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"Aquele que se sabe profundo esforça-se para ser claro; aquele que gostaria de parecer
profundo à multidão esforça-se para ser obscuro".
Friedrich Nietzsche.
Como se vê, a opinião de Maria Pierrakos não é nada favorável a Lacan e seus sectários.
E do ponto de vista histórico estamos diante de uma testemunha praticamente ideal: pois
ao mesmo tempo em que presenciou mais aulas do que provavelmente qualquer aluno
de Lacan, ela não estava emocionalmente envolvida pelo mestre, que ela descreve,
basicamente, como um impostor. E apesar de ser uma obra curta e bastante
despretensiosa, em seu livro ela é capaz de resumir em poucas palavras o obscurantismo
pseudomístico do discurso lacaniano, bem como o clima de fanatismo religioso dos seus
seminários:
"... um outro procedimento atuava ainda no seminário, ou seja, o uso de fórmulas
sibilinas, abissais desencadeia uma excitação na interpretação: o real é o
impossível; a mulher, isso não existe; existe o Um; não existe relação sexual etc.".
De fato, esse talvez seja o principal mecanismo da sedução lacaniana: usando fórmulas
paradoxais e incompreensíveis, ele sabia envolver o seu discurso em uma aura de
mistério e falsa profundidade que, como realça Maria Pierrakos, sempre foi algo
fascinante ao ser humano:
"O homem sempre amou as fórmulas misteriosas e venerou seus intérpretes. O
papel dos grandes sacerdotes de Delfos era interpretar o oráculo; o papel dos
grandes sacerdotes de Epidauro – dos quais somos os descendentes, a partir de
Freud – era interpretar os sonhos dos doentes. Porém, Lacan não se satisfez,
enquanto bom analista, em ser intérprete, ele assumiu o lugar do deus ou da
esfinge ou da Pítia, ele é a Pítia e o grande sacerdote; ele diz o enigma e ele o
resolve.".
Sendo assim, ao abordar as mais diversas disciplinas, Lacan soube imprimir em seu
discurso a aparência de um certo universalismo no qual todas as ciências seriam
convocadas para fazer uma revisão epistemológica da psicanálise: e isso se demonstra,
por exemplo, na sua tentativa de associar a linguística de Ferdinand Saussure e o
estruturalismo de Claude Levi-Strauss com as teorias de Freud, ou as filosofias de Hegel
e Heidegger. Nesse sentido, numa "época de especializações" o grande truque de Lacan
foi vender a imagem de que ele estaria fazendo a "síntese de todos os conhecimentos" –
a restauração da unidade da ciência, e não apenas da psicanálise – ou pelo menos essa
teria sido a impressão transmitida aos seus discípulos: a ilusão de que Lacan seria o
portador do "grande segredo".
No entanto, ao invés de uma “releitura” epistemológica da psicanálise através da
filosofia, Lacan tentou fazer justamente o contrário: colocar a própria psicanálise como
a filosofia suprema, da qual ele mesmo seria o mestre supremo, como explica François
Roustang:
"A abertura para o exterior transformou-se aos poucos na certeza de que qualquer
coisa podia vir a encontrar, nessa Escola e sob a orientação desse mestre, a luz
que lhe faltava. Houve uma espécie de retorno: todos os conhecimentos, que se
tratou de interrogar a princípio, só desempenharam depois um papel de segundo
plano, que visava a evidenciar aos olhos de todos a superioridade da psicanálise.
Uma pretensão incomensurável de ser o dono da verdade, já tão difundida entre
os psicanalistas de todas as correntes, tornava possível um terrorismo intelectual
que selava os lábios de todos os que confessavam não compreender e que
ousavam não aprovar tudo quanto se dizia ou acontecia.".
"Se seguimos Lacan, é porque ele foi um prestidigitador de gênio. Ele havia a
princípio convocado todas as disciplinas, pedindo-lhes que o ajudassem a tirar a
psicanálise de sua clausura. Contudo, mal elas se aproximavam, tratava-as como
doentes; elas só mostravam então ao grande médico (ele só via nelas) suas chagas,
seus defeitos, seus limites. Como a psicanálise se havia tornado, nesse meio-
tempo, uma especialista incomparável em chagas, defeitos, hiâncias, falhas e
outros gêneros de imperfeições, isso equivalia a dizer que, conhecedora da falha
das falhas, ela passava a ser, de agora em diante, a disciplina das disciplinas, ou
seja, a ciência das ciências.".
"Uma cultura onde a religião já não desempenha seu papel protetor obriga os
espíritos acanhados a preencherem, junto a um mestre, seu vazio persistente, ou
os grandes pensadores, prostrados de cansaço, a preservarem sua imprecisa
criação. Não apenas Lacan não constitui exceção, como também soube amplificar
o fenômeno utilizando o meio privilegiado que a psicanálise punha à sua
disposição.".
"Quanto a seu discurso, sabe-se que, à semelhança da interpretação analítica, ele
tinha para seus ouvintes o caráter obscuro de um oráculo. Lacan quis ser
permanentemente aquele em quem o saber era um pressuposto e, com esse
propósito, introduziu um dispositivo para impedir que se pusesse à prova o seu
saber.".
"Ao assumir a posição de mestre e ao produzir alunos que deviam permanecer
indefinidamente nessa situação, Lacan já não era apenas aquele em quem o saber
é um pressuposto; sabia e pretendia até ser o único a saber. Quantas vezes,
efetivamente, não nos repetiu ele que, acerca desta ou daquela questão, não
podíamos ultrapassar o ponto a que havia chegado, e que, para avançar um pouco
mais, teríamos de aguardar que ele se dignasse a dar um passo à frente. Não se
podia nem pensar em desautorizar o seu saber, que ele convertera num marco
intransponível.".
Portanto, além de exercer uma forma de terrorismo intelectual sobre seus alunos – do
tipo “se você não me seguir eu não vou te contar o grande segredo” –, para se tornar
essa espécie de mestre absoluto Lacan basicamente tentou colocar a psicanálise acima
de todas as ciências, e a si mesmo acima de Deus.
Por outro lado, seria muita ingenuidade entender os discípulos de Lacan somente como
figuras passivas em todo esse processo de histeria coletiva ocorrida ao longo de seus
Seminários. Por mais paradoxal que isso possa parecer, não apenas aquele que engana,
mas os enganados também devem exercer algum papel ativo na própria enganação:
como uma hipnose que não funciona sem o consentimento da vítima.
Lembremos que Maria Pierrakos não atribui o qualitativo de impostura apenas a Lacan,
e sim ao "par monstruoso Lacan/auditório"; enquanto o psicanalista Cornelius
Castoriades, referindo-se ao livro de François Roustang que acabamos de citar, também
chega à mesma consideração: "O que Roustang quer dizer deixa-se resumir facilmente
no seguinte: sim, o lacanismo é monstruoso. Sim, Lacan e os lacanianos formam um
círculo alienado e alienante (...)".
Outro excelente trabalho que explora esse aspecto do “caso Lacan” é um artigo escrito
pelos acadêmicos Filip Buekens e Maarten Boudry, intitulado The Dark Side of the
Loon: Explaining the Temptations of Obscurantism (O lado negro do lunático:
explicando as tentações do obscurantismo). De forma geral, os autores identificam não
apenas os truques utilizados pelo mestre obscurantista na sua forma de ensinar, como
também os mecanismos psicológicos que, da parte daqueles que recebem o
ensinamento, contribuem para a aceitação do discurso obscurantista.
Por "obscurantismo" os autores compreendem um movimento deliberado no qual o
sujeito elabora um complexo jogo de espelhos e fumaça verbal para sugerir
profundidade e insight onde não existe. A acusação é de que o obscurantista não tem
nada de significativo para dizer e realmente não compreende a complexidade do
assunto que ele está tratando, mas mesmo assim quer manter as aparências.
Consequentemente, essa promessa de atingir um conhecimento profundo mantém seus
interlocutores cativos em uma busca permanente de compreensão.
Da parte daquele que ensina, os autores identificam duas maneiras pelas quais o mestre
obscurantista tenta blindar sua teoria contra qualquer forma de criticismo: através de
estratégias imunizadoras e mecanismos epistêmicos de defesa.
A estratégia imunizadora consiste de elementos que não são essenciais à teoria proposta
pelo mestre, mas que são utilizados justamente para reforçá-la em relação às críticas:
como, por exemplo, o relativismo radical a respeito da verdade ("a verdade é sempre
relativa a um discurso, então, se você critica Lacan, os seus argumentos perdem o
sentido porque você está falando de um tipo diferente de discurso"), certas formas de
construtivismo social ("todo discurso cria sua própria versão do mundo, então a sua
crítica não se aplica ao meu paradigma"), ou falácias em geral (argumentos ad
hominem, espantalhos, falsos dilemas, etc).
Já os mecanismos epistêmicos de defesa são elementos intra-teóricos que tornam a tese
obscurantista praticamente irrefutável. Por exemplo: se você procura expor a falsidade
do discurso lacaniano, então você não compreendeu que "a verdade tem uma estrutura
de ficção"; e se você o acusa de nunca fornecer respostas definitivas é porque você não
captou que "o significante remete sempre a outro significante"; e se você argumenta que
sua teoria é ilógica e incoerente com a realidade, então você ignora que o real é
"impossível", "sem-lei", "sem ordem", etc.
Por sua vez, da parte dos discípulos os autores identificam dois mecanismos
psicológicos que alimentam a teoria obscurantista: o que eles chamam de caridade
interpretativa e a aversão à perda.
A caridade interpretativa (ou "acomodação racional") consiste basicamente no seguinte:
quando ouvimos um discurso sobre um assunto que não compreendemos, tendemos a
supor que, no mínimo, o próprio emissor do discurso o compreende; dessa forma,
quando não compreendemos algo, presumimos que isso se deve à nossa própria
ignorância do assunto, e assim buscamos reconstruir uma interpretação mais caridosa
sobre o que foi dito, conforme a própria natureza cooperativa da comunicação. Nesse
sentido, se de fato não é possível haver um assentimento completo em relação a uma
teoria sem a sua compreensão prévia, por outro lado também é natural aceitarmos certas
proposições da teoria antes de compreendê-la totalmente. Como explicam os autores, a
estratégia obscurantista se fundamenta numa espécie de perversão desse mecanismo
cognitivo: "a promessa velada é que você o compreenderá completamente – você irá
apreender o significado escondido e adquirir um insight profundo – mas não antes de
aceitar suas proposições".
A aversão à perda, por outro lado, também desempenha uma influência importante em
todo esse processo. Como observam os autores, do ponto de vista racional não importa
quanto tempo e esforço você investiu para estudar e interpretar o obscurantista, isso por
si só não deveria afetar a sua avaliação sobre o valor científico do conteúdo estudado.
No entanto, não foi preciso o advento da psicanálise para nos ensinar que o homem nem
sempre age conforme as motivações racionais. A simples vergonha de ter sido enganado
já é o suficiente para acionar essa espécie de "mecanismo de defesa" pelo qual o
intérprete ludibriado abusa da caridade interpretativa sem querer admitir que, no final
das contas, não havia nenhum significado profundo e tudo foi uma grande perda de
tempo. Ademais, como a teoria de Lacan é estruturalmente vaga, por assim dizer, – algo
obscuro é algo que não possui nitidez, algo cuja forma não se define – ela estimula o
intérprete a projetar significados que não estão efetivamente contidos em suas
proposições. Assim o indivíduo acha que está "interpretando" Lacan, quando na verdade
ele mesmo está inventando sua própria "teoria” baseada em Lacan.
Muito mais agradável do que lidar com a boa e velha aversão à perda – a "castração",
como se diz –, ao "lacaniano" se oferece essa possibilidade incrível de não se limitar a
ser apenas um simples filósofo ou cientista no sentido tradicional, mas praticamente o
intérprete de um oráculo: um dos poucos iluminados que conseguem compreender o
mestre, tornando-se ele mesmo o portador do grande segredo.
Ainda sobre o obscurantismo lacaniano vale conferir o artigo de Richard Webster
intitulado The cult of Lacan – Freud, Lacan and the mirror stage. Além de exemplificar
as diversas desonestidades intelectuais do mestre, o autor relata alguns depoimentos de
pessoas que conviveram com Lacan ou leram seus escritos na época em que foram
publicados. Entre eles encontra-se outro ex-aluno de Lacan, chamado Didier Anzieu,
que em 1967 condena o seu professor por manter os seus alunos aprisionados a uma:
"dependência interminável de um ídolo, uma lógica ou uma linguagem,
estendendo a promessa de revelar verdades fundamentais mas apenas em um
momento posterior, e apenas àqueles que continuarem viajando com ele'." .
Como os autores ressaltam, ao mesmo tempo em que se gaba de ser "preciso" Lacan
confunde duas entidades matemáticas absolutamente diferentes: o número irracional e o
número imaginário. Não obstante, o que a vida humana poderia ter a ver com "um
cálculo em que zero fosse irracional"? Lacan não fornece nenhum argumento para
justificar tal estupidez – o que também seria impossível, uma vez que ele simplesmente
não domina os conceitos utilizados. Nesse sentido, trata-se de um exemplo daquilo que
os autores definem como o principal problema entre os intelectuais pós-modernos: seus
discursos teoréticos desconectados de qualquer fundamentação empírica e
frequentemente desprovidos sequer de uma lógica interna.
Em um comentário sobre o livro de Sokal e Bricmont, o biólogo Richard Dawkins
também realça os absurdos do discurso lacaniano, citando, em seguida, os próprios
autores:
"Sokal and Bricmont são professores de física, respectivamente, na Universidade
de Nova York e na Universidade de Louvain na Bélgica. Eles limitaram a sua
crítica àqueles livros que se aventuraram a evocar conceitos da física e da
matemática. Aqui eles sabem o que estão falando, e possuem um veredicto
inequívoco. Sobre Jaques Lacan, por exemplo, cujo nome é reverenciado por
muitos departamentos de ciências humanas nas universidades dos Estados Unidos
e Inglaterra:
'... apesar de Lacan usar algumas palavras-chave da teoria matemática da
compacidade, ele as mistura arbitrariamente e sem a menor relação com o
verdadeiro significado delas. Sua 'definição' da compacidade não é apenas falsa: é
pura bobagem'.".
Mais adiante Dawkins exemplifica outro abuso teórico cometido por Lacan no que se
refere aos termos matemáticos, que Sokal e Bricmont também mencionam no livro. Nas
palavras de Lacan:
"Assim, calculando a significação de acordo com o método algébrico usado aqui,
nominalmente:
S (significante) = s (o enunciado), com S = (-1), produz: s = raiz quadrada de -1. s
(significado)."
Como se vê, aqui nos deparamos com mais um gigantesco mecanismo epistêmico de
defesa: pois se "não há propriedade simbólica" e “o plagiarismo não existe”, então
Lacan está livre para roubar a propriedade simbólica dos outros tranquilamente sem ser
acusado de plágio; e se você acredita que está roubando as ideias do "outro", é porque
você imagina que o "outro" possui um conhecimento que ele não tem. Ao invés disso
você deveria entender que a ideia não pertence a ninguém, e ninguém pode pensar por
si mesmo: isso pensa, sem você.
No entanto, apesar do hábito de ocultar suas fontes para transmitir a impressão de
originalidade, a “teoria” de Lacan nada mais é do que uma salada mista de outras teorias
filosóficas incompreendidas e re-significadas conforme o capricho do oráculo
parisiense. Em primeiro lugar, o famoso “estilo” de Lacan, que os seus adeptos julgam
ser algo super original, é totalmente inspirado no dadaísmo e especialmente no
movimento surrealista de André Breton: o seu desprezo pela “ordem”, pelo discurso
lógico, pela “moral burguesa” e, em contrapartida, o seu gosto pelo “sem sentido”, pelo
bizarro e paradoxal, a sua confusão entre a realidade e o sonho, bem como a crença de
que a “loucura” é superior à “razão” – tudo isso vem do surrealismo; os seminários e
escritos de Lacan são como os quadros de Salvador Dali, porém muito piores. Por outro
lado, a famosa tese de que “o desejo é o desejo do Outro" é apenas um plágio malfeito
da filosofia de Kojeve, que foi o mestre de Lacan nos anos trinta, o qual fazia uma
releitura marxista da filosofia de Hegel. Já o grande aforismo de que "o inconsciente é
estruturado como uma linguagem" reflete os anos em que Lacan surfou na onda do
estruturalismo de Claude Levi-Strauss, enquanto a sua teoria sobre o “significante”,
inspirada em Ferdinand de Saussure, é pura besteira.
De forma geral, a doutrina lacaniana pode ser resumida em uma única palavra: pós-
modernismo. Todos os intelectuais pós-modernos – como Derrida, Foucault, Lyotard,
Rorty e o próprio Lacan – basicamente usam os filósofos do idealismo alemão, como
Kant, Hegel, Nietzsche e Heidegger, para forjar uma filosofia anti-realista,
construtivista e coletivista.
Como nota o acadêmico Stephen Hicks, os intelectuais pós-modernos são
metafisicamente céticos e alegam que é impossível falar sobre a existência de uma
realidade independente e objetiva; mas fornecem, ao invés disso, uma explicação
radicalmente construtivista do real. Ao contrário dos filósofos que caracterizaram o
período moderno, os pós-modernistas rejeitam a pretensão da racionalidade iluminista
ou qualquer outro método de se chegar a um conhecimento objetivo da realidade
natural, que eles substituem por constructos socio-linguísticos, enfatizando assim a
subjetividade, a convencionalidade e a "relatividade" desses constructos. Ademais, a
abordagem pós-modernista à natureza humana é essencialmente coletivista, sustentando
que as identidades individuais são absolutamente determinadas pelos vários grupos
socio-linguísticos ou "culturais" dos quais elas fazem parte – grupos esses que variam
radicalmente através das dimensões do sexo, etnia, posição social, etc. E dessa forma o
pós-modernismo enfatiza principalmente as relações de conflito entre os grupos. E
justamente por eliminar o papel da razão, sustenta que esses conflitos são resolvidos,
seja de forma explícita ou implícita, primariamente pela força: e assim o uso da força
leva a relações de dominação, submissão, opressão, revolta, e assim por diante.
Por sua vez, Lacan possui, em maior ou menor grau, todas essas características
fundamentais do pós-modernismo que ele ajudou a criar. Ele é explicitamente anti-
realista e construtivista em sua concepção da realidade: sustentando que "o real não tem
ordem" e que "não é possível dizer o verdadeiro sobre o verdadeiro" porque “a verdade
tem uma estrutura de ficção”. Como todos os pós-modernistas, ao invés de considerar a
razão como o elemento distinto do ser humano e a sua faculdade superior, Lacan
obsessivamente trata sobre o "desejo" e a sua suposta insatisfação perpétua. A ênfase no
elemento do conflito também se vê, por exemplo, quando Lacan opõe o suposto
"discurso do mestre" em relação ao "discurso do analista": como se o primeiro
fabricasse uma "verdade fictícia", em oposição ao místico analista para quem a verdade
é "não-toda". Ademais, o elemento do conflito também pode ser visto em sua famosa
fórmula "a relação sexual não existe": que opõe radicalmente o homem e a mulher,
negando qualquer forma de completude ou harmonia entre os sexos. Além disso,
embora a obra de Lacan seja praticamente nula do ponto de vista político, as suas
tendências marxistas também são evidentes.
Por fim, uma filmagem vale mais do que mil palavras: temos a oportunidade de ver o
próprio Lacan encenando o seu teatro dadaísta diante das câmeras, em duas gravações
antigas que estão disponíveis no site do youtube. A primeira é uma “entrevista” dirigida
pelo seu genro e puxa-saco absoluto Jaques Alain Miller, que foi transmitida por um
programa de Televisão; enquanto a outra é a gravação de uma conferência que Lacan
realizou na Universidade Católica de Louvain, em 1972.
Em ambas nós vemos exatamente o que Sokal e Bricmont descrevem sobre as “teorias”
pós-modernistas: um discurso desconectado de qualquer referência empírica ou sequer
uma lógica interna. A arrogância lacaniana é diretamente proporcional à absoluta
infantilidade e estupidez do seu obscurantismo ridículo: ao mesmo tempo em que deseja
posar como um grande intelectual, Lacan não fala e nem age como um intelectual que
propõe uma determinada tese e simplesmente a defende com evidências e argumentos
lógicos, mas como um oráculo que está canalizando uma mensagem do “inconsciente”.
Enquanto um intelectual normal adapta a sua linguagem de acordo com o público a que
se dirige, e tem a preocupação de ser compreendido, Lacan quer transmitir a impressão
de que possui uma “verdade” tão profunda que é necessário inventar uma nova
“linguagem”: e assim é o público que tem que se adaptar ao seu discurso sibilino e
surrealista para atingir um “real” que, no fundo, é incompreensível de qualquer maneira.
Como se vê, Lacan também nutria certa admiração por Hegel. Na verdade o próprio
estilo obscuro de Lacan é definitivamente influenciado e possibilitado pelo
obscurantismo de Hegel: certamente um dos filósofos mais influentes do idealismo
alemão, cuja obra é simplesmente uma confusão metafísica e epistemológica.
Novamente não se deve esperar de Lacan uma análise crítica do seu ídolo, pois ele
simplesmente vai usar dos conceitos hegelianos de forma mais ou menos aleatória para
justificar suas próprias ideias mirabolantes. De fato, o próprio Hegel tem uma ideia
totalmente confusa sobre o que é um “conceito”, em seu hiper-confuso e ridículo livro A
Fenomenologia do Espírito:
"Chamemos conceito o movimento do saber, e objeto, o saber como unidade
tranquila e como Eu; então vemos que o objeto corresponde ao conceito, não só
para nós, mas para o próprio saber. Ou, de outra maneira: chamemos conceito o
que o objeto é em-si, e objeto o que é como objeto ou para-um Outro; (...)".
Ora, mas se o homem se sabe como corpo, diferente do animal irracional, a questão é:
em virtude de qual potência ele realiza esse ato de saber? Resposta: pela potência
superior do intelecto, que é absolutamente ignorada e rejeitada na psicologia lacaniana.
De forma geral, enquanto os animais se movem pelas potências vegetativas e sensitivas,
bem como as paixões do apetite sensível, apenas o homem tem o apetite intelectual:
apetite esse que, ao menos de forma implícita, Lacan pretende satisfazer em seus
discípulos ao mesmo tempo em que nega qualquer relevância ou até mesmo a própria
existência da potência intelectual.
Como se vê, Anna Freud é criticada por ser “intelectualista” e colocar o “ego” como a
instância mediadora do tratamento psicanalítico, exatamente como formulou o próprio
Freud: o “ego” seria a parte consciente responsável por fazer a mediação entre as
pulsões irracionais do “id” e as exigências do “super-ego” e do “princípio da realidade”.
Mas ainda, Anna Freud é criticada por esse método de “educação” e “persuação” do
ego, como se Lacan não estivesse justamente educando e adestrando os egos de seus
discípulos para aceitarem o seu próprio discurso egocêntrico e anti-intelectualista.
Ainda no primeiro Seminário, eis o que Lacan diz sobre o intelecto:
(...) Se o intelectual se situa em alguma parte, é ao nível dos fenômenos do ego,
na projeção imaginária do ego, pseudoneutralizada - pseudo no sentido de mentira
- que a análise denunciou como fenômeno de defesa e resistência.".
Porém a verdade é que o próprio Freud, no famoso O Ego e o Id, afirma que o ego
"representa o que pode ser chamado de razão ou senso comum, em contraste com o id,
que contém as paixões".
Nesse sentido, Freud não deixa de fazer um movimento em direção à "psicologia
acadêmica" que sempre reconheceu a predominância da razão sobre as paixões, ou
ainda, da alma sobre o corpo, da consciência sobre o "inconsciente". E em última
instância, seria na própria "conscientização" que residiria o suposto mecanismo
terapêutico da psicanálise: em fazer com que o indivíduo se torne cada vez mais
consciente de si.
Com efeito, essa "segunda tópica", ou seja, essa perspectiva segundo a qual o "ego" - ou
a inteligência/consciência - é quem está no controle da situação, foi a linha teórica que
prevaleceu no meio psicanalítico. E por sua vez, Lacan vai se colocar justamente contra
essa perspectiva, de forma que o seu "retorno à Freud" pode ser compreendido, em certa
medida, como um retorno à primeira tópica: uma perspectiva onde o inconsciente
prevalece, e não a razão.
Já no Seminário 2, dedicado especialmente à questão do ego, Lacan afirma:
"Freud nos diz - o sujeito não é a sua inteligência, não está no mesmo eixo, é
excêntrico. O sujeito como tal, funcionando como sujeito, é algo diferente de um
organismo que se adapta. (...)".
Na verdade o problema não é que Freud diz que “o sujeito não é a sua inteligência” – de
fato ele nunca disse isso –, mas simplesmente que ele não explica o que seria o próprio
“sujeito”, bem como a inteligência e o ato de conhecer: e essa é a lacuna fundamental da
teoria psicanalítica – uma lacuna de ordem metafísica e epstemológica que Lacan vai
aprofundar ainda mais.
Ora, mas se "não existe sujeito conhecedor", como seria possível a Lacan ter esse
conhecimento de que "não existe sujeito conhecedor"? Ou seria Lacan apenas um
"corpo falante" emitindo os seus próprios "sonhos" sobre o "mundo"?
Uma verdadeira definição é composta pelo gênero próximo e a diferença específica. No
caso do ser humano, o seu gênero próximo não pode ser “corpo”, pois o corpo é o
gênero mais amplo: uma vez que todas as substâncias sensíveis são dotadas de
corporeidade. Seu gênero próximo também não é o fato de ser “vivo”: pois os seres
viventes são muito amplos. Entre os viventes, o gênero próximo do homem não são as
plantas, mas os animais. Assim a primeira parte da definição do ser humano é que ele é
um animal. Mas qual é a sua diferença específica?
Ora, a diferença específica do ser humano em relação aos outros animais, e as demais
criaturas terrestres, é justamente que ele tem inteligência. E sendo assim, qualquer
psicologia que ignore a faculdade da inteligência, como faz a psicologia lacaniana e a
teoria psicanalítica em geral, é simplesmente uma pseudociência que não compreende
sequer a definição do próprio objeto que ela pretende investigar.
Em primeiro lugar, não é verdade que “só há inconsciente no ser falante”, mas
justamente o contrário: todos os outros seres são inconscientes, enquanto apenas o
homem é inteligente e consciente no sentido pleno do termo. A matéria enquanto tal e
todas as substâncias inanimadas são inconscientes. As plantas são inconscientes, embora
sejam vivas. Os animais, por outro lado, tem uma forma inferior de consciência pela
percepção sensível: mas eles não entendem realmente a natureza das coisas que eles
percebem, mas agem pelos instintos ou paixões. Apenas o homem tem a inteligência e a
liberdade da criatura espiritual.
“Inteligência” e “liberdade”, embora evidentemente sejam os conceitos mais
fundamentais da psicologia humana, são absolutamente alienígenas ao vocabulário
lacaniano, que também desconhece os significados de “inconsciente” e “instinto”,
aplicando o primeiro exclusivamente ao homem e o último aos animais. Eis mais um
exemplo da mesma falácia que Lacan afirma em seu escrito A posição do inconsciente:
"No tempo propedêutico, podemos ilustrar o efeito de enunciação perguntando ao
aluno se ele imagina o inconsciente no animal, a não ser por algum efeito de
linguagem, e da linguagem humana. Se ele admitir, com efeito, que essa é
realmente a condição para que sequer possa pensar no assunto, vocês terão
confirmado a clivagem das ideias de inconsciente e instinto.".
Como se vê, o aluno de Lacan deve ser induzido a “admitir”, sem que nenhum
argumento seja elaborado para isso, que os animais não tem “inconsciente” mas apenas
“instinto”: o que é falso pelo simples motivo de que o instinto é uma espécie de força
inconsciente a determinar o comportamento animal.
“Instinto” é um outro nome que damos para as paixões e as inclinações inatas da
natureza animal que vem de suas potências. Assim existem os instintos comuns, que
todos os animais possuem, como o instinto de sobrevivência, agressividade, instinto
sexual, etc, bem como os instintos específicos de cada espécie: por exemplo,
instintivamente a aranha tece a sua teia, a abelha produz o mel, o pássaro constrói seu
ninho, e assim por diante. Os atos instintivos vem de uma programação inconsciente
que faz o animal reagir de determinada forma a determinadas condições. Portanto é
óbvio que os animais possuem “inconsciente” e que os “instintos” são uma parte dele.
O que Lacan suprime totalmente da discussão é novamente a dimensão intelectual e o
livre-arbítrio próprio do comportamento humano. E por outro lado, ao atribuir o
“instinto” apenas aos animais, o homo sapiens de Paris ignora completamente o fato de
que, sendo um animal, além das potências espirituais do intelecto e da vontade, o
homem também tem os “instintos” que determinam seu comportamento.
No caso do ser humano, como o ato do intelecto absorve as formas incorpóreas que
transcendem a materialidade, e como o seu objeto é incorpóreo a sua potência precisa
ser necessariamente incorpórea.
Todas as operações da alma animal e vegetal dependem do corpo
Desse modo, o corpo está potência para ser movido pela almaE as potências da alma são
conhecidas pelos seus atos: reprodução, nutrição, crescimento
Dessa forma, evidentemente o corpo não se move por si mesmo, mas é a alma que move
o corpo através de suas potências. Assim, não são as folhas da árvore que aborservem
que um conceito confuso dentro de uma psicologia confusa, agravada ainda mais pela
confusão lacaniana: tão confuso que ele mesmo não consegue definir. E a confusão
deste conceito é
Eis novamente a inversão de perspectiva: a ideia de que é o "inconsciente" que "opera
para constituir o sujeito", e não que é o sujeito mesmo que opera através de sua
inteligência e livre-arbítrio, como compreende a "psicologia clássica", isto é, a
psicologia correta.
Assim, quanto mais próxima uma coisa está do mundo material, mais inconsciente e
menos consciência ela tem, e quanto mais se eleva acima da matéria, o contrário: de
modo que o inconsciente está para a consciência como a matéria está para o espírito.
Além disso é óbvio que os animais são dotados de inconsciente e o próprio instinto é
uma expressão do inconsciente animal. Por exemplo, a aranha" sabe" tecer uma teia e a
abelha "sabe" fazer o mel: mas trata-se de um saber inconsciente e pré-programado, por
assim dizer, em suas naturezas.
Pelo instinto necessário à sua sobrevivência o animal sabe o que fazer, mas não
compreende nada do que faz. Somente o homem pode conhecer as coisas com um certo
distanciamento intelectual, ou por aquilo que os filósofos antigos chamavam de
contemplação desinteressada.
Ora, as pedras são inconscientes. A areia, o fogo, o vento: são inconscientes. As plantas
são insconscientes, embora sejam vivas. Ou seja: o inconsciente não é uma coisa, mas
simplesmente um estado do ser que carece de consciência. Por outro lado, os animais já
não são totalmente inconscientes: pois possuem a cognição sensível da realidade, que é
uma forma inferior de consciência. Enquanto apenas o ser humano tem a consciência no
sentido pleno do termo
Com efeito, dessa cognição espiritual deriva uma forma de apetite igualmente espiritual:
que é a vontade livre. O comportamento humano não é absolutamente condicionado
pelas paixões
Não é preciso ser nenhum doutor em psicologia, portanto, para perceber a diferença
entre o intelecto e os afetos
Evidentemente a diferença essencial entre o homem e o animal irracional é que o
homem não se move pelas paixões, mas pelo intelecto e a vontade livre. É óbvio que,
sendo um animal, o homem tem os componentes da natureza animal, como as paixões,
Compreender a natureza objetiva de uma coisa é algo que vai muito além do que
simplesmente sentir uma qualidade da coisa.
Mas será mesmo que o intelecto se situa ao nível dos fenômenos do ego ou, pelo
contrário, não seria o próprio "ego" um conceito forjado dentro da psicanálise para
substituir a dimensão intelectual?
Trata-se daquilo que é conhecido como a "segunda tópica freudiana": a divisão tríplice
entre ego, id e superego, em contraposição ao que seria a sua "primeira tópica",
inconsciente, pré-consciente e consciência. O próprio Freud admite que o conceito de
ego foi elaborado para dar mais ênfase à consciência: afinal de contas é através da
consciência que temos acesso a toda forma de conhecimento, inclusive aquele que
supostamente vem do "inconsciente".
Nesse sentido, ao reconhecer que o ego , como ele mesmo diz no O Ego e o Id,
Não obstante, o fato é que essa psicologia freudiana é falsa e confusa desde o princípio
porque não distingue efetivamente entre as diversas potências da alma e sua ordem
hierárquica. O psiquismo não se divide realmente entre “inconsciente, pré-consciente e
consciência” ou “ego, id e super-ego”, mas as potências da alma se dividem
basicamente em cinco gêneros: as potências vegetativas, sensitivas, apetitivas,
locomotoras e intelectuais
Como já entendia o psiquiatra austríaco Rudolf Allers – o único católico que foi membro do
primeiro grupo de Freud –
Como toda ciência é o conhecimento das causas, a psicologia nada mais é do que a
compreensão das causas do comportamento humano. Com efeito, as causas do
comportamento dependem dos mecanismos do organismo humano