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Ministério de Pequenos Grupos

Vinho Novo, Odres Novos

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Guia de Estudo

Este Guia de Estudo refere-se ao sexto sermão da série


Vinho Novo, Odres Novos, pregado pelo Pr. Ed René Kivitz
em 25 de abril de 2010 e disponível em áudio para download
no site da Ibab (ibab.com.br). Ele foi elaborado para facilitar
a discussão em Pequenos Grupos.

IGREJA BATISTA DE ÁGUA BRANCA


O evangelho todo para o homem todo

Que estou fazendo se sou cristão?


Se Cristo deu-me o seu perdão!
Há muitos pobres sem lar, sem pão,
Há muitas vidas sem salvação.

Meu Cristo veio prá nos remir:


O homem todo sem dividir.
Não só a alma do mal salvar,
Também o corpo ressuscitar.

Há muita fome em meu país,


Há tanta gente que é infeliz,
Há criancinhas que vão morrer,
Há tantos velhos a padecer.

Milhões não sabem como escrever,


Milhões de olhos não sabem ler
Nas trevas vivem sem perceber
Que são escravos de outro ser.

Aos poderosos eu vou pregar


Aos homens ricos vou proclamar
Que a injustiça é contra Deus
E a vil miséria insulta aos céus.

[Hino de João Dias de Araújo, 1967]

No final do ano de 2008 tive o prazer de visitar a cidade de Dakar, no Senegal. Fui convidado
a ministrar uma conferência a respeito da Missão Integral da Igreja para um grupo de
aproximadamente 50 missionários. Foi uma experiência maravilhosa. Fui inspirado e
desafiado pela dedicação daqueles homens e mulheres que empenharam suas vidas a servir
as nações da África Ocidental.

Mas me lembro especialmente de um incidente. Ao final de uma das minhas preleções


alguém levantou a mão e me encaminhou a seguinte pergunta: “De que adianta alfabetizar
uma pessoa, se ela vai para o inferno? Não é melhor chegar analfabeto no céu, do que no
inferno sabendo ler?”

Não sei se consegui me sair bem na resposta, mas a pergunta não me pegou de surpresa.
Em meados dos anos 80 escrevi um artigo para o jornal do Centro Acadêmico da Faculdade
Teológica Batista de São Paulo abordando o tema. Apresentei a conclusão do Congresso
Internacional de Evangelização realizado na cidade de Lausanne, Suíça, no ano de 1974. O
Pacto de Lausanne, como ficou conhecido, afirmou que a responsabilidade social da igreja
tem três dimensões concomitantes e igualmente importantes: a assistência às necessidades
imediatas, a ação educativa e emancipadora (prefiro libertadora) e a transformação das
estruturas sociais.

A repercussão do artigo foi quase nula, exceto para o Diretor da Faculdade, que solicitou
uma avaliação de sua adequação e exatidão bíblica. O parecer do Professor Richard Julius
Sturz me livrou de constrangimentos: “o artigo não reflete a posição mais tradicional, mas

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está dentro dos limites toleráveis de divergência”.

Esses dois exemplos refletem o conflito que muitos cristãos têm a respeito da compreensão
e limites da missão da igreja. Nas entrelinhas dessas questões existe uma pergunta: a igreja
deve se dedicar apenas à evangelização, ou deve também se envolver em questões políticas
e sociais?

Para que seja possível compreender a responsabilidade (engajamento) social como parte
essencial da missão da igreja, dependemos da boa compreensão de três conceitos bíblico-
teológicos: o homem, a salvação e a própria missão.

O homem

Levei um tempo para me dar conta de que o cristão, ao contrário dos espíritas e hindus, não
acredita na imortalidade da alma. O cristianismo não ensina a imortalidade da alma, ensina
a ressurreição. O que não morreu, não pode ressuscitar. Quem acredita na ressurreição,
necessariamente deve acretidar na realidade da morte.

A ideia da imortalidade da alma não é cristã, é grega. É a crença no dualismo espírito-


matéria que compreende o corpo como “prisão da alma”, como acreditava Platão. O
corpo é o invólucro da pessoa, cuja essência é o espírito. Nessa compreensão, na morte, o
espírito se desprenderia do corpo e poderia, então, caminhar rumo à sua plena realização.
O espiritismo vai pegar essa ideia e dizer que a reencarnação do espírito é o caminho do
aperfeiçamento.

Mas a Bíblia ensina diferente. A antropologia bíblica, entretanto, apresenta o ser humano
como uma unidade corpo/espírito, que atende pelo nome de alma vivente. A alma não é um
terceiro elemento, como café (corpo), leite (espírito) e canela (alma). A alma é o nome do
conjunto corpo (café) e espírito (leite). A alma é o café com leite, misturados originalmente
com intenções definitivas.

Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o


fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.
[Gênesis 2.7]

A morte é a separação entre corpo e espírito e, justamente por isso, é a destruição da


pessoa. A Bíblia não considera que “o espírito é a pessoa”, e que quando o corpo morre a
pessoa continua viva, pois o espírito se desprende do corpo e atinge sua plenitude. A Bíblia
não considera que exista pessoa sem corpo. Na verdade, uma “pessoa sem corpo” é um
defunto, está morta.

A esperança cristã, portanto, não é a imortalidade da alma, mas a ressurreição. A ressurreição


é a vitória total, a reintegração perfeita das facetas humanas que nunca deveriam ter sido
separadas pela morte.

Na ressurreição, a pessoa que estava morta voltará à vida. E esta vida não será apenas “em
espírito”, pois terá um corpo – não existe pessoa sem corpo.

Assim será com a ressurreição dos mortos. O corpo que é semeado é perecível e
ressuscita imperecível; é semeado em desonra e ressuscita em glória; é semeado
em fraqueza e ressuscita em poder; é semeado um corpo natural e ressuscita um

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corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual [...] Eis que eu lhes
digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num
momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta
soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados. Pois é
necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que
é mortal, se revista de imortalidade. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de
incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que
está escrita: “A morte foi destruída pela vitória”.
[1Coríntios 15.42-44, 51-54]

A partir dessa concepção antropológica: o ser humano é uma unidade corpo-espírito,


podemos concluir que não pode haver separação entre cuidar do corpo ou do espírito, pois
cuidamos mesmo é da pessoa, que chamamos de “homem todo”. A ação que se destina
apenas ao cuidado do espírito de um ser humano, na verdade é uma ação voltada ao não-
homem, pois não existe “só o espírito”. Ou existe uma pessoa: unidade corpo-espírito, ou
não existe pessoa, isto é, existe uma “não pessoa”, um “não-homem”, um “não-ser humano.

A salvação

O conceito antropológico nos remete ao conceito bíblico de salvação. O que está sendo
salvo? Será que a salvação é apenas para o espírito? Evidentemente que não. A salvação
oferecida por Deus em Jesus Cristo é para seres humanos, e seres humanos são a unidade
corpo-espírito.

Devemos concordar com Jung Mo Sung quando diz que “a espiritualidade cristã tem a ver
com a vida concreta das pessoas. Se não tivesse, ela não teria utilidade para nós humanos,
mas só para seres não-materiais (se é que existem). Nós humanos somos seres corporais
e, por isso, uma espiritualidade que não possa ajudar a viver uma vida feliz tem que ter
relação com questões corporais e materiais.
[Um caminho espiritual para a felicidade. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. p.39]

É isso o que quer dizer a expressão do hino em epígrafe:

Meu Cristo veio prá nos remir


O homem todo, sem dividir
Não só a alma do mal salvar
Também o corpo ressuscitar

Parafraseando Ortega Y Gasset, podemos dizer que Jesus é Salvador do “homem e suas
circunstâncias”, que engloba a vida em suas dimensões física, psico-emocional, espiritual,
social, econômica, política e outras.

É por esta razão que o Novo Testamento chama de salvação tanto a cura do corpo quanto
o perdão para os pecados [Mateus 9.1-8]; tanto a ressurreição do corpo [João 11] quanto a
superação do poder do dinheiro [Lucas 19.1-10]; tanto a libertação do cativeiro dos espíritos
diabólicos quanto a reintegração social [Marcos 5.1-20].

A salvação, portanto, não se resume à experiência do céu após a morte. Jesus não
convocava pessoas para que se credenciassem para o céu após a a morte, mas para que
se comprometessem com o reino de Deus de imediato, antes mesmo da morte [Mateus
6.33; Mateus 13; Marcos 1.14,15]. A salvação é a experiência da rendição da vida toda à

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autoridade de Jesus Cristo, o Senhor [Romanos 10.9,10]. A vida sob a autoridade e senhorio
de Jesus Cristo implica a transformação de todas as dimensões da existência humana a
partir de agora e aqui na terra.

A missão

Os conceitos de homem e salvação nos esclarecem o conceito bíblico de missão (da igreja).
Considerando que o ser humano é a unidade corpo-espírito e que a salvação é a integração
e participação no reino de Deus a partir do aqui e agora, a missão da igreja consiste em
“levar o evangelho todo para o homem todo”, que resulta em sinalizar o reino de Deus de
maneira concreta na história.

Assim como Jesus não se restringiu a fazer um discurso a respeito da vida pós morte, mas
demonstrou os sinais do reino de Deus por onde passou, também a igreja deve ser um sinal
histórico do reino de Deus.

Jesus foi por toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas deles, pregando as boas novas
do Reino e curando todas as enfermidades e doenças entre o povo. Notícias sobre ele
se espalharam por toda a Síria, e o povo lhe trouxe todos os que estavam padecendo
vários males e tormentos: endemoninhados, epiléticos e paralíticos; e ele os curou.
[Mateus 4.23,24]

Baseado na declaração “assim como o Pai me enviou ao mundo, eu os envio” [João 20.21],
René Padilla ensina que a missão de Jesus e a missão da igreja se confundem.

A missão histórica de Jesus somente pode ser entendida em conexão com o Reino
de Deus. Sua missão aqui e agora é a manifestação do Reino como uma realidade
presente em sua própria pessoa e ação, em sua pregação do evangelho e em suas
obras de justiça e misericórdia.
[Missão integral. Londrina: Descoberta, 1992]

Por meio da Igreja e de suas boas obras o Reino de Deus se torna historicamente visível
como uma realidade presente. As boas obras, portanto, não são um mero apêndice da
missão, mas uma parte integral da manifestação presente do Reino: elas apontam
para o Reino que já veio e para o Reino que está por vir.
[Missão Integral. Londrina: Descoberta, 1992]

A missão da igreja, portanto, não consiste apenas do testemunho de uma mensagem


verbal, convocando espíritos humanos a que recebam perdão para os pecados e se acomodem
na esperança do céu pós morte. A missão da igreja consiste em levar o evangelho todo
para o homem todo, convocando pessoas (unidade corpo-espírito) para que se integrem e
participem do reino de Deus desde já, rendendo todas as áreas e dimensões da existência
humana à autoridade de Jesus.

© 2010 Ed René Kivitz

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