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Considerações sobre a constituição dogmática Lumen

Gentium

"Abstém-te de fazer aliança com os moradores da terra para onde vais, para que não te
sejam uma cilada. Ao contrário, derrubareis os seus altares, quebrareis as suas colunas e os
seus postes sagrados: Não adorarás outro Deus. Pois Iahweh tem por nome Zeloso: é um
Deus zeloso."

(Êx, 34, 12-14)

"Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno
cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será
omitido um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado."

(Mt 5, 17-18)

Lumen Gentium, nº 1 - Problemas na definição da Igreja

"A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito
Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no
rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura
(cfr. Mc. 16,15). Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o
sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o gênero humano, pretende ela, na sequência dos
anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a
todo o mundo, a sua natureza e missão universal.".

Comentário

Nosso Senhor Jesus Cristo nunca se declarou como a luz dos povos (lumen
gentium), mas sim como a luz do mundo (lux mundi):

"Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não anda nas trevas, mas tem a
luz da vida".

Ora, povos inteiros desconhecem e muitos rejeitam Nosso Senhor Jesus


Cristo: como os judeus, os mulçumanos, os hindus, os budistas, os ateus, os
agnósticos, etc. Sendo assim, estes povos não podem ser efetivamente
iluminados pela luz de Cristo.

Muito pelo contrário, como o próprio Deus ensina através das Sagradas
Escrituras, eles permanecem nas trevas porque "todos os deuses dos povos
são demônios" (omnes dii gentium daemonia).

De forma geral, a ideia de que a Igreja seria "como que o sacramento, ou


sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo
gênero humano", como se vê na constituição dogmática Lumen Gentium, é
uma expressão patentemente obscura e errônea.

Em primeiro lugar compreendemos que a Igreja possui sete sacramentos,


mas não é "como" um sacramento: tal comparação simplesmente não define
e nem esclarece o que seria a natureza da Igreja. Ao invés disso mantemos
a definição tradicional perfeitamente exposta na encíclica Mystici Corporis
Christi do papa Pio XII:

"(...) para definir e descrever esta verdadeira Igreja de Cristo – que é a


santa, católica, apostólica Igreja romana – nada há mais nobre, nem mais
excelente, nem mais divino do que o conceito expresso na denominação
'corpo místico de Jesus Cristo'; conceito que imediatamente resulta de
quanto nas Sagradas Escrituras e dos santos Padres frequentemente se
ensina.".

Nesse sentido, a afirmação de que a Igreja seria o "instrumento da íntima


união com Deus" também parece ser uma expressão bastante infeliz:
basicamente porque todo instrumento é apenas um meio para se atingir um
fim; e tão logo o fim é alcançado, o instrumento torna-se inútil. Em
contrapartida, um dos motivos pelos quais comparamos a Igreja ao "corpo"
é justamente para indicar o modo especialmente íntimo como os católicos já
estão unidos a Cristo, que é comparado a Cabeça deste corpo.

Não sendo apenas um "instrumento da união", a Igreja é a união definitiva


entre Deus e a humanidade. E assim como ninguém chega ao Pai senão pelo
Filho, nenhum "povo" chega ao Filho senão através do seu corpo místico que
é a Igreja Católica: esta sociedade composta por todos os discípulos de
Jesus Cristo virtualmente espalhados pelo mundo inteiro, de natureza
monárquica e sacerdotal, simultaneamente divina, angélica e humana, que
professa um único batismo, uma única fé e a existência de uma única
hierarquia eclesiástica - cujo poder deriva da sucessão apostólica - fundada
pelo próprio Cristo para ensinar, governar e santificar a humanidade. Com
efeito, a luz de Cristo não simplesmente "resplandece", mas emana
realmente da Igreja Católica pelo seu vínculo sobrenatural e indissolúvel
com o Filho de Deus, que concedeu exclusivamente a ela a missão e o poder
de difundir a graça do Espírito Santo, iluminando os homens com sua divina
sabedoria. E nesse sentido, todos os "povos" que vivem separados desta
Igreja – fora da qual não se encontra a luz de Cristo, como já afirmamos –
permanecem nas trevas do erro e da ignorância.

Por fim, cabe destacar ainda que a ideia de que a função da Igreja seria
promover a "unidade de todo gênero humano" corresponde a uma
concepção errônea que obscurece o caráter sobrenatural da missão
eclesiástica: pois se a Igreja pode ser comparada a um "instrumento", este
não deve ser outro que o instrumento divino da salvação das almas e do
combate aos demônios.

A Igreja não alimenta e nunca alimentou a ilusão de que salvará todas as


pessoas, e muito menos está preocupada em promover o ideal maçônico da
fraternidade universal entre os homens. Desde o princípio sabemos que
sempre haverá heresias, guerras e divisões, e que muitos serão
eternamente condenados ao inferno por não se submeterem aos meios que
o próprio Deus instituiu para a nossa salvação.

Em última instância, nós que pertencemos a esta sociedade mística fundada


por Jesus Cristo, da qual representamos a parte militante que ainda se
encontra no estado de imperfeição da vida terrena, alertamos
categoricamente para o fato da absoluta impossibilidade de salvação para
todos aqueles que ignoram ou obstinadamente rejeitam a religião divina de
Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a religião católica. E por conseguinte, com
simplicidade também afirmamos que todas as demais religiões são falsas e
abomináveis diante de Deus, e que aqueles que pensam adorar Deus nestas
religiões adoram, de fato, ídolos vazios e falsos pastores.

Esta é a fé cristã, e quem tiver ouvidos pra ouvir que ouça!

Lumen Gentium, nº 8 - A heresia do "subsiste"

"Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo confessamos ser una, santa,
católica e apostólica; depois da ressurreição, o nosso Salvador entregou-a a
Pedro para que a apascentasse (Jo. 21,17), confiando também a ele e aos
demais Apóstolos a sua difusão e governo (cfr. Mt. 28,18 ss.), e erigindo-a
para sempre em «coluna e fundamento da verdade» (I Tim. 3,5). Esta
Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade,
subsiste na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos
Bispos em união com ele, embora, fora da sua comunidade, se
encontrem muitos elementos de santificação e de verdade, os quais,
por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a
unidade católica.".

Comentário

Nesse trecho encontra-se a heresia mais escandalosa da Lumen Gentium.

Observa-se que o documento realiza uma distinção gravíssima entre o que


supostamente seria a "Igreja de Cristo" e a Igreja Católica: o que se faz pelo
uso do termo "subsiste".

Com efeito, se digo que alguma coisa subsiste em outra, indico


imediatamente que ambas não se identificam: como a cor subsiste na
parede, mas não é a própria parede, e o acidente subsiste na substância,
mas não é a própria substância. Sendo assim, ao se afirmar que a Igreja de
Cristo "subsiste" na Igreja Católica, os responsáveis pelo uso desse termo
evidentemente intencionaram desidentificar uma coisa da outra. Caso
contrário teriam simplesmente afirmado que a Igreja de Cristo "é" a Igreja
Católica.

Ademais, confirma-se que o uso desse termo é empregado com uma


intenção herética justamente pelo que vem em seguida: a ideia de que "fora
de sua comunidade", isto é, fora da Igreja, haveria "muitos elementos de
santificação e de verdade" que "impelem para a unidade católica".

Ora, em primeiro lugar, se isso fosse verdadeiro os membros de outras


religiões deveriam ser progressivamente impelidos para a conversão ao
catolicismo por esses mesmos elementos de santificação e de verdade que
supostamente existiriam em suas "comunidades". No entanto, não é isso o
que se observa. As pessoas simplesmente tendem a permanecer em suas
falsas religiões - ou no completo ateísmo e indiferentismo religioso - a não
ser que a verdadeira Igreja Militante intervenha para lhes transmitir o
Evangelho, denunciando ao mesmo tempo os erros de suas respectivas
seitas e ideologias.
Acima de tudo, este viés ecumenista introduzido pela Lumen Gentium é
absolutamente contrário à doutrina revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo:

"Entrai pela porta estreita: pois larga é a porta e espaçoso é o caminho que
conduz à perdição, e muitos são os que entram por ele. Mas estreita é a
porta e apertado é o caminho que conduz à vida: e poucos são os que o
encontram!

Cuidado com os falsos profetas que chegam até vós vestidos como ovelhas,
mas por dentro são lobos: pelos seus frutos os conhecereis.".

Como se vê, Jesus claramente indica que existe apenas uma única "porta
estreita" - um único caminho - para se alcançar a vida eterna, e ao mesmo
tempo nos previne a respeito dos falsos profetas que podem nos desviar
deste "caminho apertado", para o largo e espaçoso caminho da perdição.

Ora, o que seria mais "largo e espaçoso" do que o conjunto das religiões
humanas, repletas de falsos profetas, múltiplas contradições e
antagonismos?

Com efeito, a própria razão nos evidencia que teorias contraditórias não
podem ser simultaneamente verdadeiras. E portanto, como as diversas
religiões apresentam teorias contraditórias entre si, é simplesmente
impossível que todas sejam verdadeiras.

De fato, todas elas se colocam como sendo divinamente reveladas. Mas


sendo Deus único e imutável, não faz sentido que Ele se revele de forma
contraditória para a humanidade através de várias religiões: pois assim Deus
não estaria se revelando, mas sim criando a discórdia e a confusão entre os
povos.

Em última instância, dessa consideração deriva a possibilidade de apenas


duas hipóteses: ou existe uma única religião verdadeira que foi revelada e
instituída pelo próprio Deus (uma única "porta estreita"), ou simplesmente
nunca houve uma revelação divina, motivo pelo qual todas as religiões
seriam apenas produtos da especulação humana, sem nenhum valor
cognitivo do ponto de vista sobrenatural.

Mas dessa forma, como seria possível distinguir nessa multiplicidade de


religiões aquela que seria realmente divina?
Nesse sentido, o diálogo de Jesus Cristo com a samaritana pode ser muito
esclarecedor:

"Creia em mim, mulher, pois chega a hora em que nem neste monte e nem
em Jerusalém adorarás ao Pai. Vocês [os pagãos] adoram o que não
conhecem: nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos
judeus. Mas vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores do
Pai o adorarão em espírito e verdade. Pois Deus é Espírito: e aqueles que o
adoram devem adorá-lo em espírito e verdade.".

Como se vê, Jesus Cristo não defende nem o ecumenismo e nem o


pluralismo religioso, pois de uma só vez ele invalida todo o paganismo
reinante, bem como o judaísmo, ao mesmo tempo em que proclama o
fundamento da sua própria religião, na qual se encontram os "verdadeiros
adoradores do Pai" que o adoram "em espírito e verdade".

Portanto, das palavras de Jesus Cristo fica claro que a "porta estreita" não
pode se encontrar no "largo e espaçoso" caminho das religiões pagãs e nem
mesmo na religião dos judeus de ondem vem a salvação. A porta estreita é
o próprio Cristo: o Messias esperado pelos profetas de Israel, inseparável da
Igreja fundada por Ele mesmo com o objetivo explícito de preservar e
propagar a sua doutrina, auxiliada pelo Espírito Santo para permanecer fiel a
essa mesma revelação.

Porém, como distinguir entre as diversas instituições que se dizem "cristãs"


aquela que seria a verdadeira Igreja de Cristo?

Novamente, considerando que a verdade por si mesma não pode se


contradizer, como as instituições "cristãs" são extremamente contraditórias
entre si é simplesmente impossível que todas elas sejam aquilo que elas
alegam ser, isto é, a Igreja de Cristo.

E de forma geral, o fato de que a Igreja Católica é a única instituição que


preserva intacto o tesouro da fé cristã ao longo de dois mil anos - apesar de
todas as perseguições, heresias, guerras, etc, - é o sinal mais claro e seguro
pelo qual a sua origem divina pode ser confirmada. Além disso, a sabedoria
eminente dos seus doutores, os milagres extraordinários operados pelos
seus santos, o cumprimento das profecias, etc, também são razões da
credibilidade de sua natureza divina.
Em contrapartida, o caos doutrinário das outras instituições que se dizem
"cristãs", bem como o fato de que a grande maioria delas é extremamente
recente do ponto de vista histórico (como no caso dos evagélicos e
protestantes), são marcas inequívocas que evidenciam a sua origem
humana.

Sendo assim, por esses e outros argumentos pode-se demonstrar com


absoluta firmeza que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, e que aqueles
que se encontram "fora de sua comunidade" se direcionam, no final das
contas, não pelo caminho apertado que conduz à vida, mas sim pelo largo e
espaçoso caminho dos erros humanos no qual muitos se perdem.

Lumen Gentium, nº 10 - A heresia dos dois sacerdócios

"Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os homens (cfr. Hebr. 5,


1-5), fez do novo povo um «reino sacerdotal para seu Deus e Pai» (Apor.
1,6; cfr. 5, 9-10). Na verdade, os baptizados, pela regeneração e pela
unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual,
sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do
cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem os louvores daquele que
das trevas os chamou à sua admirável luz (cfr. 1 Ped. 2, 4-10). Por isso,
todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e louvando a
Deus (cfr. Act., 2, 42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstias
vivas, santas, agradáveis a Deus (cfr. Roma 12,1), dêem testemunho de
Cristo em toda a parte e àqueles que lhe pedirem dêem razão da esperança
da vida eterna que neles habita (cfr. 1 Ped. 3,15). O sacerdócio comum
dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se
diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se
mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo,
do único sacerdócio de Cristo. (...)".

Comentário

De forma geral, os documentos do Concílio Vaticano II possuem uma


linguagem extremamente demagógica e prolixa. Com feito, quanto mais se
multiplica a quantidade de palavras, mais se aumenta a possibilidade do erro
ser inserido de forma explícita, como no caso do "subsiste", ou de forma
implícita, pelas interpretações heterodoxas virtualmente contidas em suas
afirmações temerárias.
No trecho citado acima fala-se do batismo e da participação no "único
sacerdócio de Cristo". Porém, o problema está no exagero atribuído ao papel
que os fiéis comuns supostamente desempenhariam nesse sacerdócio.

Em sua encíclica Mediator Dei, o papa Pio XII já havia alertado:

"É necessário, veneráveis irmãos, explicar claramente a vosso rebanho como


o fato de os fiéis tomarem parte no sacrifício eucarístico não significa todavia
que eles gozem de poderes sacerdotais. Há, de fato, em nossos dias, alguns
que, avizinhando-se de erros já condenados, ensinam que no Novo
Testamento se conhece apenas um sacerdócio pertencente a todos os
batizados, e que o preceito dado por Jesus aos apóstolos na última ceia -
fazer o que ele havia feito - se refere diretamente a toda a Igreja dos
cristãos e só depois é que foi introduzido o sacerdócio hierárquico.
Sustentam, por isso, que só o povo goza de verdadeiro poder sacerdotal,
enquanto o sacerdote age unicamente por ofício a ele confiado pela
comunidade. (...)".

Ao contrário do que Pio XII recomenda, os heresiarcas da Lumen Gentium


maliciosamente induzem os batizados justamente ao erro de se conceberem
praticamente como detentores de algum poder sacerdotal: "o sacerdócio
comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se
diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se
mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único
sacerdócio de Cristo.".

Como se vê, claramente afirma-se que haveria dois sacerdócios: o


"sacerdócio comum dos fiéis" e o "sacerdócio hierárquico ou ministerial" – o
que é um erro gritante.

Além disso, logo no início afirma-se que "os baptizados, pela regeneração e
pela unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual,
sacerdócio santo": o que, por sua vez, se não é um erro explícito,
certamente é capaz de induzir ou justificar o erro, na medida em que o
batismo, embora seja o sacramento que nos incorpora à Igreja e,
consequentemente, nos permite a participação no único sacerdócio de
Cristo, não nos consagra de forma alguma à dignidade do "sacerdócio
santo".

A confusão parece residir no conceito de "participação" que, nesse contexto,


deve ser entendido com bastante modéstia. Por exemplo, os enfermeiros
participam da cirurgia, mas não são cirurgiões; e de forma semelhante, os
advogados participam do julgamento, mas não são juízes. Sendo assim, por
analogia podería-se dizer que os batizados participam do único sacerdócio de
Cristo, sem serem sacerdotes. Por outro lado, enquanto a distância que
separa o enfermeiro do médico é apenas acidental, por assim dizer, entre o
leigo e o sacerdote há uma diferença substancial: pois este último possui o
sacramento da ordem que imprime em sua alma um caráter indelével de
natureza muito superior à do batismo, e que realmente o constitui enquanto
ministro de Deus.

Em certas circunstâncias, por exemplo, o enfermeiro pode até ser capaz de


realizar a operação cirúrgica, mas de nenhuma forma o simples batizado
tem o poder de consagrar a eucaristia ou perdoar os pecados. Com efeito, a
diferença de condição que existe entre os batizados e os consagrados ao
sacerdócio é tão grande que tradicionalmente o sacerdote sempre foi
comparado ao pastor, enquanto os fiéis comuns seriam como ovelhas.

Na mesma encíclica Mediator Dei, Pio XII esclarece:

“... como o lavacro do batismo distingue os cristãos e os separa dos outros


que não foram lavados na água purificadora e não são membros de Cristo,
assim o sacramento da ordem distingue os sacerdotes de todos os outros
cristãos não consagrados, porque somente eles, por vocação sobrenatural,
foram introduzidos no augusto ministério que os destina aos sagrados
altares e os constituem instrumentos divinos por meio dos quais se participa
da vida sobrenatural com o corpo místico de Jesus Cristo. Além disso, como
já dissemos, somente estes são marcados com caráter indelével que os
configura ao sacerdócio de Cristo e somente as suas mãos são consagradas
'para que seja abençoado tudo o que abençoam e tudo o que consagram
seja consagrado e santificado em nome de nosso Senhor Jesus Cristo'.".

Em contrapartida, falar de um "sacerdócio comum dos fiéis" oposto ou


complementar ao "sacerdócio ministerial ou hierárquico", além tentar os
leigos à soberba, é introduzir uma dualidade que simplesmente não existe. E
se essa ideia não é idêntica, certamente se aproxima muito do erro
protestante condenado no Concílio de Trento a que o Romano Pontífice faz
menção, qual seja, a ideia de que no Novo Testamento haveria um único
sacerdócio de todos os batizados e que só depois teria sido criado o
sacerdócio hierárquico para "representar o povo".
De forma geral, trata-se de uma ideia absolutamente contrária à verdade
revelada, sendo evidente que desde o princípio até o fim de sua missão, o
Verbo Encarnado constituiu a sua Igreja como uma sociedade hierárquica:
escolhendo alguns indivíduos específicos, isto é, os doze apóstolos, para
serem os autênticos sacerdotes de sua Igreja, pastores e governantes dos
demais discípulos.

Para sanar qualquer dúvida, eis ainda o que diz Pio XII:

"O divino Redentor estabeleceu, com efeito, o seu reino sob fundamentos da
ordem sagrada, que é reflexo da hierarquia celeste. Somente aos apóstolos
e àqueles que, depois deles, receberam dos seus sucessores a imposição das
mãos, é conferido o poder sacerdotal em virtude do qual, como representam
diante do povo que lhes foi confiado a pessoa de Jesus Cristo, assim
representam o povo diante de Deus. Esse sacerdócio não vem transmitido
nem por herança, nem por descendência carnal, nem resulta da emanação
da comunidade cristã ou de delegação popular. Antes de representar o povo,
perante Deus, o sacerdote representa o divino Redentor, e porque Jesus
Cristo é a cabeça daquele corpo do qual os cristãos são membros, ele
representa Deus junto do povo.".

Portanto, em suma, deve-se afirmar que não há dois, e sim um único


sacerdócio constituído pelo sacramento da ordem, do qual os fiéis comuns
não participam. Na verdade poderíamos dizer que o sacerdócio é como uma
parte específica do corpo místico de Cristo – a parte superior – que possui
uma identidade própria e distinta das demais.

Lumen Gentium, nº 12 - Erros sobre a natureza da fé e o carisma da


infalibilidade

"O Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo,


difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade
oferecendo a Deus o sacrifício de louvor, fruto dos lábios que confessam o
Seu nome (cfr. Hebr. 13,15). A totalidade dos fiéis que receberam a
unção do Santo (cfr. Jo. 2, 20 e 27), não pode enganar-se na fé; e esta
sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir
sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao
último dos leigos fiéis» (22), manifesta consenso universal em matéria
de fé e costumes. Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela
acção do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direcção do sagrado
magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens
mas a verdadeira palavra de Deus (cfr. 1 Tess. 2,13), adere
indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cfr. Jud. 3), penetra-a
mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na
vida.".

Comentário

Eis mais um erro gravíssimo da Lumen Gentium: a ideia de que "a totalidade
dos fiéis... não pode enganar-se na fé".

Tal afirmação é absurda porque muitos são aqueles que se enganam e


pecam contra a virtude da fé: seja pela infidelidade ou pela heresia, por
exemplo. Além disso, trata-se de uma espécie de democratização do carisma
da infalibilidade que supostamente se justificaria por meio do "sentir
sobrenatural da fé do povo todo": o que correponde a um viés modernista
praticamente explícito, no qual se associa a virtude da fé com o sentimento.

Mas justamente hoje em dia, após décadas de corrupção provocada pelas


reformas do concílio Vaticano II, muitos que se dizem "católicos" negam
abertamente vários dogmas da fé: principalmente aqueles mais
desagradáveis, como a existência do inferno, e outros que podem ferir a
"sensibilidade" ecumênica do homem moderno, como o que se refere à
indefectibilidade da Igreja Católica. Além disso, essa geração influenciada
pela igreja pós-conciliar também tem grandes dificuldades no campo moral:
muitos aprovam o homossexualismo e todo tipo de união ilegítima, o
divórcio, os métodos contraceptivos, o aborto, o socialismo, o liberalismo, o
ecumenismo, a liberdade religiosa, etc. Mais ainda, a maioria dos católicos
"praticantes" ignora completamente o fato de que a liturgia praticada em
suas paróquias não é a verdadeira liturgia da Igreja, mas trata-se da missa
sacrílega forjada e imposta pelo heresiarca Paulo VI com o objetivo explícito
de protestantizar a missa católica.

Por outro lado, deve-se considerar que os fiéis comuns realmente não
podem ser enganados em matéria de fé e costumes sob uma única
condição: permanecendo fiéis aos ensinamentos da hierarquia eclesiástica
que é divinamente protegida e auxiliada pelo Espírito Santo.

Em oposição à Lumen Gentium, nós católicos afirmamos que a virtude


teologal da fé não trata de um "sentir sobrenatural do povo todo", e sim de
um conhecimento sobrenatural das verdades reveladas por Jesus Cristo,
propostas dogmaticamente pela sua Santa Igreja através do magistério
infalível do Romano Pontífice e dos bispos do mundo inteiro em união com
ele. Tal hábito sobrenatural consiste, portanto, na firme aderência e
conformidade do intelecto humano que, sob o influxo da graça divina, presta
assentimento voluntário ao que é objetivamente ensinado por esse mesmo
magistério em todas as questões de fé e moral, nas quais sua infalibilidade
se restringe e se manifesta tanto em sua forma solene e extraordinária (nos
pronunciamentos ex-cathedra dos papas e nos concílios ecumênicos) quanto
no consenso universal e constante do seu magistério ordinário.

Lumen Gentium, nº 15 - Sobre os heréticos e cismáticos

"A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os baptizados
que têm o nome de cristãos, embora não professem integralmente a
fé ou não guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro.
Muitos há, com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como norma
de fé e de vida, manifestam sincero zelo religioso, crêem de coração em
Deus Pai omnipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador, são marcados
pelo Baptismo que os une a Cristo e reconhecem e recebem mesmo
outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou comunidades
eclesiásticas. Muitos de entre eles têm mesmo um episcopado, celebram a
sagrada Eucaristia e cultivam a devoção para com a Virgem Mãe de Deus.
Acrescenta-se a isto a comunhão de orações e outros bens espirituais; mais
ainda, existe uma certa união verdadeira no Espírito Santo, o qual
neles actua com os dons e graças do Seu poder santificador,
chegando a fortalecer alguns deles até ao martírio. Deste modo, o
Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e a prática efectiva
em vista de que todos, segundo o modo estabelecido por Cristo, se unam
pacificamente num só rebanho sob um só pastor. Para alcançar este fim, não
deixa nossa mãe a Igreja de orar, esperar e agir, e exorta os seus filhos a
que se purifiquem e renovem, para que o sinal de Cristo brilhe mais
claramente no seu rosto.".

Comentário

Como se vê, os heresiarcas da Lumen Gentium atingem o ápice da


blasfêmia: trata-se praticamente da autorização dos pecados mortais de
heresia e cisma. Pior ainda: afirma-se que nas seitas dos heréticos e
cismáticos haveria "uma certa união verdadeira no Espírito Santo.".

Não obstante, devido à complexidade do problema e a densidade dos erros


que são cometidos nesse pequeno trecho, é conveniente dividir e analisar
suas partes principais:

A) - "A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os baptizados que
têm o nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou não
guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro".

Não. Nós católicos não nos vemos unidos com os batizados que "não
professam integralmente a fé" ou "não guardam a unidade de comunhão
com o sucessor de Pedro". De fato, nem sequer o título de "cristãos" nós
atribuímos a essas pessoas que, bem intencionadas ou não, encontram-se
objetivamente desintegradas do corpo místico de Cristo.

Com efeito, qualquer fiel sabe que a atitude de não professar integralmente
a fé é justamente o pecado de heresia pelo qual uma pessoa
obstinadamente nega ou distorce alguma verdade contida na doutrina cristã.
E além disso, sabe ainda que a aceitação integral dessa doutrina é a
condição fundamental para permanecer unido a Jesus Cristo, como Ele
mesmo disse: "Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente
meus discípulos. E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Ora,
os heréticos não permanecem fiéis à palavra de Cristo, e portanto não
podem realmente conhecer a verdade de sua doutrina.

De forma semelhante, também não nos vemos unidos com aqueles que "não
guardam a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro", como afirma a
Lumen Gentium, porque nisso consiste o pecado de cisma: a atitude
daqueles que "não querem se submeter ao soberano pontífice e recusam a
comunhão com os membros da Igreja a ele submetidos", como diz Santo
Tomás de Aquino. Na verdade, assim como Cristo enviou o Espírito Santo
para que os apóstolos permanecessem na unidade e integralidade da
doutrina revelada, o próprio Filho de Deus também estabeleceu como
característica essencial de sua Igreja a perfeição da unidade governamental,
o que se vê claramente na última ceia:

"Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que
o mundo creia que tu me enviastes. Eu lhes dei a glória que me deste para
que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam
perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os
amaste como amaste a mim.".

Ora, os cismáticos atentam justamente contra a unidade governamental da


Igreja de Cristo, não se submetendo à hierarquia eclesiástica por Ele mesmo
instituída. Como consequência, também não é possível que eles
permaneçam como verdadeiros discípulos.

B) - "... são marcados pelo Baptismo que os une a Cristo e reconhecem e


recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou
comunidades eclesiásticas.".

Nesse trecho observa-se dois erros: 1 - a ideia de que bastaria o sacramento


do batismo para configurar a união com Cristo; 2 - a ideia de que os "outros
sacramentos" daqueles que estão fora de Igreja Católica, seja por heresia ou
cisma, seriam legítimos.

Contra o primeiro deve-se dizer que, em um ser humano adulto, não basta o
sacramento do batismo para configurar absolutamente a união com Cristo.
Além disso é preciso ainda duas condições: que o indivíduo creia e professe
integralmente a doutrina cristã, e que esteja submisso aos Pastores
legítimos da Igreja. Ora, como já afirmamos, os heréticos pecam
mortalmente contra a doutrina cristã na medida em que professam um
dogma pervertido, enquanto os cismáticos pecam contra a caridade fraterna
na medida em que corrompem a unidade governamental da Igreja ou
volutariamente se desvinculam da mesma. Portanto, não podem estar
realmente unidos a Cristo.

Tal ensinamento é reforçado por Pio XII na encíclica Mystici Corporis Christi:

"Como membros da Igreja contam-se realmente só aqueles que receberam o


lavacro da regeneração e professam a verdadeira fé, nem se separaram
voluntariamente do organismo do corpo, ou não foram dele cortados pela
legítima autoridade em razão de culpas gravíssimas. 'Todos nós, diz o
Apóstolo, fomos batizados num só Espírito para formar um só Corpo, judeus
ou gentios, escravos ou livres' (l Cor 12, 13). Portanto como na verdadeira
sociedade dos fiéis há um só corpo, um só Espírito, um só Senhor, um só
batismo, assim não pode haver senão uma só fé (cf. Ef 4, 5), e por isso
quem se recusa a ouvir a Igreja, manda o Senhor que seja tido por gentio e
publicano (cf. Mt 18, 17). Por conseguinte os que estão entre si divididos por
motivos de fé ou pelo governo, não podem viver neste corpo único nem do
seu único Espírito divino.".

Ademais, contra o segundo deve-se considerar que, embora o poder


sacramental permaneça naqueles que foram autenticamente consagrados e
mesmo assim caíram em heresia ou cisma, tais indivíduos perdem o direito
ao uso legítimo de tal poder: pecando mortalmente na administração desses
mesmos sacramentos que, apesar de válidos, se tornam ilícitos. Por outro
lado, quanto ao poder jurisdicional que se possui por mera investidura
humana, esse se perde completamente, de forma que eles não possuem
capacidade alguma para absolver, excomungar, dar indulgências, fazer
orações públicas ou qualquer outra coisa associada ao governo e ao
magistério da Igreja.

C) - “... mais ainda, existe uma certa união verdadeira no Espírito Santo, o
qual neles actua com os dons e graças do Seu poder santificador, chegando
a fortalecer alguns deles até ao martírio.".

É impossível que aqueles que se encontram formalmente separados da


Igreja Católica possuam uma “união verdadeira no Espírito Santo”.
Basicamente porque o Espírito Santo – também chamado por Cristo de o
Espírito da Verdade – é enviado pelo Pai e pelo Filho com a missão de
santificar e guiar o magistério da Igreja no conhecimento e na preservação
da doutrina cristã até o fim dos tempos: "Se me amais, observareis meus
mandamentos, e rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito, para que
convosco permaneça para sempre, o Espírito da Verdade, que o mundo não
pode acolher, porque não o vê nem o conhece. Vós o conheceis, porque
permanece convosco. Não vos deixarei órfãos" – é o que Jesus promete na
última ceia. E mais: "Tenho muito ainda que vos dizer, mas não podeis
suportar. Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará na verdade
plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos
anunciará as coisas futuras.”. Ora, de forma geral os heréticos acusam a
Igreja Católica de não ser a verdadeira portadora da doutrina cristã e, pelo
contrário, pretensiosamente se colocam a si mesmos como pastores de
Cristo. No entanto, se isso fosse verdade a promessa de Cristo teria falhado,
pois nesse caso os cristãos supostamente teriam ficado sem o auxílio do
Espírito Santo por muitos séculos, o que é impossível: uma vez que Deus
não pode mentir e nem falhar em suas promessas.
Além disso, pode-se constatar que a Igreja Romana é aquela que
historicamente preservou a sucessão apostólica fundada sob o primado de
São Pedro, como o próprio Cristo estabeleceu acerca de sua Igreja: "... tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Hades
nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o
que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será
desligado nos céus.". Com efeito, São Pedro reinou e foi martirizado em
Roma, e desde então o reconhecimento de que o bispo romano é o seu
sucessor e, portanto, Sumo Sacerdote e Pontífice da Igreja, é um
desenvolvimento histórico que evidentemente comprova o cumprimento da
promessa feita pelo próprio Filho de Deus.

D) - Por fim, cabe destacar o erro da Lumen Gentium que responsabiliza o


Espírito Santo por "fortalecer alguns deles [hereges ou cismáticos] até o
martírio", atribuindo assim alguma espécie de valor ao martírio daqueles que
efetivamente não se encontram em união mística com o corpo de Cristo.
Isso contraria o que foi infalivelmente ensinado pelo papa Pelágio II em sua
epístola Dilectionis vestrae:

"Aqueles que não estiveram dispostos a estar de acordo na Igreja de Deus,


não podem manter-se com Deus; apesar de entregues às chamas e fogos,
eles queimarem, ou, atirados às bestas selvagens, darem as suas vidas, não
haverá para eles aquela coroa da fé, mas a punição da infidelidade, não um
resultado glorioso (de virtude religiosa), mas a ruína do desespero. Tal
pessoa pode ser morta mas não pode ser coroada...".

Portanto, o martírio daqueles que não estão de acordo com a Igreja


Romana, seja pela discordância da fé, seja pela grave desobediência à
hierarquia eclesiástica, não possui valor meritório algum do ponto de vista
sobrenatural.

Lumen Gentium, nº16 - Ecumenismo para os judeus, mulcumanos e


ateus

Finalmente, aqueles que ainda não receberam o Evangelho, estão de


uma forma ou outra orientados para o Povo de Deus (32). Em
primeiro lugar, aquele povo que recebeu a aliança e as promessas, e
do qual nasceu Cristo segundo a carne (cfr. Rom. 9, 4-5), povo que
segundo a eleição é muito amado, por causa dos Patriarcas, já que
os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis (cfr. Rom. 11, 28-
29). Mas o desígnio da salvação estende-se também àqueles que
reconhecem o Criador, entre os quais vêm em primeiro lugar os
muçulmanos, que professam seguir a fé de Abraão, e conosco
adoram o Deus único e misericordioso, que há de julgar os homens
no último dia. E o mesmo Senhor nem sequer está longe daqueles que
buscam, na sombra e em imagens, o Deus que ainda desconhecem; já que é
Ele quem a todos dá vida, respiração e tudo o mais (cfr. Act. 17, 25-28) e,
como Salvador, quer que todos os homens se salvem (cfr. 1 Tim. 2,4). Com
efeito, aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo, e a Sua
Igreja, procuram, contudo, a Deus com coração sincero, e se esforçam, sob
o influxo da graça, por cumprir a Sua vontade, manifestada pelo ditame da
consciência, também eles podem alcançar a salvação eterna (33). Nem a
divina Providência nega os auxílios necessários à salvação daqueles
que, sem culpa, não chegaram ainda ao conhecimento explícito de
Deus e se esforçam, não sem o auxílio da graça, por levar uma vida
recta. Tudo o que de bom e verdadeiro neles há, é considerado pela Igreja
como preparação para receberem o Evangelho (34), dado por Aquele que
ilumina todos os homens, para que possuam finalmente a vida. (...).

Comentário

Quando pensamos que a coisa não pode piorar, eis que os heresiarcas da
Lumen Gentium se superam: além dos heréticos e cismáticos, também os
judeus, os mulçumanos e os ateus precisam ser reconhecidos como estando
"orientados para o povo de Deus".

No entanto é óbvio que nem os judeus e nem os mulçumanos podem estar


efetivamente orientados para o "Deus único e misericordioso", uma vez que
os primeiros continuam esperando o Messias que eles mesmos rejeitaram, e
os segundos nem sequer acreditam na existência de um Salvador que veio
ou que deve vir. Muito pelo contrário, ambos rejeitam a Santíssima
Trindade, que é o único Deus verdadeiro, bem como nosso Senhor Jesus
Cristo – Sumo Sacerdote e único mediador entre o céu e a terrar.

Por outro lado, muito menos aqueles que "não chegaram ainda ao
conhecimento explícito de Deus", isto é, os ateus, podem "levar uma vida
reta" com o “auxílio da graça”: pois o ateísmo é um pecado mortal contra o
Espírito Santo que, sendo o Espírito da Verdade, não pode habitar e nem
infundir a vida da graça na alma daqueles que obstinadamente negam a
existência da própria Verdade Suprema.

Porém, trataremos mais detalhadamente sobre a questão dos judeus e


mulçumanos quando abordarmos o documento Nostra Aetate, e sobre os
ateus quando chegarmos ao texto Gaudium et Spes.

Lumen Gentium, nº18 - A heresia da colegialidade

"Este sagrado Concílio, seguindo os passos do Concílio Vaticano I, com ele


ensina e declara que Jesus Cristo, pastor eterno, edificou a Igreja tendo
enviado os Apóstolos como Ele fora enviado pelo Pai (cfr. Jo. 20,21); e quis
que os sucessores deles, os Bispos, fossem pastores na Sua Igreja até ao
fim dos tempos. Mas, para que o mesmo episcopado fosse uno e
indiviso, colocou o bem-aventurado Pedro à frente dos outros
Apóstolos e nele instituiu o princípio e fundamento perpétuo e
visível da unidade de fé e comunhão. Este sagrado Concílio propõe de
novo, para ser firmemente acreditada por todos os fiéis, esta doutrina sobre
a instituição perpétua, alcance e natureza do sagrado primado do Pontífice
romano e do seu magistério infalível, e, prosseguindo a matéria começada,
pretende declarar e manifestar a todos a doutrina sobre os Bispos,
sucessores dos Apóstolos, que, com o sucessor de Pedro, vigário de
Cristo e cabeça visível de toda a Igreja, governam a casa de Deus
vivo.".

Comentário

A partir do capítulo três da Lumen Gentium, observamos a heresia que os


estudiosos do concílio Vaticano II chamam de colegialidade: uma falsa
perspectiva que busca enfraquecer a posição do papa, ao mesmo tempo em
que aumenta o poder dos bispos, de forma a alterar a constituição
monárquica da Igreja Católica para que a mesma se torne uma espécie de
república.

Como se vê acima, afirma-se que São Pedro teria sido colocado "à frente dos
outros Apóstolos" para ser o “princípio e fundamento perpétuo e visível da
unidade de fé e comunhão”, e para que o episcopado permaneça “uno e
indiviso”. No entanto, embora isso possa ser considerado como correto,
oculta-se o verdadeiro poder de São Pedro e dos seus sucessores que
consiste essencialmente no primado absoluto de jurisdição sobre toda a
Igreja, inclusive sobre os bispos, quer tomados individualmente ou em
conjunto.

Pelo contrário, na Lumen Gentium sutilmente afirma-se que os Bispos


governam a casa de Deus “com” o sucessor de Pedro, e não “sob” ou em
submissão a autoridade do Romano Pontífice.

Por sua vez, a verdadeira doutrina da Igreja Católica claramente ensina que
a sociedade divinamente fundada por Jesus Cristo possui uma estrutura
essencialmente monárquica na qual o próprio Cristo reina como único
mestre, sumo sacerdote e senhor absoluto de todos os cristãos. E por isso
mesmo, sendo a Igreja Militante a parte visível desta sociedade, quis o
próprio Cristo que ela refletisse essa mesma estrutura monárquica, na qual
o sucessor de Pedro exclusivamente reina como chefe e pastor supremo de
todos os fiéis.

Não obstante, veremos como a heresia da colegialidade se configura de


forma mais clara logo a seguir.

Lumen Gentium, nº21 - A heresia da colegialidade (2): sobre o poder


dos bispos

“(...) A consagração episcopal, juntamente com o poder de santificar,


confere também os poderes de ensinar e governar, os quais, no
entanto, por sua própria natureza, só podem ser exercidos em
comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio
episcopal. De facto, consta pela tradição, manifestada sobretudo nos ritos
litúrgicos da Igreja tanto ocidental como oriental, que a graça do Espírito
Santo é conferida pela imposição das mãos e pelas palavras da consagração,
e o carácter sagrado é impresso de tal modo que os Bispos representam de
forma eminente e conspícua o próprio Cristo, mestre, pastor e pontífice, e
actuam em vez d'Ele. Pertence aos Bispos assumir novos eleitos no
corpo episcopal por meio do sacramento da Ordem.”.

Agora sim infelizmente podemos observar duas heresias explícitas sobre a


natureza do poder episcopal: 1º – afirma-se que a consagração episcopal
por si mesma supostamente conferiria, além do poder de santificar, também
os poderes de “ensinar e governar”; 2º – também afirma-se que "pertence
aos Bispos assumir novos eleitos no corpo episcopal por meio do sacramento
da Ordem".

Ambos esses erros podem ser respondidos pelo que o papa Pio XII ensinou
em sua encíclica Ad Apostolorum Principis:

"Com efeito, os cânones sagrados, clara e explicitamente, estabelecem que


pertence unicamente à Sé Apostólica julgar da idoneidade de um eclesiástico
para a dignidade e a missão episcopal e que pertence ao romano pontífice
nomear livremente os bispos.".

Mais ainda:

"Isso posto, deriva que os bispos não nomeados nem confirmados pela
Santa Sé, e até escolhidos e consagrados contra suas disposições explícitas,
não podem gozar de nenhum poder de magistério nem de jurisdição; pois a
jurisdição vem aos bispos unicamente através do romano pontífice...".

Portanto, Lumen Gentium claramente contraria o ensinamento de Pio XII ao


afirmar que a consagração episcopal por si só confere também os poderes
de "ensinar e governar": o que corresponde respectivamente ao poder
magisterial e jurisdicional.

De fato, o poder de santificar é imediatamente adquirido através do


sacramento da ordem. No entanto, apenas o sucessor de Pedro recebe
diretamente de Deus a plenitude do poder magisterial e jurisdicional;
enquanto os bispos, por outro lado, recebem do próprio romano pontífice, e
não através da consagração episcopal, o poder para ensinar e governar suas
respectivas dioceses.

O próprio papa Pio XII reforça que tal ensinamento já havia sido explicitado
na Mystici Corporis Christi:

"Os bispos... no que diz respeito à sua diocese, são verdadeiros pastores
que guiam e regem em nome de Cristo o rebanho a eles confiado. Ao fazer
isso, não são completamente independentes, pois estão submetidos à
autoridade do romano pontífice, mesmo gozando do poder ordinário de
jurisdição, que lhes é comunicado diretamente pelo próprio sumo pontífice".
Lumen Gentium, nº22 - A heresia da colegialidade (3): sobre o
governo da Igreja

"Porém, o colégio ou corpo episcopal não tem autoridade a não ser em união
com o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, entendido com sua cabeça,
permanecendo inteiro o poder do seu primado sobre todos, quer pastores
quer fiéis. Pois o Romano Pontífice, em virtude do seu cargo de vigário de
Cristo e pastor de toda a Igreja, tem nela pleno, supremo e universal poder
que pode sempre exercer livremente. A Ordem dos Bispos, que sucede ao
colégio dos Apóstolos no magistério e no governo pastoral, e, mais ainda, na
qual o corpo apostólico se continua perpetuamente, é também juntamente
com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito do
supremo e pleno poder sobre toda a Igreja, poder este que não se pode
exercer senão com o consentimento do Romano Pontífice.".

Como ensina o papa Leão XIII em sua encíclica Satis Cognitum, embora a
autoridade de Pedro e seus sucessores seja plenária e universal, ela não
deve ser considerada como a única autoridade. Pois assim como Cristo
estabeleceu Pedro enquanto portador das "chaves do Reino Céus", também
constituiu os outros apóstolos como membros da ordem episcopal
responsável pelo governo da Igreja Militante. Consequentemente, assim
como a autoridade de São Pedro é perpetuada no romano pontífice, também
os bispos herdam a autoridade dos apóstolos.

No entanto, os heresiarcas da Lumen Gentium distorcem de forma


exagerada o poder do colégio episcopal, fazendo-o "sujeito do supremo e
pleno poder sobre toda a Igreja". E o fato de se repetir que tal poder só
poderia ser exercido "juntamente com o Romano Pontífice" e com o seu
"consentimento" não atenua em nada o problema, pois na verdade apenas o
papa é o sujeito do poder supremo sobre a Igreja, e não os bispos, como o
próprio Leão XIII ensina na mesma encíclica:

"... a autoridade do Romano Pontífice é suprema, universal, independente; a


dos bispos é limitada e dependente.".

E mais:

"... eles [os bispos] não recebem autoridade suprema, plenária e


universal...".
Portanto, fica claro que a Lumen Gentium contraria frontalmente o que foi
ensinado tanto pelo papa Pio XII quanto por Leão XIII a respeito do poder
dos bispos.

Conclusão
De forma geral, observamos como esse documento herege promulgado pelo
heresiarca Paulo VI está repleto de erros que comprometem a ortodoxia
católica. A seguir, eis um resumo do que foi considerado:

1 – Lumen Gentium nº1 fornece uma definição obscura sobre a natureza da


Igreja, afirmando que a mesma seria como que um “sacramento, ou sinal, e
o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero
humano”.

Ortodoxia católica: a Igreja de Cristo é uma sociedade perfeita fundada pelo


próprio Filho de Deus, também chamada de corpo místico de Jesus Cristo,
que se identifica completamente e exclusivamente com a Igreja Católica
Apostólica Romana, cuja missão consiste na salvação das almas.

2 – Lumen Gentium nº8 comete uma clara heresia ao fazer uma distinção
entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica, dizendo que a primeira
“subsiste” na segunda.

Ortodoxia católica: a Igreja de Cristo é a Igreja Católica, e fora desta última


não se encontra a verdadeira religião fundada por Deus.

3 – Lumen Gentium nº10 afirma que haveria dois sacerdócios: o “sacerdócio


comum dos fiéis” e o “sacerdócio hierárquico”.

Ortodoxia católica: a dignidade do sacerdócio pertence exclusivamente


àqueles indivíduos que receberam o sacramento da ordem, do qual os fiéis
comuns não participam.

4 – Lumen Gentium nº12 afirma que “a totalidade dos fiéis... não pode
enganar-se na fé”.

Ortodoxia católica: muitos fiéis podem ser enganados em matéria de fé, seja
caindo na infidelidade, na heresia ou na apostasia. Na verdade apenas o
Romano Pontífice possui realmente o carisma da infalibilidade em matéria de
fé e moral quando volutariamente exerce a sua autoridade apostólica sobre
todos os fiéis, enquanto guardião e mestre da doutrina cristã. Além disso, ao
mesmo tempo o carisma da infalibilidade em matéria de fé e moral também
se encontra no consenso universal e constante do magistério ordinário da
Igreja, ou seja, no ensinamento dos bispos do mundo inteiro em comunhão
com o Romano Pontífice.

5 – Ainda no nº12 da Lumen Gentium se fala a respeito do “sentir


sobrenatural da fé do povo todo”: o que é, no mínimo, suspeito de
modernismo, na medida em que associa a virtude da fé ao sentimento.

Ortodoxia católica: a fé é uma virtude sobrenatural cujo ato consiste no


firme assentimento intelectual a tudo o que foi revelado por Nosso Senhor
Jesus Cristo através de sua Igreja.

6 – Lumen Gentium nº15 dá a entender que apenas o batismo seria


suficiente para configurar a união com Cristo, de forma que heréticos e
cismáticos também poderiam ser considerados verdadeiramente como
“cristãos”.

Ortodoxia católica: além do batismo, para pertencer efetivamente ao corpo


místico de Jesus Cristo é necessário ainda crer e professar a doutrina cristã
em sua integralidade, bem como estar submisso aos legítimos pastores da
Igreja.

7 – Ainda no nº15 da Lumen Gentium afirma-se que heréticos e cismáticos


possuem uma “união verdadeira no Espírito Santo”: o que é uma blasfêmia
contra o Espírito da Verdade.

Ortodoxia católica: “... os que estão entre si divididos por motivos de fé ou


pelo governo, não podem viver neste corpo único nem do seu único Espírito
divino. ” – Papa Pio XII, encíclica Mystici Corporis Christi.

8 – Além disso, no nº15 da Lumen Gentium também dá-se a entender que o


martírio dos heréticos ou cismáticos teria algum valor meritório do ponto de
vista sobrenatural.

Ortodoxia católica: “Aqueles que não estiveram dispostos a estar de acordo


na Igreja de Deus, não podem manter-se com Deus; apesar de entregues às
chamas e fogos, eles queimarem, ou, atirados às bestas selvagens, darem
as suas vidas, não haverá para eles aquela coroa da fé, mas a punição da
infidelidade, não um resultado glorioso (de virtude religiosa), mas a ruína do
desespero. ” – Papa Pelágio II, epístola Dilectionis Vestrae.

9 – Lumen Gentium nº16 afirma que “aqueles que ainda não receberam o
Evangelho”, isto é, judeus, mulçumanos, ateus e pagãos de forma geral,
estariam “orientados para o povo de Deus”.

Ortodoxia católica: apenas aqueles que pertencem ao corpo místico de Jesus


Cristo podem estar efetivamente orientados em relação ao Deus verdadeiro
que é a Santíssima Trindade.

10 – Lumen Gentium nº18 afirma que os Bispos governam a Igreja “com” o


Romano Pontífice.

Ortodoxia católica: apenas o Romano Pontífice é o verdadeiro Vicário de


Cristo e governante monárquico da Igreja Católica. Os bispos, por sua vez,
governam sob a autorização desse único chefe e pastor supremo.

11 – Lumen Gentium nº21 afirma que a consagração episcopal conferiria o


poder de “ensinar e governar”.

Ortodoxia católica: a consagração episcopal confere apenas o poder de


santificar, isto é, o poder sacramental. Por outro lado, os poderes de ensinar
e governar são fornecidos diretamente por Deus ao Romano Pontífice que
possui exclusivamente a plenitude do magistério e da jurisdição. Com efeito,
os bispos recebem o poder de ensinar e governar diretamente do Romano
Pontífice, e não através da consagração episcopal.

12 – Ainda no nº21 da Lumen Gentium afirma-se que "Pertence aos Bispos


assumir novos eleitos no corpo episcopal por meio do sacramento da
Ordem".

Ortodoxia católica: "...pertence unicamente à Sé Apostólica julgar da


idoneidade de um eclesiástico para a dignidade e a missão episcopal e que
pertence ao romano pontífice nomear livremente os bispos." – Papa Pio XII,
encíclica Ad Apostolorum Principis.

13 – Lumen Gentium nº22 afirma que a ordem dos bispos também seria
“sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja”.
Ortodoxia católica: “... a autoridade do Romano Pontífice é suprema,
universal, independente; a dos bispos é limitada e dependente.” – Papa Leão
XII, encíclica Satis Cognitum.

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