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A IMPORTÂNCIA DA DEFESA CRÍTICA AO LEGADO DE GETÚLIO

VARGAS:

Divulgação das análises e defesas realizadas por Getúlio como Senador da


República entre 1946-1947.

PORTO ALEGRE, 29 DE NOVEMBRO DE 1946

Discurso pronunciado em comício do PTB em Porto Alegre, tendo em vista as eleições de


governadores e deputados estaduais marcadas para 19 janeiro de 1947. Vargas defende a
candidatura de Alberto Pasqualini no Rio Grande do Sul e os candidatos do PTB em todo o
país. Declara-se convencido de que foi vítima dos agentes da finança internacional que
pretendiam manter o Brasil na condição de exportador de matérias-primas e comprador de
produtos industrializados, critica a democracia liberal capitalista e conclama os
trabalhadores a escolherem seus representantes dentro da própria classe, através do PTB.

ʻʻ​A grandiosa manifestação que venho de receber é dessas que rejuvenescem o


espírito, na inspiração perene do amor à pátria e do amor evangélico aos semelhantes.
Nunca me senti tão pequeno na minha humildade para tanto merecer. Também nunca me
senti tão grande no coração do povo. E nesta expressiva multidão que aqui se congrega, na
acolhedora e próspera cidade de Porto Alegre, eu vejo, em seus diferentes aspectos
sociais, representado todo o povo do nosso glorioso Rio Grande do Sul.
Os trabalhadores brasileiros têm, geralmente, padrões comuns de atividade em
diversificadas especializações profissionais. No Rio Grande há, porém, dois tipos
característicos, um tanto diferentes do resto do país: o colono e o gaúcho. O colono, dono
da terra, no regime da pequena propriedade explorada intensivamente, trabalhador
infatigável, pacífico, tranquilo e forte, é um dos construtores da nossa grandeza econômica.
Mas, quando o Brasil defronta uma guerra e invoca seus serviços, todos acorrem, firmes e
resolutos, em torno da bandeira da pátria.
Os colonos precisam de escolas e estradas. Escolas para instruir seus filhos,
estradas para transportar os produtos de seu trabalho. Precisam ainda de crédito bancário
para o desenvolvimento normal de seus negócios, de novas terras para cultivar e da
garantia de preços para suas mercadorias, a fim de não serem explorados pelos
intermediários.
Necessário se torna também, para eles, o desenvolvimento da organização
cooperativista para defesa do produtor e do consumidor.
Quanto ao peão dos campos, geralmente mal alimentado e mal vestido, em sua
maioria jaz esquecido. Estiola-se nos subúrbios dos centros populosos ou nas cidadezinhas
do interior. Aí espera que lhe deem um pedaço de terra própria para morar e um arado para
cultivá-la. No entanto, ele é o descendente do antigo gaúcho, do campeador dos pampas
que, nos primórdios da nossa civilização, foi um dos fatores preponderantes na formação da
nacionalidade.
A 11 do corrente realizou-se nesta capital a memorável convenção do Partido
Trabalhista, que tive a honra de presidir. Alberto Pasqualini lançou o seu notável programa
de candidato digno da aceitação do povo rio-grandense. É o candidato que eu indico. Em
discurso então pronunciado manifestei-me sobre as particularidades referentes ao caso
gaúcho. Agora, porém, falando ao povo em geral, sem um caráter estritamente partidário,
minhas impressões abrangem o panorama coletivo da política brasileira e não somente o do
Rio Grande do Sul. Nesta ocasião, e por vosso intermédio, eu falo ao Brasil.
As lutas políticas, que se apresentam em todos os estados para um desfecho a 19
de janeiro, não são de homens, mas de ideias e princípios. Depende de nossa cultura e
educação política, nesse pleito, um encontro no terreno superior de seus programas. Os
homens valem como expressão dessas idéias e do firme propósito de realizá-las. Não
bastam as boas intenções, quando se enredam em fórmulas gastas e inaptas para
construir. Entre os diversos partidos de organização democrática, e dela excluo os
extremismos em que se fragmenta o panorama político brasileiro, há um divisor de águas.
De um lado estão os partidos que, com nomes diferentes, significam a mesma coisa.
Têm a mesma substância política, social e econômica. Não é de estranhar que venham a se
reunir. São os expoentes da democracia burguesa, a velha democracia liberal que afirma a
liberdade política e nega a igualdade social. Toda essa liberdade política está organizada no
sentido da defesa de seus interesses econômicos. Não tem conteúdo nacional. Giram em
torno das competições regionais e acompanham o poder.
De outro lado está o Partido Trabalhista Brasileiro, um verdadeiro partido nacional,
integrado na comunidade do continente americano. Separa o trabalhismo brasileiro dos
outros partidos democráticos a diferença de interpretação do conceito social. Impera no
Brasil essa democracia capitalista, comodamente instalada na vida, que não sente a
desgraça dos que sofrem e não percebem, às vezes, nem mesmo o indispensável para
viver. Essa democracia facilita o ambiente propício para a criação dos trustes e monopólios,
das negociatas e do câmbio negro, que exploram a miséria do povo. Tira o que foi cedido
ao Estado para entregar ao monopólio de empresas particulares.
Ou a democracia capitalista, compreendendo a gravidade do momento, abre mão de
suas vantagens e privilégios, facilitando a evolução para o socialismo, ou a luta se travará
com os espoliados, que constituem a grande maioria, numa conturbação de resultados
imprevisíveis para o futuro. Essa espécie de democracia é como uma velha árvore coberta
de musgos e folhas secas. O povo um dia pode sacudi-la com o vendaval de sua cólera,
para fazê-la reverdecer em nova primavera, cheia de flores e de frutos.

Na afirmação de um grande filósofo inglês, o melhor país é aquele em que ninguém


é pobre, ninguém sente a necessidade de ser rico e nem se vê perturbado pelo temor de
que outros venham apoderar-se do que é seu.
O Partido Trabalhista não é um partido de governo nem vive do poder. Mas o
momento é grave. Avaliamos as dificuldades com que luta o presidente da República. Para
evitar a desordem e a anarquia, penso que esse partido deve continuar a apoiá-lo.
Esperamos também que ele mantenha seus compromissos de progressiva realização do
programa social trabalhista.
Quanto mais medito no silêncio e no recolhimento de minha paz interior, estranho a
qualquer pretensão de mando, poder ou chefia, quanto mais balanço certos dados no
arquivo de minha memória, mais se avoluma o sentimento de uma verdade que ressalta na
trama dos acontecimentos.
As causas remotas da campanha política que sofri, seus motores ocultos e os
ostensivos, geram uma convicção. [...] Essa convicção é de que fui vítima dos agentes da
finança internacional, que pretende manter o nosso país na situação de simples colônia,
exportadora de matérias-primas e compradora de mercadorias industrializadas no exterior.
Os empreiteiros desses agentes colonizadores, os advogados administrativos e
representantes de tais empresas, por elas estipendiados, blasonando independência e
clamando por liberdade, adulteraram sistematicamente a verdade, criando um falso
ambiente que contaminou certas classes ou setores sociais. Isso levou patriotas desavindos
ou desviados de suas funções a supor que praticavam um ato de salvação nacional com o
golpe de 29 de outubro. Não os acuso por isso. Até explico e compreendo. A verdade,
porém, está lavrando nas consciências e um dia poderá surgir documentada.
De estrangeiros que podiam influir nos destinos do mundo, que amavam o Brasil e
desejavam vê-lo forte, rico e respeitado, um conheci que posso citar. Mas, como esse, um
aparece em cada cem anos e chama-se Franklin Delano Roosevelt. Sem ele não se teria
feito Volta Redonda.
Não podem perdoar-me os usufrutuários e defensores de trustes e monopólios que
meu governo houvesse arrancado das mãos de um sindicato estrangeiro, para restituí-lo
sem ônus ao patrimônio nacional, o Vale do Rio Doce, com o Pico de Itabira, contendo uma
das maiores jazidas de ferro do mundo.
Tampouco me perdoariam os agentes de finanças estrangeiras a nacionalização das
outras jazidas minerais do nosso rico subsolo e das quedas d’água geradoras de força, o
uso obrigatório do carvão nacional, as fábricas de alumínio e de celulose e a construção de
Volta Redonda. Era contra os interesses da finança internacional a industrialização
progressiva e rápida do Brasil.
Pedantocratas e fariseus acusam-me de inflacionista. Bem-aventurada inflação que
redimiu o Nordeste, realizando as obras contra as secas; que saneou a Baixada
Fluminense; que iniciou no Rio Grande do Sul a construção de grandes barragens para
fornecer energia barata às suas indústrias e promoveu a defesa de sua capital contra as
enchentes, que periodicamente a assolavam.
Estendeu sobre o país milhares de quilômetros de estradas de ferro e de rodagem,
construiu pontes e arsenais. Remodelou a capital da República, abrindo novas artérias e
realizando novas construções que assinalavam o estágio de uma civilização. Salvou as
classes produtoras da maior das suas crises com o reajustamento econômico. Valorizou o
trabalhador com a legislação social e amparou a agricultura e a pecuária com o crédito
bancário.
Bem-aventurada inflação que construiu a grande siderurgia, que armou o Brasil para
a defesa na maior guerra mundial, que reduziu em 40% a dívida externa, contraída pelos
governos anteriores, que deixou um encaixe-ouro de 700 milhões de dólares, tornando o
cruzeiro uma das moedas mais estáveis do mundo.
Com essa mesma inflação pretendia ainda, através da Companhia Hidrelétrica do
São Francisco, já criada, iniciar grandes obras no mais brasileiro dos nossos rios, para que
os futuros governos formassem aí uma nova civilização industrial. Pretendia, ainda, deixar
criada a grande companhia de construção de material elétrico. Seus estudos já estavam
feitos por outro grande técnico que, na sua especialidade, rivaliza com o de Volta Redonda.
Depois que deixei o governo, que fez essa brilhante democracia de canibais, que
vivem a se entredevorar e abandonam os problemas fundamentais do país? Nada tendo a
realizar no futuro, limita-se a agredir-me, num ódio impotente contra as realizações de um
passado histórico.
Que fez? Aumentou as despesas públicas de mais de dois bilhões e meio de
cruzeiros, sem criar a receita correspondente, transformando o saldo
previsto no Orçamento de 1945 num formidável déficit.
Que mais fez? Emitiu mais de três bilhões de cruzeiros, para cobrir esse déficit.
Que mais fez? Fez uma Constituição compilada das anteriores, mas com uma
característica: retirou das populações mais numerosas e cultas da capital da República, das
capitais dos estados, dos portos de mar, das estâncias hidrominerais e das que possuem
bases militares o direito de
escolher seus prefeitos. É uma democracia que foge do voto.
Que mais fez? Dividiu a sociedade, lançando a cisão e a discórdia no próprio lar,
inimizando as famílias pela intolerância de seus processos e
a agressividade de suas atitudes.
Que mais fez? O resto é silêncio, a não ser o vozear da politicagem homenageando
essa democracia.
Embora sempre amparasse o capital estrangeiro empregado para fins reprodutivos,
não tenho a simpatia dos agentes da finança internacional, que pretende entravar o
progresso do Brasil para impor-nos a compra de seus produtos. Também não a tenho dos
políticos que fazem da política uma profissão e encaram o trabalhador como massa de
manobra a ser explorada quando disputam os cargos eletivos.
Os trabalhadores devem escolher, de preferência, seus representantes dentro da
própria classe, conhecedores de suas necessidades, com a marca dos seus sofrimentos e a
colaboração do seu sangue. Tendo que optar entre os poderosos e os humildes, preferi os
últimos. Só Deus sabe das minhas amarguras e da sinceridade de minhas intenções,
deturpadas pela fúria dos interesses contrariados. Não posso desviar de seu curso o
sentimento social do povo abandonado. Sinto-me bem entre os trabalhadores e o povo em
geral. Neles posso confiar!
A velha democracia liberal e capitalista está em franco declínio porque tem seu
fundamento na desigualdade. A ela pertencem, repito, vários partidos com o rótulo diferente
e a mesma substância.
A outra é a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores. A esta eu me
filio. Por ela combaterei em benefício da coletividade. E já que as nossas atividades na vida
pública, por imposição legal, devem orientar-se na órbita dos partidos, se um conselho
posso dar ao povo é que se integre na ação do Partido Trabalhista. Ele é o melhor indicado

para realizar a felicidade de todos os brasileiros.​ʼʼ


Fonte: Coleção Perfis Parlamentares 72 - Getúlio Vargas. 2ª Ed. Maria Celina D'Araujo.
Câmara dos Deputados. 2015-2019.

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