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O Oráculo da Impostura: uma introdução ao pós-modernismo lacaniano

"Aquele que se sabe profundo esforça-se para ser claro; aquele que gostaria de parecer
profundo à multidão esforça-se para ser obscuro".
Friedrich Nietzsche.

“Lacanianos" normalmente não se referem a Lacan como um simples pensador entre


outros, mas como o oráculo supremo da pseudoreligião psicanalítica. Eles se entregam à
exegese dos seus "Escritos" como se tratasse das Sagradas Escrituras e os discursos dos
seus “Seminários” como se fossem o sermão da montanha. Freud então... é o próprio
deus, o "Pai" da psicanálise.
Mas será que Lacan teria sido fiel ao evangelho freudiano? Foi mesmo o messias
prometido, o único capaz de fazer o retorno ao pai – o "retorno a Freud"? Ou devemos
esperar por algum outro? Teria rasgado o véu que envolvia o mistério do inconsciente
freudiano, ou o revestido com uma cortina de fumaça ainda mais densa? Teria destruído
o templo do farisaísmo psicanalítico, ou apenas construído uma nova torre de babel?
A comparação da psicanálise com uma religião não é nenhuma novidade entre os seus
críticos. E especialmente a comparação do lacanismo com uma espécie de seita vem de
ninguém menos que Maria Pierrakos: a estenotipista que registrou os discursos de Lacan
durante doze anos, no auge do sucesso de seus seminários, e que escreveu um pequeno
livro chamado A "batedora" de Lacan, onde ela expõe justamente a sua visão
privilegiada sobre as aulas do mestre.
Ao longo de uma carreira profissional que lhe permitiu presenciar várias figuras ilustres,
eis o que ela nos diz sobre o exótico psicanalista francês:
"Desde o primeiro momento, tive a impressão de um logro, de uma ilusão.
Jamais, em tempo algum, nenhum dos personagens que desfilaram diante de mim,
nem mesmo o sinistro médico-legista que se apresentou para os coronéis gregos
diante da Comissão dos Direitos Humanos em Estrasburgo, nenhum me causou a
impressão de impostura, impressão jamais desmentida ao longo dos anos.".
"A impostura revelava-se no ser monstruoso representado pela entidade
Lacan/auditório, par perverso que comungava numa linguagem secreta e em ritos
sectários, por um lado desvelando mistérios; por outro, a submissão e a adoração.
O murmúrio orgástico aplaudindo os ditos espirituosos do grande homem, os
movimentos varrendo a massa no momento de um achado, o abandono desse
grande corpo às ondas provocadas pela voz do Mestre, havia lá alguma coisa de
quase obsceno para aqueles que como eu, não participavam da comunhão, estando
na posição de observador.".
"A estenotipista deve ser um instrumento fiel e silencioso, ela deve ser o mais
transparente possível; sua existência só deve ser manifestada pela qualidade de
seus relatórios. Contudo, essa existência não é totalmente negada: do ministro
afável ao sindicalista resmungão - ou vice-versa - meus colegas e eu encontramos
todos os graus de cortesia comum. Porém, a medalha de ouro em matéria de
boçalidade, confiro-a solenemente a Jacques Lacan que, em doze anos, não me
dirigiu uma única vez a palavra (tudo era intermediado pela gentilíssima
tesoureira da Escola Freudiana).".

Como se vê, a opinião de Maria Pierrakos não é nada favorável a Lacan e seus sectários.
E do ponto de vista histórico estamos diante de uma testemunha praticamente ideal: pois
ao mesmo tempo em que presenciou mais aulas do que provavelmente qualquer aluno
de Lacan, ela não estava emocionalmente envolvida pelo mestre, que ela descreve,
basicamente, como um impostor. E apesar de ser uma obra curta e bastante
despretensiosa, em seu livro ela é capaz de resumir em poucas palavras o obscurantismo
pseudomístico do discurso lacaniano, bem como o clima de fanatismo religioso dos seus
seminários:
"... um outro procedimento atuava ainda no seminário, ou seja, o uso de fórmulas
sibilinas, abissais desencadeia uma excitação na interpretação: o real é o
impossível; a mulher, isso não existe; existe o Um; não existe relação sexual etc.".

De fato, esse talvez seja o principal mecanismo da sedução lacaniana: usando fórmulas
paradoxais e incompreensíveis, ele sabia envolver o seu discurso em uma aura de
mistério e falsa profundidade que, como realça Maria Pierrakos, sempre foi algo
fascinante ao ser humano:
"O homem sempre amou as fórmulas misteriosas e venerou seus intérpretes. O
papel dos grandes sacerdotes de Delfos era interpretar o oráculo; o papel dos
grandes sacerdotes de Epidauro – dos quais somos os descendentes, a partir de
Freud – era interpretar os sonhos dos doentes. Porém, Lacan não se satisfez,
enquanto bom analista, em ser intérprete, ele assumiu o lugar do deus ou da
esfinge ou da Pítia, ele é a Pítia e o grande sacerdote; ele diz o enigma e ele o
resolve.".

Não obstante, se Lacan era propositalmente obscuro na forma de expressar e interpretar


seus próprios oráculos, qual seria exatamente o conteúdo do seu discurso que foi capaz
de atrair tantos jovens intelectuais?
Para esclarecer esse aspecto do problema, a obra de François Roustang – um ex-aluno
que posteriormente veio a se "desconverter" do movimento – é de extrema relevância. A
seguir exponho algumas considerações que ele faz em seu livro Lacan, do equívoco ao
impasse, na primeira sessão onde ele se questiona justamente sobre Porquê o seguimos
durante tanto tempo?
"Como se sabe, ele [Lacan] estabeleceu elos entre, de um lado, a psicanálise e, de
outro, a filosofia, a etnologia, a linguística, a matemática, a etologia e até mesmo
a teologia. Daí a impressão de que ele realizava, numa época de especializações, o
que só havia sido possível nos séculos precedentes, uma síntese de todos os
conhecimentos, uma reaparição do bonnête homme.".
"Assim é que, desde 1968, havia-se difundido uma crença excessiva que fazia de
Lacan o detentor do grande segredo, aquele que ia ser capaz de fazer ou refazer a
unidade do conhecimento.".

Sendo assim, ao abordar as mais diversas disciplinas, Lacan soube imprimir em seu
discurso a aparência de um certo universalismo no qual todas as ciências seriam
convocadas para fazer uma revisão epistemológica da psicanálise: e isso se demonstra,
por exemplo, na sua tentativa de associar a linguística de Ferdinand Saussure e o
estruturalismo de Claude Levi-Strauss com as teorias de Freud, ou as filosofias de Hegel
e Heidegger. Nesse sentido, numa "época de especializações" o grande truque de Lacan
foi vender a imagem de que ele estaria fazendo a "síntese de todos os conhecimentos" –
a restauração da unidade da ciência, e não apenas da psicanálise – ou pelo menos essa
teria sido a impressão transmitida aos seus discípulos: a ilusão de que Lacan seria o
portador do "grande segredo".
No entanto, ao invés de uma “releitura” epistemológica da psicanálise através da
filosofia, Lacan tentou fazer justamente o contrário: colocar a própria psicanálise como
a filosofia suprema, da qual ele mesmo seria o mestre supremo, como explica François
Roustang:
"A abertura para o exterior transformou-se aos poucos na certeza de que qualquer
coisa podia vir a encontrar, nessa Escola e sob a orientação desse mestre, a luz
que lhe faltava. Houve uma espécie de retorno: todos os conhecimentos, que se
tratou de interrogar a princípio, só desempenharam depois um papel de segundo
plano, que visava a evidenciar aos olhos de todos a superioridade da psicanálise.
Uma pretensão incomensurável de ser o dono da verdade, já tão difundida entre
os psicanalistas de todas as correntes, tornava possível um terrorismo intelectual
que selava os lábios de todos os que confessavam não compreender e que
ousavam não aprovar tudo quanto se dizia ou acontecia.".
"Se seguimos Lacan, é porque ele foi um prestidigitador de gênio. Ele havia a
princípio convocado todas as disciplinas, pedindo-lhes que o ajudassem a tirar a
psicanálise de sua clausura. Contudo, mal elas se aproximavam, tratava-as como
doentes; elas só mostravam então ao grande médico (ele só via nelas) suas chagas,
seus defeitos, seus limites. Como a psicanálise se havia tornado, nesse meio-
tempo, uma especialista incomparável em chagas, defeitos, hiâncias, falhas e
outros gêneros de imperfeições, isso equivalia a dizer que, conhecedora da falha
das falhas, ela passava a ser, de agora em diante, a disciplina das disciplinas, ou
seja, a ciência das ciências.".
"Uma cultura onde a religião já não desempenha seu papel protetor obriga os
espíritos acanhados a preencherem, junto a um mestre, seu vazio persistente, ou
os grandes pensadores, prostrados de cansaço, a preservarem sua imprecisa
criação. Não apenas Lacan não constitui exceção, como também soube amplificar
o fenômeno utilizando o meio privilegiado que a psicanálise punha à sua
disposição.".
"Quanto a seu discurso, sabe-se que, à semelhança da interpretação analítica, ele
tinha para seus ouvintes o caráter obscuro de um oráculo. Lacan quis ser
permanentemente aquele em quem o saber era um pressuposto e, com esse
propósito, introduziu um dispositivo para impedir que se pusesse à prova o seu
saber.".
"Ao assumir a posição de mestre e ao produzir alunos que deviam permanecer
indefinidamente nessa situação, Lacan já não era apenas aquele em quem o saber
é um pressuposto; sabia e pretendia até ser o único a saber. Quantas vezes,
efetivamente, não nos repetiu ele que, acerca desta ou daquela questão, não
podíamos ultrapassar o ponto a que havia chegado, e que, para avançar um pouco
mais, teríamos de aguardar que ele se dignasse a dar um passo à frente. Não se
podia nem pensar em desautorizar o seu saber, que ele convertera num marco
intransponível.".

Portanto, além de exercer uma forma de terrorismo intelectual sobre seus alunos – do
tipo “se você não me seguir eu não vou te contar o grande segredo” –, para se tornar
essa espécie de mestre absoluto Lacan basicamente tentou colocar a psicanálise acima
de todas as ciências, e a si mesmo acima de Deus.
Por outro lado, seria muita ingenuidade entender os discípulos de Lacan somente como
figuras passivas em todo esse processo de histeria coletiva ocorrida ao longo de seus
Seminários. Por mais paradoxal que isso possa parecer, não apenas aquele que engana,
mas os enganados também devem exercer algum papel ativo na própria enganação:
como uma hipnose que não funciona sem o consentimento da vítima.
Lembremos que Maria Pierrakos não atribui o qualitativo de impostura apenas a Lacan,
e sim ao "par monstruoso Lacan/auditório"; enquanto o psicanalista Cornelius
Castoriades, referindo-se ao livro de François Roustang que acabamos de citar, também
chega à mesma consideração: "O que Roustang quer dizer deixa-se resumir facilmente
no seguinte: sim, o lacanismo é monstruoso. Sim, Lacan e os lacanianos formam um
círculo alienado e alienante (...)".
Outro excelente trabalho que explora esse aspecto do “caso Lacan” é um artigo escrito
pelos acadêmicos Filip Buekens e Maarten Boudry, intitulado The Dark Side of the
Loon: Explaining the Temptations of Obscurantism (O lado negro do lunático:
explicando as tentações do obscurantismo). De forma geral, os autores identificam não
apenas os truques utilizados pelo mestre obscurantista na sua forma de ensinar, como
também os mecanismos psicológicos que, da parte daqueles que recebem o
ensinamento, contribuem para a aceitação do discurso obscurantista.
Por "obscurantismo" os autores compreendem um movimento deliberado no qual o
sujeito elabora um complexo jogo de espelhos e fumaça verbal para sugerir
profundidade e insight onde não existe. A acusação é de que o obscurantista não tem
nada de significativo para dizer e realmente não compreende a complexidade do
assunto que ele está tratando, mas mesmo assim quer manter as aparências.
Consequentemente, essa promessa de atingir um conhecimento profundo mantém seus
interlocutores cativos em uma busca permanente de compreensão.
Da parte daquele que ensina, os autores identificam duas maneiras pelas quais o mestre
obscurantista tenta blindar sua teoria contra qualquer forma de criticismo: através de
estratégias imunizadoras e mecanismos epistêmicos de defesa.
A estratégia imunizadora consiste de elementos que não são essenciais à teoria proposta
pelo mestre, mas que são utilizados justamente para reforçá-la em relação às críticas:
como, por exemplo, o relativismo radical a respeito da verdade ("a verdade é sempre
relativa a um discurso, então, se você critica Lacan, os seus argumentos perdem o
sentido porque você está falando de um tipo diferente de discurso"), certas formas de
construtivismo social ("todo discurso cria sua própria versão do mundo, então a sua
crítica não se aplica ao meu paradigma"), ou falácias em geral (argumentos ad
hominem, espantalhos, falsos dilemas, etc).
Já os mecanismos epistêmicos de defesa são elementos intra-teóricos que tornam a tese
obscurantista praticamente irrefutável. Por exemplo: se você procura expor a falsidade
do discurso lacaniano, então você não compreendeu que "a verdade tem uma estrutura
de ficção"; e se você o acusa de nunca fornecer respostas definitivas é porque você não
captou que "o significante remete sempre a outro significante"; e se você argumenta que
sua teoria é ilógica e incoerente com a realidade, então você ignora que o real é
"impossível", "sem-lei", "sem ordem", etc.
Por sua vez, da parte dos discípulos os autores identificam dois mecanismos
psicológicos que alimentam a teoria obscurantista: o que eles chamam de caridade
interpretativa e a aversão à perda.
A caridade interpretativa (ou "acomodação racional") consiste basicamente no seguinte:
quando ouvimos um discurso sobre um assunto que não compreendemos, tendemos a
supor que, no mínimo, o próprio emissor do discurso o compreende; dessa forma,
quando não compreendemos algo, presumimos que isso se deve à nossa própria
ignorância do assunto, e assim buscamos reconstruir uma interpretação mais caridosa
sobre o que foi dito, conforme a própria natureza cooperativa da comunicação. Nesse
sentido, se de fato não é possível haver um assentimento completo em relação a uma
teoria sem a sua compreensão prévia, por outro lado também é natural aceitarmos certas
proposições da teoria antes de compreendê-la totalmente. Como explicam os autores, a
estratégia obscurantista se fundamenta numa espécie de perversão desse mecanismo
cognitivo: "a promessa velada é que você o compreenderá completamente – você irá
apreender o significado escondido e adquirir um insight profundo – mas não antes de
aceitar suas proposições".
A aversão à perda, por outro lado, também desempenha uma influência importante em
todo esse processo. Como observam os autores, do ponto de vista racional não importa
quanto tempo e esforço você investiu para estudar e interpretar o obscurantista, isso por
si só não deveria afetar a sua avaliação sobre o valor científico do conteúdo estudado.
No entanto, não foi preciso o advento da psicanálise para nos ensinar que o homem nem
sempre age conforme as motivações racionais. A simples vergonha de ter sido enganado
já é o suficiente para acionar essa espécie de "mecanismo de defesa" pelo qual o
intérprete ludibriado abusa da caridade interpretativa sem querer admitir que, no final
das contas, não havia nenhum significado profundo e tudo foi uma grande perda de
tempo. Ademais, como a teoria de Lacan é estruturalmente vaga, por assim dizer, – algo
obscuro é algo que não possui nitidez, algo cuja forma não se define – ela estimula o
intérprete a projetar significados que não estão efetivamente contidos em suas
proposições. Assim o indivíduo acha que está "interpretando" Lacan, quando na verdade
ele mesmo está inventando sua própria "teoria” baseada em Lacan.
Muito mais agradável do que lidar com a boa e velha aversão à perda – a "castração",
como se diz –, ao "lacaniano" se oferece essa possibilidade incrível de não se limitar a
ser apenas um simples filósofo ou cientista no sentido tradicional, mas praticamente o
intérprete de um oráculo: um dos poucos iluminados que conseguem compreender o
mestre, tornando-se ele mesmo o portador do grande segredo.
Ainda sobre o obscurantismo lacaniano vale conferir o artigo de Richard Webster
intitulado The cult of Lacan – Freud, Lacan and the mirror stage. Além de exemplificar
as diversas desonestidades intelectuais do mestre, o autor relata alguns depoimentos de
pessoas que conviveram com Lacan ou leram seus escritos na época em que foram
publicados. Entre eles encontra-se outro ex-aluno de Lacan, chamado Didier Anzieu,
que em 1967 condena o seu professor por manter os seus alunos aprisionados a uma:
"dependência interminável de um ídolo, uma lógica ou uma linguagem,
estendendo a promessa de revelar verdades fundamentais mas apenas em um
momento posterior, e apenas àqueles que continuarem viajando com ele'." .

Ademais, Webster ressalta o efeito intimidador do obscurantismo lacaniano:


"(...) Para leitores preocupados com os seus próprios poderes intelectuais o seu
hábito [de Lacan] de se referir ao arcano, ou a teorias pessoais e indiossincráticas
como se elas fossem ortodoxias familiares irá quase certamente intensificar
sentimentos de insegurança intelectual. Dessa forma a prosa de Lacan é passível
de conquistar o seu leitor pelo seu poder absoluto de constranger e intimidar. O
poder intimidatório de suas formulações é intensificado pela absoluta obscuridade
de sua prosa. (...)".

Em contrapartida, se Lacan conseguia conquistar os jovens estudantes intelectualmente


inseguros e despreparados, o mesmo não acontecia entre os seus pares. Em outro artigo
intitulado Lacan goes to the opera, Webster menciona um curioso episódio que ocorreu
entre Lacan e o filósofo Noam Chomsky, nos Estados Unidos:
"Mais tarde Lacan escandalizou todo mundo durante uma leitura no Instituto de
Tecnologia de Massachusetts pela forma como ele respondeu uma questão sobre o
pensamento colocada por Noam Chomsky. 'Nós pensamos que pensamos com
nossos cérebros', disse Lacan. 'Mas eu particularmente penso com os meus pés.
Essa é a única forma que eu entro em contato com algo sólido. De fato eu
ocasionalmente penso com a minha testa, quando eu esbarro em algo. Mas eu já
vi eletroencefalogramas suficientes para saber que não há o menor traço de
pensamento no cérebro'. Ao ouvir isso, Chomsky concluiu que ele devia ser um
louco. (...)".

Eis agora o que o próprio Noam Chomsky comenta a respeito de Lacan e a


intelectualidade francesa em geral:
"Eu realmente conheci Jacques Lacan. E eu até que gostava dele. Nós nos
encontrávamos de vez em quando. Mas para ser honesto eu penso que ele era um
completo charlatão. Ele apenas posava para as câmeras de televisão como fazem
muitos intelectuais de Paris.".
“Em minha opinião, a vida intelectual francesa tem se transformado em algo
barato e vulgar pelo sistema 'estrela'. É como em Hollywood. Assim a gente vai
de um absurdo para outro – Stalinismo, existencialismo, Lacan, Derrida – alguns
deles obscenos (Stalinismo), outros simplesmente infantis e ridículos (Lacan,
Derrida). O que é impressionante, de qualquer forma, é a pomposidade e a auto-
importância que eles exibem no palco.".

Como se vê, três testemunhas completamente independentes fornecem a mesma visão


sobre Lacan: considerado como uma espécie de charlatão intelectual por Noam
Chomsky, e um pseudoguru por Maria Pierrakos e François Roustang. Além disso,
Buekens, Boudry e Webster descrevem algumas das falácias teóricas e dos mecanismos
psicológicos por trás do culto lacaniano. Não obstante, qual seria a visão que alguém de
fora das “ciências humanas” poderia ter sobre a obra de Lacan?
Nesse sentido, o livro dos acadêmicos Alan Sokal e Jean Bricmont – ambos
especialistas em matemática e física – chamado Fashionable Nonsense: Post Modern
Intellectuals Abuse of Science, é extremamente valioso para responder essa questão:
uma vez que o seu objetivo é demonstrar justamente os diversos abusos teóricos que
certos intelectuais franceses, denominados "pós-modernos", fazem das ciências naturais,
entre eles o Sr. Jaques Lacan.
De forma específica, os autores se concentram em demonstrar os abusos teóricos com
relação à matemática, uma vez que, durante praticamente todo o seu ensino, Lacan
procura fazer associações entre conceitos matemáticos e psicológicos, como no exemplo
a seguir:
"Se vocês me permitirem usar uma dessas fórmulas que veio até mim enquanto eu
escrevia as minhas notas, a vida humana poderia ser definida como um cálculo
em que zero fosse irracional. Essa fórmula é apenas uma imagem, uma metáfora
matemática. Quando eu digo 'irracional', eu estou me referindo não a um estado
emocional insondável mas precisamente ao que é chamado de número
imaginário.".

Como os autores ressaltam, ao mesmo tempo em que se gaba de ser "preciso" Lacan
confunde duas entidades matemáticas absolutamente diferentes: o número irracional e o
número imaginário. Não obstante, o que a vida humana poderia ter a ver com "um
cálculo em que zero fosse irracional"? Lacan não fornece nenhum argumento para
justificar tal estupidez – o que também seria impossível, uma vez que ele simplesmente
não domina os conceitos utilizados. Nesse sentido, trata-se de um exemplo daquilo que
os autores definem como o principal problema entre os intelectuais pós-modernos: seus
discursos teoréticos desconectados de qualquer fundamentação empírica e
frequentemente desprovidos sequer de uma lógica interna.
Em um comentário sobre o livro de Sokal e Bricmont, o biólogo Richard Dawkins
também realça os absurdos do discurso lacaniano, citando, em seguida, os próprios
autores:
"Sokal and Bricmont são professores de física, respectivamente, na Universidade
de Nova York e na Universidade de Louvain na Bélgica. Eles limitaram a sua
crítica àqueles livros que se aventuraram a evocar conceitos da física e da
matemática. Aqui eles sabem o que estão falando, e possuem um veredicto
inequívoco. Sobre Jaques Lacan, por exemplo, cujo nome é reverenciado por
muitos departamentos de ciências humanas nas universidades dos Estados Unidos
e Inglaterra:
'... apesar de Lacan usar algumas palavras-chave da teoria matemática da
compacidade, ele as mistura arbitrariamente e sem a menor relação com o
verdadeiro significado delas. Sua 'definição' da compacidade não é apenas falsa: é
pura bobagem'.".

Mais adiante Dawkins exemplifica outro abuso teórico cometido por Lacan no que se
refere aos termos matemáticos, que Sokal e Bricmont também mencionam no livro. Nas
palavras de Lacan:
"Assim, calculando a significação de acordo com o método algébrico usado aqui,
nominalmente:
S (significante) = s (o enunciado), com S = (-1), produz: s = raiz quadrada de -1. s
(significado)."

Eis o comentário de Dawkins:


"Você não precisa ser um matemático para ver que isso é ridículo. (...) Em um
raciocínio posterior que é típico do gênero (pós-moderno), Lacan prossegue
concluindo que o órgão erétil:
'... é equivalente à significação produzida acima, do gozo que é restaurado pelo
coeficiente da enunciação à função da falta do significante (-1)'.".
"Nós não precisamos ser especialistas em matemática como Sokal e Bricmont
para nos assegurarmos que o autor de tal afirmação é uma fraude. Talvez ele seja
genuíno quando fala de assuntos não científicos? Mas um filósofo que é pego
identificando o órgão erétil com a raiz quadrada de menos um, na minha opinião,
tem estourada todas as suas credenciais...".

Portanto, intelectuais acostumados com o discurso lógico e os métodos das “ciências


naturais” – como Sokal, Bricmont e Dawkins – ficam simplesmente escandalizados
diante do charlatanismo lacaniano.
Ademais, outro livro importantíssimo sobre a teoria lacaniana é o The absolute Master,
de Mikkel Borch-Jacobsen, onde logo no início ele cita a seguinte frase de Lacan,
contida no Seminário 3:
"(...) Para um analista, abordar a questão do plagiarismo no registro simbólico
deve estar em primeiro lugar centrado na ideia de que o plagiarismo não existe.
Não há propriedade simbólica. (...)".

Como se vê, aqui nos deparamos com mais um gigantesco mecanismo epistêmico de
defesa: pois se "não há propriedade simbólica" e “o plagiarismo não existe”, então
Lacan está livre para roubar a propriedade simbólica dos outros tranquilamente sem ser
acusado de plágio; e se você acredita que está roubando as ideias do "outro", é porque
você imagina que o "outro" possui um conhecimento que ele não tem. Ao invés disso
você deveria entender que a ideia não pertence a ninguém, e ninguém pode pensar por
si mesmo: isso pensa, sem você.
No entanto, apesar do hábito de ocultar suas fontes para transmitir a impressão de
originalidade, a “teoria” de Lacan nada mais é do que uma salada mista de outras teorias
filosóficas incompreendidas e re-significadas conforme o capricho do oráculo
parisiense. Em primeiro lugar, o famoso “estilo” de Lacan, que os seus adeptos julgam
ser algo super original, é totalmente inspirado no dadaísmo e especialmente no
movimento surrealista de André Breton: o seu desprezo pela “ordem”, pelo discurso
lógico, pela “moral burguesa” e, em contrapartida, o seu gosto pelo “sem sentido”, pelo
bizarro e paradoxal, a sua confusão entre a realidade e o sonho, bem como a crença de
que a “loucura” é superior à “razão” – tudo isso vem do surrealismo; os seminários e
escritos de Lacan são como os quadros de Salvador Dali, porém muito piores. Por outro
lado, a famosa tese de que “o desejo é o desejo do Outro" é apenas um plágio malfeito
da filosofia de Kojeve, que foi o mestre de Lacan nos anos trinta, o qual fazia uma
releitura marxista da filosofia de Hegel. Já o grande aforismo de que "o inconsciente é
estruturado como uma linguagem" reflete os anos em que Lacan surfou na onda do
estruturalismo de Claude Levi-Strauss, enquanto a sua teoria sobre o “significante”,
inspirada em Ferdinand de Saussure, é pura besteira.
De forma geral, a doutrina lacaniana pode ser resumida em uma única palavra: pós-
modernismo. Todos os intelectuais pós-modernos – como Derrida, Foucault, Lyotard,
Rorty e o próprio Lacan – basicamente usam os filósofos do idealismo alemão, como
Kant, Hegel, Nietzsche e Heidegger, para forjar uma filosofia anti-realista,
construtivista e coletivista.
Como nota o acadêmico Stephen Hicks, os intelectuais pós-modernos são
metafisicamente céticos e alegam que é impossível falar sobre a existência de uma
realidade independente e objetiva; mas fornecem, ao invés disso, uma explicação
radicalmente construtivista do real. Ao contrário dos filósofos que caracterizaram o
período moderno, os pós-modernistas rejeitam a pretensão da racionalidade iluminista
ou qualquer outro método de se chegar a um conhecimento objetivo da realidade
natural, que eles substituem por constructos socio-linguísticos, enfatizando assim a
subjetividade, a convencionalidade e a "relatividade" desses constructos. Ademais, a
abordagem pós-modernista à natureza humana é essencialmente coletivista, sustentando
que as identidades individuais são absolutamente determinadas pelos vários grupos
socio-linguísticos ou "culturais" dos quais elas fazem parte – grupos esses que variam
radicalmente através das dimensões do sexo, etnia, posição social, etc. E dessa forma o
pós-modernismo enfatiza principalmente as relações de conflito entre os grupos. E
justamente por eliminar o papel da razão, sustenta que esses conflitos são resolvidos,
seja de forma explícita ou implícita, primariamente pela força: e assim o uso da força
leva a relações de dominação, submissão, opressão, revolta, e assim por diante.
Por sua vez, Lacan possui, em maior ou menor grau, todas essas características
fundamentais do pós-modernismo que ele ajudou a criar. Ele é explicitamente anti-
realista e construtivista em sua concepção da realidade: sustentando que "o real não tem
ordem" e que "não é possível dizer o verdadeiro sobre o verdadeiro" porque “a verdade
tem uma estrutura de ficção”. Como todos os pós-modernistas, ao invés de considerar a
razão como o elemento distinto do ser humano e a sua faculdade superior, Lacan
obsessivamente trata sobre o "desejo" e a sua suposta insatisfação perpétua. A ênfase no
elemento do conflito também se vê, por exemplo, quando Lacan opõe o suposto
"discurso do mestre" em relação ao "discurso do analista": como se o primeiro
fabricasse uma "verdade fictícia", em oposição ao místico analista para quem a verdade
é "não-toda". Ademais, o elemento do conflito também pode ser visto em sua famosa
fórmula "a relação sexual não existe": que opõe radicalmente o homem e a mulher,
negando qualquer forma de completude ou harmonia entre os sexos. Além disso,
embora a obra de Lacan seja praticamente nula do ponto de vista político, as suas
tendências marxistas também são evidentes.
Por fim, uma filmagem vale mais do que mil palavras: temos a oportunidade de ver o
próprio Lacan encenando o seu teatro dadaísta diante das câmeras, em duas gravações
antigas que estão disponíveis no site do youtube. A primeira é uma “entrevista” dirigida
pelo seu genro e puxa-saco absoluto Jaques Alain Miller, que foi transmitida por um
programa de Televisão; enquanto a outra é a gravação de uma conferência que Lacan
realizou na Universidade Católica de Louvain, em 1972.
Em ambas nós vemos exatamente o que Sokal e Bricmont descrevem sobre as “teorias”
pós-modernistas: um discurso desconectado de qualquer referência empírica ou sequer
uma lógica interna. A arrogância lacaniana é diretamente proporcional à absoluta
infantilidade e estupidez do seu obscurantismo ridículo: ao mesmo tempo em que deseja
posar como um grande intelectual, Lacan não fala e nem age como um intelectual que
propõe uma determinada tese e simplesmente a defende com evidências e argumentos
lógicos, mas como um oráculo que está canalizando uma mensagem do “inconsciente”.
Enquanto um intelectual normal adapta a sua linguagem de acordo com o público a que
se dirige, e tem a preocupação de ser compreendido, Lacan quer transmitir a impressão
de que possui uma “verdade” tão profunda que é necessário inventar uma nova
“linguagem”: e assim é o público que tem que se adaptar ao seu discurso sibilino e
surrealista para atingir um “real” que, no fundo, é incompreensível de qualquer maneira.

Lacan e suas fórmulas paradoxais


Dizer que Lacan tem uma “teoria” é ofender o próprio conceito de “teoria”. De forma
geral, uma “teoria” é um conjunto de proposições racionalmente organizadas para se
referir a algo real e simplesmente expressar a verdade, enquanto o que Lacan apresenta
é um discurso deliberadamente obscuro e pomposo feito para seduzir e intimidar as
almas frágeis da jovem intelectualidade parisiense, com fórmulas patéticas e paradoxais
que pretendem revelar mistérios inefáveis sobre a psicologia humana.

- Lacan: um “mestre” contra o “sistema”


Ao invés de se apresentar como psiquiatra ou psicanalista, logo no primeiro discurso do
seu primeiro Seminário Lacan se compara a um “mestre budista”:
“O mestre interrompe o silêncio com qualquer coisa, um sarcasmo um
pontapé.
É assim que procede, na procura do sentido, um mestre budista, segundo a
técnica zen. Cabe aos alunos, eles mesmos, procurar a resposta às suas
próprias questões. O mestre não ensina ex-cathedra uma ciência já pronta,
dá a resposta quando os alunos estão a ponto de encontrá-la.
Essa forma de ensino é uma recusa de todo sistema”
Apesar de nesse Seminário – ou em qualquer outro – Lacan não se aprofundar de modo
algum no que seria a “técnica zen”, vemos que ele quer passar a impressão para a sua
platéia de que o que ele está fazendo tem alguma coisa a ver com essa técnica. Mais
ainda, se nesse sentido ele coloca o budismo sob uma luz favorável, por outro lado ele
já demonstra o seu viés anti-católico ao se colocar como um “mestre” que “não ensina
ex-cathedra”: praticamente se confessando como um mero charlatão enrolador que não
tem uma “ciência já pronta” mas que “dá a resposta quando os alunos estão a ponto de
econtrá-la”.
Ora, mas se “cabe aos alunos, eles mesmos, procurar a resposta para suas próprias
questões”, então para que serve o “mestre”? É claro que uma pessoa deve buscar por si
mesma as respostas para suas questões, mas uma das funções do mestre ou professor de
qualquer ciência é justamente facilitar a vida do aluno, criando atalhos, poupando o
tempo e qualquer esforço intelectual que seja vão. O verdadeiro mestre não tem o menor
interesse em esconder seu conhecimento ou manter seus discípulos no suspense e na
expectiva eterna, enquanto o teatro surrealista que Lacan está armando é basicamente
esse: eu tenho o conhecimento – eu sou o “sujeito suposto saber” –, mas não vou
relevar as respostas das suas perguntas… A não ser se vocês me seguirem – e tudo isso
sob a sugestão de estar usando algo análogo à “técnica zen”.
Essa “forma de ensino” que Lacan propõe como uma “recusa de todo o sistema”, parece
uma frase dita por um adolescente rebelde, embora ele queira soar como uma espécie de
“mestre” espiritual. Mas do ponto de vista científico e filosófico, a “recusa de todo
sistema” é simplesmente uma ideia estúpida que reflete a estupidez do seu próprio autor.
Toda ciência verdadeira é “sistêmica” porque busca refletir a ordem sistêmica do
próprio Cosmos. Sendo assim, a “recusa de todo sistema” é a recusa da própria
realidade que caracteriza a ficção lacaniana.

- Lacan: o idólatra de Freud


Todo idólatra tem o ídolo que merece. E no caso de Lacan, ele resolveu fazer de seu
ídolo supremo o igualmente charlatão, mentiroso e sociopata Dr. Freud. Eis o que
psicanalista bon-vivant de Paris diz ainda no seu primeiro discurso:
“O pensamento de Freud é o mais perpetuamente aberto à revisão. É um erro reduzí-lo a
palavras gastas. Nele, cada noção possui vida própria. É o que se chama precisamente
de dialética”
Não espere de Lacan, portanto, uma análise objetiva sobre Freud e sua obra. Essas não
são as palavras de um intelectual que vai simplesmente rever, julgar e avaliar
criticamente o trabalho do seu par, mas é o discurso de um idólatra emulando o seu
falso deus. O “pensamento de Freud”, além de ser apresentado como “o mais
perpetuamente aberto à revisão”, não deve ser escrutinado e colocado em dúvida pelo
método científico como um outro pensamento qualquer, porque nele “cada noção possui
vida própria”.
Pior ainda, Lacan sugere que esse discurso charlatanesco é “o que se chama
precisamente de dialética”. Ora, a dialética, tal como entedida pelos filósofos gregos,
envolve necessariamente a confrontação de hipóteses contrárias: e se tem uma coisa que
Lacan definitivamente não faz é justamente confrontar as críticas à teoria psicanalítica e
ao próprio Freud. Por exemplo, Lacan não faz nenhuma investigação relevante sobre a
própria vida e o caráter de Freud, se atendo apenas à biografia (ou hagiografia) de
Ernest Jones, que também era um idólatra do Doutor Estranho de Viena – viciado
cocaína, obsessivo por fama e dinheiro, hipnotizador fajuto, mentiroso e amante da
própria cunhada, plagiador e traidor dos seus próprios amigos, falsificador de resultados
terapêuticos, desprezado e odiado pelos seus próprios pacientes, como se vê no
avassalador livro de Frederic Crews, Freud: the making of a ilusion. Lacan nunca se
presta a expor e quanto menos refutar as críticas que outros psicólogos e pensadores
importantes, como o próprio Carl Jung, Rudolf Allers, Victor Franklil, Sartre, Abraham
Maslow, Karl Popper e tantos outros corretamente fizeram contra a teoria psicanalítica.
Pelo contrário, no teatro pseudomístico de Lacan, a suposta superioridade da teoria
psicanalítica em relação a todas as escolas de psicologia e filosofias do mundo seria
uma verdade auto-evidente, uma vez que foi revelada diretamente pela autoridade
infalível de deus-Freud cujo oráculo e intérprete legítimo seria o deus-filho-Lacan: o
único mediador e sumo sacerdote do evangelho freudiano.

- Hegelianismo lacaniano: Lacan e Hegel não sabem a diferença entre um


“conceito” e uma “coisa”
Em sua obstinada “recusa de todo sistema”, a “teoria” lacaniana é falsa pelo simples
fato de que todos os seus conceitos são absolutamente confusos. E tal confusão
conceptual se demonstra especialmente quando o “mestre zen” da boemia parisiense é
incapaz de sequer definir a própria ideia de um “conceito”, como se vê ainda no seu
primeiro discurso:
“Temos de nos aperceber de que não é com a faca que dissecamos, mas com
conceitos. Os conceitos têm sua ordem de realidade original. Não surgem da
experiência – senão seriam bem feitos… Toda ciência permanece, pois, muito
tempo nas trevas, entravada na linguagem”

Evidentemente é o próprio Lacan que está entravando a ciência no obscurantismo da sua


linguagem surrealista, onde os seus conceitos mal feitos realmente “não surgem da
experiência”, mas dos caprichos da sua imaginação. Afinal, quem seria tolo o suficiente
para sequer cogitar que os conceitos não surgem da experiência? Resposta: alguém que
aparentemente não sabe diferenciar entre um elefante real e um elefante abstrato. Nesse
mesmo Seminário, mais tarde Lacan vai chocar a sua audiência com a seguinte fala:
"A palavra ou o conceito não é outra coisa para o ser humano do que a palavra na
sua materialidade. É a coisa mesma. Isso não é simplesmente uma sombra, um
sopro, uma ilusão virtual da coisa, é a coisa mesma.
Reflitam um instantinho sobre o real. É porque a palavra elefante existe na sua
língua, e porque o elefante entra assim nas suas deliberações, que os homens
puderam tomar em relação aos elefantes, antes mesmo de tocá-las, resoluções
muito mais decisivas para esses paquidermes do que o que quer que lhes tenha
acontecido na sua história - a travessia de um rio ou a esterilização natural de uma
floresta. Só com a palavra elefante e a maneira pela qual os homens a usam,
acontecem, aos elefantes, coisas, favoráveis ou desfavoráveis, fastas ou nefastas -
de qualquer maneira, catastróficas - antes mesmo que se tenha começado a
levantar em direção a eles um arco ou um fuzil.
Aliás, é claro, basta que eu fale deles, não há necessidade de que estejam aqui,
para que estejam aqui, graças à palavra elefante, e mais reais do que os indivíduos
- elefantes contingentes.".

A absoluta futilidade dessas declarações dispensam qualquer comentário. Lacan


desperdiça o tempo e a energia intelectual de sua plateia com um discurso simplesmente
pueril, exibicionista e bizarro onde ele finge que não sabe a diferença entre uma coisa
material e um conceito abstrato – entre um elefante real e a ideia do elefante. E
praticamente nas últimas sessões do Seminário, ele tenta justificar essa “dialética”
jogando o nome de Hegel:
"Lembrem-se do que Hegel diz do conceito: - O conceito é o tempo da coisa.
Certo, o conceito não é a coisa no que ela é, pela simples razão de que o conceito
está sempre onde a coisa não está, ele chega para substituir a coisa, como o
elefante que fiz entrar na sala por intermédio da palavra elefante. Se isso chocou
tanto alguns de vocês, é que era evidente que o elefante estava aí a partir do
momento em que o nomeamos. O que é que pode estar aí, da coisa? Não é nem
sua forma, nem sua realidade, porque, no atual, todos os lugares estão tomados.
Hegel diz isso com grande rigor – o conceito é o que faz com que a coisa esteja aí,
não estando".

Como se vê, Lacan também nutria certa admiração por Hegel. Na verdade o próprio
estilo obscuro de Lacan é definitivamente influenciado e possibilitado pelo
obscurantismo de Hegel: certamente um dos filósofos mais influentes do idealismo
alemão, cuja obra é simplesmente uma confusão metafísica e epistemológica.
Novamente não se deve esperar de Lacan uma análise crítica do seu ídolo, pois ele
simplesmente vai usar dos conceitos hegelianos de forma mais ou menos aleatória para
justificar suas próprias ideias mirabolantes. De fato, o próprio Hegel tem uma ideia
totalmente confusa sobre o que é um “conceito”, em seu hiper-confuso e ridículo livro A
Fenomenologia do Espírito:
"Chamemos conceito o movimento do saber, e objeto, o saber como unidade
tranquila e como Eu; então vemos que o objeto corresponde ao conceito, não só
para nós, mas para o próprio saber. Ou, de outra maneira: chamemos conceito o
que o objeto é em-si, e objeto o que é como objeto ou para-um Outro; (...)".

Evidentemente, a afirmação de que o conceito é o "tempo da coisa" ou que ele está


"sempre onde a coisa não está", como faz Lacan, ou mesmo associá-lo ao "movimento
do saber", como faz Hegel, é simplesmente uma pilha de besteiras que não explicam
absolutamente nada sobre a diferença entre um “conceito” e uma “coisa”. Pior ainda,
Hegel confunde o conceito com o próprio objeto, mais ou menos como Lacan confunde
o elefante abstrato com o elefante real, como acabamos de demonstrar. No entanto, o
conceito não pode ser o "tempo da coisa" porque a sua estrutura é justamente
atemporal, não pode ser associado ao "movimento" justamente pela sua imutabilidade,
e não se identifica com o próprio “objeto” porque esse é individual, enquanto o conceito
é universal.
O único movimento em questão – envolvido na formação do conceito – é o ato do
intelecto abstrativo capaz de separar as formas imateriais das condições materiais em
que elas se apresentam. Assim a perfeição da esfera, por exemplo, pode se encontrar
nesta ou naquela esfera de bronze, chumbo, ouro, etc, mas o conceito de esfera enquanto
tal não se limita a nenhuma matéria específica, não pode ser gerado ou corrompido e
nem alterado em sua natureza: a ideia de esfera é uma possibilidade geométrica,
imaterial, universal, atemporal – transcendental – que o intelecto humano abstrai do
mundo material. Um “objeto”, por sua vez, não é abstrato, mas concreto; composto não
apenas de uma essência formal, mas de uma matéria individual: como uma esfera
concreta não se faz apenas da forma abstrata da esfera, mas do material utilizado para
assumir aquela forma.
Seja como for, é evidente que tanto a filosofia hegeliana quanto a lacaniana consistem
numa confusão mental totalmente desprovida de fundamento empírico, onde eles
ignoram ou rejeitam os conceitos mais básicos da metafísica e da epistemologia, como a
diferença entre a matéria e a forma ou a compreensão do próprio ato abstrativo pelo
qual os conceitos universais são formados à partir da experiência com as coisas
individuais.

- Lacan não sabe a diferença entre a psicologia humana e a psicologia animal


Eis o que Lacan diz ainda no seu primeiro Seminário:
“É, aliás, a única diferença verdadeiramente fundamental entre a Psicologia
humana e a Psicologia animal. O homem se sabe como corpo, quando não há
afinal de contas nenhuma razão para que se saiba, porque ele está dentro. O
animal também está dentro, mas não temos nenhuma razão para pensar que o
representa para si”

Ora, mas se o homem se sabe como corpo, diferente do animal irracional, a questão é:
em virtude de qual potência ele realiza esse ato de saber? Resposta: pela potência
superior do intelecto, que é absolutamente ignorada e rejeitada na psicologia lacaniana.
De forma geral, enquanto os animais se movem pelas potências vegetativas e sensitivas,
bem como as paixões do apetite sensível, apenas o homem tem o apetite intelectual:
apetite esse que, ao menos de forma implícita, Lacan pretende satisfazer em seus
discípulos ao mesmo tempo em que nega qualquer relevância ou até mesmo a própria
existência da potência intelectual.

- Lacan contra Anna Freud: o curioso caso de um intelectual anti-intelectual


Ao longo de todo o seu ensino, Lacan usa o seu próprio intelecto à torto e à direito para
enganar os intelectos de seus discípulos com um falso conhecimento, ao invés de
fornecer uma teoria consistente sobre o que é o próprio intelecto e o ato do
conhecimento. Pelo contrário, desde o seu primeiro Seminário ele vai se voltar contra a
chamada “psicologia do ego” e especialmente contra ninguém menos que a própria filha
do seu ídolo Dr. Freud:
“O ponto de vista de Anna Freud é intelectualista, e a leva a formular que tudo
deve ser conduzido, na análise, a partir da posição mediana, moderada, que seria a
do eu. Tudo parte nela da educação ou da persuasão do eu, tudo deve voltar para
ali.”

Como se vê, Anna Freud é criticada por ser “intelectualista” e colocar o “ego” como a
instância mediadora do tratamento psicanalítico, exatamente como formulou o próprio
Freud: o “ego” seria a parte consciente responsável por fazer a mediação entre as
pulsões irracionais do “id” e as exigências do “super-ego” e do “princípio da realidade”.
Mas ainda, Anna Freud é criticada por esse método de “educação” e “persuação” do
ego, como se Lacan não estivesse justamente educando e adestrando os egos de seus
discípulos para aceitarem o seu próprio discurso egocêntrico e anti-intelectualista.
Ainda no primeiro Seminário, eis o que Lacan diz sobre o intelecto:
(...) Se o intelectual se situa em alguma parte, é ao nível dos fenômenos do ego,
na projeção imaginária do ego, pseudoneutralizada - pseudo no sentido de mentira
- que a análise denunciou como fenômeno de defesa e resistência.".

Como se vê, na psicologia lacaniana o intelecto não é reconhecido como a potência


superior da alma, mas se torna uma “projeção imaginária do ego”. No entanto, Lacan
não aborda o problema fundamental da teoria psicanalítica que é justamente a falta de
uma clara definição sobre o que é o “ego”.
Mais adiante ele vai afirmar que o “ego” não tem nada a ver com as “instâncias
superiores”:
“Quando Freud fala do ego, não se trata de forma alguma de não sei o que de
incisivo, de determinante, de imperativo, por onde ele se confundiria com o que
se chama, na Psicologia acadêmica, instâncias superiores.”

Porém a verdade é que o próprio Freud, no famoso O Ego e o Id, afirma que o ego
"representa o que pode ser chamado de razão ou senso comum, em contraste com o id,
que contém as paixões".
Nesse sentido, Freud não deixa de fazer um movimento em direção à "psicologia
acadêmica" que sempre reconheceu a predominância da razão sobre as paixões, ou
ainda, da alma sobre o corpo, da consciência sobre o "inconsciente". E em última
instância, seria na própria "conscientização" que residiria o suposto mecanismo
terapêutico da psicanálise: em fazer com que o indivíduo se torne cada vez mais
consciente de si.
Com efeito, essa "segunda tópica", ou seja, essa perspectiva segundo a qual o "ego" - ou
a inteligência/consciência - é quem está no controle da situação, foi a linha teórica que
prevaleceu no meio psicanalítico. E por sua vez, Lacan vai se colocar justamente contra
essa perspectiva, de forma que o seu "retorno à Freud" pode ser compreendido, em certa
medida, como um retorno à primeira tópica: uma perspectiva onde o inconsciente
prevalece, e não a razão.
Já no Seminário 2, dedicado especialmente à questão do ego, Lacan afirma:
"Freud nos diz - o sujeito não é a sua inteligência, não está no mesmo eixo, é
excêntrico. O sujeito como tal, funcionando como sujeito, é algo diferente de um
organismo que se adapta. (...)".

Na verdade o problema não é que Freud diz que “o sujeito não é a sua inteligência” – de
fato ele nunca disse isso –, mas simplesmente que ele não explica o que seria o próprio
“sujeito”, bem como a inteligência e o ato de conhecer: e essa é a lacuna fundamental da
teoria psicanalítica – uma lacuna de ordem metafísica e epstemológica que Lacan vai
aprofundar ainda mais.

- Um “corpo falante”: Lacan não sabe o que é o ser humano


Como se vê no Seminário 20, a definição que Lacan tem do ser humano é simplesmente
estúpida:
"(...) Há apenas corpos falantes, eu disse, que fazem para si uma ideia do mundo
como tal. O mundo, o mundo do ser cheio de saber, é apenas um sonho, um sonho
do corpo enquanto falante, pois não existe sujeito conhecedor.”

Ora, mas se "não existe sujeito conhecedor", como seria possível a Lacan ter esse
conhecimento de que "não existe sujeito conhecedor"? Ou seria Lacan apenas um
"corpo falante" emitindo os seus próprios "sonhos" sobre o "mundo"?
Uma verdadeira definição é composta pelo gênero próximo e a diferença específica. No
caso do ser humano, o seu gênero próximo não pode ser “corpo”, pois o corpo é o
gênero mais amplo: uma vez que todas as substâncias sensíveis são dotadas de
corporeidade. Seu gênero próximo também não é o fato de ser “vivo”: pois os seres
viventes são muito amplos. Entre os viventes, o gênero próximo do homem não são as
plantas, mas os animais. Assim a primeira parte da definição do ser humano é que ele é
um animal. Mas qual é a sua diferença específica?
Ora, a diferença específica do ser humano em relação aos outros animais, e as demais
criaturas terrestres, é justamente que ele tem inteligência. E sendo assim, qualquer
psicologia que ignore a faculdade da inteligência, como faz a psicologia lacaniana e a
teoria psicanalítica em geral, é simplesmente uma pseudociência que não compreende
sequer a definição do próprio objeto que ela pretende investigar.

- Lacan nega que o ser humano é um microcosmo


Eis o que Lacan afirma no Seminário 7:
“É claro que a libido, com seus aspectos paradoxais, arcaicos, ditos pré-genitais,
com seu polimorfismo eterno, com esse mundo de imagens ligados aos modos
pulsionais dos diferentes estados, orais, anais e genitais - e que é, sem dúvida
alguma, a originalidade da dimensão freudiana -, em suma, que todo o
microcosmo não tem nada a ver com o macrocosmo e não engedra um mundo
senão na imaginação. Essa é a doutrina freudiana, contrariamente ao rumo em que
um tal de seus discípulos, Jung para citá-lo, tenta arrastá-la - esse ponto de
bifurcação do grupo freudiano que se situa em torno de 1910.”

O conceito de “libido”, formulado por Freud, é facilmente refutável e recebeu críticas


contundentes do próprio Jung, que logo enchergou a impossibilidade de reduzir a
“energia psíquica” ao aspecto puramente “sexual”: motivo pelo qual ele foi
excomungado pelo Doutor Estranho, cocainômalo de Viena. Por sua vez, Lacan também
não é dialético, mas dogmático: ao invés de simplesmente comparar a concepção de
Freud com as críticas de Jung, ele arbitrariamente sugere que o seu ídolo Freud estava
certo, e Jung estava errado. Mais ainda, ele atribui à “doutrina freudiana” questões que
nunca são realmente abordadas por Freud: como a doutrina filosófica do micro e do
macrocosmos – a qual provavelmente foi abordada por Jung. O fato é que Lacan
simplesmente não se aprofunda nesse doutrina, mas também sugere dogmaticamente
que ela é falsa e que, pelo contrário, a estúpida teoria da libido seria verdadeira.
O problema inicial da teoria freudiana não está apenas no postulado de que a libido seria
uma “energia” de “natureza sexual”, e sim que Freud quis fazer dessa “libido” a única
“energia psíquica” por trás dos fenômenos mentais. Mas na verdade o desejo sexual é
apenas um dos componentes do apetite sensível, que o homem tem em comum com os
animais: não apenas o apetite pelo sexo, como o apetite pela comida, pela bebida e pelo
prazer sensível em geral. Algo óbvio, mas que Freud nunca explicou, é que a motivação
intelectual e não a “libido” é a potência central da alma humana, pela qual não
buscamos apenas a bebida, a comida, o sexo ou o conforto material, mas o
conhecimento da verdade, a prática da justiça e a paz espiritual.
Quanto à doutrina do micro e do macrocosmos, que Freud desconhecia e Lacan negava,
ela simplesmente reconhece que o ser humano é uma espécie de síntese das perfeições
cosmicas: pelo seu corpo, ele possui a perfeição da matéria; pela vida, ele têm a
perfeição das plantas; pela sensibilidade e o movimento, ele têm a perfeição dos
animais; e pela inteligência e a vontade, ele têm a perfeição das criaturas espirituais, e
por isso também é chamado a imagem e semelhança do próprio Deus.

- Lacan não sabe a diferença entre o “intelectual” e o “afetivo”


Ainda no Seminário 1, da forma mais arbitrária possível Lacan recomenda que seus
discípulos não diferenciem entre o “intelectual” e o “afetivo”:
“Se há algo dessa ordem no que lhes ensino aqui, é isto – eu lhes peço, a cada um
de vocês, no interior de sua própria pesquisa da verdade, que renunciem
radicalmente – ainda que seja a título provisório, para ver se não ganhamos em
prescindir disso – a utilizar uma oposição como a do afetivo e do intelectual”
Ora, mas qual seria o argumento para não se opor o afetivo ao intelectual? Nenhum:
apenas a soberana vontade de Lacan, que não se dá ao trabalho de sequer definir o que
seria o “afetivo” e muito menos o “intelectual”, como já demonstramos.
De forma geral, os “afetos” são todos os movimentos das potências sensíveis. Assim, os
sentidos externos são “afetados” pelas qualidades sensíveis das coisas externas ao nosso
corpo: como os olhos são afetados pelas imagens, os ouvidos pelos sons, etc. Além
disso, também chamamos de “afetos” ou “paixões” os movimentos do apetite sensível:
como o amor, o ódio, o desejo, o medo, a alegria, a tristeza, etc. Por exemplo, diante de
uma coisa que interpretamos como perigosa, somos afetados pela emoção do medo, que
nos impele a fugir; pelo contrário, diante de algo que intepretamos como belo e bom,
somos afetados pela emoção do desejo, que nos impele ao objeto. Essas paixões ou
“afetos”, portanto, são potências passivas: o nosso organismo simplesmente reage com a
atração ou a repulsa diante daquilo que é interpretado como atrante ou repulsivo.
Com efeito, o animal se move efetivamente por essas paixões: buscando o prazer
associado aos bens materiais que lhe são co-naturais, como a água, a comida, o sexo,
etc, e fugindo do desprazer associado a tudo que pode destruir sua natureza, como um
predador, a ausência de comida, etc.
Por sua vez, a diferença da potência intelectual é que o seu ato e o seu objeto
transcendem a capacidade de qualquer órgão corpóreo e a própria realidade material:
pelo ato abstrativo o intelecto penetra, abstrai e absorve a verdade espiritual que
transcende o mundo sensível. Enquanto cada potência sensível se limita a um órgão
corpóreo e à simples qualidade que aquele órgão pode absorver, o intelecto tem uma
capacidade de natureza universal, absorvendo a própria inteligibilidade das coisas.
É claro que, sendo um animal, o homem também tem paixões e é influenciado por elas;
mas não são as paixões que tem o poder decisório sobre as potências locomotoras do
homem, e sim a vontade. Quando um animal tem um desejo passional, ele simplesmente
se move conforme aquele desejo; mas como o homem, pelo intelecto, entende a própria
natureza dos seus atos, ele se move conforme esse entendimento, e não simplesmente
pelas paixões. Quando as paixões são muito intensas, elas podem inclusive obscurecer o
intelecto e arrastar a vontade, mas nunca de forma absoluta: por isso que mesmo os
crimes passionais, por exemplo, onde um homem mata sua esposa por ciúmes, ele não
deixa de ser responsabilizado – pois intuitivamente todos nós sabemos que nenhuma
paixão é capaz de anular o livre-arbítrio. Um crime passional é cometido com a paixão,
e não pela paixão: embora a vontade não possa controlar diretamente as próprias
paixões, ela é soberana sobre as potências locomotoras, e por isso somos moralmente
responsáveis pelos nossos atos externos, feitos de modo consciente e livre.
Nesse sentido, a proposta de Lacan é absolutamente estúpida e forçada: não há o menor
sentido em não diferenciar o intelectual do afetivo. Muito pelo contrário, distinguir entre
o intelecto e as potências sensíveis é um dos passos básicos para se diferenciar o homem
dos animais irracionais, explicando assim o princípio central do seu comportamento: a
inteligência pela qual ele julga a própria natureza das coisas, e a vontade livre pela qual
ele domina seus atos.
- Lacan não sabe o que é “inconsciente” e “instinto”
De forma geral, a concepção antropológica de Lacan é totalmente invertida: ele substitui
a inteligência pelo “inconsciente” – o conhecimento pela simples ignorância. Lacan
recalca, por assim dizer, qualquer discussão relevante sobre a faculdade cognitiva, que é
realmente o que nos torna especiais – o que define a nossa espécie –, colocando no lugar
aquilo que é o mais comum e banal: o “inconsciente”.
Eis o que ele diz em Televisão:
"Só há inconsciente no ser falante. Nos outros, que só tem ser por serem
noemados, embora se imponham a partir do real, há instinto, ou seja, o saber que
sua sobrevivência implica. (...)".

Em primeiro lugar, não é verdade que “só há inconsciente no ser falante”, mas
justamente o contrário: todos os outros seres são inconscientes, enquanto apenas o
homem é inteligente e consciente no sentido pleno do termo. A matéria enquanto tal e
todas as substâncias inanimadas são inconscientes. As plantas são inconscientes, embora
sejam vivas. Os animais, por outro lado, tem uma forma inferior de consciência pela
percepção sensível: mas eles não entendem realmente a natureza das coisas que eles
percebem, mas agem pelos instintos ou paixões. Apenas o homem tem a inteligência e a
liberdade da criatura espiritual.
“Inteligência” e “liberdade”, embora evidentemente sejam os conceitos mais
fundamentais da psicologia humana, são absolutamente alienígenas ao vocabulário
lacaniano, que também desconhece os significados de “inconsciente” e “instinto”,
aplicando o primeiro exclusivamente ao homem e o último aos animais. Eis mais um
exemplo da mesma falácia que Lacan afirma em seu escrito A posição do inconsciente:
"No tempo propedêutico, podemos ilustrar o efeito de enunciação perguntando ao
aluno se ele imagina o inconsciente no animal, a não ser por algum efeito de
linguagem, e da linguagem humana. Se ele admitir, com efeito, que essa é
realmente a condição para que sequer possa pensar no assunto, vocês terão
confirmado a clivagem das ideias de inconsciente e instinto.".

Como se vê, o aluno de Lacan deve ser induzido a “admitir”, sem que nenhum
argumento seja elaborado para isso, que os animais não tem “inconsciente” mas apenas
“instinto”: o que é falso pelo simples motivo de que o instinto é uma espécie de força
inconsciente a determinar o comportamento animal.
“Instinto” é um outro nome que damos para as paixões e as inclinações inatas da
natureza animal que vem de suas potências. Assim existem os instintos comuns, que
todos os animais possuem, como o instinto de sobrevivência, agressividade, instinto
sexual, etc, bem como os instintos específicos de cada espécie: por exemplo,
instintivamente a aranha tece a sua teia, a abelha produz o mel, o pássaro constrói seu
ninho, e assim por diante. Os atos instintivos vem de uma programação inconsciente
que faz o animal reagir de determinada forma a determinadas condições. Portanto é
óbvio que os animais possuem “inconsciente” e que os “instintos” são uma parte dele.
O que Lacan suprime totalmente da discussão é novamente a dimensão intelectual e o
livre-arbítrio próprio do comportamento humano. E por outro lado, ao atribuir o
“instinto” apenas aos animais, o homo sapiens de Paris ignora completamente o fato de
que, sendo um animal, além das potências espirituais do intelecto e da vontade, o
homem também tem os “instintos” que determinam seu comportamento.

- Os princípios metafísicos do comportamento humano: as potências da alma, as


disposições do corpo e o meio externo
Ainda em seu escrito intitulado A posição do inconsciente, Lacan afirma:
"O inconsciente é um conceito forjado no rastro daquilo que opera para constituir
o sujeito. O inconsciente não é uma espécie que defina na realidade psíquica o
círculo daquilo que não tem o atributo (ou a virtude) da consciência.".

É interessante Lacan afirmar que o inconsciente é um “conceito forjado”, quando na


verdade se trata simplesmente de um conceito confuso. O inconsciente freudiano nada
mais é do que um conceito confuso dentro de uma psicologia confusa onde Freud não
compreende a essência da natureza humana e seus mecanismos comportamentais, pela
sua absoluta ignorância metafísica e epstemológica.
Um “comportamento” nada mais é do que todo movimento ou ato do ser vivo.
Consequentemente, para entender o comportamento humano é necessário compreender
os princípios do comportamento do ser vivo em geral, e para isso é necessário
compreender a própria estrutura ontológica da qual os seus atos derivam. Em outras
palavras, o que é um ser vivo? Tal pergunta não pode ser respondida pela medicina ou
pela própria psicologia, e sim pela metafísica. E esse problema nunca é abordado por
Freud, que salta da sua ignorância sobre os princípios gerais para lidar com os
princípios específicos do ser humano, o qual ele também não se importa em definir.
Enquanto as substâncias inanimadas são movidas pelas forças externas, a diferença da
substância animada é que ela se move por uma força interna. Como a inércia é um
atributo inerente da corporeidadeEssa força interna ou “alma”, que é o princípio das
operações vitais, é como uma “energia” que está unida ao corpo mas não se confunde
com ele: tanto que muitos corpos simplesmente não são vivos, e aqueles que tem vida
podem perdê-la. Portanto, o comportamento de um ser vivo não se explica
simplesmente pelo próprio corpo, pois não é o corpo que se move, mas é a alma que
move o corpo através de suas potências.
Evidentemente cada ser vivo tem o corpo adequado às potências da sua alma: assim a
alma vegetativa tem basicamente as potências da nutrição, crescimento e reprodução, e
um corpo adequado para realizar apenas essas operações. A alma animal, por sua vez, é
superior à vegetativa, pois além dessas operações fundamentais, possui as potências da
sensibilidade e da locomoção, e consequentemente um corpo adequado a esses atos. Por
fim, a alma humana transcende a alma animal, pois além das potências vegetativas,
sensitivas e locomotoras, o homem tem a potência intelectual, e consequentemente um
corpo adequado ao exercício dessa potência.
Pergunta: se a alma é diferente do corpo, isso significa que as almas das plantas e dos
animais permanecem existindo com a destruição do corpo? Resposta: não. Embora a
alma seja diferente do corpo, o seu modo de existência é limitado ao corpo, no caso das
plantas e animais: pois todas as suas operações dependem do corpo e se dirigem a
objetos corpóreos. Enquanto, por outro lado, sabemos que a alma humana tem uma
existência que transcende o corpo porque o ato intelectivo ultrapassa os limites da
materialidade e da mera sensibilidade. Não obstante, enquanto permanece unida ao
corpo, é óbvio que a alma humana fica limitada de certa forma às disposições do corpo
e do próprio ambiente físico.
Sendo assim, fica claro que o comportamento de todo ser vivo envolve uma relação de
causalidade entre essas três dimensões fundamentais: as potências da alma, as
disposições do corpo e do próprio meio externo. Assim, por exemplo, o ato da visão
necessita não apenas da própria potência visual, mas da boa disposição dos olhos, a
presença da coisa percebida e a luz que transmite as suas qualidades visuais. O ato da
alimentação depende não apenas da potência nutritiva, mas da boa disposição do
estômago e a presença do próprio alimento. O ato da locomoção depende não apenas da
potência locomotora, mas dos próprios membros da locomoção e o ambiente onde o
movimento se dá.

No caso do ser humano, como o ato do intelecto absorve as formas incorpóreas que
transcendem a materialidade, e como o seu objeto é incorpóreo a sua potência precisa
ser necessariamente incorpórea.
Todas as operações da alma animal e vegetal dependem do corpo
Desse modo, o corpo está potência para ser movido pela almaE as potências da alma são
conhecidas pelos seus atos: reprodução, nutrição, crescimento
Dessa forma, evidentemente o corpo não se move por si mesmo, mas é a alma que move
o corpo através de suas potências. Assim, não são as folhas da árvore que aborservem

que um conceito confuso dentro de uma psicologia confusa, agravada ainda mais pela
confusão lacaniana: tão confuso que ele mesmo não consegue definir. E a confusão
deste conceito é
Eis novamente a inversão de perspectiva: a ideia de que é o "inconsciente" que "opera
para constituir o sujeito", e não que é o sujeito mesmo que opera através de sua
inteligência e livre-arbítrio, como compreende a "psicologia clássica", isto é, a
psicologia correta.

Assim, quanto mais próxima uma coisa está do mundo material, mais inconsciente e
menos consciência ela tem, e quanto mais se eleva acima da matéria, o contrário: de
modo que o inconsciente está para a consciência como a matéria está para o espírito.
Além disso é óbvio que os animais são dotados de inconsciente e o próprio instinto é
uma expressão do inconsciente animal. Por exemplo, a aranha" sabe" tecer uma teia e a
abelha "sabe" fazer o mel: mas trata-se de um saber inconsciente e pré-programado, por
assim dizer, em suas naturezas.
Pelo instinto necessário à sua sobrevivência o animal sabe o que fazer, mas não
compreende nada do que faz. Somente o homem pode conhecer as coisas com um certo
distanciamento intelectual, ou por aquilo que os filósofos antigos chamavam de
contemplação desinteressada.
Ora, as pedras são inconscientes. A areia, o fogo, o vento: são inconscientes. As plantas
são insconscientes, embora sejam vivas. Ou seja: o inconsciente não é uma coisa, mas
simplesmente um estado do ser que carece de consciência. Por outro lado, os animais já
não são totalmente inconscientes: pois possuem a cognição sensível da realidade, que é
uma forma inferior de consciência. Enquanto apenas o ser humano tem a consciência no
sentido pleno do termo
Com efeito, dessa cognição espiritual deriva uma forma de apetite igualmente espiritual:
que é a vontade livre. O comportamento humano não é absolutamente condicionado
pelas paixões
Não é preciso ser nenhum doutor em psicologia, portanto, para perceber a diferença
entre o intelecto e os afetos
Evidentemente a diferença essencial entre o homem e o animal irracional é que o
homem não se move pelas paixões, mas pelo intelecto e a vontade livre. É óbvio que,
sendo um animal, o homem tem os componentes da natureza animal, como as paixões,
Compreender a natureza objetiva de uma coisa é algo que vai muito além do que
simplesmente sentir uma qualidade da coisa.

Quando a verdade é exatamento o oposto: o “ego” é uma projeção imaginária do


intelecto de uma pessoa que, no seu processo de autoconhecimento, forma uma imagem
de si mesma que pode ser verdadeira ou não.

Mas será mesmo que o intelecto se situa ao nível dos fenômenos do ego ou, pelo
contrário, não seria o próprio "ego" um conceito forjado dentro da psicanálise para
substituir a dimensão intelectual?
Trata-se daquilo que é conhecido como a "segunda tópica freudiana": a divisão tríplice
entre ego, id e superego, em contraposição ao que seria a sua "primeira tópica",
inconsciente, pré-consciente e consciência. O próprio Freud admite que o conceito de
ego foi elaborado para dar mais ênfase à consciência: afinal de contas é através da
consciência que temos acesso a toda forma de conhecimento, inclusive aquele que
supostamente vem do "inconsciente".
Nesse sentido, ao reconhecer que o ego , como ele mesmo diz no O Ego e o Id,
Não obstante, o fato é que essa psicologia freudiana é falsa e confusa desde o princípio
porque não distingue efetivamente entre as diversas potências da alma e sua ordem
hierárquica. O psiquismo não se divide realmente entre “inconsciente, pré-consciente e
consciência” ou “ego, id e super-ego”, mas as potências da alma se dividem
basicamente em cinco gêneros: as potências vegetativas, sensitivas, apetitivas,
locomotoras e intelectuais

Por “fórmula paradoxal” eu me refiro a um tipo de proposição evidentemente falsa,


absurda, contraditória ou simplesmente ambígua e ridícula, que o mestre obscurantista
postula arbitrariamente com a afetação de quem está recebendo uma mensagem do
além: tais são os “aforismas” de Lacan, como “a verdade tem uma estrutura de ficção”,
“o real é sem ordem”, “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, “o desejo é
o desejo do Outro”, “a relação sexual não existe”, etc.
Enquanto nem todo discurso lógico é verdadeiro, todo discurso ilógico é
necessariamente falso. No primeiro caso, por exemplo, uma pessoa pode ter premissas
falsas e tirar conclusões coerentes com suas premissas: assim o discurso é falso mas
pelo menos possui uma lógica interna. Por exemplo: se alguém toma como premissa que
a Bíblia é a palavra de Deus, consequentemente esta pessoa Por outro lado, todo
discurso ilógico é falso mesmo se possuir algum conteúdo verdadeiro: por exemplo, se
digo que “a água e o fogo são elementos opostos, mas a identidade de Shakespeare é
contestada por alguns estudiosos”, tal proposição possui duas frases verdadeiras, mas a
sua combinação é totalmente absurda. Nesse sentido, se o discurso lógico, porém, falso,
deve ser refutado pela análise do seu conteúdo, o discurso ilógico se refuta pela própria
explicitação da sua forma ilógica: seria perda de tempo discutir se a água e fogo são
contrários ou qual é a verdadeira identidade de Shakespeare, quando o problema é que
uma coisa não tem nada a ver com a outra. Desse modo, como o discurso de Lacan é
justamente um discurso ilógico – que não parte de premissas claras e não tem a mínima
preocupação em seguir um raciocínio coerente até chegar às conclusões – debater seus
conteúdos particulares é absolutamente irrelevante.

Como já entendia o psiquiatra austríaco Rudolf Allers – o único católico que foi membro do
primeiro grupo de Freud –

Como toda ciência é o conhecimento das causas, a psicologia nada mais é do que a
compreensão das causas do comportamento humano. Com efeito, as causas do
comportamento dependem dos mecanismos do organismo humano

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