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Teologia Sistemática – Wayne Grudem

Fichamento sobre Trindade no contexto da Pericorese


[p.3] Os termos Trindade, encarnação e divindade de Cristo, por exemplo, não são encontrados
na Bíblia, mas sinte zam conceitos bíblicos de modo ú l.

[p. 9] Segundo esse padrão, doutrinas como a autoridade da Bíblia (capítulo 4), a Trindade
(capítulo 14), a divindade da Cristo (capítulo 26), jus ficação pela fé (capítulo 36) e muitas outras
seriam consideradas corretamente doutrinas básicas. Pessoas que discordam do entendimento
evangélico histórico de qualquer dessas doutrinas terão grandes áreas de diferença com os
cristãos evangélicos que afirmam essas doutrinas. Em contraste, parece-me que diferenças sobre
formas de governo da igreja (capítulo 47) ou alguns detalhes da ceia do Senhor (capítulo 50) ou
ainda o momento da grande tribulação (capítulo 55) dizem respeito a doutrinas secundárias.
Cristãos que divergem entre si sobre essas coisas possam talvez concordar em todas as demais
áreas da doutrina, viver uma vida cristã em que não há nenhuma discordância importante e ter
comunhão genuína uns com os outros.

[p. 23] Às vezes a Bíblia refere-se ao Filho de Deus como “a Palavra de Deus”. Em Apocalipse
19.13, João vê o Senhor Jesus ressurreto no céu e diz: “Está ves do com um manto ngido de
sangue, e o seu nome é a Palavra de Deus” (nvi). De modo semelhante, no começo do Evangelho
de João lemos: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus”
(Jo 1.1, nvi). E claro que João está falando aqui do Filho de Deus, porque no versículo 14 diz: “A
Palavra tomou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, a glória como do Unigênito vindo
do Pai, cheio de graça e de verdade” (nvi). Esses versículos (e talvez 1 Jo 1.1) são os únicos casos
em que a Bíblia se refere ao Deus Filho como “a Palavra” ou “a Palavra de Deus”; portanto, esse
uso não é comum. Indica, porém, que entre os membros da Trindade é especialmente o Deus
Filho quem, em sua pessoa e em suas palavras, tem o papel de comunicar o caráter de Deus e
de expressar a vontade de Deus para nós.

[p. 63] Segundo, deve-se observar que muitas vezes empregamos termos extrabíblicos para
resumir um ensino bíblico. A palavra trindade não ocorre nas Escrituras, bem como a palavra
encarnação. Ainda assim, ambos os termos são muito úteis porque nos permitem resumir em
um a única palavra um conceito verdadeiramente bíblico, dando-nos condições de discu r um
ensino da Bíblia com mais facilidade.

[p. 110] (...) Em João 17.5, Jesus ora: “E, agora, glorifica-me, ó Pai, con go mesmo, com a glória
que eu ve junto de , antes que houvesse mundo”. Eis aqui uma indicação de que havia um
compar lhamento de glória entre o Pai e o Filho antes da criação. Depois, em João 17.24, Jesus
fala ao Pai da “minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo”.
Havia amor e comunicação entre o Pai e o Filho antes da criação.

[p. 110] Essas passagens sugerem explicitamente o que podemos aprender em outros trechos
com base na doutrina da Trindade, a saber, que entre as pessoas da Trindade houve, há e sempre
haverá amor, comunhão e comunicação perfeitos por toda a eternidade. O fato de Deus ser três
pessoas, mas um só Deus, significa que não havia solidão nem falta de comunhão pessoal da
parte de Deus antes da criação. De fato, esse amor, essa comunhão interpessoal e esse par lhar
de amor sempre foram e sempre serão muito mais perfeitos do que qualquer comunhão que
nós, seres humanos finitos, podemos ter com Deus. E, como o segundo versículo citado acima
fala da glória dada pelo Pai ao Filho, devemos perceber também que os membros da Trindade
se dão glória uns aos outros, glória essa que excede em muito qualquer glória que Deus jamais
receberia de toda a criação.

[p. 130] Embora eu concorde que Deus seja um Deus único, talvez seja confuso falar de dois
gêneros diferentes de unidade em Deus. Portanto, não usei o termo “unidade de singularidade”
nem discu aqui o conceito, mas abordei a questão no capítulo 14, que trata da Trindade.

[p. 145] João nos diz que “Deus é amor” (1 Jo 4.8). Temos sinais de que esse atributo de Deus já
exis a antes da criação entre os membros da Trindade. Jesus fala ao Pai da “glória que me
conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17.24), indicando assim que o
Pai já amava e honrava o Filho desde a eternidade. E con nua até hoje, pois lemos: “O Pai ama
ao Filho, e todas as coisas tem confiado às suas mãos” (Jo 3.35).

[p. 145] Esse amor é também recíproco, pois diz Jesus: “Assim procedo para que o mundo saiba
que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou” (Jo 14.31). O amor entre o Pai e o Filho
também, presumivelmente, caracteriza seu relacionamento com o Espírito Santo, ainda que não
seja mencionado de forma explícita. Esse eterno amor do Pai pelo Filho, do Filho pelo Pai e de
ambos pelo Espírito Santo faz do céu um mundo de amor e alegria, pois cada pessoa da Trindade
busca dar alegria e felicidade às outras duas.

[p. 145] A autodoação que caracteriza a Trindade encontra ní da expressão no relacionamento


de Deus com a humanidade, especialmente com os pecadores. “Neste amor: não que
amássemos a Deus, mas que ele nos amou e enviou o seu Filho como expiação dos nossos
pecados” (1 Jo 4.10, tradução do autor). Paulo escreve: “Deus prova o seu próprio amor para
conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). João
também escreve: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Paulo também fala
do “Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (G1 2.20), mostrando assim
consciência da aplicação diretamente pessoal do amor de Cristo a cada um dos pecadores.
Devemos muito nos alegrar ao saber que Deus Pai, Filho e Espírito Santo têm todos eles como
propósito doar-se a nós para nos conceder verdadeira alegria e felicidade. E da natureza de Deus
agir assim em relação àqueles a quem dedica o seu amor, e assim con nuará a agir conosco pelos
séculos dos séculos.

[p. 156] A vontade livre ou o livre-arbítrio de Deus encerra todas as coisas que Deus decidiu
desejar sem necessariamente ter de desejar conforme a sua vontade. Aqui precisamos
enquadrar a decisão divina de criar o universo, além de todas as decisões ligadas aos detalhes
da criação. Aqui também devemos enquadrar todos os atos redentores de Deus. Nada havia na
natureza divina que demandasse a decisão de criar o universo ou resgatar da humanidade
pecadora um povo para si (ver a discussão acima concernente à independência de Deus). Não
obstante, Deus de fato decidiu criar e resgatar, e essas foram decisões totalmente livres da parte
dele. Embora, entre os membros da Trindade, o amor, a comunhão e a glória existam em medida
infinita por toda a eternidade (ver Jo 17.5, 24), assim mesmo Deus decidiu criar o universo e nos
resgatar para a sua glória (cf. Is 43.7; 48.9-11; Rm 11.36; 1 Co 8.6; Ef 1.12; Ap 4.11). Seria errado
tentar encontrar uma causa necessária para a criação ou para a redenção no próprio ser divino,
pois isso sonegaria a Deus a sua total independência. Seria como dizer que sem nós Deus não
poderia ser verdadeiramente Deus. As decisões divinas de criar e remir foram decisões
totalmente voluntárias.

[p. 163] Num dos seus sen dos a palavra glória significa simplesmente “honra” ou “reputação
excelente”. Esse é o significado do termo em Isaías 43.7, em que Deus fala dos seus filhos, “que
criei para minha glória”, ou em Romanos 3.23, que diz que “todos pecaram e carecem da glória
de Deus”. Também tem esse significado em João 17.5, em que Jesus fala ao Pai da “glória que eu
ve junto de , antes que houvesse mundo”, e em Hebreus 1.3, que diz que o Filho “é o esplendor
da glória de Deus” (tradução do autor). Nesse sen do, a glória de Deus não é exatamente um
atributo do seu ser, mas antes descreve a suprema honra que devemos render a Deus por tudo
o que há no universo (incluindo, em Hb 1.3 e em Jo 17.5, a honra par lhada entre os membros
da Trindade). Mas, nesta seção, não é esse o sen do da palavra glória.

[p. 165] E importante lembrar a doutrina da Trindade em relação com o estudo dos atributos de
Deus. Quando concebemos a Deus como ser eterno, onipresente, onipotente e assim por diante,
talvez tenhamos a tendência, em relação a esses atributos, de concebê-lo apenas como Deus
Pai. Mas o ensinamento bíblico sobre a Trindade nos diz que todos os atributos de Deus valem
para as três pessoas, pois cada uma delas é plenamente Deus. Assim, Deus Filho e o Espírito
Santo são também eternos, onipresentes, onipotentes, infinitamente sábios, infinitamente
santos, infinitamente amorosos, oniscientes e assim por diante.

[p. 165] A doutrina da Trindade é um a das mais importantes da fé cristã. Estudar os


ensinamentos bíblicos sobre a Trindade lança forte luz sobre a questão que está no âmago da
nossa busca de Deus: como é Deus em si mesmo? Aqui aprendemos que, em si mesmo, no seu
próprio ser, Deus existe nas pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, sendo porém um só
Deus.

[p. 165] Podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe eternamente
como três pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo - e cada pessoa é plenamente Deus, e existe só
um Deus.

[p. 165] A palavra Trindade não se encontra na Bíblia, embora a ideia representada pela palavra
seja ensinada em muitos trechos. Trindade significa “tri-unidade” ou “três-em-unidade”. É usada
para resumir o ensinamento bíblico de que Deus é três pessoas, porém um só Deus.

[p. 166] Às vezes se pensa que a doutrina da Trindade se encontra som ente no Novo Testamento,
e não no An go. Se Deus existe eternam ente como três pessoas, seria surpreendente não
encontrar indicações disso no An go Testamento. Embora a doutrina da Trindade não se ache
explicitamente no An go Testamento, várias passagens dão a entender ou até implicam que
Deus existe como mais de uma pessoa.

[p. 166] (...) Não sabemos quantas são as pessoas, e nada temos que se aproxime de uma
doutrina completa da Trindade, mas implica-se que há mais de uma pessoa. O mesmo se pode
dizer de Gênesis 3.22 (“Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do
mal”), Gênesis 11.7 (“Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem”) e Isaías 6.8 (“A
quem enviarei, e quem há de ir por nós?”). (Repare a combinação de singular e plural na mesma
oração na úl ma passagem.)

[p. 166] Do mesmo modo, em Salmos 110.1, fala Davi: “Disse o S e n h o r ao meu senhor:
Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés”. Jesus
corretamente entende que Davi se refere a duas pessoas dis ntas como “Senhor” (Mt 22.41-
46), mas quem é o “Senhor” de Davi senão o próprio Deus? E quem poderia dizer a Deus
“Assenta-te à minha direita”, exceto alguém que também seja plenamente Deus? Do ponto de
vista do Novo Testamento, podemos parafrasear assim esse versículo: “Deus Pai disse a Deus
Filho: ‘Assenta-te à minha direita’”. Mas mesmo sem o ensinamento do Novo Testamento sobre
a Trindade, parece claro que Davi estava ciente de uma pluralidade de pessoas num só Deus.
Jesus, é claro, compreendia isso, mas quando pediu aos fariseus uma explicação dessa passagem,
“ninguém lhe podia responder palavra, nem ousou alguém, a par r daquele dia, fazer-lhe
perguntas” (Mt 22.46).

[p. 167] E em Isaías 48.16, aquele que fala (aparentemente o servo do Senhor) diz: “Agora, o S e
n h o r Deus me enviou a mim e o seu Espírito”.5 Aqui o Espírito do Senhor, como o servo do
Senhor, foi “enviado” pelo Senhor Deus para um a missão par cular. O paralelismo entre os dois
objetos de enviar (“mim” e “o seu Espírito”) é compa vel com a interpretação de que são
pessoas dis ntas: parece significar mais do que meramente “o Senhor enviou a mim e o seu
poder”.6 De fato, do ponto de vista do Novo Testamento (que reconhece Jesus, o Messias, como
o verdadeiro Servo do Senhor predito nas profecias de Isaías), Isaías 48.16 carrega implicações
trinitárias: “Agora, o S e n h o r Deus me enviou a mim e o seu Espírito”, se dito por Jesus, o Filho
de Deus, menciona as três pessoas da Trindade.

[p. 168] Quando começa o Novo Testamento, entramos na história da vinda do Filho de Deus à
terra. Era de esperar que esse grande acontecimento se fizesse acompanhar de ensinamentos
mais explícitos sobre a natureza trinitária de Deus, e de fato é isso que encontramos. Antes de
analisar a questão com pormenores, podemos simplesmente listar várias passagens em que as
três pessoas da Trindade são mencionadas juntas.

[p. 168] Quando do ba smo de Jesus, “eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus
descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho
amado, em quem me comprazo” (Mt 3.16-17). Aqui, ao mesmo tempo, temos os três membros
da Trindade realizando três ações dis ntas. Deus Pai fala de lá do céu; Deus Filho é ba zado e
depois ouve a voz de Deus Pai vinda do céu; e o Espírito Santo desce do céu para pousar sobre
Jesus e dar-lhe poder para o seu ministério.

[p. 169] As três pessoas da Trindade são mencionadas juntas na primeira frase de 1 Pedro: “...
eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em san ficação do Espírito, para a obediência e a
aspersão do sangue de Jesus Cristo...” (1 Pe 1.2). E em judas 20-21, lemos: “Vós, porém, amados,
edificando-vos na vossa fé san ssima, orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus,
esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna”.

[p. 169] Em certo sen do a doutrina da Trindade é um mistério que jamais seremos capazes de
entender plenamente. Podemos, todavia, compreender parte da sua verdade resumindo o
ensinamento das Escrituras em três declarações: 1 – Deus é três pessoas. 2 – Cada pessoa é
plenamente Deus. 3 – Há só um Deus.

[p. 169-170] O fato de ser Deus três pessoas significa que o Pai não é o Filho; são pessoas
dis ntas. Significa também que o Pai não é o Espírito Santo, mas são pessoas dis ntas. E significa
que o Filho não é o Espírito Santo. Essas dis nções se mostram em várias das passagens citadas
na seção anterior, bem como em muitas outras passagens do Novo Testamento.

[p. 170] João 1.1-2 nos diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Ele estava no princípio com Deus”. O fato de o “Verbo” (que se revela Cristo nos v. 9-18)
estar “com” Deus prova que ele é dis nto de Deus Pai. Em João 17.24, Jesus fala a Deus Pai da
“minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo”, revelando
assim dis nção de pessoas, compar lhamento de glória e uma relação de amor entre o Pai e o
Filho antes que o mundo fosse criado.
[p. 170] Lemos que Jesus con nua agindo como nosso Sumo Sacerdote e Advogado perante
Deus Pai: “Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 Jo
2.1). Cristo é aquele que “pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo
sempre para interceder por eles” (Hb 7.25). Porém, a fim de interceder por nós perante Deus
Pai, é necessário que Cristo seja uma pessoa dis nta do Pai.

[p. 170] Além disso, o Pai não é o Espírito Santo, tampouco o Filho é o Espírito Santo. Dis nguem-
se em vários versículos. Diz Jesus: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em
meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”
(Jo 14.26). O Espírito Santo também ora ou “intercede” por nós (Rm 8.27), indicando uma
dis nção entre o Espírito Santo e Deus Pai, a quem se faz a intercessão.

[p. 170] Finalmente, o fato de o Filho não ser o Espírito Santo também está indicado em várias
passagens trinitárias mencionadas anteriormente, como a Grande Comissão (Mt 28.19), e em
passagens que indicam que Cristo voltou ao céu e então enviou o Espírito Santo à igreja. Disse
Jesus: “Convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se,
porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).

[p. 170] Alguns já ques onaram se o Espírito Santo é de fato uma pessoa dis nta, e não
simplesmente o “poder” ou a “força” de Deus em ação no mundo. Mas as evidências do Novo
Testamento são bem claras e fortes.9 Primeiro há os diversos versículos mencionados acima, em
que o Espírito Santo é revelado em coordenada relação com o Pai e o Filho (Mt 28.19; 1 Co 12.4-
6; 2Co 13.14; Ef 4.4-6; 1 Pe 1.2): como o Pai e o Filho são ambos pessoas, a expressão coordenada
indica fortemente que o Espírito Santo também é uma pessoa. Depois há trechos em que o
pronome masculino ele (gr. ekeinos) se refere ao Espírito Santo (Jo 14.26; 15.26; 16.13-14), o
que não seria de esperar em face das regras da gramá ca grega, pois a palavra “espírito” (gr.
pneuma) é neutra, não masculina, e a ela normalmente se alude com o pronome neutro ekeino.
Além do mais, o nome consolador ou confortador (gr. paraklêtos) é um termo comumente usado
para falar de uma pessoa que ajuda ou dá consolo ou conselho a outra pessoa ou pessoas, mas
se refere ao Espírito Santo no evangelho de João (14.16, 26; 15.26; 16.7).

[p. 170] Outras a vidades pessoais são atribuídas ao Espírito Santo, como ensinar (Jo 14.26), dar
testemunho (Jo 15.26; Rm 8.16), interceder ou orar em nome de outros (Rm 8.26-27), sondar as
profundezas de Deus (1 Co 2.10), conhecer os pensamentos de Deus (1 Co 2.11), decidir
conceder certos dons para alguns, e outros para outros (1 Co 12.11), proibir ou não permi r
determinadas a vidades (At 16.6-7), falar (At 8.29; 13.2; e muitas vezes no An go como no Novo
Testamento), avaliar e aprovar um proceder sábio (At 15.28) e se entristecer diante do pecado
dos cristãos (Ef 4.30).

[p. 171] Por fim, se o Espírito Santo é interpretado meramente como o poder de Deus, e não
como pessoa dis nta, então várias passagens simplesmente não fariam sen do, pois nelas se
mencionam tanto o Espírito Santo quanto o seu poder, ou o poder de Deus. Por exemplo, Lucas
4.14 (“Então, Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia”) significaria então “Jesus, no
poder do poder, regressou para a Galiléia”. E Atos 10.38 (“Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o
Espírito Santo e com poder”) significaria “Deus ungiu a Jesus com o poder de Deus e com poder”
(ver também Rm 15.13; 1 Co 2.4).

[p. 171] Embora tantas passagens dis ngam claramente o Espírito Santo dos outros membros da
Trindade, 2Corín os 3.17 se revela um versículo desconcertante: “Ora, o Senhor é o Espírito; e,
onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”. Os intérpretes muitas vezes supõem que
“Senhor” aqui só pode ser Cristo, pois Paulo usa frequentemente “Senhor” para se referir a
Cristo. Mas provavelmente não é esse o caso aqui, pois a gramá ca e o contexto nos fornecem
bons argumentos para dizer que esse versículo tem melhor tradução com o Espírito Santo como
sujeito: “Ora, o Espírito é o Senhor...”10 Nesse caso, Paulo estaria dizendo que o Espírito Santo é
também “Javé” (ou “Jeová”), o Senhor do An go Testamento (repare o claro pano de fundo do
An go Testamento que se revela nesse contexto, a par r do v. 7). Teologicamente, isso seria
bastante aceitável, pois sem dúvida se pode dizer que assim como Deus Pai é “Senhor” e Deus
Filho é “Senhor” (no pleno sen do de “Senhor” no An go Testamento como nome de Deus),
também o Espírito Santo é chamado “Senhor” no An go Testamento - e é o Espírito Santo que
nos manifesta especialmente a presença do Senhor na era da nova aliança.

[p. 174] As Escrituras deixam bem claro que só existe um único Deus. As três diferentes pessoas
da Trindade são um não apenas em propósito e em concordância no que pensam, mas um em
essência, um na sua natureza essencial. Em outras palavras, Deus é um só ser. Não existem três
Deuses. Só existe um Deus.

[p. 174] Quando Deus fala, repe damente deixa claro que ele é o único Deus verdadeiro; a ideia
de que existem três Deuses a adorar, e não um só, seria impensável diante de declarações tão
veementes. Só Deus é o único Deus verdadeiro, e não há nenhum outro como ele. Quando ele
fala, só ele fala - não fala como um Deus dentre três que devem ser adorados.

[p. 175] Ao longo de toda a história da igreja houve tenta vas de encontrar uma solução simples
para a doutrina da Trindade pela negação de uma ou outra dessas proposições. Caso se negue a
primeira proposição, então resta-nos simplesmente o fato de que cada uma das pessoas
mencionadas nas Escrituras (Pai, Filho e Espírito Santo) é Deus, e há um só Deus. Mas se não
precisamos dizer que são pessoas dis ntas, então há uma solução fácil: não passam de nomes
diferentes para uma pessoa que age de modos diversos em situações dis ntas. Às vezes essa
pessoa se chama Pai, às vezes se chama Filho e às vezes se chama Espírito.19 Não temos
dificuldade para compreender isso, pois sabemos por experiência própria que a mesma pessoa
pode agir em dada situação como advogado (por exemplo), noutra como pai dos seus filhos e
noutra como filho diante dos seus pais; a mesma pessoa é advogado, pai e filho. Mas tal solução
negaria o fato de que as três pessoas sejam indivíduos dis ntos, de que Deus Pai envia Deus
Filho ao mundo, de que o Filho ora ao Pai e de que o Espírito Santo intercede junto ao Pai por
nós.

[p. 175-176] Outra solução simples surge pela negação da segunda proposição, ou seja, negar
que algumas das pessoas mencionadas nas Escrituras são de fato plenamente Deus. Se
simplesmente sustentamos que Deus é três pessoas e que só há um Deus, então podemos ser
tentados a dizer que algumas dessas “pessoas” desse Deus único não são plenamente Deus, mas
apenas partes subordinadas ou criadas de Deus. Essa solução seria adotada, por exemplo, por
aqueles que negam a plena divindade do Filho (e do Espírito Santo). Mas, como vimos acima,
essa solução teria de negar toda uma classe de ensinamentos bíblicos.

[p. 176] Por fim, como já observamos acima, uma solução simples poderia vir pela negação da
existência de um só Deus. Mas isso resultaria na crença em três Deuses, algo claramente
contrário às Escrituras.

[p. 176] (...) As pessoas já usaram várias analogias re radas da natureza ou da experiência
humana para tentar explicar essa doutrina. Embora tais analogias sejam úteis num nível
elementar de compreensão, todas elas se revelam inadequadas ou ilusórias numa reflexão mais
aprofundada. Dizer, por exemplo, que Deus é como um trevo de três folhas, que mesmo tendo
três partes é apenas um trevo, não é sa sfatório, pois cada folha apenas faz parte do trevo, e
não se pode dizer que nenhum a das folhas é todo o trevo. Mas na Trindade, cada uma das
pessoas não é apenas uma parte separada de Deus, mas plenamente Deus. Além disso, a folha
de um trevo é impessoal e não tem, portanto, personalidade dis nta e complexa como cada
pessoa da Trindade.

[p. 176] Outros já usaram a analogia das três partes de uma árvore: raízes, tronco e ramos
cons tuem uma só árvore. Mas surge um problema semelhante, pois trata-se somente de partes
de uma árvore, e não se pode dizer que nenhuma dessas partes é a árvore inteira. Além do mais,
nessa analogia as partes têm propriedades dis ntas, diferentemente das pessoas da Trindade,
que possuem todos os atributos de Deus em igual medida. E a ausência de personalidade em
cada uma das partes é outra deficiência.

[p. 176] A analogia das três formas de água (vapor, água e gelo) é tam bém inadequada, porque:
(a) nenhuma quan dade de água jamais é ao mesmo tempo todas as três formas,21 (b) as três
formas têm propriedades ou caracterís cas diferentes, (c) a analogia nada tem que corresponda
ao fato de exis r somente um Deus (não existe algo como “uma só água” ou “toda a água do
universo”) e (d) falta o elemento da personalidade inteligente.

[p. 176] Outras analogias foram derivadas da experiência humana. Poder-se-ia dizer que a
Trindade é como um homem que é ao mesmo tempo fazendeiro, prefeito da sua cidade e
presbítero da sua igreja. Ele desempenha papéis diferentes em momentos dis ntos, mas é um
só homem. Porém, essa analogia é bastante falha, pois só uma pessoa executa essas três
a vidades em momentos diferentes, e o modelo não contempla a relação pessoal entre os
membros da Trindade. (Na verdade, essa analogia simplesmente ensina a heresia chamada
modalismo, discu da abaixo.)

[p. 176] Outra analogia re rada da vida humana é a união entre intelecto, emoções e vontade
numa pessoa. Embora sejam componentes de uma personalidade, nenhum desses fatores
cons tui a pessoa inteira. E as partes não são dotadas de caracterís cas idên cas, mas têm
capacidades dis ntas.

[p. 177] Então que analogia usaremos para explicar a Trindade? Embora a Bíblia use muitas
analogias derivadas da natureza e da vida para nos ensinar aspectos diversos do caráter de Deus
(Deus é como uma rocha na sua fidelidade, como um pastor no seu cuidado, etc.), é interessante
notar que em nenhum trecho das Escrituras se acha alguma analogia que explique a doutrina da
Trindade. O mais próximo que chegamos de uma analogia se encontra nos próprios tulos “Pai”
e “Filho”, tulos que ni damente dizem respeito a pessoas dis ntas e à ín ma relação que existe
entre os dois numa família. Mas no plano humano, logicamente, temos dois seres totalmente
dis ntos, nenhum deles formado de três pessoas dis ntas. E melhor concluir que nenhuma
analogia explica adequadamente a Trindade, e que todas são ilusórias em aspectos importantes.

[p. 177] Deus existe eterna e necessariamente como Trindade. Quando o universo foi criado,
Deus Pai proferiu as potentes palavras criadoras que o geraram; Deus Filho foi o agente divino
que executou essas palavras (Jo 1.3; ICo 8.6; Cl 1.16; Hb 1.2) e o Espírito de Deus “pairava por
sobre as águas” (Gn 1.2). Então é como seria de esperar: se os três membros da Trindade são
igual e plenamente divinos, então todos eles exis ram desde a eternidade, e Deus sempre exis u
eternamente como Trindade (cf. também Jo 17.5,24). Além disso, Deus não pode ser diferente
do que é, pois é imutável (ver capítulo 11, acima). Portanto, parece correto concluir que Deus
existe necessariamente como Trindade - não pode ser diferente do que é.
[p. 177] Na seção anterior, vimos que a Bíblia demanda que afirmemos as três proposições
seguintes: 1 – Deus é três pessoas. 2 – Cada pessoa é plenamente Deus. 3 – Só há um Deus.
Antes de dar sequência à discussão das diferenças entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e a
forma como se relacionam uns com os outros, é importante relembrar alguns dos erros
doutrinários sobre a Trindade que já se cometeram na história da igreja. Nessa retrospec va
histórica, veremos alguns dos erros que nós mesmos devemos evitar em qualquer reflexão mais
aprofundada sobre essa doutrina. De fato, os principais erros ligados à Trindade nasceram da
negação de um a ou outra dessas três proposições básicas.

[p. 177] O modalismo afirma que existe só uma única pessoa, que se revela a nós de três
diferentes formas (ou “modos”). Em momentos dis ntos da história alguns pregaram que Deus
não é de fato três pessoas diferentes, mas uma única pessoa que se revela às pessoas de
“modos” diversos em momentos diferentes. Por exemplo, o Deus do An go Testamento se
revelou como “Pai”. Nos evangelhos, essa mesma pessoa divina se revelou como “Filho”, na vida
e no ministério de Jesus. Depois do Pentecostes, essa mesma pessoa então se revelou como o
“Espírito” a vo na igreja.

[p. 178] O erro fatal do modalismo é negar necessariamente as relações pessoais entre os
membros da Trindade, relações que aparecem em muitos trechos das Escrituras (ou afirmar
necessariamente que essas relações eram apenas ilusão, e não reais). Assim, deve
necessariamente negar três pessoas dis ntas no ba smo de Jesus, quando o Pai fala do céu e o
Espírito desce sobre Jesus como uma pomba. E deve obrigatoriamente dizer que todos os casos
em que Jesus ora ao Pai são ilusão ou embuste. Perde-se a ideia de que o Filho ou o Espírito
Santo intercedem por nós diante de Deus Pai. Por fim, o modalismo acaba diluindo o âmago da
doutrina da expiação - ou seja, a ideia de que Deus enviou seu filho como sacri cio vicário, de
que o Filho carregou a ira de Deus em nosso lugar e de que o Pai, representando os interesses
da Trindade, viu o sofrimento de Cristo e ficou sa sfeito (Is 53.11).

[p. 178] O arianismo nega a plena divindade do Filho e do Espírito Santo. O termo arianismo vem
de Ario, bispo de Alexandria, cujas opiniões foram condenadas no Concilio de Nicéia em 325 d.C.,
e que morreu em 336 d.C. Ário pregava que Deus Filho foi em dado momento criado por Deus
Pai e que antes desse momento o Filho não exis a, nem o Espírito Santo, mas somente o Pai.
Assim, embora o Filho seja um ser celeste anterior ao resto da criação e bem maior do que todo
o resto da criação, ele não se iguala ao Pai em todos os seus atributos - pode-se até dizer que é
“igual ao Pai” ou “semelhante ao Pai” na sua natureza, mas não se pode dizer que é “da mesma
natureza” do Pai.

[p. 179-180] Noutro sinal de repúdio ao ensinamento de Ario, o Credo de Nicéia insis a em que
Cristo é “da mesma substância do Pai”. A controvérsia com Ario estava em duas palavras que
ficaram famosas na história da doutrina cristã: homoousios (“da mesma natureza”) e
homoiousios (“de natureza semelhante”).26 A diferença depende do diferente significado de
dois prefixos gregos: homo-, que significa “mesmo”, e homoi-, que significa “semelhante”. Ario
contentava-se em dizer que Cristo era um ser celeste sobrenatural e que fora criado por Deus
antes da criação do restante do universo, e até que era “semelhante” a Deus na sua natureza.
Portanto, Ario concordaria com a palavra homoiousios. Mas o Concilio de Nicéia, em 325, e o
Concilio de Constan nopla, em 381, perceberam que isso não representava um grande avanço,
pois se Cristo não tem exatamente a mesma natureza do Pai, não é plenamente Deus. Então os
dois concílios insis ram em que os cristãos ortodoxos confessassem que Jesus era homoousios,
da mesma natureza de Deus Pai. A diferença entre as duas palavras era só de uma letra, o iota
grego, e alguns cri caram a igreja por permi r que uma controvérsia doutrinária por conta de
uma única letra consumisse tanta atenção durante a maior parte do século IV d.C. Alguns se
perguntavam: “Pode haver coisa mais insensata que discu r por causa de uma única letra de
uma palavra?”. Mas a diferença entre as duas palavras era profunda, e a presença ou a ausência
do iota realmente assinalava a diferença entre o cris anismo bíblico, com a verdadeira doutrina
da Trindade, e uma heresia que não aceitava a plena divindade de Cristo e que, portanto, era
an trinitária e, em úl ma análise, destru va para o conjunto da fé cristã.

[p. 180] Ao afirmar que o Filho era da mesma natureza do Pai, a igreja primi va também excluiu
outra falsa doutrina correlata: o subordinacionismo. Enquanto o arianismo sustentava que o
Filho era criado e não divino, o subordinacionismo defendia que o Filho era eterno (não criado)
e divino, mas ainda assim não igual ao Pai no seu ser e nos seus atributos - o Filho era inferior
ou “subordinado” no seu ser a Deus Pai. Orígenes (c. 185 - c. 254 d.C.), um dos pais da igreja
primi va, advogava uma forma de subordinacionismo ao sustentar que o Filho é inferior ao Pai
no seu ser e que deriva eternamente o seu ser do Pai. Orígenes tentava proteger a dis nção de
pessoas e escrevia antes da formulação clara da doutrina da Trindade na igreja. O restante da
igreja não o seguiu, mas claramente rejeitou o seu ensinamento no Concilio de Nicéia.

[p. 180] Em bora muitos líderes da igreja primi va tenham contribuído para a gradual formulação
de uma doutrina correta da Trindade, de longe o mais influente foi Atanásio. Ele nha somente
vinte e nove anos quando par cipou do Concilio de Nicéia em 325 d.C., não como membro
oficial, mas na condição de secretário de Alexandre, bispo de Alexandria. Porém, a mente arguta
e o domínio da escrita possibilitaram-lhe exercer uma importante influência sobre o resultado
do concilio, e ele mesmo tornou-se mais tarde bispo de Alexandria, em 328. Embora os arianos
tenham sido condenados em Nicéia, recusaram-se a parar de ensinar as suas ideias e usaram o
seu considerável poder polí co dentro da igreja para prolongar a controvérsia por boa parte do
resto do século IV. Atanásio tomou-se o principal alvo do ataque ariano, e devotou toda a sua
vida a escrever e pregar contra a heresia do arianismo. “Foi perseguido com cinco exílios,
sofrendo dezessete anos de fuga e esconderijos”, mas, com seus incansáveis esforços, “Atanásio
conseguiu, quase sozinho, salvar a igreja do intelectualismo pagão.”2 8 Hoje não se acredita que
o “Credo de Atanásio”, assim chamado em sua homenagem, tenha sido composto pelo próprio
Atanásio; crê-se, sim, que essa afirmação bem ní da da doutrina trinitária tenha ganhado cada
vez mais respaldo dentro da igreja a par r de cerca de 400 d.C., sendo ainda hoje usada em
igrejas protestantes e católicas. (Ver apêndice 1.)

[p. 181] Filioque é uma expressão la na que significa “e do Filho”. Não foi incluída no Credo de
Nicéia, nem na primeira versão de 325 d.C. nem na segunda, de 381 d.C. Essas versões diziam
simplesmente que o Espírito Santo “procede do Pai”. Mas em 589 d.C., num concilio regional da
igreja em Toledo (região que hoje faz parte da Espanha), acrescentouse a frase “e do Filho”;
assim, o credo então dizia que o Espírito Santo “procede do Pai e do Filho (filioque)”. A luz de
João 15.26 e 16.7, onde Jesus disse que enviaria o Espírito Santo ao mundo, aparentemente não
poderia haver objeção a tal frase se significasse que o Espírito Santo procedeu do Pai e do Filho
num momento determinado (especialmente no Pentecostes). Mas trata-se de um a afirmação
sobre a natureza da Trindade, e interpretou-se que a expressão falava de uma relação eterna
entre o Espírito Santo e o Filho, algo que as Escrituras jamais abordam explicitamente.29 A forma
do Credo de Nicéia que trazia essa expressão adicional gradualmente alcançou aceitação geral e
recebeu endosso oficial em 1017 d.C. Toda a controvérsia complicou-se por conta da polí ca
eclesiás ca e da luta pelo poder dentro da igreja, e essa questão doutrinária aparentemente
bem insignificante tornou-se o pomo de discórdia no cisma entre o cris anismo oriental e o
ocidental em 1054 d.C. (A questão polí ca subjacente, porém, era a relação da igreja oriental
com a autoridade do papa.) A controvérsia doutrinária e o cisma que gerou os dois ramos do
cris anismo não foram solucionadas até hoje.

[p. 182] Por que a igreja tanto se ocupou da doutrina da Trindade? Será realmente essencial
apegar-se à plena divindade do Filho e do Espírito Santo? Certamente sim, pois esse
ensinamento traz implicações para o próprio cerne da fé cristã. Em primeiro lugar, está em jogo
a expiação. Se Jesus é meramente um ser criado, e não plenamente Deus, então é di cil
compreender como ele, uma criatura, pôde suportar toda a ira de Deus contra todos os nossos
pecados. Será que qualquer criatura, por maior que seja, poderia realmente nos salvar? Em
segundo lugar, a jus ficação somente pela fé fica ameaçada se negamos a plena divindade do
Filho. (Isso se percebe hoje no ensinamento das testemunhas-de-jeová, que não crêem na
jus ficação somente pela fé.) Se Jesus não é plenamente Deus, temos todo o direito de duvidar
de que ele de fato possa nos salvar totalmente. Será que realmente podemos confiar com fé
absoluta em que uma criatura vá nos salvar? Em terceiro lugar, se Jesus não é o Deus infinito,
será que devemos nos dirigir a ele em oração ou adorá-lo? Na verdade, se Jesus é meramente
uma criatura, por maior que seja, seria idolatria adorá-lo — e, no entanto, o Novo Testamento
nos ordena fazê-lo (Fp 2.9-11; Ap 5.12-14). Em quarto lugar, se alguém prega que Cristo foi um
ser criado e, mesmo assim, nos salvou, então esse ensinamento atribui erroneamente o mérito
da salvação a uma criatura, e não ao próprio Deus. Mas isso conduz ao erro de exaltar a criatura
e não o Criador, algo que as Escrituras jamais nos permitem fazer. Em quinto lugar, a
independência e a natureza pessoal de Deus estão em jogo: se a Trindade não existe, então não
houve relacionamentos interpessoais dentro do ser divino antes da criação, e, sem
relacionamento pessoais, é di cil entender como Deus poderia ser genuinamente pessoal ou
como não teria a necessidade da criação para com ela relacionar-se. Em sexto lugar, a unidade
do universo está em jogo: se não há pluralidade perfeita e unidade perfeita no próprio Deus,
então também não temos fundamento para pensar que possa exis r alguma unidade úl ma
entre os diversos elementos do universo. Na doutrina da Trindade, o cerne da fé cristã está
claramente em jogo. Herman Bavinck diz que “Atanásio compreendeu melhor do que qualquer
dos seus contemporâneos que o cris anismo permanece de pé ou cai com a confissão da
divindade de Cristo e da Trindade”. Acrescenta ele: “Na confissão da Trindade pulsa o coração da
religião cristã: todo erro resulta de uma visão distorcida dessa doutrina (ou depois de uma
reflexão mais profunda pode ser atribuído a isso)”.

[p. 183] O triteísmo nega que só existe um único Deus. Uma úl ma forma possível de tentar uma
harmonização fácil do ensino bíblico sobre a Trindade seria negar que só existe um único Deus.
O resultado é dizer que Deus são três pessoas, e cada pessoa, plenamente Deus. Portanto,
existem três Deuses. Tecnicamente, essa concepção se denominaria “triteísmo”.

[p. 183] Embora nenhum grupo moderno defenda o triteísmo, talvez muitos evangélicos de hoje,
impensadamente, se inclinem a concepções triteístas da Trindade, reconhecendo as pessoas
dis ntas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas raramente com consciência da unidade de Deus
como um ser indiviso.

[p. 183] Depois de concluir essa análise dos erros a respeito da Trindade, podemos agora
perguntar se há algo mais a dizer sobre as dis nções entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Se
dizemos que cada membro da Trindade é plenamente Deus, e que cada pessoa par cipa
plenamente de todos os atributos divinos, então será que há afinal alguma diferença entre as
pessoas? Não podemos dizer, por exemplo, que o Pai é mais poderoso ou mais sábio do que o
Filho, ou que o Pai e o Filho são mais sábios do que o Espírito Santo, ou que o Pai já exis a antes
do Filho e do Espírito Santo, pois dizer qualquer coisa desse po seria negar a plena divindade
dos três membros da Trindade. Mas então quais são as dis nções entre as pessoas?

[p. 183] As pessoas da Trindade têm funções primordiais diferentes em relação ao mundo.
Quando as Escrituras abordam o modo como Deus se relaciona com o mundo, tanto na criação
quanto na redenção, afirmam que as pessoas da Trindade têm funções ou a vidades primordiais
diferentes. Isso já foi chamado de “economia da Trindade”, sendo o termo economia usado no
sen do obsoleto de “ordenamento de a vidades”. (Nesse sen do, as pessoas costumavam falar
da “economia de uma casa” ou “economia domés ca”, significando não apenas as questões
financeiras da família, mas todo o “ordenamento de a vidades” da casa.) A “economia da
Trindade” trata das diferentes formas como as três pessoas agem no seu relacionamento com o
mundo e (como veremos na próxima seção) umas com as outras por toda a eternidade.

[p. 183-184] Percebemos essas funções diferentes na obra da criação. Deus Pai proferiu as
palavras criadoras para gerar o universo. Mas foi Deus Filho, a eterna Palavra de Deus, quem
executou os decretos da criação. “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele,
nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). Além disso, “nele, foram criadas todas as coisas, nos céus
e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer
potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1.16; ver também Sl 33.6, 9; 1 Co 8.6;
Hb 1.2). O Espírito Santo também estava a vo, de um modo diferente, pois “pairava” ou “movia-
se” por sobre a super cie das águas (Gn 1.2), aparentemente sustentando e manifestando a
presença imediata de Deus na sua criação (cf. Sl 33.6, onde o termo traduzido por “sopro”
devesse talvez ser ver do como “Espírito”; ver também Sl 139.7).

[p. 184] Na obra da redenção também há funções dis ntas. Deus Pai planejou a redenção e
enviou seu Filho ao mundo (Jo 3.16; G14.4; Ef 1.9-10). O Filho obedeceu ao Pai e realizou a
redenção para nós (Jo 6.38; Hb 10.5-7; et al.). Deus Pai não veio morrer pelos nossos pecados,
nem o Espírito Santo de Deus. Isso foi obra específica do Filho. Então, tendo jesus ascendido de
volta aos céus, o Espírito Santo foi enviado pelo Pai e pelo Filho para realizar em nós a redenção.
Jesus fala do “Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome” (Jo 14.26), mas também diz
que ele mesmo enviará o Espírito Santo, pois afirma — “Se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo
16.7) - e fala de um tempo quando virá “o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o
Espírito da verdade” (Jo 15.26). É papel especialmente do Espírito Santo dar-nos regeneração ou
nova vida espiritual (Jo 3.5-8), san ficar-nos (Rm 8.13; 15.16; 1 Pe 1.2) e fortalecer-nos para o
serviço (At 1.8; 1 Co 12.7-11). Em geral, a obra do Espírito Santo é aparentemente levar a cabo a
obra planejada por Deus Pai e iniciada por Deus Filho. (Ver capítulo 30, sobre a obra do Espírito
Santo.)

[p. 184] Assim podemos dizer que o papel do Pai na criação e na redenção foi planejar, dirigir e
enviar o Filho e o Espírito Santo. Isso não é de admirar, pois mostra que o Pai e o Filho se
relacionam um com o outro como pai e filho numa família humana: o pai dirige e tem autoridade
sobre o filho, e o filho obedece e é submisso às ordens do pai. O Espírito Santo é obediente às
ordens tanto do Pai quanto do Filho.

[p. 184] Portanto, embora as pessoas da Trindade sejam iguais em todos os seus atributos, assim
mesmo diferem nas suas relações com a criação. O Filho e o Espírito Santo são iguais em
divindade a Deus Pai, mas são a ele subordinados nos seus papéis.

[p. 184] Além do mais, essas diferenças de papéis não são temporárias, mas durarão para
sempre: Paulo nos diz que mesmo depois do juízo final, quando o “úl mo inimigo”, ou seja, a
morte, for destruído, e quando todas as coisas es verem sob os pés de Cristo, “então, o próprio
Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em
todos” (1 Co 15.28).

[p. 184] As pessoas da Trindade existem eternamente como o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Mas
por que as pessoas da Trindade assumem esses diferentes papéis na sua relação com a criação?
Foi algo acidental ou arbitrário? Será que Deus Pai poderia ter vindo morrer pelos nossos
pecados em lugar de Deus Filho? Será que o Espírito Santo poderia ter enviado Deus Pai para
morrer pelos nossos pecados, e depois enviar Deus Filho para realizar em nós a redenção?

[p. 184] Não, não parece possível que essas coisas pudessem ocorrer, pois o papel de comandar,
dirigir e enviar é apropriado à posição do Pai, segundo a qual se molda toda paternidade humana
(Ef 3.14-15). E o papel de obedecer, par ndo quando o Pai o envia e revelando Deus a nós, é
apropriado ao papel do Filho, que é chamado Verbo de Deus (cf. Jo 1.1-5, 14, 18; 17.4; Fp 2.5-
11). Esses papéis não poderiam ter sido trocados, senão o Pai deixaria de ser o Pai, e o Filho
deixaria de ser o Filho. E, por analogia com essa relação, podemos concluir que o papel do
Espírito Santo é igualmente apropriado à relação que ele já nha com o Pai e o Filho antes que
o mundo fosse criado.

[p. 185] Segundo, antes de o Filho vir à terra, e mesmo antes que o mundo fosse criado, por toda
a eternidade o Pai foi o Pai, o Filho foi o Filho e o Espírito Santo foi o Espírito Santo. Essas relações
são eternas, e não algo que ocorreu somente no tempo. Podemos deduzir isso primeiramente
da imutabilidade de Deus (ver capítulo 11): se Deus existe hoje como Pai, Filho e Espírito Santo,
então ele sempre exis u como Pai, Filho e Espírito Santo. Podemos também concluir que as
relações são eternas com base noutros versículos bíblicos que falam dos relacionamentos que
os membros da Trindade nham uns com os outros antes da criação do mundo. Por exemplo,
quando as Escrituras falam da obra divina da eleição (ver capítulo 32) antes da criação do mundo,
abordam o fato de o Pai nos ter escolhido “nele”, o Filho: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo [... que] nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis perante ele” (Ef 1.3-4). O ato iniciatório de escolher é atribuído a Deus Pai, que
nos considerou unidos a Cristo ou “em Cristo” antes sequer que exis ssemos. Da mesma forma,
diz-se de Deus Pai que “aos que de antemão conheceu, também os predes nou para serem
conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8.29). Também lemos sobre a “presciência de Deus Pai”,
como função dis nta daquelas dos outros dois membros da Trindade (1 Pe 1.2; cf. 1.2O).32
Mesmo o fato de que o Pai “deu o seu Filho unigênito” (Jo 3.16) e “enviou o seu Filho ao mundo”
(Jo 3.17) indica que já havia uma relação Pai-Filho antes de Cristo vir ao mundo. O Filho não se
tornou o Filho quando o Pai o enviou ao mundo. Antes, o grande amor de Deus se revela no fato
de que aquele que sempre foi Pai deu aquele que sempre foi seu Filho unigênito: “Porque Deus
amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito...” (Jo 3.16). “Vindo, porém, a
plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho” (G1 4.4).

[p. 185] Quando as Escrituras falam da criação, novamente falam que o Pai criou por intermédio
do Filho, indicando uma relação anterior ao princípio da criação (ver Jo 1.3; 1 Co 8.6; Hb 1.2;
também Pv 8.22-31). Mas em lugar nenhum se diz que o Filho ou o Espírito Santo criou por
intermédio do Pai. Essas passagens implicam, novamente, que já havia uma relação do Pai (como
originador) com o Filho (como agente) antes da criação, e que essa relação possibilitou que as
diferentes pessoas da Trindade cumprissem os papéis que de fato vieram a cumprir.

[p. 185] Portanto, as diferentes funções que vemos o Pai, o Filho e o Espírito Santo
desempenharem são simplesmente ações exteriores de uma relação eterna entre as três
pessoas, relação essa que sempre exis u e exis rá por toda a eternidade. Deus sempre exis u
como três pessoas dis ntas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essas dis nções são essenciais à própria
natureza de Deus e não poderiam ser diferentes.

[p. 185] Por fim, pode-se dizer que não existem diferenças em divindade, atributos ou natureza
essencial entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Cada pessoa é plenamente Deus e tem todos os
atributos de Deus. As únicas dis nções entre os membros da Trindade estão nas formas como
se relacionam uns com os outros e com o restante da criação. Nessas relações eles
desempenham papéis apropriados a cada pessoa.

[p. 185-186] Essa verdade sobre a Trindade já foi resumida na frase: “igualdade ontológica mas
subordinação econômica”, em que a palavra ontológica significa “ser”.33 Outro modo de explicar
a mesma coisa de m aneira mais simples seria dizer: “iguais no ser mas subordinados nos papéis”.
As duas partes dessa frase são necessárias à verdadeira doutrina da Trindade: se não há
igualdade ontológica, nem todas as pessoas são plenamente Deus. Mas se não há subordinação
econômica,3 4 então não existe diferença inerente no modo como as três pessoas se relacionam
umas com as outras, e consequentemente não temos as três pessoas dis ntas que existem como
Pai, Filho e Espírito Santo por toda a eternidade. Por exemplo, se o Filho não está eternamente
subordinado ao Pai no seu papel, então o Pai não é eternam ente “Pai”, nem o Filho eternam
ente “Filho”. Isso significaria que a Trindade não existe desde a eternidade.

[p. 186] E por isso que a ideia de igualdade eterna no ser, mas subordinação nos papéis, é
essencial à doutrina da Trindade na igreja desde que foi formulada pela primeira vez no Credo
de Nicéia, que dizia que o Filho foi “gerado do Pai antes de todas as eras” e que o Espírito Santo
“procede do Pai e do Filho”. (...)

[p. 186] Primeiro, é importante afirmar que cada pessoa é completa e plenamente Deus; ou seja,
que cada pessoa tem em si a absoluta plenitude do ser divino. O Filho não é parcialmente Deus,
ou só um terço Deus, mas completa e plenamente Deus, o mesmo valendo para o Pai e o Espírito
Santo. Assim, não seria correto conceber a Trindade como na figura 14.1, em que cada pessoa
representa apenas um terço do ser divino.

[p. 187] Antes, devemos necessariamente dizer que a pessoa do Pai possui em si todo o ser de
Deus. Do mesmo modo, o Filho possui em si todo o ser de Deus, e o Espírito Santo também
possui em si todo o ser divino. Quando falamos conjuntamente do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, não estamos falando de um ser maior do que quando falamos somente do Pai, ou
somente do Filho, ou somente do Espírito Santo. O Pai é todo o ser divino. O Filho é também
todo o ser divino. E o Espírito Santo é todo o ser divino.

[p. 187] Mas se cada pessoa é plenamente Deus e tem todo o ser divino, então tampouco
devemos pensar que as dis nções pessoais são alguma espécie de atributos acrescentados ao
ser divino (...) Em vez disso, cada pessoa da Trindade tem todos os atributos de Deus, e nenhuma
das pessoas tem algum atributo que não seja também possuído pelas outras.

[p. 188] Por outro lado, precisamos dizer que as pessoas são reais, que não são apenas modos
diferentes de enxergar o ser único de Deus. (Isso seria modalismo ou sabelianismo, como já
vimos acima.) (...) Antes, precisamos conceber a Trindade de forma tal que a realidade das três
pessoas se conserve: cada pessoa se relaciona com as outras como um “eu” (primeira pessoa),
um “você” (segunda pessoa) e um “ele” (terceira pessoa).

[p. 188] Aparentemente, a única maneira de fazê-lo é dizer que a dis nção entre as pessoas não
é uma diferença no “ser”, mas sim uma diferença de “relações”. Trata-se de algo bem distante
da nossa experiência humana, na qual cada “pessoa” dis nta é também um ser dis nto. De
algum modo o ser divino é tão maior que o nosso que dentro do seu ser único e indiviso pode
haver um desdobramento em relações interpessoais, de forma tal que existam três pessoas
dis ntas.

[p. 188] Quais são então as diferenças entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo? Não há
absolutamente nenhuma diferença de atributos. A única diferença entre eles é o modo como se
relacionam uns com os outros e com a criação. A qualidade singular do Pai é o modo como ele
se relaciona como Pai com o Filho e com o Espírito Santo. A qualidade singular do Filho é o modo
como ele se relaciona como Filho. E a qualidade singular do Espírito Santo é o modo como ele
se relaciona como Espírito.

[p. 189] Nossas próprias personalidades humanas proporcionam outra débil analogia, que nos
pode ser ú l na reflexão sobre a Trindade. O homem pode pensar em objetos diferentes fora de
si mesmo, e quando o faz ele é o sujeito que executa o ato de pensar. Também pode pensar em
si mesmo, e então ele é o sujeito em quem se pensa: nesse caso é ao mesmo tempo sujeito e
objeto. Além disso, ele pode refle r sobre as suas ideias sobre si mesmo como uma terceira
coisa, nem sujeito nem objeto, mas pensamentos que ele, como sujeito, tem sobre si mesmo
como objeto. Quando isso acontece, o sujeito, o objeto e os pensamentos são três coisas
dis ntas. Porém, cada coisa de certo modo inclui todo o seu ser: todo o homem é sujeito, todo
o homem é objeto, e os pensamentos (embora num sen do inferior) são pensamentos sobre a
totalidade do homem como pessoa.

[p. 189] Mas se o desdobramento da personalidade humana permite essa espécie de


complexidade, então o desdobramento da personalidade divina implicará complexidade bem
maior do que essa. Dentro do ser único de Deus, o “desdobramento” da personalidade traz a
existência de três pessoas dis ntas, embora cada pessoa ainda assim contenha em si a totalidade
do ser divino. A diferença de pessoas é necessariamente uma diferença de relações, e não de
ser, e entretanto cada pessoa de fato existe. Essa forma tripessoal de ser ultrapassa
sobremaneira a nossa capacidade de compreensão. É uma espécie de existência bem diferente
de qualquer coisa que já tenhamos vivenciado, bem diferente de qualquer outra coisa do
universo.

[p. 189] Como a existência de três pessoas num único Deus é algo que está além da nossa
compreensão, a teologia cristã passou a usar a palavra pessoa para falar dessas diferenças de
relações, não porque compreendamos plenamente o significado da palavra pessoa quando esta
se refere à Trindade, mas para que possamos dizer algo em vez de não dizer absolutamente nada.

[p. 189-190] Os erros come dos no passado devem-nos servir de alerta. Todos eles surgiram de
tenta vas de simplificar a doutrina da Trindade para tomá-la completamente inteligível,
removendo dela todo o mistério. Isso jamais podem os fazer. Porém, não é correto dizer que não
podem os compreender nada da doutrina da Trindade. Certamente podemos compreender e
saber que Deus é três pessoas, e que cada pessoa é plenamente Deus, e que só há um Deus.
Podemos saber essas coisas porque a Bíblia as ensina. Além disso, podemos saber algumas coisas
acerca do modo como as pessoas se relacionam umas com as outras (ver a seção acima). Mas o
que não podem os compreender plenamente é como encaixar esses diferentes ensinamentos
bíblicos. Perguntamo-nos como pode haver três pessoas dis ntas, como cada pessoa pode
conter em si a totalidade do ser divino, e como, apesar disso, Deus é um ser único e indiviso. Isso
não somos capazes de compreender. De fato, nos é espiritualmente saudável reconhecer
abertamente que o ser divino em si é tão imenso que jamais poderemos vir a compreendê-lo.
Isso nos humilha diante de Deus e leva-nos a adorá-lo sem reservas.

[p. 190] Mas também é preciso dizer que as Escrituras não nos pedem que creiamos numa
contradição. Contradição seria dizer: “só existe um único Deus e não existe um único Deus” ou
“Deus é três pessoas e Deus não é três pessoas” ou mesmo (semelhante ã afirmação precedente)
“Deus é três pessoas e Deus é uma pessoa”. Mas dizer que “Deus é três pessoas e só há um
Deus” não é contradição. E algo que não conseguimos compreender e, portanto, um mistério ou
paradoxo, mas que não nos deve perturbar, pois os diferentes aspectos do mistério são
claramente ensinados nas Escrituras; e, como somos criaturas finitas e não a divindade
onisciente, sempre haverá (por toda a eternidade) coisas que não compreenderemos por
completo.

[p. 190-191] Como Deus em si mesmo contém tanto a unidade quanto a diversidade, não é de
admirar que unidade e diversidade também se reflitam nas relações humanas que ele firmou.
Percebemos isso inicialmente no casamento. Quando Deus criou o homem à sua própria
imagem, não criou meros indivíduos isolados, mas diz-nos a Bíblia: “homem e mulher os criou”
(Gn 1.27). E na unidade do casamento (ver Gn 2.24) percebemos não uma triunidade como em
Deus, mas pelo menos uma notável unidade de duas pessoas, pessoas que permanecem
indivíduos dis ntos, porém se tomam um só em corpo, mente e espírito (cf. 1 Co 6.16-20; Ef
5.31). De fato, no relacionamento matrimonial entre homem e mulher, também percebemos um
retrato da relação entre o Pai e o Filho na Trindade. Diz Paulo: “Quero, entretanto, que saibais
ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo”
(1 Co 11.3). Aqui, assim como o Pai tem autoridade sobre o Filho na Trindade, também o marido
tem autoridade sobre a mulher no casamento. O papel do marido é análogo ao de Deus Pai, e o
papel da mulher é análogo ao de Deus Filho. Além disso, assim como o Pai e o Filho são iguais
em divindade, em importância e em pessoalidade, também o marido e a mulher são iguais em
humanidade, em importância e em pessoalidade. E, embora isso não esteja explicitamente
mencionado nas Escrituras, a dádiva dos filhos no casamento, procedentes do pai e da mãe, e
sujeitos à autoridade tanto do pai como da mãe, é análoga à relação do Espírito Santo com o Pai
e com o Filho na Trindade.

[p. 191] Mas a família humana não é a única maneira na qual Deus ordenou que houvesse
diversidade e unidade no mundo, combinação essa que refle sse algo da sua própria excelência.
Na igreja temos “muitos” membros mas “um só corpo” (1 Co 12.12). Paulo, ponderando a grande
diversidade entre os membros do corpo humano (1 Co 12.14-26), diz que a igreja é também
assim: temos muitos membros diferentes nas nossas igrejas, com dons e interesses diferentes,
e dependemos uns dos outros e nos auxiliamos uns aos outros, revelando portanto grande
diversidade e grande unidade ao mesmo tempo. Quando vemos pessoas diferentes fazendo
muitas coisas diferentes dentro de uma igreja, devemos agradecer a Deus o fato de conceder-
nos glorificá-lo, espelhando algo da unidade e da diversidade da Trindade.

[p. 191] Devemos também reparar que o desígnio divino na história do universo foi muitas vezes
exibir unidade na diversidade, e assim revelar a sua glória. Percebemos isso não somente na
diversidade de dons dentro da igreja (1 Co 12.12-26), mas também na unidade de judeus e
gen os, de modo que todas as raças, por diversas que sejam, unem-se em Cristo (Ef 2.16; 3.8-
10; ver também Ap 7.9). Paulo maravilha-se diante do fato de os planos divinos para a história
da redenção serem como uma grande sinfonia, na qual a sabedoria divina se mostra insondável
(Rm 11.33-36). Mesmo na misteriosa unidade entre Cristo e a igreja, na qual somos chamados
de noiva de Cristo (Ef 5.31-32), temos uma unidade que ultrapassa qualquer coisa que jamais
imaginemos, unidade com o próprio Filho de Deus. Contudo, em tudo isso nunca perdemos a
nossa iden dade, mas permanecemos pessoas dis ntas, sempre capazes de adorar e servir a
Deus como indivíduos.

[p. 191] No final todo o universo par cipará dessa unidade de propósito, com cada parte dis nta
contribuindo para o culto de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, para que um dia, diante do nome
de Jesus, todo joelho se dobre “nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que
Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.10-11).

[p. 191] Num plano mais corriqueiro, em muitas coisas que fazemos (no trabalho, em
organizações sociais, em shows de música e em equipes espor vas, por exemplo) muitas pessoas
diferentes contribuem para uma unidade de propósito ou a vidade. Assim como vemos nessas
a vidades um reflexo da sabedoria de Deus ao nos conceder a unidade e a diversidade, podemos
ver também um débil reflexo da glória de Deus na sua existência trinitária. Embora jamais
venhamos a compreender plenamente o mistério da Trindade, podemos adorar a Deus pelo que
ele é, tanto nos nossos cân cos de louvor quanto nas nossas palavras e atos, pois refletem algo
da excelência do caráter divino.

[p. 192] “O plural ‘nós’ era considerado pelos pais e pelos primeiros teólogos, de forma quase
unânime, como indicação da Trindade” [Keil e Delitzsch, Old Testament Commentaries (Grand
Rapids: Associated Publishers and Authors, s.d.], 1:48, com objeções a outras opiniões e uma
afirmação de que Gn 1.26 contém “a verdade que jaz no fundamento do conceito trinitário”).

[p. 196] A heresia do subordinacionismo, que sustenta que o Filho é inferior ao Pai no seu ser,
deve ser ni damente dis nguida da doutrina ortodoxa de que o Filho está eternamente
subordinado ao Pai no seu papel ou função: sem essa verdade, perder-se-ia a doutrina da
Trindade, pois não teríamos nenhuma dis nção eterna e pessoal entre o Pai e o Filho, e portanto
não seriam eternamente Pai e Filho. (Ver seção D, sobre as diferenças entre o Pai, o Filho e o
Espírito Santo.)

[p. 197] Ver, por exemplo, Richard e Catherine Kroeger, no ar go “Subordinacionismo” em EHTIC,
v. 3; definem o subordinacionismo como “doutrina que atribui inferioridade de existência,
condição ou papéis ao Filho ou ao Espírito Santo dentro da Trindade. Condenada por numerosos
concílios da igreja, essa doutrina tem persis do numa ou noutra forma ao longo da história da
igreja” (grifo meu). Quando os Kroeger falam de “inferioridade de [...] papéis”, aparentemente
querem dizer que qualquer afirmação de subordinação eterna de papéis pertence à heresia do
subordinacionismo. Mas se é isso de fato o que estão dizendo, então estão condenando toda a
cristologia ortodoxa desde o Credo de Nicéia, algo que Charles Hodge diz ser um ensinamento
“da igreja universal”.

[p. 197] Robert Letham, em “The Man-Woman Debate: Theological Comment”, WTJ 52:1
(primavera de 1990), p. 65-78, interpreta essa tendência em recentes escritos evangélicos como
a ação de uma argumentação evangélica feminista de que a subordinação dos papéis implica
necessariamente menor importância ou redução do status da pessoa. Logicamente, se isso não
vale para os membros da Trindade, tampouco vale necessariamente para a relação marido-
mulher.

[p. 362] (...) Como por toda a eternidade sempre houve perfeito amor e comunhão entre os
membros da Trindade (Jo 17.5,24) (...)
[p. 370] A harmonia interpessoal dentro da família e da igreja pode refle r cada vez mais a
unidade que existe entre as pessoas da Trindade. A proporção que buscamos crescer na
semelhança de Deus em todos esses aspectos, demonstramos outra capacidade que nos
dis ngue do restante da criação.

[p. 374] A criação de duas pessoas dis ntas, homem e mulher, e não só do homem, contribui
para o fato de sermos à imagem de Deus, pois pode-se considerar que ela reflete em certo grau
a pluralidade de pessoas dentro da Trindade.

[p. 374] Há alguma similaridade aqui: assim como havia comunhão, comunicação e
compar lhamento de glória entre os membros da Trindade antes da criação do mundo (ver Jo
17.5, 24, e capítulo 14, sobre a Trindade, acima), também Deus fez Adão e Eva de forma tal que
deveriam compar lhar amor, comunicação e respeito mútuo no seu relacionamento. E claro que
esse reflexo da Trindade viria a se expressar de várias maneiras dentro da sociedade humana,
mas certamente exis ria desde o princípio na ín ma unidade interpessoal do casamento.

[p. 374] Se Deus quisesse que espelhássemos a pluralidade de pessoas da Trindade, por que
então não criou três pessoas em vez de duas, para assim refle r a unidade interpessoal existente
entre os membros da Trindade? Primeiro, precisamos concordar que esse fato mostra que a
analogia entre o casamento e a Trindade é inexata.

[p. 374] Apesar de a unidade não ser exatamente a mesma, a unidade familiar entre marido,
mulher e filhos reflete de fato em certa medida a unidade interpessoal, e também a diversidade,
das pessoas da Trindade.

[p. 375] Ademais, importa perceber que o casamento não é o único modo de refle r a unidade
e a diversidade da Trindade na nossa vida. Pois se refletem também na união dos crentes na
comunhão da igreja; e na genuína comunhão da igreja, os solteiros (como Paulo e Jesus), bem
como os casados, podem se relacionar de modos que reflitam a natureza da Trindade. Portanto,
a edificação da igreja e o aumento da sua unidade e pureza também promovem o reflexo do
caráter de Deus no mundo.

[p. 375] Assim como os membros da Trindade são iguais na sua importância e na sua plena
existência como pessoas dis ntas (ver capítulo 14, acima), também homens e mulheres foram
criados por Deus iguais na sua importância e na sua pessoalidade.

[p. 376] Nossa igualdade como pessoas perante Deus, refle ndo a igualdade das pessoas da
Trindade, deve levar naturalmente os homens e as mulheres a honrar-se uns aos outros.

[p. 377-378] Entre os membros da Trindade sempre houve igualdade de importância,


pessoalidade e divindade por toda a eternidade. Mas sempre houve também diferenças de
papéis entre os membros da Trindade. (5) Deus Pai sempre foi o Pai, e sempre se relacionou com
o Filho como um Pai se relaciona com seu Filho. Embora os três membros da Trindade sejam
iguais em poder e em todos os outros atributos, o Pai tem a autoridade mais elevada. Ele exerce
um papel de liderança entre os membros da Trindade, papel esse que nem o Filho nem o Espírito
Santo têm. Na criação, o Pai fala e inicia, mas a obra da criação é executada pelo Filho e
sustentada pela con nua presença do Espírito Santo (Gn 1.1-2;Jo 1.1-3; 1 Co 8.6; Hb 1.2). Na
redenção, o Pai envia o Filho ao mundo, e o Filho vem e obedece ao Pai, morrendo para expiar
os nossos pecados (Lc 22.42; Fp 2.6-8). Depois que o Filho ascendeu ao céu, o Espírito Santo veio
equipar e fortalecer a igreja (Jo 16.7; At 1.8; 2.1- 36). O Pai não veio morrer pelos nossos pecados,
nem o Espírito Santo. O Pai não se derramou sobre a igreja no Pentecostes no poder da nova
aliança, nem o Filho. Cada membro da Trindade tem papéis ou funções dis ntas. As diferenças
em termos de papéis e autoridade entre os membros da Trindade são assim completamente
compa veis com a igualdade de importância, pessoalidade e divindade.

[p. 382] (...) Há eterna beleza, dignidade e jus ça nessa diferenciação de papéis, tanto na
Trindade como na família humana. (...)

[p. 428] Teólogos falam de outro po de aliança, uma aliança que não é entre Deus e o homem,
mas entre os membros da Trindade. A essa aliança chamam “a aliança da redenção”. É um acordo
entre Pai, Filho e Espírito Santo, no qual o Filho concordou em tornar-se homem, ser nosso
representante, obedecer às exigências da aliança das obras em nosso favor e pagar o preço do
pecado, que merecemos. As Escrituras ensinam de fato sua existência? Sim, pois falam de um
plano específico e do propósito de Deus como um acordo entre Pai, Filho e Espírito Santo para
obter nossa redenção.

[p. 428] Da parte do Pai, essa “aliança de redenção” incluiu um acordo para dar ao Filho um povo
ao qual este redimiria para lhe ser propriedade (Jo 17.2, 6), para enviá-lo como seu
representante (Jo 3.16; Rm 5.18, 19), para preparar um corpo para o Filho habitar como homem
(Cl 2.9; Hb 10.5), para aceitá-lo como representante do seu povo, a quem ele redimiu (Hb 9.24),
e para dar-lhe toda a autoridade nos céus e na terra (Mt 28.18), incluindo a autoridade de
derramar o Espírito Santo com poder para ministrar redenção ao seu povo (At 1.4; 2.33).

[p. 428] Da parte do Filho, havia um acordo de que ele viria ao mundo como um homem e viveria
como homem sob a lei mosaica (Gl 4.4; Hb 2.14-18), e que ele seria perfeitamente obediente a
todos os mandamentos do Pai (Hb 10.7-9), tornando-se obediente até a morte, e morte numa
cruz (Fp 2.8). O Filho também concordou que reuniria um povo para si, de modo que nenhum
dos que o Pai havia dado se perdesse (Jo 17.12).

[p. 428] O papel do Espírito Santo na aliança da redenção às vezes é subes mado na discussão
desse assunto, mas com certeza foi ímpar e essencial. Ele concordou em fazer a vontade do Pai
e em conceder sua plenitude a Cristo, dando-lhe o poder para realizar seu ministério na terra
(Mt 3.16; Lc 4.1, 14, 18; Jo 3.34) e concordou em aplicar os bene cios da obra redentora de
Cristo para seu povo após seu retorno ao céu (Jo 14.16-17, 26; At 1.8; 2.17-18, 33).

[p. 428] O fato de nos referirmos ao acordo entre os membros da Trindade como uma “aliança”
lembra-nos de que foi algo empreendido voluntariamente por Deus e não alguma coisa que
deveria exis r em virtude de sua própria natureza. Todavia, essa aliança também é diferente das
alianças entre Deus e o homem porque as partes ingressaram nela como iguais, e nas alianças
com o homem Deus é o Criador soberano, que impõe as provisões da aliança por decreto
próprio. Por outro lado, há semelhança no sen do de que possui os elementos (são especificadas
as partes, as condições e as bênçãos prome das) que compõem uma aliança.

[p. 443] Por exemplo, com respeito à doutrina da Trindade, afirmamos que Deus existe em três
pessoas e que cada uma é plenamente Deus e que existe um Deus. Ainda que essas afirmações
não sejam contraditórias, é di cil compreendê-las em ligação uma com a outra e, ainda que
possamos obter avanços na compreensão de como se ligam, pelo menos nesta vida temos de
admi r que não pode haver compreensão plena de nossa parte.

[p. 447] Todos esses textos indicam que Jesus não se tomou temporariamente homem, mas que
sua natureza divina foi permanentemente unida à sua natureza humana, e ele vive para sempre
não só como o Filho eterno de Deus, a segunda pessoa da Trindade, mas também como Jesus, o
homem que nasceu de Maria, e como Cristo, o Messias e Salvador de seu povo. Jesus
permanecerá para sempre plenamente Deus e plenamente homem, e ainda uma só pessoa.

[p. 451] Essas passagens combinam-se para indicar que o tulo “Filho de Deus”, quando aplicado
a Cristo, declara com firmeza sua divindade como o Filho eterno na Trindade, alguém igual ao
Pai em todos os seus atributos.

[p. 462] Se alguém perguntar se Jesus, enquanto dormia no barco, estava também “sustentando
con nuamente todas as coisas pela sua palavra de poder” (Hb 1.3. tradução do autor), e se todas
as coisas no universo estavam sendo sustentadas por ele naquela hora (veja Cl 1.17), a resposta
deve ser sim, pois aquelas a vidades sempre foram e sempre serão responsabilidade par cular
da segunda pessoa da Trindade, o Filho eterno de Deus. Os que consideram “inconcebível” a
doutrina da encarnação perguntam às vezes se Jesus, quando recém-nascido na manjedoura em
Belém, estava também “sustentando o universo”. Para essa pergunta a resposta deve também
ser sim: Jesus não era só potencialmente Deus ou alguém em quem Deus agia de m aneira única,
mas verdadeira e plenamente Deus, com todos os atributos de Deus. Ele era “o Salvador, que é
Cristo, o Senhor” (Lc 2.11). Os que rejeitam isso, considerando-o impossível, simplesmente
sustentam uma definição de “possível” diferente da de Deus, conforme revelada nas
Escrituras.37 Dizer que não conseguimos compreender isso é humildade adequada. Mas dizer
que não é possível parece mais arrogância intelectual.

[p. 480] Se perguntarmos “Quem exigiu que Cristo pagasse a pena pelos nossos pecados?”, a
resposta dada pelas Escrituras é que o cas go foi aplicado por Deus Pai como representante dos
interesses da Trindade na redenção. Foi a jus ça de Deus que exigiu que o pecado fosse pago, e,
entre os membros da Trindade, era Deus Pai quem nha o papel de exigir esse pagamento. Deus
Filho voluntariamente assumiu o papel de suportar o cas go pelo pecado. Paulo diz em
referência a Deus Pai: “Aquele que não conheceu pecado [isto é, Cristo], ele o fez pecado por
nós; para que, nele, fôssemos feitos jus ça de Deus” (2Co 5.21). Isaías disse: “o Senho r fez cair
sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.6). Ele prossegue descrevendo os sofrimentos de
Cristo: “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar” (Is 53.10).

[p. 480] Nisso vemos um pouco do extraordinário amor tanto de Deus Pai como de Deus Filho
na redenção. Não só Jesus sabia que teria de suportar a incrível dor sobre a cruz, como também
o Pai sabia que teria de infligir essa dor em seu Filho a quem amava profundamente. “Deus prova
o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda
pecadores” (Rm 5.8).

[p. 521] Visto que as obras de Deus geralmente são obras de toda a Trindade, provavelmente é
verdadeiro dizer que o Espírito Santo também esteve envolvido em ressuscitar Cristo dentre os
mortos, mas nenhum texto das Escrituras afirma isso explicitamente (mas veja Rm 8.11).

[p. 530] Podemos definir a obra do Espírito Santo como segue: a obra do Espírito Santo consiste
em manifestar a presença a va de Deus no mundo e em especial na igreja. Essa definição indica
que o Espírito Santo é o membro da Trindade que as Escrituras com mais frequência representam
como aquele que está presente para fazer a obra de Deus no mundo. Embora isso seja real até
certo ponto através de toda a Bíblia, é par cularmente verdadeiro na era da nova aliança. No
An go Testamento, a presença de Deus muitas vezes foi manifestada na glória de Deus e nas
teofanias; nos evangelhos o próprio Jesus manifestou a presença de Deus entre os homens. Mas
depois que Jesus subiu ao céu, e de con nuo através de toda a era da igreja, o Espírito Santo é
agora a principal manifestação da presença da Trindade entre nós. Ele é o que está presente de
modo mais proeminente entre nós agora. (1)
[p. 531] Desde o princípio da criação, temos indícios de que a obra do Espírito Santo consiste em
completar e sustentar o que Deus Pai planejou e o que Deus Filho começou, pois em Gênesis
1.2, “o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”. E no Pentecostes, com o início da nova
criação em Cristo, é o Espírito Santo quem vem conceder poder à igreja (At 1.8; 2.4, 17-18). Como
o Espírito Santo é a pessoa da Trindade por meio de quem Deus manifesta de modo par cular
sua presença na era da nova aliança, Paulo emprega uma expressão adequada ao referir-se a ele
como “primeiros frutos” (Rm 8.23, nvi) e “garan a” (ou “penhor”, 2Co 1.22; 5.5) da plena
manifestação da presença de Deus que conheceremos no novo céu e na nova terra (Ap 21.3-4).

[p. 535] Uma vez que esse membro da Trindade é chamado Espírito Santo, não surpreende que
uma de suas principais a vidades seja purificar-nos do pecado e “san ficar-nos” ou tomar nos
mais santos na conduta prá ca. Mesmo na vida de incrédulos há alguma influência restri va do
Espírito Santo uma vez que ele convence o mundo do pecado (Jo 16.8-11; At 7.51). Mas quando
as pessoas se tomam cristãs, o Espírito Santo realiza nelas uma obra inicial de purificação,
efetuando um decisivo rompimento com os padrões do pecado que havia na vida delas antes.13
Paulo fala dos corín os: “... mas vós vos lavastes, mas fostes san ficados, mas fostes jus ficados
em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1 Co 6.11; veja também Tt 3.5).
Aparentemente, é essa obra de lavagem e purificação realizada pelo Espírito Santo que é
simbolizada pela metáfora do fogo quando João Ba sta diz que Jesus ba zaria as pessoas “com
o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3.11; Lc 3.16).

[p. 585] Qual dos membros da Trindade causa a regeneração? Quando Jesus fala de ser “nascido
do Espírito” (Jo 3 .8), ele indica que é especialmente Deus Espírito Santo quem produz a
regeneração. Porém, outros versículos indicam também o envolvimento de Deus Pai na
regeneração: Paulo especifica que é Deus quem “nos deu vida juntamente com Cristo” (Ef 2.5;
cf. Cl 2.13). Também Tiago diz que é o “Pai das luzes” quem nos deu o novo nascimento: “Pois,
segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que
primícias das suas criaturas” (Tg 1.17-18). (1) Finalmente Pedro diz que Deus “segundo a sua
abundante misericórdia, tem nos dado um novo nascimento [...] através da ressurreição de Jesus
Cristo dentre os mortos” (1 Pe 1.3, tradução do autor). Podemos concluir que ambos - Deus Pai
e Deus Espírito Santo - produzem a regeneração.

[p. 708] Mas a analogia mais ousada de todos é usada por Jesus, que ora pedindo que os crentes
“sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em , também sejam eles em nós” (Jo 17.21). Aqui
Jesus ora para que a nossa unidade seja como a perfeita unidade entre o Pai e o Filho na
Trindade. Faz-nos lembrar que a nossa unidade deve ser eterna e perfeitamente harmoniosa
(como o é a unidade de Deus).

[p. 708] Mas essa analogia com os membros da Trindade é muito importante por outra razão:
nos previne de pensar que a união com Cristo vá algum dia engolir a nossa personalidade
individual. Ainda que o Pai, o Filho e o Espírito Santo vivam em unidade perfeita e eterna, mesmo
assim permanecem pessoas dis ntas. Da mesma maneira, embora um dia de fato alcançaremos
unidade perfeita com os outros crentes e com Cristo, mesmo assim permaneceremos para
sempre pessoas dis ntas, cada qual com seus dons, suas capacidades, seus interesses, suas
responsabilidades, seus círculos de relações pessoais, suas preferências e seus desejos
individuais.

[p. 997-998] CREDO DE ATANÁSIO (séculos IV e V)


1. Todo que for salvo: antes de todas as coisas é necessário que se apegue à fé católica;
2. Tal fé, se não guardada plena e imaculada, sem dúvida trará perdição eterna.
3. E a fé católica é esta: Que nós adoramos um Deus em Trindade, e Trindade na Unidade;
4. Sem confundir as pessoas, sem dividir a Substância.
5. Porque há uma Pessoa do Pai, outra do Filho, e outra do Espírito Santo.
6. Mas a divindade do Pai, do Filho, e do Espírito Santo é uma só: a glória igual, a majestade,
coeterna.
7. Como o Pai é, tal é o Filho, e tal é o Espírito Santo.
8. O Pai incriado, o Filho incriado, e o Espírito Santo incriado.
9. O Pai incompreensível, o Filho incompreensível, e o Espírito Santo incompreensível.
10. O Pai eterno, o Filho eterno, e o Espírito Santo eterno.
11. No entanto não são três eternos mas um eterno.
12. Porque também não há três incriados nem três incompreensíveis, mas um incriado e um
incompreensível.
13. Assim do mesmo modo o Pai é Todo-Poderoso, o Filho, Todo-Poderoso, e o Espírito, Todo-
Poderoso.
14. No entanto não são três Todo-Poderosos, mas um Todo-Poderoso.
15. Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus;
16. No entanto não são três Deuses, mas um Deus.
17. Assim do mesmo modo o Pai é Senhor, o Filho, Senhor, e o Espírito Santo, Senhor;
18. Todavia não são três Senhores, mas um Senhor.
19. Pois assim como somos compelidos pela verdade cristã: reconhecer que cada Pessoa é por
si mesma Deus e Senhor.
20. Também somos proibidos pela religião católica de dizer: Há três Deuses, ou há três Senhores.
21. O Pai não é feito de coisa alguma, nem criado nem gerado.
22. O Filho é do Pai somente; não feito, nem criado, mas gerado.
23. O Espírito Santo é do Pai e do Filho; não foi feito, nem criado, nem gerado, mas deles procede.
24. Assim, há um Pai, e não três Pais; um Filho, e não três Filhos; um Espírito Santo, e não três
Espíritos Santos.
25. E nesta Trindade nenhum deles é antes ou depois do outro; nenhum é maior ou menor do
que outro.
26. Mas as três pessoas são coeternas e coiguais.
27. De modo que em todas as coisas, como dito acima: a unidade na Trindade e a Trindade na
unidade deve ser adorada.
28. Aquele, portanto, que for salvo deve assim pensar sobre a Trindade.
29. Além disso é necessário à eterna salvação que, corretamente, se creia também na
encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo.
30. Porque a fé correta é que creiamos e confessemos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de
Deus, é Deus e homem.
31. Deus, da substância do Pai, gerado antes dos séculos; e homem da substância de sua mãe,
nascido no mundo.
32. Deus perfeito e homem perfeito, de alma racional e subsis ndo em carne humana.
33. Igual ao Pai quanto à divindade, e inferior ao Pai quanto à humanidade.
34. Que, embora seja Deus e homem, não é, porém, dois, mas um Cristo.
35. Um, não pela conversão da divindade em carne, mas levando da humanidade a Deus.
36. Inteiramente um, não pela confusão da substância, mas pela unidade da pessoa.
37. Porque assim como a alma racional e a carne são um homem, também Deus e homem são
um Cristo;
38. Que padeceu para a nossa salvação, desceu ao inferno, ressuscitou dentre os mortos ao
terceiro dia;
39. Subiu aos céus e está assentado à direita do Pai, Deus, Todo-Poderoso;
40. De onde virá julgar os vivos e os mortos.
41. Em cuja vinda todos os homens ressuscitarão em corpo;
42. E prestarão contas de suas obras.
43. E os que fizeram o bem irão para a vida eterna, e os que fizeram o mal, para o fogo eterno.
44. Esta é a fé católica: quem nela não crer fielmente não pode ser salvo.

[p. 1008-1009] A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER (1643-46)


CAPÍTULO 2: DE DEUS E DA SANTÍSSIMA TRINDADE
1. Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e em perfeição. Ele é um Espírito
puríssimo, invisível, sem corpo, sem membros, não sujeito a paixões; é imutável, imenso, eterno,
incompreensível, onipotente, onisciente, san ssimo, completamente livre e absoluto, e tudo faz
segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável, e para a sua própria glória. É
cheio de amor, gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro galardoador
dos que o buscam, e, contudo, jus ssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo o pecado; de
modo algum terá por inocente o culpado.
2. Deus tem, em si mesmo, e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade e bem-aventurança. Ele
é todo-suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência; não deriva
delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas.
Ele é a única origem de todo ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem ele
soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser. Todas as coisas
estão patentes e manifestas diante dele; o seu saber é infinito, infalível e independente da
criatura, de sorte que para ele nada é con ngente ou incerto. Ele é san ssimo em todos os seus
conselhos, em todas as suas obras e em todos os seus preceitos. Da parte dos anjos e dos
homens e de qualquer outra criatura lhe são devidos todo culto, todo serviço e toda obediência,
que ele houve por bem exigir deles.
3. Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade: Deus
o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O Pai não é de ninguém: não é gerado, nem
procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente
do Pai e do Filho.

[p. 1011-1012] A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER (1643-46)


CAPÍTULO 8: DE CRISTO, O MEDIADOR
1. Aprouve a Deus, em seu etemo propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho
Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e
Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo; e deu-lhe, desde toda a
eternidade, um povo para ser sua semente, e para, no tempo devido, ser por ele remido,
chamado, jus ficado, san ficado e glorificado.
2. O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma
substância do Pai e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a
natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo
sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria, e da
substância dela. As duas naturezas inteiras, perfeitas e dis ntas - a Divindade e a Humanidade -
foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão, verdadeiro homem, porém
um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.

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