d o para " r e a l i d a d e " : a) u m s e n l i d o a d j e t i v o , cjue se refere
à essência m e s m a de a l g o , à q u i l o q u e o c o n s t i t u i de f o r m a essencial
c o m o " a l g o " , d e m o d o a estabelecer a sua f r o n t e i r a c o m o n a d a . Neste
s e n t i d o , r e a l i d a d e seria u m a referência ao estatuto d a res, a realitas,
como a " h u m a n i d a d e " é referida a " h o m e m " : " r e a l i d a d e " é a proprie-
d a d e d e f i n i d o r a d a q u i l o cujo m o d o essencial d e ser é o d a res, que,
p o r t a n t o , p o d e ser d i t o reale; b ) n u m s e n t i d o s u b s t a n t i v o , é o sistema
q u e i n c l u i t u d o o q u e subsiai ao e s t a t u t o d e reale. A s s i m , " r e a l " é
a q u i l o q u e existe, exerce o ato d e ser a m o d o d e res; mas t a m b é m
" r e a l " é o sistema de t u d o o q u e c o m p õ e o c o m p l e x o das res. Dois
O q u e s i g n i f i c a q u e n ã o e s t a m o s m u i t o l o n g e d() t e r m o g r e g o p a r a
d e s i g n a r " c o i s a " : a p r a g m a (pra^iua) chama e m q u e s t ã o o s u b s t a n t i v o
liê prdxis, a a ç ã o , a a t i v i d a d e q u e se o c u p a de a l g o — nesse s e n t i d o , a
relação ( c o m m e r t i i u n ) c o m a l g o . Pra^iiia é, p o r t a n t o . at|uilo q u e é o
t e r m o dessa o c u p a ç ã o , a q u i l o d e que se o c u p a a l i v a m e n l e ' .
P e r m a n e c e r e m o s no m e s m o h o r i z o n t e se p e n s a r m o s n u m quase s i n ô -
n i m o r o m a n o para res: causa. Q u e n ã o s i g n i f i c o u p r i m e i r o " c a u s a " n o
s e n t i d o de p r o v o c a ç ã o , c a u s a l i d a d e , mas a q u i l o q u e e m p o r t u g u ê s
existe a i n d a c o m o "caso" { c o m o na express.\o " c r i a r caso"), c o m o a
o c a s i ã o da d i s c u s s ã o . A t u a l m e n t e , nas f o r m a s cousa e coisa ela t o m o u
o e s p a ç o da rvs, a i n d a c o n s e r v a n d o , e n t r e o u t r o s , o s e n t i d o de m o t i v o
e interesse.
P o d e r e m o s o b t e r mais f o r t u n a e x p l o r a n d o o d e s t i n o m e t a f í s i c o d a
palavra " r e a l i d a d e " , q u e n ã o nos remete a res, m a s a iiclus. " R e a l i d a -
d e " , no s e n t i d o c]ue a e n t e n d e m o s hoje, é a t r a d u ç ã o ( a r d o - l a l i n a d e
actualitas. Achis seria o r e s u l t a d o d e u m a actio, a ç ã o , a t i v i d a d e , o u d e
u m a operatio, o p e r a ç ã o , E n q u a n t o r e s u l t a d o , o acius é a l g o q u e se se-
gue à a ç ã o , c o m o a q u ü o q u e a a ç ã o c o n s e g u e e q u e v e m d e p o i s d e l a :
o c o n s e q ü e n t e o u o c o n s e g u i d o ' O r a , a c o n s e q ü ê n c i a p r o c e d e t i e algo
prece<lente, é u m seu opus e u m seu efjecius, obra e e f e i t o . A aclualilas
d o acius i m p l i c a a sua p o s s i b i l i d a d e de remeter-se a u m aí;ere a n t e r i o r ,
a u m a caus.i, c a u s a l i d a d e ; a c t u a l i t a s passai a ser c a p a c i d a d e de f u n d a -
E m l i n g u a g e m filosíifica, p o r é m , r e a l i d a d e remete t a m b é m a e x i s t ê n -
cia. l ' o r isso K a n l p ô d e c h a m a r as p r o v a s da r e a l i d a d e i l e Deus d e
p r o v a s da sua existência, l i m l i n g u a g e m metafísica r e a l i d a d e e exis-
tência s i g n i f i c a m a m e s m a coisa^ Existerc, i-x aUio shicre, s i g n i f i c a " v i r
para fora a p a r t i r de a l g o " , " e m e r g i r " , o n d e o m a i s i m p o r t a n t e n ã o é
o m o v i m e n t o d o ex-stasis, mas o estabelecer-se. o s u b s i s t i r d a i ] u i I o
q u e é t i r a d o , d a c j u i l o c^ue está " f o r a " . O ex-sislem, o existente, é u m
" f o r a - e s t a n i e " , O " d o n d e " desta e m e r s ã o é d i t o f i l o s o f i c a m e n t e a par-
tir da acliiiditiis: existeutia é a constituição de u m a e n t i d a d e f o r a , a
p a r t i r de sua causa (rt's extni auisas), assim s u p e r a n d o o nada, A exis-
tência é u m iietiis q u e p õ e a coisa fora d o estado da p o s s i b i l i d a d e .
C o m p r e e n d i d a desta f o r m a , a existência é t a m b é m r e s u l t a n t e d e u m
processo e m (|ue d e u m a a b e r t u r a se passa a u m f e c h a m e n t o , da i n -
d e f i n i ç ã o se passa ã d e f i n i ç ã o , da p o s s i b i l i d a d e se passa ã inliiíilihis.
A s s i m e n t e n d i d a , a r e a l i d a d e se encontra a i n d a l u n a vez c o m o presen-
ça efetiva e no h o r i z o n t e d o r e s u l t a d o . Rniüdinie sij^iiififii iiijiii liio so-
iiiciüf o resiilítiilo líc uni reiiUzar: c a realização ( o u p e l o m e n o s seria, se
isso fosse possível d e ser d i t o neste s e n t i d o e m nossa l í n g u a ) .
E n t r e t a n t o , anles f a l á v a m o s , c o m H e i d e g g e r , d e d e c i s ã o . De q u e d e c i -
s ã o se I r a l a a q u i . cjuando c u i d a m o s da r e a l i d a d e e n t e n d i d a c o m o
iicliiiiliins e exisSeiilia? D o p o n t o de vista da história d o p e n s a m e n t o da
r e a l i d a d e estamos d i a n t e de u m a t r a d u ç ã o l i t e r a l , q u e i m p l i c o u n u m a
i n t e r p r e t a ç ã o radical d e u m a categoria c o m i|ue Aristóteles pensava o
p r o b l e m a i j i i e ai|ui c h a m a m o s d e q u e s t ã o da r e a l i d a d e , e q u e para os
gregos era a t|uestão d o ser. D o ser?!
1 ecnicamenle, n e n h u m p r o b l e m a , He Ousia, é o s u b s t a n t i v o a b s t r a i o
q u e c o r r e s p o n d e ao p a r t i c í p i o presente té ón. F,m l a t i m se apresenta
c o m o e n l i t a s o u e s s e n ü a . no p r i m e i r o r e f e r i n d o p r i m a r i a m e n t e ao
particípio ens, no s e g u n d o , ao i n f i n i t i v o esse. C h e g a d o s a m n substan-
t i v o abstrato c o r r e s p o n d e n t e ao particípio o círculo está c o m p l e t o ;
este s u b s t a n t i v o é c o m o que a s u b s t a n t i v a ç ã o d o v e r b o a q u e cor-
Nesse s e n t i d o p o d e m o s a f i r m a r i ] u e a f i l o s o f i a , b u s c a n d o a i j u i l o q u e
o e n l e é e n q u a n l o c (ón hcóii), está a c a m i n h o r u m o ao ser d o e n l e , isto
V, r u m o ao ente c o m r e s p e i t o ao ser, l ! m o u t r o s t e r m o s , o ser d o e n l e
consiste n a q u i l o q u e faz d o ente, ente, q u e o c o n s t i t u i , consiste na sua
e n t i d a d e . For o u t r o l a d o , l o d o e n l e ê, eslá e / o u existe no ser; o ser o
c o n s t i t u i c o m o tal, t ) q u e seria u m a a f i r m a ç ã o banal se se tratasse de
o u t r o v e r b o e não d o " s e r " . Ser (em s e n t i d o v e r b a l ) é a " a ç ã o " mais
f u n d a m e n t a l q u e p o d e ser d i t a d e q u a l q u e r coisa; antes, n e m m e s m o
é u m a a ç à o , mas a q u i l o q u e p o s s i b i l i t a q u a l q u e r a ç ã o s e n d o a q u a l -
(juer u m a precedente, F n l e , p o r t a n t o , é l u d o o q u e se d á , se apresenta;
e m linguagem moderna, t u d o o que pode ser conhecido, pensado o u dito.
T r a l o u - s e , p o r é m , d e u m a escolha teórica a p a r t i r d a i ] u a l a p r o b l e m á -
tica grega d a r e a l i d a i l e , a i [ u e s l ã o d o ser, d o m i n o u a I d a d e M é d i a
latina e, p o r ela, a m o d e r n i d a i l e . I n f r e t a n t o , liá d e se p e r g u n t a r p o r
q u a l razão i n t é r p r e t e s d e A r i s t ó t e l e s , s e m d ú v i d a d e g r a n d e v a l o r ,
p u d e r a m t r a n s f o r m a r u m a c o n c e p ç ã o d a oiisín c o m o " p o n I o d e chega-
i l a d e u r n p r o c e s s o " , c o m o "t hegar d e " e "ser a t h i / i i l o " e m u m a con-
c e p ç ã o d a csscjfffrt c o m o e f e t i v i d a d e , p r e s e n ç a e f e t i v a . Isso t e m q u e
e n c o n t r a r u m a e x p l i c a ç ã o na o b r a d e A r i s t ó t e l e s m e s m o .
Síntese Nica fo.sL', Ki-/" llurizimtc. 11. 22. n. <iH. iílí).^ 125
ti cada vez. M a s , i j u a n d o Aristóteles a f i r m a cjue a oiíS/i; cie t u d o se
p r e d i c a , m a s não é u m p r e d i c a m e n t o , recusa a p o s s i b i l i d a d e d e q u e
ela r e s p o n d a ã p e r g u n t a p o r o que e, pela e s s ê n c i a , f i m s e n t i d o p r ó p r i o
a njisfíi c o r r e s p o n d e n d o ao " p e r d u r a r d a q u i l o q u e se dã a cada v e z " ,
c o r r e s p o n d e ao fiito dc ser, ao ser p r o n u n c i a d o e e n u n c i a d o n o hóli
csftii.
S ó e m u m s e n t i d o s e c u n d á r i o a cusía p o d e ser d i t a d o s m o d o s c o m o
a coisa é, d o aspeclo q u e se m o s t r a (e'idtis). c o m o d i z i a P l a t ã o . Este é
p r o p r i a m e n t e o espaço dos predica mentos o n d e se caracteriza essencial-
m e n t e a coisa, p o r t a n t o o n d e aparece o ser i n t e r r o g a d o c o m o tí cslin.
A s s i m s e n d o , a q u i se r e v e l a o g r a n d e e n i g m a , a c r e d i t a I l e i d e g g e r . D e
f a l o , o que iiiu eiile c (a sua esscniiii, dirão m a i s t a r d e os c o m e n t a d o r e s
l a t i n o s d e A r i s t ó t e l e s ) , enc|uanlo p o d e ser p e n s a d o a b s t r a i n d o - s e d o
fato d e ele r e a l m e n t e ser o u n ã o , é a sua possibilidade. A cssentia i n d i c a ,
p. ex-, o p á s s a r o e n q u a n t o p á s s a r o , e n q u a n t o ele p o d e ser n o caso e m
q u e exisla: acjuilo q u e o l o r n a possível e n q u a n l o t a l ; a p o s s i b i l i d a d e " ' .
Dessarte, fato de ser, só p o d e ser a a f i r m a ç ã o da cxistenlia ( e m l i n g u a -
g e m e s c o l á s t i c a ) , o que s i g n i f i c a a não — (mais) — p o s s i b i l i d a d e , a
f a t u a l i d a d e o u e f e t i v i d a d e . S e n d o a ousía e m s e n l i d o p r i m á r i o o (afo de
ser estava aberto o c a m i n h o para a sua c o m p r e e n s ã o c o m o a n e g a ç ã o
da p o s s i b i l i d a d e , c o m o efetividade, p o r t a n t o c o m o aclualilas e existciitia.
K o f u n d o , s e g u n d o H e i d e g g e r , a d i s t i n ç ã o aristotélica e a i d e n t i f i c a -
ção prioritária da ousia c o m o íiiífi estin estabelece um primado da existeiitia
solirc a essciilia, da efetividade sobre a possibilidade '' na c o n c e p ç ã o d o ser...
Esta d i s t i n ç ã o , e n t r e t a n t o , s e g u n d o H e i d e g g e r , no f u n d o é a d i s t i n ç ã o
e n t r e ente e ser, e a d e c i s ã o Aristotélica no f i m das conlas é a d e c i s ã o
d l ' pensar o ser c o m base no ente, d e n ã o pensií-lo c o m o ser o u , d i l o
de f o r m a grega, de e s q u e c ê - l o .
2.2 A m e t a f í s i c a d o o l h a r
A l é m disso o m o d o m e s m o n i e d i a n i e o q u a l Platão p õ e - s e a p e r g u n t a
p e l o ser, c o m o ousía, reserva à q u e s t ã o u m o u t r o d e s t i n o . O ser d o
ente, c o m o a e n t i d a d e d o ente, f i n d a p o r s i g n i f i c a r , para P l a t ã o , o
u n i v e r s a l c o m respeito ao ente. Se d i s s e r m o s q u e Deus, a p e d r a , o
c a v a l o , o p á s s a r o , a á r v o r e s ã o entes, e n t ã o d i r e m o s deles a q u i l o que
de m a i s geral p o d e ser d i t o . A e n t i d a d e é, p o r t a n t o , o m a i s geral que
se p o d e d i z e r de a l g o ; e m g r e g o , íii kviuóíiiioii. Ü r a , t a n t o c o m respeito
ao processo d o c o n h e c i m e n t o , q u a n t o c o m respeito às coisas, aos entes
e m g e r a l , o ser c o m o c f i f i d a d e — tô koiiióu — é próleron, é prévio, é
precedente. E m o u t r o s t e r m o s , v i s t o d o p o n t o d e vista da á r v o r e o u da
casa s i n g u l a r , a q u i l o q u e as faz ser o q u e s ã o , a sua " a r b o r e i d a d e " o u
" c a s i d a d e " s ã o e n t ã o a iden da á r v o r e o u da casa, o " u n i v e r s a l " e m
face d o p a r t i c u l a r , p o r isso c o n t e n d o i m e d i a t a m e n t e o ca r á t er d e koiuóii,
d a q u i l o que é vários singulares juntos.
Para I l e i d e g g e r esla c o n c e p ç ã o , q u e é i m i a d e c i s ã o , l e v a r á f a t a l m e n t e
à c o n c e p ç ã o d o ser c o m o e f e t i v i d a d e i|ue d o m i n a a nossa é p o c a . M a s
esla f o i u m a escolfia q u e se fez c o n t r a as m a i s p r i m o r d i a i s caracteri-
z a ç õ e s d o ser. A s s i m , se é v e r d a d e c]ue a i n t e r p r e t a ç ã o d o ser c o m o
ousía torna-se v i n c u l a n i e para o p e n s a m e n t o o c i d e n t a l , não m e n o s
v e r d a d e é o f a l o d e i ] u e a l g u n s SCHTUIOS anles de Platão e A r i s l ó l e l e s os
pensadores gregos já se p u n h a m a p e r g u n t a p e l o ser. D e n t r e estes,
p a r t i c u l a r m e n t e H e r á c l i l o e P a r m ê n i d e s f o r a m d e s c o b e r l o s pela crítica
recente, sob o influxíi da "exegese" d e H e i d e g g e r . c o m o pi^nsadores
densos e f e c u n d o s da i j u e s l ã o d o ser.
Várias s ã o as palavras-pensantes q u e se a p r e s e n t a r a m na t e n t a t i v a d e
circunscrever o e n i g m a d o ser: l o g o V , en, fasiV, f u s i V , alliqeia, fainesqai,
Uma delas l e n i p a r l i i u l a r n i e n l e a c a p a c i d a d e de remeter a Iodos as
o u t r a s , c o n c e n t r a n d o m o r m e n t e e m si as a t e n ç õ e s d o s ['ensailores das
o r i g e n s : he p h v s i s . Sendo, p o r c o n s e g u i n t e , a ousía u m a i n l e r p r e l a ç ã o
m o d i f i c a d a da(|irilo i|ue a l g u n s s é c u l o s anti.'s se c h a m o u d e p h y s i s , a
nossa p e r g u n t a pela r e a l i d a d e c o n s t i t u i - s e , na esfera mais originária
d o p e n s a m e n t o g r e g o , c o m o u m i n q u i r i r pela p h y s i s .
a) O Ser p e n s a d o c o m o p h y s i s . E m e r g i r c c s f a r - à - l u z
l : m g r e g o , o v e r b o c o r r e s p o n d e n t e — plit/ciii (phyo) — s i g n i t i c . i o
b r o t a r , e m e r g i r , despregar-se. A semente, p o r ex., phi/fiii, germina.
Talvez fosse m e l h o r , p o r t a n t o , c i r c u n s c r e v e r he pht/sis p o r u m a l o c u ç ã o
d o t]ue t r a d u z i - l a p o r u m a p a l a v r a jã s e d i m e n t a d a e, nesse caso, e n -
ganosa, c o m o " n a t u r e z a " . Por he physis os g r e g o s p e n s a m n a q u i l o q u e
a) e m e r g e (sai, surge, desprega-se); b) d e d e n i r o d e si m e s m o ( b r o t a ,
nasce); c) e p o r si n i e s m o (desabrocha), a p a r t i r d e s i ; d ) e q u e nesle
e m e r g i r estabelece-se, p e r m a n e c e , se r e t é m . Fosse p o s s í v e l recorrer-se
a tmia palavra poderíamos traduzi-la como a "emergência" o u o " a d -
v e n t o " , o u , se p r e t e r i r m o s os verbos s u b s t a n t i v a t i o s , o " e m e r g i r " i n -
c l u i n d o aí todas aquelas características i n d i c a d a s acima^'.
J u s t a m e n t e para d e c l i n a r I o d o s os s e n t i d o s i ] u e se e s c o n d e m e se ofe-
r e c e m na c a r a c t e r i z a ç ã o d o ser c o m o physis os pensadores das o r i g e n s
r e c o r r e r a m a u m certo n ú m e r o de t e r m o s , q u e Uies f o r n e c e m o u t r a s
tantas achegas, a p r o x i m a ç õ e s , a f l o r a ç õ e s ao e n i g m a que aí se esconde.
Aflorações, enquanto nem Heráclilo, n e m Parmênides e m verdade
oferecem d o u t r i n a s , mas p r o - v o c a ç õ e s a p ô r - s e à escuta d o ser.
b) P h y s i s e A I c t h e i a , A reserva
O o c u l t a m e n t o , o não-ser ( n ã o - m a i s - s e r o u n ã o - a i n d a - s e r , o nada e a
p o s s i b i l i d a d e ) é a c o n d i ç ã o " e s c a t o l ó g i c a " d o ser, a sua reserva obscu-
ra e p e r m a n e n t e , ([ue se r e t r a i ( d a n d o m a r g e m à d e s o c u l l a ç ã o ) mas
t a m b é m se fecha. Neste m o m e n t o d o p e n s a m e n t o f o i possível entre-
ver, a i n d a q u e p o r p o u c o t e m p o , o f a l o óe q u e ao ser i n e r e m a reve-
lação e a reserva. Neste m o m e n t o , a a f i r m a ç ã o d e q u e " o N a d a m a n i -
festamente n ã o é " ( e n q u a n t o n ã o é u m ente) não i m p l i c a q u e ele n ã o
p e r t e n ç a , a seu m o d o , ao ser. O nada a q u i é l ã o - s o m e n t e o " n a d a d o
e n t e " , a q u i l o q u e não se r e d u z ao ente, a q u i l o q u e d e l e é d i f e r e n t e ; não
é o conceito oposto ao ente, m a s pertence à essência d o próprio ser.
c) l ' h y s i s e L ó g o s . O a b r i g o .
C o m i s t o SC c o m p l e t a o q u a d r o d o m a i s o r i g i n á r i o p e n s a m e n t o d o s
gregos sobre o ser d o ente, s e g u n d o H e i d e g g e r , E m s e n t i d o m u i t o
geral, o ser aparece aí c o m o a d i m e n s ã o i n s t a u r a d a para o a p a r e c i -
m e n t o d o ente; o h o r i z o n i e e m q u e estes se t o r n a m visíveis e n q u a n t o
tais, O enle é v i s t o c o m o a q u i l o q u e e m e r g e p o r si m e s m o (pin/sis) e,
e m e r g i n d o , põe-se ã l u z , aí p e r m a n e c e n d o r e c o l l i i d o e c u s t c i d i a d o ; o
ser d o ente é a q u i l o q u e o faz aparecer n a q u i l o q u e ele é {aictiieia) e
q u e o resguarda, a b r i g a n d o - o (Lógos). O ente é a q u i l o que a t i n g i n d o a
d e s v e l a ç ã o (aparecendo) d u r a , a i p e r m a n w e n d o ; o ser é a q u i l o t]ue o
d e i x a aparecer e o a b r i g a , O aparecer é u m r e t i r a r a q u i l o q u e aparece
d o o c u l t a m e n t o ; mas o desvelar (o ser) t e m necessidade d o o c u l t a m e n t o ,
a alélhcia precisa d a /c'//fc c o m o d a reserva a q u e , p o r assim d i z e r , ela
recorre. A v i s i b i l i d a d e q u e o ser concede faz e m e r g i r o e n l e c o m o t a l ;
mas o ser, p o r Irás d e l a , pactua c o m o não-ser. O ente q u e e m e r g e ,
p o r t a n t o , é, d e a l g u m m o t i o , não apenas constante, consistente, mas
g r á v i d o de promessas d e r i v a d a s da pulemos entre d e s v e l a m e n t o e re-
serva; o ente i n c l u i , d e a l g u m m o d o e e m v i r t u d e desta c o n c e p ç ã o d o
ser, t a m b é m a p o s s i b i l i d a d e
Endereço do iiulor:
Rua Professor Teles de Menezes, 2311/04
41910-190 — Salvador — BA