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Gestão do conhecimento como ferramenta

de estratégia organizacional

Daniela Maria Cartoni


Mestre em Política Científica e Tecnológica - UNICAMP
Professora da Faculdade Comunitária de Campinas - Unidade 1
Professora das Faculdades de Valinhos
e-mail: daniela_cartoni@yahoo.com.br

Resumo knowledge requires most than information technology


investments, but based on a creation and knowledge
Este artigo trata da gestão do conhecimento como sharing culture and organizational learning. Changing
uma importante ferramenta de estratégia organizacional, knowledge into value is one of the greatest challenges in
por meio de um processo pelo qual a organização cria organizations.
riqueza a partir do seu conhecimento, explícito ou tácito,
que norteia o seu capital intelectual. Esse conceito está Key-words: Knowledge management, learning
caminhando rapidamente para ser prioridade nas organizations, organizational changes.
organizações para o desenvolvimento de inovação e
manutenção da competitividade. No entanto, gerenciar Introdução
o conhecimento vai além de investimentos em tecnologia
da informação. Fundamenta-se em uma cultura de criação Durante a última década, a literatura sobre teoria
e compartilhamento do conhecimento, baseada na organizacional tem apresentado vasto material que incita
aprendizagem organizacional. Transformar o a discussão sobre a importância da gestão da informação
conhecimento em valor nas organizações tem sido um e do conhecimento como parte do novo paradigma
dos maiores desafios. produtivo.
Apesar dos conceitos ainda não estarem
Palavras-chave: Gestão do conhecimento, totalmente estruturados e os caminhos adotados serem
organizações de aprendem, mudanças organizacionais diferentes de uma organização para outra, cada vez
menos a gestão do conhecimento tem sido considerada
Abstract um modismo e se mostra crescentemente como uma
importante estratégia de gerenciamento. As organizações
This article concerns knowledge management as estão se atentando para a possibilidade de gerar e adquirir
an important organizational strategy tool, as which as it um recurso que pode gerar inovações e garantir a
supports wealth generation by organization knowledge competitividade. Como argumenta Crawford (1994, p.
itself, being or explicit or tacit one, that leads its intellectual 35) “o conhecimento é a essência do poder monetário
capital. That concept increases fast to be priority in e, devido a isso, está aumentando cada vez mais, no
organizations for innovation development and mundo inteiro, a busca pelo controle do conhecimento e
competitiveness maintenance. Although, managing pelos meios de comunicação”.

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Para compreender a aplicação destes conceitos é 1980), é que a exigência de uma velocidade cada vez
relevante analisar previamente as mudanças pelas quais maior na geração de inovações tornou-se rotineira e pré-
a sociedade contemporânea tem passado, bem como a requisito para a sobrevivência das organizações
velocidade destas transformações. Se observarmos, por (DRUCKER, 1999).
exemplo, a distribuição dos cem inventos que mudaram Dentre os fatores que mudaram o foco de uma
a história da humanidade ao longo do tempo, teremos sociedade industrial para a sociedade do conhecimento,
uma nítida visão sobre a aceleração desse processo. Nos podemos destacar desde transformações na economia
2,6 milhões de anos que vão do período paleolítico - e valor dos ativos mais significativos, até no perfil exigido
época em que foram geradas as primeiras ferramentas do funcionário e sua empregabilidade. Como relatam
de pedra e deram início à jornada do homem rumo à Sveiby (1998) e Stewart (2002), as organizações do
civilização e domínio da natureza - até o surgimento da conhecimento são aquelas que contam com uma estrutura
Era Cristã, foram registrados cerca de dezesseis inventos focada no conhecimento e não no capital; aquelas cujos
estratégicos. Nos primeiros dezoito séculos, essa cifra ativos intangíveis são muito mais valiosos do que seus
passou para vinte e, somente no século XIX, forma ativos tangíveis; cujos trabalhadores são profissionais
identificados 29 inventos, valor que saltou para 35 no altamente qualificados e com alto grau de escolaridade
século XX (YENNE, 2003). (ver quadro 1).
O conhecimento sempre esteve presente nas
diversas eras econô-
micas, tanto na era
Quadro 1: Os princípios da organização do conhecimento
agrícola quando o
homem começou a
explorar de forma
sistemática os recursos
naturais disponíveis,
como na primeira
revolução industrial com
o surgimento da máquina
a vapor e da fiandeira, na
segunda revolução
industrial marcada pelo
advento da eletricidade e
motor de combustão
interna ou, mais
recentemente, a partir da
segunda metade do
século XX, com os
avanços associados ao
surgimento da microele-
trônica e produtos
correlatos (CASTELLS,
1999).
A diferença desta
fase atual de
desenvolvimento do
capitalismo, cunhada de
“Revolução da Infor-
mação” ou “Terceira
Onda” (TOFLER,

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O valor do conhecimento produtivo, a autor acrescenta que “um estudo


demonstrou que o somatório dos salários de milhares
Embora a gestão do conhecimento não seja de trabalhadores de uma grande fábrica que produz os
considerada uma prática nova - pois como acreditam tênis na Indonésia é inferior ao que recebem onze ou
Davenport e Prusak (1998), mesmo antes da explosão doze diretores da Nike em Nova York.”
do assunto, bons gerentes já valorizavam a experiência Outro exemplo, citado por Grotto (2001), ocorreu
e o know-how de seus colaboradores -, foi somente em 1999 quando a Ford comprou a divisão de carros
nos anos 90 que se começou a tratá-la como uma da Volvo por US$ 6,45 bilhões. Na mesma época, a
estratégia organizacional (Hansen, Nohria e Tierney, Yahoo! comprou a GeoCities por US$ 4,58 bilhões e,
1999). embora os valores envolvidos sejam parecidos, as
Dentre os fatores considerados pela vasta características de cada organização negociada são muito
literatura para esta nova postura das empresas, podemos diferentes. Enquanto a compra da Ford envolveu uma
destacar: organização tradicional e de bens tangíveis, a compra
- o aprofundamento do processo de globalização, da Yahoo! envolveu uma organização conhecida apenas
que caracteriza-se pela internacionalização das por usuários da Internet e com bens intangíveis. Assim,
economias, a queda das barreiras alfandegárias e constatou-se, também, um novo paradigma na área de
o surgimento de grandes blocos econômicos aquisição e fusão de organizações.
regionais.
- o advento das tecnologias de informação e O papel dos ativos intangíveis
comunicação (TICs), que passaram por um
processo acelerado de aperfeiçoamento técnico A mudança do paradigma industrial para o
e trouxeram uma maior facilidade de ordenar, paradigma do conhecimento ou da onda industrial para
armazenar, recuperar e disseminar informações. a onda do conhecimento, exige também mudança na
O desenvolvimento de redes de computadores e forma de se gerenciar as organizações. Ao constatar
softwares de gerenciamento permitiu que isto que muitas organizações dependem do conhecimento e
ocorresse com custos relativamente baixos. têm nele o seu maior valor, o gerenciamento dos ativos
- a emergência de novos formatos de organização intangíveis vem ganhando espaço tanto na literatura
do trabalho e da produção, com a adoção de quanto nas práticas organizacionais.
estruturas mais flexíveis e horizontais no lugar dos Os ativos intangíveis são definidos por Lacombe
ícones da era industrial, como a especialização, & Heilborn (2003, p.489) como “ativos que não têm
produção em escala e padronização, comando substância física, mas proporcionam benefícios
baseado na hierarquia e verticalização da econômicos”. São ativos intangíveis: competência dos
produção. gerentes, sua experiência e conhecimento da empresa,
- a incorporação de inteligência a um conjunto sistemas administrativos, patentes, softwares
crescente de produtos e serviços, o que por sua desenvolvidos pela empresa, relações com os clientes
vez provoca um declínio relativo na importância atuais e potenciais e o conhecimento de suas preferências,
dos ativos convencionais (capitais físicos) como relações com fornecedores, conhecimento de seus
geradores de riqueza e atribui maior peso aos pontos fortes e fracos, marcas registradas, imagem da
ativos intangíveis (softwares, patentes, royalties, empresa no público e na mídia, pesquisa em
marcas, relacionamento, talentos, habilidades, desenvolvimento e manuais.
experiência, etc). Parte da diferença entre o valor de mercado do
total de ações de uma empresa e o seu valor contábil
Um exemplo elucidativo da importância do pode hoje ser explicada pelos ativos intangíveis,
conhecimento na produção de bens e serviços é o caso constituído em boa parte do conhecimento. Também
da Nike. Castro (2001) relata que a “a Nike não produz devemos considerar como parte deste conhecimento não
nenhum tênis, embora seja a maior empresa de tênis do apenas aqueles relacionados ao desenvolvimento
mundo. Ela faz design, desenvolvimento, marketing e científico e tecnológico, mas também as notícias, as
logística.” Para ressaltar o impacto deste novo paradigma opiniões, a comunicação e os serviços.

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No entanto, como alerta Albrecht (2004), gestão na experiência.


da informação não é a mesma coisa que gestão do Para Davenport & Prusak (1998), o conhecimento
conhecimento. é interpretado como algo impossível de ser totalmente
Nas últimas duas décadas, os líderes empresariais estruturado (fluido) e/ou capturado, pois “está presente
equivocaram-se pela ênfase atribuída aos dados e somente na mente das pessoas”. Mais ainda, o
informações e não conseguiram compreender o conhecimento só se manifesta quando é utilizado, o que
significado do conhecimento como força propulsora do implica em uma característica importante: sua orientação
sucesso organizacional. Não pela falta de divulgação do para a ação. Nesta visão, a transformação da informação
conhecimento como elemento importante para a em conhecimento depende da capacidade das pessoas
organização dinamizar a vantagem competitiva em interpretar as informações, gerar opções significativas
(PORTER, 1986), mas pelo foco no aspecto técnico da de ação e implementá-las para alcançar os resultados
informatização e a não incorporação do conhecimento desejados.
como uma proposição cultural compartilhada, algo a ser Outra abordagem importante traz a diferenciação
nutrido e não apenas gerenciado. Nas palavras de entre os tipos de conhecimento, com destaque para o
ALBRECHT (2004), “não é possível gerenciar com trabalho de Polanyi (1966), que distingue o conhecimento
eficiência na Terceira Onda (Era do Conhecimento) com entre tácito e explícito. Segundo o autor, o conhecimento
as formas de pensar típicas da Segunda Onda (Era da tácito é subjetivo, específico ao contexto e, por tais
Industrialização).” características, de difícil formulação e comunicação. Já
Para compreender esta dimensão mais ampla de o explícito é objetivo, expresso por meio de linguagem
gerenciamento é relevante, portanto, definir conhecimento formal e sistemática.
e a matéria-prima da qual ele emerge, ou seja, os dados Em outras palavras:
e as informações1. Para tais definições, DAVENPORT - Conhecimento tácito: são os conhecimentos
& PRUSAK (1998) utilizam três grandes classes de inerentes às pessoas, isto é, as habilidades que estas
elementos. São eles: possuem. Trata-se da parcela não estruturada do
Dado: a matéria-prima essencial, quantificável, conhecimento, a qual não pode ser registrada e/ou
quase uma substância física a ser armazenada, facilmente transmitida a outra pessoa. Exemplo: para
movimentada e manipulada. Trata-se de um conjunto andar de bicicleta é preciso experimentar, tentar, cair e
discreto e objetivo do estoque de informação e sentir.
conhecimento de uma empresa. Usualmente está - Conhecimento explícito: são os conhecimentos
armazenado em bancos de dados ou documentos da estruturados e capazes de serem verbalizados. É a parte
empresa. estruturada e objetiva do conhecimento, que pode ser
Informação: uma associação de elementos de transportada, armazenada e compartilhada em
dados que adquire significado em algum contexto documentos e sistemas computacionais. Fazem parte do
particular. As informações dizem algo, manifestando-se conhecimento explícito: normas, registros de
como uma mensagem que contém emissor e receptor, bibliográficas, livros, procedimentos de trabalho,
cujo significado envolve uma nova interpretação baseada documentos internos, sistemas corporativos e as bases
em um conjunto de dados. Dentro de qualquer empresa de dados espalhadas pela empresa, entre outros.
há um complexo e contínuo fluxo de informações, seja Outro trabalho importante foi realizado por
por meios tecnológicos, como sistemas computacionais, Nonaka e Takeuchi (1997), que definiram um modelo
ou por meio da interação entre as pessoas. de criação de conhecimento organizacional baseado na
Conhecimento: é uma mistura fluida de interação entre o conhecimento tácito e explícito. Este
experiências, valores, informação contextual e intuição, processo seria uma “espiral do conhecimento”,
formando um framework (um “painel) na mente de uma estruturada em quatro modos de conversação:
pessoa que a habilita a avaliar e obter novas experiências socialização, externalização, combinação e internalização.
e informações. O conhecimento é a conseqüência mental Nonaka & Takeuchi (1997) propõem a existência
de angariar informações e, em sua forma mais de um ciclo contínuo dentro das empresas onde o
desenvolvida, apresenta-se como a capacidade de chegar conhecimento explícito esteja se transformando em tácito
a novas descobertas com base no aprendizado e e vice-versa. Nesta abordagem, o papel da gestão do

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conhecimento é garantir e facilitar a livre fluidez do ciclo assim, o caminho natural é desenhar um processo e não
em toda a organização, cujo papel principal é o de cuidar simplesmente executar um projeto de GC (gestão do
não apenas da infra-estrutura para registro e organização conhecimento).
de conhecimentos explícitos, mas, também, de garantir Como bem destacaram Davenport e Prusak
as condições ambientais e de formação básica das (1998) “a gestão do conhecimento é uma coleção de
pessoas, necessárias à manutenção deste ciclo. processos que governa a criação, disseminação e
No processo de disseminação do conhecimento utilização de conhecimentos”.
e sua transformação de tácito para explícito há uma Analisando desta forma, projetos são definidos
técnica para armazenar este último, os “mapas do como esforços temporários empreendidos para criar um
conhecimento”. São registros que apontam onde está o produto ou serviço único e por isso têm um início e um
conhecimento, ou seja, pessoas, documentos e bases término bem definidos. A data de início pode não ser
de dados onde estão armazenados diferentes bem definida no momento em que a idéia está
conhecimentos (DAVENPORT & PRUSAK, 1998). O transformando-se em um projeto. O fim, contudo, tem
mapa, por si, é um conhecimento explícito que facilita de estar claramente definido para que todos os
enormemente o processo de transformação e difusão participantes cheguem a um consenso sobre o que se
do conhecimento ao permitir que se identifiquem fontes compreende ser o projeto completo. Todo projeto gera
de conhecimentos explícitos e, além disso, as pessoas um produto singular e o resultado pode ser tangível (como
que carregam algum conhecimento tácito sobre este uma edificação) ou pode ser intangível, como novas
assunto. Um mapa eficiente deve ser construído conforme diretrizes de contratação de pessoal. Mas, a gestão do
as características da organização e deve apontar tanto conhecimento não tem fim. Ela tem um início bem definido
para conhecimentos que estejam internos à empresa e deve ser tratada na organização sob a forma de práticas
como externos. rotineiras de gestão com foco no conhecimento.
Outra forma seria a técnica de “contar história” Neste sentido, a gestão do conhecimento não pode
ou “narrativas”. Segundo Davenport & Prusak (1998), ser vista como projeto e sim como um processo de apoio
esta é uma maneira interessante de se armazenar à gestão empresarial. Isto não significa que as
conhecimentos mais próximos ao tácito, já que narrar organizações não possam fazer projetos-piloto de Gestão
ou contar histórias (“history telling”) é uma forma bastante do Conhecimento, mas que estas ações tenham seu início
natural e fácil para uma pessoa expor e demonstrar um em alguns departamentos e processos e depois ganhem
dado conhecimento complexo. Por meio da criação de legitimidade e se tornando corporativos2.
narrativas, ou seja, fazendo com que os membros da Em primeiro lugar, a empresa deve assumir uma
organização registrem suas histórias sobre postura de aprendizagem e valorização do conhecimento
acontecimentos em um determinado projeto ou atividade, e das pessoas que participam da organização. Um
tem-se uma forma de armazenar os conhecimentos exemplo ocorreu na fase de aplicação dos processos de
desestruturados. Ressalta-se, embora facilite o registro, enxugamento, quando muitas empresas tiveram que
este formato tem como inconveniente um acréscimo na readmitir empregados que haviam sido dispensados, em
dificuldade de busca (como encontrar um conhecimento função do conhecimento que possuíam. Estas
que esteja implícito no relato) e a necessidade de um organizações não tinham documentado e valorizado o
esforço maior de interpretação. conhecimento destas pessoas. (LACOMBE &
HEILBORN, 2003)
O processo de implantação da gestão do Um dos autores de destaque na área de
conhecimento aprendizagem organizacional é Senge (2004), que
propõe um estilo gerencial baseado em 5 conjuntos de
A gestão do conhecimento pode mudar de forma teorias e práticas: domínio pessoal, modelos mentais,
substancial o gerenciamento de uma organização, mas visão compartilhada, aprendizagem em equipe e
muitas delas tem feito isso de forma estrita e reducionista. pensamento sistêmico. Vejamos de forma um pouco mais
Da mesma maneira que as outras atividades na detalhada cada um destes aspectos:
organização são feitas de forma processual, a gestão do Domínio pessoal: é a disciplina que possibilita
conhecimento também precisa ser processual e, sendo continuamente esclarecer e aprofundar nossa visão

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pessoal, no qual a vida é encarada como um trabalho indivisibilidade do todo representado pelo conhecimento
criativo. Trata-se de um nível especial de proficiência existente na organização.
que estimula a “tensão criativa”, ou seja, a análise do
que queremos e onde estamos em relação ao que A gestão do conhecimento e as estruturas
queremos, estimulando uma visão sobre a realidade organizacionais
objetiva e se moldando como energia transformadora.
A disciplina do domínio pessoal começa esclarecendo A implantação de um processo duradouro da
aquilo que nos é realmente importante. gestão do conhecimento exige a compreensão dos vários
Modelos mentais: muitas modificações aspectos da estrutura organizacional que estão
administrativas não podem ser postas em prática por relacionados, como: papel da alta administração, cultura
serem conflitantes com modelos mentais tácitos. Muitas e estruturas organizacionais, práticas de gestão de
mudanças organizacionais deixam de ser implementadas recursos humanos, impacto dos sistemas de informação
porque conflitam com idéias arraigadas e paradigmas e mensuração de resultados, alianças estratégicas e
que interferem sobre as nossas atitudes, muitas vezes políticas de inovação, etc.
sem que tenhamos consciência disso. Em um processo Tal abordagem reflete nossa compreensão de que
de aprendizagem, os líderes devem ser permanentemente a gestão do conhecimento implica, necessariamente, na
estimulados a analisarem esses modelos e se abrirem às coordenação sistêmica de esforços em vários planos:
idéias alheias. organizacional e individual, estratégico e operacional,
Visão compartilhada: a empresa deve ter princípios normas formais e informais.
e práticas que unam os profissionais em torno de uma Em particular, quando se fala em gestão do
identidade comum, onde deve prevalecer o conhecimento é necessário discutir:
compromisso e o comprometimento em lugar da - Como a alta administração está envolvida no
aceitação. A conexão das pessoas em torno de uma aprendizado e qual o seu papel na definição de uma cultura
missão fornece o aprendizado organizacional efetivo. organizacional voltadas à inovação, experimentação,
Aprendizagem em equipe: a unidade de aprendizado contínuo e comprometidas com os
aprendizagem moderna é o grupo e não o indivíduo. O resultados de longo prazo e com a otimização de todas
diálogo facilita a aprendizagem em equipe e, quando esta as áreas da empresa;
produz resultados, seus integrantes crescem mais rápido - A estrutura organizacional e práticas de
e a organização também. A aprendizagem em equipe organização do trabalho devem ser repensadas para gerar
envolve 3 dimensões críticas: reflexão sobre problemas aprendizado e novos conhecimentos, a partir da
complexos, ação inovadora e disseminação de práticas superação dos limites das estruturas hierárquico-
e habilidades distintas entre as equipes. burocráticas;
Pensamento sistêmico: esta é a quinta disciplina, - Quais são as práticas e políticas de administração
que integra todas as outras, o elemento de ligação, de recursos humanos associadas à aquisição de
fundindo-as em um corpo coerente de teoria e prática. conhecimentos externos e internos à empresa, assim
O pensamento sistêmico ajuda-nos a enxergar as coisas como à geração, difusão e armazenamento de
como parte de um todo, não como peças isoladas, bem conhecimentos na empresa, ou seja, quais princípios
como criar e mudar a sua realidade. Somente norteiam as áreas de atuação do RH (recrutamento e de
desvendando os fios invisíveis que compõem a rede seleção de pessoal, planos de carreiras, treinamentos e
integrada de relacionamento na qual o problema a ser remuneração)3.
atacado se insere é que temos a chance de efetivamente Um dos aspectos da gestão do conhecimento é a
resolve-lo. É neste sentido que o pensamento sistêmico sua associação com as ferramentas de tecnologia da
é integrador e permite a análise de eventos distantes no informação (TI), com foco na sistematização e
tempo e espaço, cujas conexões nem sempre são disseminação dos ativos intangíveis, tornando o
evidentes. conhecimento algo explícito e que os funcionários sintam-
Como demonstra Senge (2004), é de fundamental se motivados a compartilharem.
importância que as cinco disciplinas funcionem em Há várias tecnologias que podem ser empregadas
conjunto, pois assim é possível captar efetivamente a para este fim: intranets, groupware, portais corporativos,

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document management systems, datawarehouses, sobre as maneiras de recompensar as pessoas que


videoconferências, electronic bulletin board,s etc. compartilham seus conhecimentos.
Estas ferramentas podem ser classificadas em três - reúna-se com funcionários da área de Recursos
grandes áreas: Humanos ou com aqueles que determinam as
- repositório de materiais de referência: formas de avaliação por desempenho. Discuta
conhecimento explícito que pode ser facilmente acessado maneiras de incorporar o compartilhamento de
e que evita duplicações de esforços; conhecimentos como um item do processo de
- expertise maps: banco de dados com listas e avaliação.
descrições das competências de indivíduos de dentro e
de fora da organização. Isto facilitaria o III - Como encontrar pontos de benefício mútuo
compartilhamento de conhecimento tácito; - identifique na organização os grupos que deveria
- just-in-time knowledge: ferramentas que gastar mais tempo compartilhando informações.
reduzem as barreiras de tempo e distância no acesso a Recrute os representantes desses grupos que
conhecimentos (ex: videoconferência). apóiam o compartilhamento de conhecimento.
Para a promoção do trabalho colaborativo, - reúna representantes e debata livremente uma
Bukowitz e Willians (2002) sugerem alguns passos para lista de áreas em que a troca de conhecimento
a decodificação do conhecimento tácito, sua beneficiaria a todos.
transformação e disseminação como conhecimento - dê início a pequenos compartimentos de
explícito. Como já destacado anteriormente, embora este conhecimento, reunindo frente a frente os próprios
processo seja complexo e envolva esforços que vão representantes das áreas selecionadas. Como
muito além da simples disponibilização de tecnologia - alternativa, inicie um intercâmbio de informações
implicando de fato em mudanças amplas no estilo de eletrônicas ou um espaço virtual em que os grupos
gerenciamento -, seguem procedimentos que podem troquem relatórios, artigos, etc.
colaborar no gerenciamento da informação e do
conhecimento. IV - Como construir uma agenda de trabalho
colaborativo
Roteiro para a disseminação do conhecimento e - reúna-se com líderes de diferentes grupos de
trabalho colaborativo trabalho para discutir a melhor maneira de garantir
aos colaboradores tempo para contribuir.
I - Como remover as barreiras ao - teste uma abordagem selecionada, analisando-a
compartilhamento com um ou dois grupos durante um determinado
- descubra os elementos de sua vida profissional período de tempo. Identifique claramente os
que dificultam o compartilhamento de critérios de avaliação, antes de iniciar o teste.
conhecimento. - reúna-se com os membros dos grupos de TI
- identifique as situações em que a competição (tecnologia da informação) para discutir maneiras
por recursos (entre indivíduos, equipes, grupos ou de informatizar todo o processo de contribuição.
negócios) tem impacto negativo sobre o - examine os processos de trabalho, como o
compartilhamento de conhecimento. orçamento e análise de desempenho, para
- reúna uma equipe para avaliar os custos e determinar se eles produzem quaisquer resultados
benefícios de se removerem as barreiras ao que possam ser aperfeiçoados, a fim de aumentar
compartilhamento do conhecimento o compartilhamento de conhecimento.

II - Como vincular o trabalho colaborativo à V - Como fomentar funções e cargos que apóiem
oportunidade e ao avanço o processo de compartilhamento de conhecimento
- reúna um grupo de pessoas interessadas na - crie uma lista de competências relativas à gestão
gestão do conhecimento, para discutirem como o do conhecimento e identifique os indivíduos mais
compartilhamento poderia ser mais bem habilitados para preencher estas funções.
recompensando pela organização. Faça um debate - promova um cadastramento dos especialistas e

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que tipo de contribuição á produção e factibilidade destas opções com o pessoal técnico.
compartilhamento de conhecimento poderia - selecione uma comunidade como piloto para
oferecer. algumas das opções identificadas.
- faça um levantamento com os especialistas
identificados para descobrir que tipo de apoio lhes VIII - Como fomentar a publicação individual de
poderia ser dado para aumentar o nível de conteúdo
compartilhamento. -reúna grupos de pessoas interessadas em
gerenciar o seu próprio conteúdo e dê o
VI - Como favorecer a transferência do treinamento tecnológico necessário.
conhecimento tácito e a criação de uma rede -crie gabaritos e linhas de orientação para facilitar
organizacional o processo de publicação.
- identifique as áreas em que é mais problemática -verifique se a publicação aumentou a quantidade
a transferência de conhecimento não-articulado. e a qualidade das contribuições do conhecimento.
Analise como estas áreas poderiam se beneficiar
com o suo de facilitadores profissionais ou técnicas Mais uma vez, considera-se que estes
como “history telling”4 procedimentos podem colaborar no processo, mas a
- conduza a técnica de “history telling” como um implantação da Gestão do Conhecimento deve estar
método para obter informações das equipes que estruturada em decisões que envolvam uma superposição
completaram projetos importantes. das análises “micro” (indivíduos e grupos), “meso”
- identifique áreas de conhecimento nas quais a (organização) e “macro” (ambiente). Reconhece-se,
transferência de conhecimento um a um é assim, que o aprendizado e a criação individual incluem
indispensável para os candidatos a programas de a capacidade de combinar diferentes inputs por meio
monitoramento. do desenvolvimento de uma visão sistêmica do ambiente.
- identifique agentes do conhecimento, O processo de inovação requer, crescentemente, a
perguntando a que eles recorrem em busca de combinação de diferentes habilidades, conhecimentos e
informações específicas e encontre maneiras de tecnologias de campos distintos do conhecimento e
apoiar tais atividades. mesmo de diferentes setores econômicos.
- reúna uma equipe multidisciplinar para debater Subjacente ainda à maior parte destas questões
livremente as melhores maneiras de agrupar as está o reconhecimento de que o capital humano, formado
pessoas e criar vínculos entre elas com o intuito pelos valores e normas individuais e organizacionais, bem
de reforçar a transferência de conhecimento. como pelas competências, habilidades e atitudes de cada
funcionário, é a “mola propulsora” da geração de valor
VII - Como valorizar a reciprocidade e a criação nas empresas. Isto significa, por sua vez, reconhecer as
de políticas explícitas sobre a utilização dos ativos necessidades de se estimular a motivação intrínseca, o
intelectuais estabelecimento de contatos pessoais, a análise de
- entreviste, informalmente, membros da diferentes perspectivas, a abertura para a efetiva
organização, para determinar se acreditam que há comunicação e para o aprendizado por meio de
um contrato de reciprocidade entre eles e a experiências.
organização, e entre eles e os outros membros.
Teste o quanto este contrato é consistente. Conclusão
Entreviste tanto aqueles que contribuem
freqüentemente para os sistemas colaborativos, Cada vez menos vista como um modismo, a
bem como aqueles que raramente o fazem, para Gestão do Conhecimento nas organizações tem
determinar se o retorno ou a melhoria da atribuição demonstrado suas vantagens. Basta vislumbrar a forma
poderiam estimular a contribuição. como podem reutilizar soluções, registrar quem sabe o
- examine os sistemas groupware em busca de quê na organização, preservar sua memória, aumentar o
oportunidades par melhorar a atribuição e o grau de colaboração, melhorar o processo de obtenção
retorno para aqueles que contribuem e discuta a de informações sobre a concorrência e o mercado em

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geral, entre tantas outras ações. Conhecimento. Revista de Ciências da Administração/


A partir de uma breve revisão da literatura Universidade Federal de Santa Catarina. Ano 3, número
relacionada à ciência administrativa, verifica-se que o 6 (setembro 2001). Florianópolis (SC): Imprensa
futuro da Gestão do Conhecimento depende muito do Universitária, 2001.
HANSEN, M.; NOHRIA, N. & TIERNEY, T. What is
tipo de mudança comportamental e das pessoas que os
your strategy for managing knowledge? Harvard
gerentes e executivos das empresas venha a desenvolver
Business Review, v. 77 n.2, p.106-116, mar-apr. 1999.
nos anos vindouros. LACOMBE, F. J. M, HEILBORN, G. L. J.
A Gestão do Conhecimento nas organizações não Administração: princípios e tendências. São Paulo:
pode estar circunscrita a uma visão estreita e facilmente Saraiva, 2003.
solucionável com a adoção de tecnologias de NOKAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação de
comunicação e informação. Ainda que guarde uma conhecimento na empresa: como as empresas
relação próxima com o desenvolvimento tecnológico, japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de
este processo passa, necessariamente, pela compreensão Janeiro: Campus, 1997.
das características e demandas do ambiente competitivo POLANYI, M. The tacit dimension. London: Routledge
e, também, pelo entendimento das necessidades & Legam Paul, 1966.
PORTER, M. Estratégia Competitiva: técnicas para
individuais e coletivas associadas aos processos de
análise de indústrias da concorrência. Rio de Janeiro:
criação e aprendizado:
Campus, 1986.
Portanto, gerenciar conhecimento é um processo SENGE, P. A quinta disciplina: arte e prática da
longo e laborioso de mudanças, com resultados em organização que aprende. São Paulo: Best Seller, edição
médio e longo prazo. Envolve importantes ações de revisada, 2004.
compartilhamento e utilização de conhecimento entre STEWART, T. A. A riqueza do conhecimento - o capital
pessoas integradas em novos processos de negócio, intelectual e a organização do século XXI. Rio de
utilizando tecnologias de informação e comunicação Janeiro: Campus, 2002.
como apoio. SVEIBY, K. E. A nova riqueza das organizações:
gerenciando e avaliando patrimônios de
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TERRA, J. C. C. Gestão do conhecimento, o grande
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organizacional. HSM Management, n. 44, maio-junho, aprendizado e na criatividade. São Paulo: Negócio
2004 Editora, 2001.
BUROWITZ, W. R.; WILLIANS, R L. Manual de YENNE, B. 100 invenções que mudaram a história
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I. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
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CASTRO, A. B. de. Entrevista concedida ao jornal “O Na vasta bibliografia sobre o tema, dado, informação e
Economista”. São Paulo: Conselho Regional de Economia conhecimento são muitas vezes utilizados como sinônimo
do Estado de São Paulo, 2001. e, em outros casos, ainda que os termos possuam
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a inteligência e o conhecimento como forças grande variação, conforme autor consultado. Para efeito
econômicas - seu impacto nas empresas e nas decisões deste trabalho, considera-se a distinção entre os três
de investimento. São Paulo: Atlas, 1994. termos.
2
DAVENPORT, T. H.; PRUSAK, L. Conhecimento Como ponderou Albrecht (2004): “A idéia de gerenciar
empresarial: como as organizações gerenciam o seu o conhecimento está ultrapassada. A ordem agora é nutrir
capital intelectual. Rio de Janeiro: Campus, 1998. culturas de conhecimento.”
3
DRUCKER, P. A sociedade pós-capitalista. São Paulo: As políticas de Recursos Humanos devem incluir
Pioneira, 1999. perspectivas para melhorar a capacidade da organização
GROTTO, D. Um olhar sobre a Gestão do em atrair e de manter pessoas com habilidades,

104
Gestão do conhecimento como ferramenta de estratégia organizacional

comportamentos e competências que adicionam aos


estoques e aos fluxos de conhecimento. Também devem
estimular comportamentos que resguardem os interesses
de longo prazo da empresa no que tange ao fortalecimento
de suas “core competencies”.
4
Conforme já destacado, esta técnica pode ser chamada
de “contar histórias” ou “narrativas” e é uma maneira
interessante de se armazenar conhecimentos não-
estruturados.

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