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Bland e Altman em Portugues
Bland e Altman em Portugues
RESUMO
Quando se pretende avaliar a concordância entre dois métodos que deveriam medir a mesma quantidade, são utilizadas
análises que nem sempre estão corretas. É importante que seja evitado o uso da correlação nestas situações e que a me-
todologia seja utilizada de forma adequada, incluindo os limites de concordância e seus intervalos de confiança, além de
comentar se os limites encontrados são diferenças aceitáveis do ponto de vista clínico. A proposta do presente artigo é
apresentar um método bastante simples que já é utilizado há bastante tempo, que é a análise de concordância entre méto-
dos de Bland-Altman, salientando alguns problemas detectados na sua utilização. Para isto, foi feita uma simulação de três
diferentes situações, com comentários e soluções. O programa R, por ser livre e ter incorporado comandos para a análise
de Bland-Altman, foi utilizado para a análise dos resultados.
Palavras-chave: Bland-Altman; metodologia; concordância
ABSTRACT
When the intention is to evaluate the agreement between two methods that would measure the same quantity, the analyses
used are not always correct. It is important to avoid the use of correlation in these situations and to properly use the metho
dology, including the analysis of limits of agreement and confidence intervals, and to comment on whether the limits are
acceptable differences from a clinical point of view. The purpose of this paper is to present a simple method which has been
already in use for some time, the Bland-Altman analysis of agreement between methods, pointing out some problems en-
countered with its use. For this, a simulation of three different situations was performed, with comments and solutions. The R
program was used to analyze the results, because it’s free and has available commands of the Bland-Altman analysis.
Keywords: Bland-Altman; methodology; agreement
Rev HCPA 2009;29(3):261-268
Um tipo de problema bastante comum que 105, 106 e 110 mmHg , respectivamente, a cor-
motiva pesquisas na área biomédica é o estudo relação seria igual a 1 (r=1, perfeita!), enquanto
de diferentes formas de avaliar alguma medida a discordância entre os valores é óbvia. A meto-
clínica que se apresenta de forma quantitativa, dologia proposta inicialmente por Bland e
como por exemplo, a pressão arterial, a taxa de Altman para avaliar a concordância entre duas
filtração glomerular ou a idade gestacional. O variáveis (X e Y) parte de uma visualização grá-
que se busca são métodos menos invasivos, fica a partir de um gráfico de dispersão entre a
com menos efeitos adversos, mais simples ou diferença das duas variáveis (X - Y) e a média
mais baratos do que os considerados "ideais". O das duas (X + Y)/2. Neste gráfico é possível
objetivo é descobrir se as duas medidas são visualizar o viés (o quanto as diferenças se afas-
equivalentes e se uma poderia substituir a outra, tam do valor zero), o erro (a dispersão dos pon-
ou seja, se existe ou não concordância. O pro- tos das diferenças ao redor da média), além de
blema é que não existe um único teste estatísti- outliers e tendências. Logo em seguida, por
co que avalie a variabilidade das diferenças sugestão de colegas da área clínica, escreve-
entre os valores obtidos pelos dois métodos ram um artigo em uma linguagem mais apropri-
(erro) e a própria diferença entre os valores ada para leitores não estatísticos (2). Em 1995,
(viés) ao mesmo tempo (1). Os dois métodos por perceberem que, mesmo após uma publica-
deveriam apresentar um viés aproximadamente ção voltada ao público de interesse (clínicos),
igual a zero e um erro que não tivesse um im- em uma revista vista por eles e utilizando uma
pacto clínico significativo para que fossem subs- linguagem simples, o coeficiente de correlação
tituíveis. continuava a ser utilizado, e apesar de terem
Bland e Altman (1) publicaram em 1983 o alcançado um bom impacto, tentaram uma a-
primeiro artigo com uma metodologia alternativa bordagem em uma revista voltada a epidemiolo-
ao cálculo do coeficiente de correlação, metodo- gistas (3). Finalmente, em 1999, publicaram o
logia empregada até então. O coeficiente de mais completo e longo artigo explicando deta-
correlação não avalia concordância e sim asso- lhadamente o método, enfatizando que a repeti-
ciação, coisas bem diferentes. Por exemplo, se bilidade de cada medida também deve ser ava-
um aparelho fornecesse os valores 80, 95, 96 e liada e detalhando uma forma de cálculo dos
100 mmHg para as medidas de pressão arterial limites de concordância quando existirem repli-
sistólica de quatro indivíduos e outro aparelho cações de cada método (4). Atualmente, o mé-
fornecesse (para os mesmos indivíduos) 90, todo encontra-se bem divulgado, exemplo disso
é que numa busca simples no Pubmed com o tão aplicar o método. Outras, talvez mais sim-
termo "Bland-Altman" no título, foram encontra- ples, são de utilizar a razão entre X e Y (X/Y) no
dos 10 artigos em 2008 e 2009, em revistas de lugar das diferenças (4) ou o percentual das
diversas áreas. Além disso, a metodologia já diferenças (5) e avaliar a relação entre estes
encontra-se implementada em diversos pacotes valores e as médias.
estatísticos. No R, um software livre específico Quanto à precisão dos valores de viés e
de análise estatística, existem rotinas prontas dos limites de concordância, podemos calcular o
desenvolvidas por usuários que fornecem os erro-padrão e os intervalos de confiança, uma
valores e o gráfico com os limites de concordân- vez que o viés apresente distribuição normal.
cia. No Medcalc e Analyse-it, softwares comer-
ciais, também são possíveis a visualização grá- Para o viés ( d ), o erro padrão ( EPd ) é igual
fica com o viés e os intervalos de concordância
com apenas um comando. a sd n , onde n é o tamanho da amostra, por-
A proposta do presente artigo é mostrar a tanto o intervalo de confiança pode ser calcula-
utilização do método num exemplo aplicado, do assim: d ± t × EPd , com t sendo o valor tabela-
simulando três diferentes situações, bem como
do da distribuição t para n-1 graus de liberdade.
apresentar formas de se realizar estas análises
O erro padrão para os limites de concordância
no pacote R.
( d ± 1,96 × sd ) pode ser obtido por 1,71 × EPd , por-
MÉTODOS tanto o limite inferior teria seu intervalo de confi-
ança calculado por (d −1,96× sd ) ± t ×1,71× EPd e o
Inicialmente, a sugestão é que se faça um limite superior por (d +1,96× sd ) ± t ×1,71× EPd (4).
gráfico de dispersão entre as duas medidas,
sem a reta dos mínimos quadrados, mas sim
com a reta da diagonal de concordância. O pró- No cálculo do tamanho da amostra para
ximo passo seria fazer o gráfico de empregar-se a análise de concordância, Bland,
Bland-Altman, um gráfico de dispersão relacio- em sua página pessoal (6), sugere que seja
nando as médias dos dois métodos (X + Y)/2, no calculado considerando a precisão do viés e dos
eixo do X, com o viés (diferença entre eles), limites de concordância, pois, como a decisão
X – Y, no eixo do Y. Este gráfico permite avaliar clínica deve ser baseada nos limites de concor-
a relação das discordâncias com as medidas dância, é importante que os mesmos sejam
avaliadas. precisos. De uma forma geral, ele mostra que,
Deve ser avaliado se as diferenças entre com uma amostra de 100 é possível estimar os
as variáveis dependem ou não do tamanho da valores (viés e limites) com um intervalo de con-
medida. Isto pode ser feito através de uma cor- fiança de 95% aproximado de ± 0,34sd e, com
relação entre as diferenças e as médias, que 200, um intervalo de ± 0,24sd.
deve ser nula. A hipótese do viés ser ou não
igual a zero pode ser testada por um teste t para Bland-Altman no R
amostras emparelhadas. A partir do cálculo do
viés ( d ) e do seu desvio-padrão (sd) é possível O R (7) é um programa livre que pode ser
chegar aos limites de concordância: d ± 1,96sd, obtido em http://www.r-project.org/. Para infor-
que devem ser calculados e incluídos no gráfico. mações sobre como instalar o R e suas bibliote-
Se o viés apresenta distribuição normal, estes cas veja os seguintes materiais:
limites representam a região em que se encon-
tram 95% das diferenças nos casos estudados. • Curso sobre R aplicado a Epidemiologia:
Nas situações em que o viés não apresenta Curso R Epi2008
distribuição normal, é recomendada uma abor-
dagem não-paramétrica (4). • Excelente tutorial sobre R: R tutorial
No caso de haver relação entre os valores
das diferenças e das médias, existem diversas Após instalar e executar o R clique em
sugestões de tratamento, todas para tentar ho- >Arquivo>Novo Script. Isso fará abrir uma janela
mogeneizar a variação das diferenças em rela- em branco onde deverão ser escritos os coman-
ção aos tamanhos das medidas. Uma sugestão dos (sintaxe) a serem executados pelo
é aplicar o logaritmo nos valores originais e em R (Imagem 1).
Na hora de escrever a sintaxe temos que tários sobre o comando que está na linha abai-
lembrar que o R diferencia letras maiúsculas de xo. Para executar os comandos basta colocar o
minúsculas.No mesmo diretório onde está cursor na linha que se deseja executar, ou sele-
armazenado o conjunto de dados deve ser colo- cionar um bloco de comandos, e digitar
cado o arquivo bland_altman.r (clique no link CTRL+R. Os gráficos gerados na análise podem
para acessá-lo). Na janela da sintaxe colar os ser copiados e colados em documentos do Word
comandos que estão no Quadro 1. As linhas que ou PowerPoint.
começam com o símbolo # são apenas comen-
(a) (b)
Figura 1 - Gráfico de dispersão para as variáveis dum e eco_1 (a) e para a diferença e média entre dum e eco_1 (b).
LSC: limite superior de concordância; LIC: limite inferior de concordância.
(a) (b)
Figura 2 - Gráfico de dispersão para as variáveis dum e eco_2 (a) e para a diferença e média entre dum e eco_2 (b).
LSC:limite superior de concordância, LIC: limite inferior de concordância.
Medidas correlacionadas e não-concordantes ção, mas além das medidas não concordarem,
com viés correlacionado com média das existe uma relação entre o viés (diferença entre
medidas as medidas) e a média da DUM e da eco_3.
Percebemos neste caso que a o viés parece ser
Na Figura 3, temos um exemplo no qual maior para valores de médias maiores que 38
novamente as medidas têm uma forte correla- semanas de gestação.
(a) (b)
Figura 3 - Gráfico de dispersão para as variáveis dum e eco_3 (a) e para a diferença e média entre dum e eco_3 (b).
LSC: limite superior de concordância; LIC: limite inferior de concordância.
(a) (b)
Figura 4 - Gráfico de dispersão para as variáveis dum e eco_3 (a) e para a diferença e média entre dum e eco_3 (b) apenas
das primeiras 25 mulheres (ultrassom obtido após a 20ª semana de gestação). LSC: limite superior de concordância; LIC: limite
inferior de concordância.
Na Figura 5, temos a situação em que as medidas não concordam, pois o viés é estatisticamen-
te significativo, e que o viés aumenta à medida que a média entre dum e eco_3 aumenta. Isso impos-
sibilita o uso do viés como um fator de correção entre as medidas.
(a) (b)
Figura 5 - Gráfico de dispersão para as variáveis dum e eco_3 (a) e para a diferença e média entre dum e eco_3 (b) apenas
das últimas 25 mulheres.
aquelas diferenças dadas pelos limites podem 4. Bland JM, Altman DG. Measuring agreement in
ser consideradas aceitáveis do ponto de vista method comparison studies. Statistical Methods in
clínico (4). Alguns autores, inclusive, apontam Medical Research. 1999;8(2):135-60.
que esta diferença aceitável deve ser estabele- 5. Linnet K, Bruunshuus I. HPLC with enzymatic
cida a priori, antes do estudo ser realizado (8). detection as a candidate reference method for se-
O coeficiente de correlação é uma medida rum creatinine. Clin Chem. 1991;37(10):1669-75.
de associação, não sendo apropriado para ava- 6. Sample size for a study of agreement between two
liar concordância entre métodos (1,2). Portanto, methods of measurement [Internet]. [citado 2010
quando o objetivo do trabalho for avaliar a con- Jan 7];Available from: http://www-
cordância entre dois métodos, a metodologia de users.york.ac.uk/~mb55/meas/sizemeth.htm
Bland-Altman deve ser utilizada de forma com-
7. R Development Core Team. R: A language and
pleta, incluindo os limites de concordância, e environment for statistical computing [Internet].
seus intervalos de confiança. Uma possível as- Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Com-
sociação entre o viés e a magnitude das medi- puting; Available from: http://www.R-project.org
das também deve ser avaliada e, quando ne-
cessário, fazer alguma correção nos dados para 8. Mantha S, Roizen MF, Fleisher LA, Thisted R,
Foss J. Comparing methods of clinical measure-
uma correta conclusão. ment: reporting standards for Bland and Altman
analysis. Anesth Analg. 2000;90(3):593-602.
REFERÊNCIAS
9. Dewitte K, Fierens C, Stockl D, Thienpont LM.
1. Altman DG, Bland JM. Measurement in Medicine: Application of the Bland-Altman plot for interpreta-
The analysis of method comparison studies. Jour- tion of method-comparison studies: a critical Inves-
nal of the Royal Statistical Society. Series D (The tigation of its practice. Clin Chem. 2002;48(5):799-
Statistician). 1983;32(3):307-17. 801.