Você está na página 1de 2

Gálatas

Autor: “Paulo, apóstolo – não da parte dos homens nem por intermédio de um homem, mas por
Jesus Cristo e Deus Pai que o ressucitou dentre os mortos”

Destinatário: “as Igrejas da Galácia” – Problema: a Galácia é uma província, portanto é impossível
saber exatamente para onde essa carta está sendo enviada.

O público é composto de não-judeus que, portanto, não poderiam responder adequadamente às


interpretações que Paulo faz das escrituras judaicas.

A circunstância da carta é polêmica: os galátas teriam sido visitados por outros apóstolos que lhes
prescreveram a circuncisão e a obediência a outros mandamentos da “Lei” religiosa judaica.

Paulo argumenta que a circuncincisão não é apenas desnecessária mas espiritualmente danosa para
os gálatas: “Rompestes com Cristo, vós que buscais a justiça na Lei; caístes fora da graça”

Paulo alega que Jesus se revelou para ele, e apenas três anos depois ele foi à Jerusalém conhecer
aqueles que seriam apóstolos antes dele, ficando quinze dias com Cefas e Thiago. Quatorze anos
depois ele retorna a Jerusalém por conta de uma “revelação”, e diz que Tito, que era grego, não foi
obrigado a circuncidar-se. Os “notáveis” – Cefas, Thiago e João – teriam reconhecido a missão de
Paulo aos gentios. Não obstante, Paulo se vangloria de ter confrontado Cefas publicamente em
Antioquia, pois o mesmo teria se tornado hipócrita.

Paulo desenvolve uma teologia dualista que opõe as “obras da Lei” à “fé em Cristo”:

“Nós somos judeus de nascimento e não pecadores da gentilidade; sabendo, entretanto, que o
homem não se justifica pelas obras da Lei, mas pela fé em Jesus Cristo, nós também cremos em
Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei, porque pelas obras
da Lei ninguém será justificado”

“Assim como Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que
são da fé são filhos de Abraão” – Paulo se refere a Gênesis 15: 6. Abraão acreditou na promessa
divina de que ele teria uma posteridade numerosa como as estrelas, e este ato de fé lhe foi imputado
como justiça. No entanto, dizer em seguida que “os que são da fé são filhos de Abraão” é um
engodo que apenas os pagãos ignorantes sobre a religião judaica, como os gálatas, poderiam cair.
Pois em primeiro lugar, Abraão não foi considerado justo apenas pela sua fé, mas principalmente
pela sua obediência a Deus. Na verdade esse ato de justiça – a fé – é apenas um entre vários atos
meritórios de Abraão: no início de sua história, por exemplo, ele abandona seus próprios familiares
em obediência a Deus; e antes do trecho citado por Paulo, ele venceu uma batalha contra os
inimigos de Sodoma que haviam sequestrado seu sobrinho Ló. Além disso, ao afirmar que “os que
são da fé são filhos de Abraão”, Paulo não explica para os gálatas como em Gênesis 17 Deus
realmente estabelece sua aliança com Abraão, não simplesmente através da fé, mas pela lei da
circuncisão: “Eis a minha aliança que será observada entre mim e vós, isto é, tua raça depois de ti:
todos os vossos machos sejam circuncidados. Fareis circuncidar a carne do vosso prepúcio, e este
será o sinal da aliança entre mim e vós”. Portanto é evidente que os descendentes de Abraão não se
caracterizam simplesmente pela “fé”, e sim pela obediência aos mandamentos (leis) que Deus
ordenou a Abraão e sua descendência.

“Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o
evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé
são benditos com o crente Abraão” – Um dos problemas centrais na teologia paulina é justamente o
seu conceito de justificação pela fé. Por um lado, como a justificação do homem depende de sua
obediência a Deus, e a fé é justamente um ato de obediência, então é evidente que a justificação
depende da fé. No entanto, como a fé não é o único ato de obediência que o homem deve fazer para
ser justo, então é igualmente óbvio que só a fé não justifica ninguém. Como se diz na Epístola de
Thiago, que parece ser escrita justamente para se contrapor a essa teologia de Paulo, “a fé sem as
obras é morta”. Na verdade, a fé de Abraão inclui os próprios mandamentos que foram dados a
Abraão e seus descendentes, e por isso mesmo não faz o menor sentido em falar da fé como algo
separado ou oposto à lei.

“Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito:
Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para
fazê-las.” – Aqui nós vemos como a alegação de Paulo no início da epístola, de que ele teria sido
um judeu ortodoxo extremamente zeloso pelas tradições, se contradiz absolutamente: pois nunca
que um judeu ortodoxo conceberia a lei como uma “maldição”. Muito pelo contrário, a Lei é
considerada divina na religião judaica, e amaldiçoados não são aqueles que estão sob ela, mas
justamente os que a desobedecem.

“E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé.
Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá.” – Novamente vale
realçar que Abraão não foi considerado justo apenas porque teve fé, mas porque foi obediente a
Deus ao ponto de estar disposto a sacrificar seu próprio filho. Dessa forma, toda a história de
Abraão é feita para ensinar justamente o contrário do que Paulo está pregando: que uma pessoa só
se justifica na medida em que obedece às leis de Deus, de modo que a própria fé não é algo
separado da lei, mas um dos atos de obediência que leva à justificação.

“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito:
Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos
gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito.” – A ideia de que
Cristo “nos resgatou da maldição da lei” não faz o menor sentido porque a lei não é considerada
uma maldição na religião de Jesus, que não era o “cristianismo” de Paulo, mas o judaísmo. A
ligação direta que Paulo tenta fazer entre Abraão e Jesus é absolutamente inviável, pois entre ambos
se situa toda a tradição judaica: a promessa feita por Deus a Abraão, de que ele se tornaria pai de
nações, se desenvolve na história das doze tribos de Israel, sua escravidão no Egito e posterior
libertação através de Moisés, por intermédio do qual foi dada a Lei aos israelitas, que depois de
quarenta anos vivendo no deserto, conquistam finalmente a terra prometida. Posteriormente Deus
faz uma aliança especial com Davi e sua descendência, estabelecendo assim a soberania da tribo de
Judá sobre as demais tribos de Israel. No entanto, pelos pecados de seu herdeiro Salomão, os
israelitas são amaldiçoados e eventualmente acabam se dividindo: o reino do norte será tomado
pelos assírios, enquanto o reino do sul cairá sob os babilônicos, que levam os israelitas para o exílio.
Para resumir a história ainda mais, é preciso entender que o Messias, na concepção judaica, nada
mais é do que o descendente davídico esperado para restaurar a unidade e glória do povo Israelita
em seu território. Sendo assim, na teologia judaica o Messias não deve vir para “resgatar da
maldição da lei”, mas justamente o contrário: para dar apleno cumprimento à Lei, e para que,
através do cumprimento da Lei, todas as nações tenham acesso às bênçãos do Deus de Abraão.

Você também pode gostar