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Entre o Antigo e o Novo Testamentos
O Período Interbíblico
D.S.Russell
©Abba Press Editora e Divulgadora Cultural Ltda.
Categoria: História
Cód. 01.12101.0507.2
Tradução
Eliseu Pereira
Revisão
Irene Pereira
Maria Isabel C. Dutra
Coordenação Editorial
Oswaldo Paião
Impressão
Gráfica Sumago
ISBN 978-85-85931-58-2
E permitida a reprodução de partes
desse livro, desde que citada a fonte
e com a devida autorização escrita dos editores.
Abba Press
R. Manuel Alonso Medina, 298 - CEP 04650-031 - São Paulo / SP
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Conteúdo
Prefácio
PARTE UM
O FUNDO CULTURAL E LITERÁRIO
2. O Povo do Livro
1. A Religião da Torah
A. Do templo à Torah
B. O Ponto de Levante da Revolta
C. A Santa Aliança
2. A Torah e as seitas
A. Os Fariseus
B. Os Saduceus
C. Os Essênios
D. Os Zelotes
E. Os Pactuantes de Qumran
3. Os Escritos Sagrados
1. As Sagradas Escrituras
A. O Cânon Hebraico
B. As Escrituras na Dispersão
2. A Tradição Oral
A. Sua Origem e Desenvolvimento
B. Sua Forma e Conteúdo
4. A Literatura Apócrifa
1. Os Livros Comumente Chamados "Apócrifos"
A. Sua Identidade
B. Seu Conteúdo e Gênero Literário
C. Seu Valor Histórico e Religioso
PARTE DOIS
Os APOCALÍPTICOS
2. Os Apocalípticos e a Profecia
A. A Unidade da História
B. As Últimas Coisas
C. A Forma de Inspiração
3. Pseudonímia
A. Um Recurso Literário
B. Extensão de Personalidade
C. O Significado do "Nome"
2. A Natureza da Sobrevivência
A. Sheol, a Morada das Almas
B. Distinções Morais no Sheol
C. Mudança Moral na Vida Além
D. A Alma Individual e o Julgamento Final
Prefácio
Na maioria das Bíblias, o período entre o Antigo e o
Novo Testamentos é representado por uma única página
em branco o que, talvez, tenha um significado simbólico.
O período "de Malaquias a Mateus" por muito tempo tem
permanecido vago e desconhecido para muitos leitores da
Bíblia. Vários mistérios permanecem, mas nos últimos
tempos, muita luz tem sido lançada sobre todo esse
período. Os escritos de grande número de eruditos e
algumas notáveis descobertas arqueológicas têm fornecido
novos e deslumbrantes pontos de vista a respeito do
assunto.
No início deste século, o Dr. R.H.Charles escreveu
com freqüência sobre o assunto, e a publicação, em 1914,
de seu pequeno livro Desenvolvimento Religioso entre o
Antigo e o Novo Testamento, incluiu um outro público de
leitura nesse campo de estudo e auxiliou grandemente a
preencher a lacuna no entendimento das pessoas em
relação a esse assunto. Mas ninguém poderia prever que
esse período ainda se tornaria um foco de atenção, não
apenas para os eruditos, mas também para o "cidadão
comum". A descoberta dos pergaminhos do Mar Morto
despertou a imaginação popular e atraiu a atenção de
eruditos do mundo inteiro. Esses escritos são de extrema
importância, não somente pelos relatos que fornecem
sobre as crenças e práticas dos Pactuantes de Qumran, mas
também pelo novo interesse e conhecimento que trazem a
todo o período interbíblico.
Neste pequeno volume, fiz uma tentativa de revisar
esses anos, à luz dos recentes estudos e descobertas, e em
particular para avaliar a contribuição religiosa desse grupo
de homens, um tanto estranhos, conhecido como "os
apocalípticos". Muitas outras questões pertinentes a esse
período interbíblico poderiam ter sido tratadas, mas o
propósito deste livro é seletivo e não, exaustivo, indicando
a participação que os apocalípticos tiveram no desenvol-
vimento religioso do Judaísmo e na preparação das mentes
dos homens para a vinda do Cristianismo.
Espero que este breve estudo estimule o apetite do
leitor, levando-o a aprimorar estes estudos, ainda mais,
com ajuda da bibliografia sugerida.
DAVID S. RUSSELL
College Rawdon, Leeds
Parte Um
O PANO DE FUNDO
CULTURAL E LITERÁRIO
1
Judaísmo Versus Helenismo
Os anos que se estendem de 200 a.C. a 100 d.C,
geralmente citados como "o período interbíblico", são de
fundamental importância tanto para o Cristianismo como
para o Judaísmo rabínico, porque foi durante esses séculos
que, num sentido muito especial, o caminho foi sendo
preparado para o aparecimento dessas duas grandes
crenças religiosas. O propósito deste livro é examinar,
embora resumidamente, a cultura e a literatura desses
importantes anos e analisar o desenvolvimento de certas
crenças religiosas, cuja influência foi sentida
particularmente dentro da Igreja Cristã em crescimento.
Ao longo de todo esse período, os judeus estavam
rodeados pela cultura e civilização gregas e,
particularmente na Dispersão, muitos tiveram que adotar
a língua grega ou como seu único idioma ou como
alternativa à sua própria língua, o aramaico. Era inevitável
que eles fossem influenciados, e profundamente, pelo
ambiente helenístico em que viviam; o surpreendente é
que a reação deles a esse ambiente não foi tão marcante e
que, apesar da pressão trazida sobre eles, eles conseguiram
manter sua distinta fé judaica.
No período de 170 a.C. a 70 d.C, o nacionalismo
judaico desempenhou um papel mais importante na
resistência ao avanço do helenismo. Como veremos, esse
nacionalismo não foi motivado apenas por objetivos
políticos, mas também por ideais religiosos oriundos de
uma devoção profunda por parte de muitos e arraigados
em firmes convicções teológicas. Porque o Judaísmo, ao
contrário do Helenismo, representava não tanto um modo
de vida, mas um movimento religioso nacional. O Dr F. C.
Burkitt, escrevendo sobre o Judaísmo desses dois séculos e
meio, descreve-o como "uma alternativa para a civilização
como se considerava então". Ele não era apenas uma
alternativa, mas era a alternativa, pois, na convicção de
muitos, o judaísmo conduziria afinal os homens para o
Reino de Deus, cuja vinda precederia à Nova Era
determinada por Deus.
A. Os Gregos e os Romanos
A palavra "helenismo" é comumente usada para
descrever a civilização dos três séculos aproximadamente
desde o tempo de Alexandre, o Grande (336-323 a.C.)
durante os quais a influência da cultura grega era sentida
de Leste a Oeste. Era o forte desejo desse imperador
fundar um império mundial associado à unidade da
língua, costume e civilização e, em suas grandes
conquistas militares, ele se empenhou em concretizar tal
idéia. Após sua morte, quando seu Império no Leste foi
dividido entre os Selêucidas na Síria e os Ptolomeus no
Egito, o processo de helenização continuou rapidamente
nos países sobre os quais eles governaram.
Desde o início, os judeus devem ter sentido o
impacto dessa cultura sobre seu estilo de vida e
particularmente sobre sua religião. A exceção de uma área
comparativamente pequena ao redor de Jerusalém, eles
não constituíam um Estado, pelo contrário, uma
Dispersão, espalhados não apenas por toda a Palestina,
mas por todas as regiões do Império. Eles ficaram
especialmente vulneráveis à influência do helenismo por
intermédio dos negócios e das trocas comerciais. A política
de Alexandre e de seus sucessores era enviar os colonos
gregos no rastro de seus exércitos e plantá-los como
comerciantes nas terras conquistadas. Nessas terras,
particularmente no leste, viviam muitos judeus que
haviam sido exilados da Palestina muitos anos antes, e
outros que, até mesmo antes do tempo de Alexandre,
haviam emigrado e se instalado em cidades gregas no
extremo oeste. Muitas comunidades judias podiam ser
encontradas em lugares tais como Síria, Antioquia,
Damasco, Ásia Menor, Macedónia, Grécia, Chipre, Cirene
e Roma. Onde quer que os judeus estivessem, sob o
governo dos Selêucidas ou dos Ptolomeus, eles haviam
desfrutado por muito tempo das bênçãos da liberdade
religiosa sob uma política de tolerância religiosa que, sem
dúvida, os deixaria abertos à influência sutil da cultura
helenística. Os romanos, por sua vez, continuaram a
estimular o desenvolvimento dessa cultura, especialmente
nas províncias orientais, e buscaram por esses meios
realizar os sonhos de Alexandre, o Grande. Nesse sentido,
não houve um verdadeiro rompimento entre o regime
grego e o romano, ou, realmente, entre os anos antes de
Cristo e os anos depois de Cristo. A cultura e a civilização
helenísticas foram características de todo o período greco-
romano e é com esse amplo fundo histórico e cultural que
vamos estudar as reações do povo judeu e sua fé religiosa.
_______________________
1
A palavra "Targum" (no grego) significa uma tradução ou paráfrase
da Escrituras Hebraicas na língua do povo. Nas regiões de fala aramaica, a
leitura das Escrituras na sinagoga era acompanhada por uma repetição oral
(veja p. 63 ss). Acredita-se que esse costume reportava aos tempos de
Esdras (cf. Ne 8.8). No segundo século d.C. os Targuns aramaicos
passaram a existir na forma escrita.
_______________________
6Jerusalem under the High Priests (Jerusalém sob a Liderança dos
Sumos Sacerdotes), 1920, p. 35.
________________________________
10
Ver p. 50.
11
Compare particularmente o rolo intitulado 'The War of the Sons of
Light and the Sons of Darkness" (A Guerra entre os Filhos da Luz e os
Filhos de Trevas).
12
Por exemplo, Isaías 24-27; 65.17 ss.
13
Ver p. 94, 107 ss, 120 ss.
14
Ver p. 130 ss.
15
Ver capítulo 7.
16
Verp. 50,112.
Ainda mais importante do que o helenismo sírio foi
o helenismo egípcio que tomou forma sob os Ptolomeus.
As antigas tradições religiosas e místicas do Egito e da
Babilônia entraram em contato com a nova ciência e
cultura gregas, produzindo um sistema de pensamento
muito mais abstrato em forma do que o ramo sírio de
helenismo. Muitos judeus, especialmente os da Dispersão,
foram grandemente influenciados pelo tipo filosófico de
religião que acompanhava essa forma particular da cultura
grega.
Este ponto é bem ilustrado pelo autor de Sabedoria
de Salomão , cuja familiaridade com o pensamento grego é
evidente, por exemplo, no ensino referente à "sabedoria".
A idéia de "sabedoria" é bem familiar para os leitores do
Antigo Testamento em livros como Provérbios, Jó e
Eclesiastes, mas em Sabedoria de Salomão a influência da
filosofia grega está mais claramente demonstrada. "O
ensino do autor referente à sabedoria divina e humana",
escreve B. M. Metzger, "é uma explicação das idéias
primitivas sobre esse tema expressadas no Livro de
Provérbios, com uma distorção metafísica emprestada da
concepção estóica do Logos universal, aquele mediador
impessoal entre Deus e a criação." Tendo "criado o mundo
a partir da matéria informe" (11.17, cf. Gn 1.2), Deus envia
à criação uma alma que, para o escritor desse livro, é nada
menos que a própria sabedoria. O espírito de sabedoria vem
de Deus (7.7, etc.) e é "uma clara efluência da glória do Todo-
Poderoso" (7.25). Deus criou todas as coisas por Sua palavra
(9.1), mas a sabedoria estava presente antes da criação (9.9).
Desde então, ela tem sido "o artífice" (7.22), o renovador (7.27),
o ordenador (8.1) e o realizador (8.5) de todas as coisas.
_____________________
17 Ver também IV Macabeus que mostra um conhecimento íntimo da
filosofia grega, especialmente 1.13 - 3.18, 5.22-26, 7.17-23.
18An Introduction to the Apocrypha (Uma Introdução aos Apócrifos), 1957,
p. 73.
____________
Ver pp. 49, 54 s.
B. A Vingança de Antíoco
Logo tornou-se óbvio que, embora ele tivesse o
apoio dos helenistas em Jerusalém, sua política de
helenização era violentamente contrária à maioria das
pessoas que, além disso, recusavam-se a reconhecer
Menelau como Sumo Sacerdote. Assim, Antíoco
determinou exterminar completamente a religião judaica
(168 a.C). Optou por destruir as próprias características
distintivas da fé judaica (cf. I Macabeus 1.41 ss), assim
consideradas desde o tempo do Cativeiro. Todos os
sacrifícios dos judeus foram proibidos; o rito da
circuncisão teve que cessar, o Sábado e os dias de festas
não podiam mais ser observados. A desobediência a
qualquer desses mandamentos acarretaria a pena de
morte. Além disso, os livros da Torah (ou Lei) foram
desfigurados ou destruídos; os judeus, forçados a comer
carne de porco e a oferecer sacrifícios em altares idólatras
erigidos por todo o país. Então, para coroar suas ações de
infâmia, Antíoco erigiu um altar a Zeus do Olimpo com
uma imagem do deus (provavelmente com as
características do próprio Antíoco) sobre o altar de ofertas
queimadas no interior do átrio do Templo (I Mac 1.54). É
esse altar que o escritor do Livro de Daniel chama "a
abominação desoladora" (Dn 11.31).
Esses eventos foram seguidos de severa perseguição
na qual muitos foram condenados à morte (I Mac 1.57-64).
A esse período pertencem as histórias, em parte lendárias,
contadas em II Macabeus 6-7 sobre o martírio de Eleazar e
os Sete Irmãos. Muitos abandonaram as cidades e
superlotaram as aldeias onde eram perseguidos pelos
agentes do governo, cuja intenção era extinguir a fé
judaica.
_______________
A History of Israel (Uma História de Israel), vol. 2, 1934, p. 259.
22
D. A Casa de Hasmoneu
A palavra Hasmoneu é derivada do nome da família
de Mavatias e seus filhos que pertenciam à Casa de
Hasmon. Por este nome os Macabeus eram conhecidos
mais tarde na literatura judaica, mas é conveniente
reservar a expressão "Macabeus" para Judas e seus dois
irmãos e usar o título "Hasmoneu" para descrever seus
descendentes, ao todo cinco, sob os quais os judeus
experimentaram quase setenta anos de independência
(134-63 a.C). Por pouco tempo, durante o reinado de João
Hircano (isto é, Hircano I, 134-104 a.C.) a Judéia tornou-se
um estado vassalo, mas recuperou a independência em
129 a.C. com a aprovação do Senado de Roma. Hircano
imediatamente começou a estender seu território. No sul,
por exemplo, ele anexou a Iduméia, compelindo os
habitantes a se circuncidarem; no norte, ele se apossou do
território de Samaria, destruindo o Templo rival do Monte
Gerizim.
Esses atos de Hircano mostram que ele tinha ideais
evidentemente religiosos, mas durante todo esse período
havia um crescente descontentamento, principalmente da
____________________
27
Para pontos de vista destes eventos sobre a esperança
messiânica, ver p. 123 s.
28
Este Templo havia sido construído provavelmente em alguma
época do IV século.
E. Herodes e os Romanos
Em 163 a.C, então, os judeus perderam sua indepen-
dência quando Pompeu, mais uma vez, os submeteu ao
"jugo dos pagãos". Desse momento em diante, o espírito
do nacionalismo judeu transformou-se em revolta e
continuou até a completa destruição de Jerusalém e do
Estado judeu em 70 d.C.
Os anos que se seguiram a 63 a.C. realmente foram
muito atribulados, e as complicações não podem ser
mencionadas aqui a não ser ligeiramente. Antipater, cujo
nome é proeminente na história dos judeus nos vinte anos
seguintes, a princípio deu forte apoio a Pompeu, mas em
48 a.C; quando Pompeu foi derrubado, ele transferiu seu
apoio para o rival, César. Como resultado, César concedeu
muitos consideráveis privilégios aos judeus, não apenas na
Judéia, mas também na Dispersão. Antipater foi nomeado
governador da Judéia, recebendo também a cidadania
romana. Mas, apesar de todos os benefícios decorrentes de
sua amizade com César, Antipater era amargamente
odiado pelos judeus, sem dúvida justamente por causa de
sua dependência de Roma e por ser idumeu (isto é,
edomita) de nascimento. Esse ódio se intensificou quando,
depois da morte de César em 44 a.C, o procônsul Cassius
entrou na Síria e, com extrema severidade, impôs pesados
tributos ao povo. No ano seguinte, Antipater foi
envenenado por seus inimigos.
Quando Antônio subiu ao poder, após a batalha de
Filipos em 42 a.C, ele nomeou os dois filhos de Antipater,
Fasael e Herodes, tetrarcas sob o governo do etnarca
Hircano II, a quem ele confirmou no Sumo Sacerdócio.
Mas logo surgiram sérios problemas. Antígono, filho de
Aristóbulo, o Hasmoneu, ganhou o apoio de Partiano, que
apoiava suas reivindicações ao trono. Fasael e Hircano
foram feitos prisioneiros; o primeiro cometeu suicídio e o
outro foi levado ao exílio. Porém, Herodes escapou e foi
direto para Roma, onde assegurou uma entrevista com
Antônio. Ali, para sua própria surpresa, ele foi designado
rei da Judéia (40 a.C). Porém, ele ainda tinha que enfrentar
Antígono, que havia tomado posse da Judéia. Com ajuda
dos romanos, ele derrotou seu rival em 37 a.C, após um
cerco de três meses a Jerusalém. Antígono foi condenado à
morte e assim começou o reinado de Herodes, o Grande.
Sob o governo de Herodes (37-4 a.C.) e de seus
filhos, a política de helenização propagou-se rapidamente.
Ele queria, tanto quanto possível, ser "tudo para todos os
homens" - para os judeus, um judeu, para os pagãos, um
pagão. Seu casamento com Mariane, a neta de Hircano, era
uma indicação de seu desejo de agradar aos judeus como
foi, por exemplo, a construção do novo Templo de
Jerusalém, iniciada no ano 20 a.C. Porém, mesmo assim,
não foi possível conciliar o povo com sua origem iduméia
e com seus planos de helenizar o reino. Num aspecto
importante, ele perdeu a simpatia de muitos de seus
súditos judeus: na dinastia hasmoneana, o Sumo Sacerdote
e o rei eram a mesma pessoa; Herodes, sendo idumeu, não
poderia ser o Sumo Sacerdote, e assim ele adotou a política
de, tanto quanto possível, degradar esse ofício. Com isso
em vista, ele quebrou o princípio hereditário no qual o
sumo sacerdócio estava baseado e aboliu o direito vitalício
desse ofício. Depois disso, o Sumo Sacerdote passou a ser
designado por ele e mantinha o ofício enquanto agradasse
ao rei.
A política de helenização que Herodes empreendeu
era devida, pelo menos em parte, à própria natureza de
seu reino, que abrangia muitas cidades gregas e incluía
inúmeros gregos entre os cidadãos. Ele tem sido chamado,
às vezes, de "patrono do helenismo" e esse título pode ser
plenamente justificado em muitos sentidos. Por exemplo,
ele fez pouco uso do Sinédrio judeu e em seu lugar
estabeleceu um conselho real nos moldes helenísticos;
substituiu a antiga aristocracia hereditária por uma nova
aristocracia de serviço e elevou essa nova classe de acordo
com as práticas helenísticas. Sua política de administração,
de natureza burocrática fortemente centralizada, seguia
também as linhas do helenismo. O historiador Josefo nos
diz que "ele indicou jogos solenes a serem celebrados a
cada cinco anos em honra a César, e construiu um teatro
em Jerusalém, como também um imenso anfiteatro na
planície" (Ant., 15.8.1, seção 267-69). Era um partidário
liberal dos Jogos Olímpicos e "foi declarado nas inscrições
do povo de Elis para ser um dos atdministradores
permanentes destes jogos" (Ant, 16.5.3, seção 149). Suas
extensas operações de construção provam a alegação de
que ele encorajava o culto ao Imperador, porque todos os
muitos templos que construiu por toda a Palestina eram
dedicados a César. Os fariseus, particularmente, ficaram
horrorizados quando souberam que Herodes realmente
havia permitido que os pagãos erigissem estátuas a ele, em
seu reino. Lemos sobre certos homens, sucessores
legítimos dos antigos Maca-beus, que entraram em santa
aliança para impedi-lo, até mesmo sob risco de morte, de
perpetrar sua política de helenização.
Mesmo quando eram capturados e torturados e
condenados à morte, havia outros prontos a tomar seus
lugares.
Em seguida à morte de Herodes em 4 a.C,
irromperam tumultos na Galileia, que desse tempo em
diante ficou conhecida como berço do nacionalismo
judaico. Josefo nos diz que um certo Judas, o Galileu,
associado a Zadoque, fariseu, rebelou-se contra Roma e
fundou uma nova seita em 6 d.C. Esse é presumivelmente
o partido que mais tarde veio a ser conhecido como
Zelotes (em grego) ou Cananeus (em aramaico) ou Sicaris
(em latim) e que passou a ser um espinho na carne dos
romanos por muitos anos. Com matança, a rebelião na
Galileia foi sufocada por Arquelau, filho de Herodes (4
a.C. — 6 d.C.) que o sucedeu como governador da Judeia,
apenas para ser banido anos mais tarde pelos romanos
como resultado de uma apelação contra ele por judeus e
samaritanos. A exceção de um curto período de três anos,
nos quais o neto de Herodes, Agripa I (41-44 d.C),
governou como rei da Judéia, o país foi dirigido por uma
sucessão de procuradores romanos (6 d.C. -66). Durante
todo esse período, o nacionalismo judeu foi crescendo em
intensidade e encontrou uma expressão particularmente
perigosa nas atividades dos Zelotes, que consideravam o
governo estrangeiro dos romanos como uma situação
intolerável. Essas atividades eram motivadas não apenas
por propósitos políticos, mas também por profundas
convicções religiosas, porque aparentemente os Zelotes
consideravam a si mesmos como a verdadeira linha
sucessória dos antigos Macabeus.
É interessante notar que pelo menos um dos
discípulos de Jesus pertenceu, ou havia pertencido, a esse
partido. Ele é chamado Simão, o Zelote (Lucas 6.15, Atos
1.13) ou Simão, o Cananeu (Mateus 10.4, Marcos 3.18).
Tem sido discutido que outros também podem ter
pertencido, como Judas Iscariotes (do latim sicarius,
"assassino"?), Simão Barjonas (do acadiano barjona
"terrorista"?) e Tiago e João, os "filhos do trovão" (Marcos
3.17). Em pelo menos uma ocasião, pensa-se que Paulo era
um Zelote (Atos 21.38) e o próprio Jesus foi associado aos
líderes do movimento Zelote pelo mestre Gamaliel (Atos
5.36,37). Jesus não era um Zelote, mas, sem dúvida, alguns
de seus contemporâneos judeus e dos romanos o
consideravam como tal.
Os Zelotes eram essencialmente homens zelosos
para com Deus — agentes de Sua ira contra os caminhos
idólatras dos pagãos. Eles criam que eram chamados por
Deus para se engajarem em uma Guerra Santa contra o
"poder das trevas". Nesse particular, compartilharam as
crenças de muitos outros judeus patrióticos, incluindo os
Pactuantes de Qumran. De fato, a esse respeito, à exceção
dos colaboracionistas saduceus, não há, às vezes, uma
linha clara de demarcação entre uma seita e outra.
_________________
Cf. O. Cullmann, The Slate in the New Testament (O Estado no
32
O Povo do Livro
A luta entre o judaísmo e o helenismo descrita no
último capítulo não pode ser explicada tendo como
referência o desejo dos judeus, seja de "liberdade política",
seja de "liberdade religiosa". De fato, havia luta até mesmo
quando eles desfrutavam de liberdade política; e a
"liberdade religiosa", no sentido dos direitos de cada
homem seguir os princípios de sua própria consciência,
não era tolerada pelos judeus. "Durante todo este período",
escreve o Dr. T. W Manson, "os judeus estavam lutando,
não por ideais modernos como estes, mas pela
sobrevivência de 'Israel', onde 'Israel' representa um todo
orgânico complexo, que inclui a fé monoteística, os cultos
no Templo e nas sinagogas, a lei e os costumes
personificados na Torah, as instituições políticas que
haviam surgido no período pós-exüio, a reivindicação de
propriedade da Terra Santa, e qualquer sonho do que
pudesse ter sido um mundo governado por Israel para
substituir o governo dos impérios gentílicos".36
A nova ordem das coisas contida nesses ideais,
pelos quais o judaísmo estava disposto a lutar até a morte,
já haviam encontrado expressão perto do início do século
III a.C. em algumas palavras do Sumo Sacerdote Simão, o
Justo. No tratado judaico Pirke Aboth 1.2 está escrito: "Ele
dizia: sobre três coisas o mundo está fundamentado: na
Torah, e no Serviço (Templo), e em praticar o bem". Essas
três coisas representam "revelação, adoração e simpatia,
isto é, a palavra de Deus para o homem, a resposta do
______________
T. W. Manson, The Servant-Messiah (O Servo Messias), 1956, p.
36
5.
1. A RELIGIÃO DA TORAH
O Dr. G. F. Moore define a palavra "Torah" como "o
termo amplo para a revelação divina, escrita e oral
baseados na qual os judeus possuíam o padrão e a norma
singulares de sua religião".38 A palavra significa
"instrução" ou "ensino" e indica a revelação dada por Deus
a Israel por meio de seu servo Moisés. A palavra é
freqüentemente traduzida como "Lei", mas isso pode
conduzir a um equívoco, porque seu significado está mais
próximo de "revelação" do que de "legislação". Mas, uma
vez que essa "revelação" encontra expressão escrita no
Pentateuco, o nome 'Torah" é aplicado comumente aos
"cinco livros de Moisés". Como vamos ver, o nome poderia
ser aplicado não apenas ao registro escrito dessa revelação, mas
também à tradição não escrita que buscava explicitar o ensino
implícito na Torah escrita.
Ao longo de todo o período de Antíoco IV (175-163 a.C.)
a Vespasiano (d.C. 69-79) e Tito (d.C. 79-81), o nacionalismo
judeu estava arraigado e fundamentado na Torah. Nessa
palavra estavam os germes da revolta que iriam declarar morte
ao helenismo e a tudo aquilo que a cultura estrangeira estava
introduzindo na nação judaica. E assim, o Livro, o veículo e a
____________________
37
R, H. Charles, Apocr. And Pseud. (Apócrifos e Pseudônimos),
1913, p. 691.
38
]udaism (Judaísmo), vol. 2,1927, p. 263.
C. A Santa Aliança
Esse zelo que os judeus demonstravam pela Torah
ao longo de todo o período helenístico era, contudo, não
simplesmente zelo por um Livro, mas pela Aliança sobre a
qual o Livro testemunhava, uma Aliança feita por Deus na
qual ele havia separado a nação judaica para ser seu povo
particular. Menosprezar a Torah era trair a Aliança que
Deus havia feito com seus pais. Isso ajuda a explicar a
lealdade fanática que muitos judeus demonstravam para
com os ritos de sua fé ao longo daqueles dias difíceis.
A circuncisão, por exemplo, era um sinal visível de
que um homem era um membro da Aliança (I Macabeus
1.48, etc), e assim, sujeitar-se à "incircuncisão" era negar
completamente a Aliança (I Macabeus 1.15). Comer carne
de porco era fazer o que a Torah proibia, e assim a isso se
devia resistir sob a penalidade de morte (cf. I Macabeus
1.62,63; II Macabeus 6.18, 7.1 para ver histórias de bravo
heroísmo). O Sábado sagrado era, igualmente, uma marca
da Aliança que o Helenismo procurou profanar (ITMac
6.6); os judeus observavam isso tão rigorosamente, que
muitos deles preferiam a morte a levantar os braços,
mesmo para se defender, no dia do Sábado (II Macabeus
6.11; I Macabeus 2.29-38). A Torah era inflexível em sua
proibição de idolatria de qualquer tipo ou forma; daí o
ódio amargo dos judeus por qualquer coisa que lembrasse
o culto ao Imperador; daí também sua violenta oposição
àquelas construções em estilo grego, decoradas com
figuras idólatras de arrimais e homens; até mesmo os
troféus que adornavam os teatros eram olhados por
muitos como imagens, e então, eram anátema para os
judeus, que adoravam um "Deus ciumento" que não
toleraria nenhum rival ao seu trono.
O lugar que a Torah ocupava e ainda ocupa, na vida
do Judaísmo, é bem resumido nestas palavras do Dr. H.
Wheeler Robinson: "A Lei era a escritura do Judaísmo, a
fonte verdadeira de sua força durante muitos séculos. As
instituições que a lei prescrevia, em grande medida,
acabaram em 70 d.C; mas a Lei mostrou seu poder pela
criação de um novo judaísmo, capaz de resistir sem terra,
cidade ou templo. Através da leitura da Lei, suplementada
pelos escritos dos profetas, nas sinagogas espalhadas da
Dispersão, o conhecimento de um Deus santo e de sua
Aliança com Israel foi mantido vivo nos corações de
todos".42
2. A TORAH E AS SEITAS
O Judaísmo do período de que estamos tratando, era
um sistema mais complexo, contendo dentro de si mesmo
muitos partidos, grupos e seitas diferentes, cujos nomes e
crenças distintas nem sempre ficaram registrados na
história. Josefo declara que "os judeus tiveram, por um
grande período de tempo, três seitas de filosofia" (uma
expressão mais enganosa) - os Fariseus, os Saduceus e os
Essênios, aos quais ele acrescenta o partido fundado por
Judas e Zadoque, mais tarde chamado de "Zelotes" (cf.
Ant. 18.1.1-6, seção 9-23). Indubitavelmente esses partidos
foram muito influentes dentro do Judaísmo durante esse
período, mas para manter a questão na devida proporção,
temos que nos lembrar de que eles eram uma minoria
muito pequena na Palestina. Calcula-se que Fariseus,
Saduceus e Essênios juntos somariam apenas trinta mil -
trinta e cinco mil de um total de quinhentos mil -seiscentos
mil no tempo de Jesus. Os Fariseus somariam
aproximadamente cinco por cento da população total e os
Saduceus e os Essênios juntos, aproximadamente dois por
cento.43
Alguns dos muitos grupos no Judaísmo tinham
mais afinidades com essas três seitas principais do que
com outras, mas é uma exagerada simplificação do caso
supor que, quando essas seitas foram denominadas, as
únicas restantes eram as assim chamadas "Am ha-aretz” ou
"povo da terra".
_______________
Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do Antigo
42
A. Os Fariseus
De acordo com Josefo {Ant., 13.5.9, seção 171-3), os
fariseus já existiam no tempo de Jonatas (160-143 a.C), mas
em outro lugar (Ant., 13.10.5-7, seção 288-99) ele afirma
que eles são mencionados pela primeira vez na história em
conflito com João Hircano45 (134-104 a.C).
_____________________________
Ver capítulo 3.
47
B. Os Saduceus
Se os fariseus, como um todo, pertenciam à classe
média, os saduceus eram representados pela rica
aristocracia e particularmente pelo poderoso sacerdócio
em Jerusalém. Provavelmente a maioria dos saduceus era
de sacerdotes, mas eles não devem ser identificados com
todo o corpo do sacerdócio. Eles contavam em suas fileiras
com comerciantes ricos, funcionários do governo e outros.
Em sua origem, então, eles não eram um partido religioso,
embora fosse nisso que eles pretendessem tornar-se; em
vez disso eles eram um grupo de pessoas compartilhando
uma posição social comum e unidos informalmente
apenas por uma determinação comum de manter o regime
existente. Na verdade, o Dr T. W Manson afirma que o
nome se origina na palavra grega syndikoi, que na história
ateniense significa aqueles que defendem as leis existentes
contra a inovação.49 Além disso, em assuntos religiosos
eles adotaram a posição de um grupo distintamente
conservador. O Sumo Sacerdote e seu círculo eram
membros do partido dos saduceus quase até 70 d.C,
embora alguns anos antes os fariseus, e mais tarde os
zelotes, tivessem obtido controle do Templo. Sua
influência havia sido determinada por sua posição no
estado, e quando essa posição foi perdida, a influência
deles cessou.
Como os fariseus, eles acreditavam na supremacia
da Torah, mas ao contrário daqueles, os saduceus se
recusavam a reconhecer a autoridade vinculante da lei
oral. Eles tinham, é verdade, tradições e costumes de seus
_________________
48Cf. Mateus 9.14; 15.10-20; 16.6; 23passim [N.T.: do latim aqui e
acolá]; Marcos 12.38-40; Lucas 11.37-54; 16.14 ss; 18.10 ss; 20.46 s. etc.
próprios rituais e leis, mas como a origem desses não
datava de Moisés, não eram considerados no mesmo nível
que a Torah. Além disso, eles acreditavam que
principalmente no Templo é que as palavras da Torah
podiam ser obedecidas, e que as ordenanças provenientes
dos sacerdotes, investidos em sua própria autoridade,
eram um guia suficiente para as pessoas cumprirem. Com
efeito, ainda apoiando a autoridade da Torah escrita
contra a autoridade da tradição oraL os saduceus
consideravam-na pouco mais que uma relíquia do
passado.
Se para os fariseus a Torah era o centro de sua fé,
para os saduceus era a circunferência dentro da qual
podiam ser nutridas convicções e práticas estranhas ao
judaísmo. Daí a habilidade deles para inserir dentro de seu
sistema muitas influências helenísticas que eram odiosas a
seus companheiros judeus.
C. OsEssênios
O nome Essênio provavelmente deriva de uma pala-
vra aramaica que significa "santo" ou "piedoso" e
corresponde ao hebraico hasid. Relativamente pouco se
sabe sobre os essênios, mas o historiador romano Plínio
fala sobre um povo com esse nome que formava uma
comunidade asceta firmemente unida, que vivia perto da
costa ocidental do Mar Morto. Josefo e Philo oferecem
informações adicionais de que havia cerca de quatro mil
essênios que, em sua maior parte, vivia em aldeias,
embora alguns deles vivessem em cidades. Esses últimos
eram, sem dúvida, considerados por seus irmãos como
membros associados da comunidade que vivia em regiões
desérticas, sob uma disciplina mais rígida. O nome essênio
_________________
Op cit., pp. 15 s.
49
D. Os Zelotes
Já observamos anteriormente que Josefo traçou a
origem dos zelotes até o ano 6 d.C; mas na realidade suas
raízes vão muito além do período pré-romano, porque eles
podem, justificavelmente, ser considerados como
verdadeiros filhos espirituais dos macabeus. O Dr. R. H.
Pfeiffer coloca a situação resumidamente nestas palavras:
"Como os fariseus são os herdeiros dos Hasidim, assim os
zelotes são os herdeiros dos Macabeus".50
Eles são descritos por Josefo como bandidos, ladrões
e coisa semelhante, mas bem podem igualmente ser
descritos como patriotas, de acordo com o ponto de vista
do escritor; e Josefo era um tanto parcial! Entretanto, é
errôneo considerá-los simplesmente como um grupo
político radical dentro do estado, que provocava conflitos
com os romanos. Sem dúvida, os zelotes atraíram para si
muitos do populacho de seus dias com tendência a
"gangsters", mas eles eram essencialmente uma companhia
de patriotas judeus motivados por profundas convicções
religiosas. E interessante notar que Josefo descreve os
sucessivos líderes do movimento dos zelotes pela palavra
"sofista", que bem pode indicar que dentro do partido
havia um programa planejado de ensino que ia além do
interesse meramente político que Josefo insinua.
Na verdade, sabemos que a oposição dos essênios a
Roma estava arraigada em seu zelo para com a Torah. Foi
esse zelo e não simplesmente o "amor ao país" que gerou
seu patriotismo e fanatismo, o que fez que passassem a ser
temidos tanto pelos amigos como pelos inimigos. Josefo
continua dizendo (Ant., 18.1.6, seção 23) que eles tinham
"uma fixação inviolável pela liberdade"; eles se recusavam
a chamar qualquer homem de "senhor" ou pagar tributo a
qualquer rei, pois Deus era seu único Rei e Senhor;
desprezavam a dor e davam pouca importância à morte;
nem sequer o sofrimento de parentes e amigos os demovia
de seu propósito. Por trás de tudo isso estava sua devoção
apaixonada pela Torah, pela qual eles estavam dispostos
não apenas a lutar, mas quando chamados, até mesmo a
sacrificar suas vidas.
________________
Op. cit., pp. 36.
50
E. Os Pactuantes de Qumran
Já fizemos menção dos Hasidim que, no tempo de
João Hircano (134-104 a.C), apareceram como partido dos
fariseus. Porém, nem todo Hasidim se identificou com esse
partido. Parece haver razão para acreditar que, durante o
curso do segundo século a.C, um grupo de pessoas da
verdadeira tradição hasídica decidiu se retirar para o
deserto da Judeia sob a liderança de quem eles chamavam
o "Mestre da Justiça". Este formou seus seguidores em uma
comunidade religiosa bem organizada, ensinou-lhes uma
nova interpretação das Escrituras e uniu-os em uma "nova
aliança" que os levou à obediência à lei de Deus até o
surgimento da era messiânica. A descoberta em 1947 desse
quartel general dos Pactuantes, em Qumran, perto da
costa do Mar Morto, e de um vasto número de escritos de
suas bibliotecas, muito acrescentou à nossa compreensão
sobre o estado das coisas na Palestina durante o período
interbíblico.
Desde então, a opinião sobre a descoberta desses
"rolos do Mar Morto" tem estado dividida como também
em relação à identidade da comunidade de Qumran.
Alguns estudiosos têm argumentado a favor de uma data
pré-macabeus, e outros por uma identificação com os
zelotes no primeiro século d.C. Talvez os argumentos mais
fortes, entretanto, possam ser apresentados ao associá-los,
se não identificá-los, com um ramo dos essênios da época
de Alexander Janaeus (102 a.C.)*ou um pouco antes. Nesse
mesmo período há evidências de uma grande comunidade
de essênios e uma comunidade igualmente grande de
Pactuantes, ambas vivendo ao redor do Vádi Qumran
(NT.: vádi: denominação árabe dos rios intermitentes do
norte da África e do Oriente próximo; denominação do
leito desses rios — Dicionário Webster.), e a indicação é de
que eles provavelmente formavam uma única
comunidade. Essa convicção é fortalecida por uma
comparação dos costumes, ritos e crenças dessas duas
seitas que indica que eles pertenciam ao mesmo tipo geral.
É um fato de particular interesse que ambas as seitas
tenham dedicado muito tempo ao estudo e interpretação
da Torah e de outros livros sagrados. Entre os Pactuantes,
sempre que os membros efetivos do Conselho se reuniam
em grupos de dez, como era costume, os assuntos eram
ordenados de modo que algum membro do grupo sempre
se ocupava do estudo ou exposição. Os membros
ordinários da comunidade deviam dedicar a primeira
terça parte de todas as noites à leitura do livro', estudando
a lei e respondendo com as bênçãos apropriadas. Como os
essênios, os pactuantes tinham muito em comum com os
fariseus, mas eram mais rígidos do que eles na
interpretação da Torah, como, por exemplo, na
observância do dia do Sábado. Eles acreditavam que sua
fidelidade como remanescente representativo de Israel,
causaria uma expiação vicária para sua nação e ajudaria a
anunciar a nova era de que os profetas haviam falado. Essa
fidelidade encontrou sua expressão no estudo meticuloso e
na prática da lei, e foi com esse propósito que eles foram
os primeiros a se retirarem para o deserto da Judéia.
O líder dessa comunidade, o Mestre da Justiça,
ensinou a seus seguidores uma nova interpretação das
Escrituras que tornou clara a parte que eles deveriam
desempenhar no cumprimento do propósito de Deus para
sua geração. De particular significado eram os escritos dos
profetas que, como se acreditava, não escreviam
simplesmente sobre seus próprios dias, mas sobre os
tempos do fim. Na profecia de Habacuque, os pactuantes
viam uma predição dos dias que eles mesmos estavam
então vivendo. O fim estava próximo. O "mistério"
(hebraico: raz cf. Dn 2.18, etc.) que foi transmitido por
Deus a Habacuque, mas cujo significado foi dele
escondido, recebeu sua interpretação (hebraico: pesher)
pelo Mestre da Justiça, que demonstrou que a antiga
profecia fora escrita com referência, não ao passado, mas
às pessoas e aos acontecimentos de seus próprios dias. O
Dr. F. F. Bruce mostrou51 que esse mesmo método de
interpretação é, em muitos aspectos, semelhante ao
adotado pelos cristãos primitivos e que várias passagens
no Novo Testamento podem facilmente ser traduzidas
para a língua-pescher em que a interpretação da profecia é
dada em termos dos próprios dias do escritor ou em
termos do fim dos tempos.52
Entre os escritos encontrados no Qumran há um
chamado "A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das
Trevas" onde são descritos planos para a execução de uma
Guerra Santa que conduziria ao tempo do fim. Parece
certo que, na ocasião da guerra com Roma (66 d.C),
segundo o espírito desse livro, os Pactuantes foram
prontamente favoráveis aos zelotes e, como resultado, suas
instalações em Qumran foram destruídas, como as
evidências arqueológicas indicam, em 68 d.C. E se, como
parece provável, eles devem ser identificados como um
ramo dos essênios, isso explicaria o relato de Josefo,
segundo o qual naquela época muitos dos essênios foram
cruelmente torturados.
As seitas do judaísmo diferiam umas das outras em
muitos aspectos; contudo, à exceção dos saduceus, elas eram
unidas por uma única coisa em sua luta contra o inimigo
comum; não era a devoção pelo partido nem mesmo pela
pátria, mas pela Torah sagrada e pela santa Aliança do
Senhor seu Deus.
_________________
51
New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), vol. 2, n°
3, pp. 176 ss, artigo sobre 'Qumran and Early Christianity' ('Qumran e o
Cristianismo Primitivo').
52
Ele ilustra isso ao associar Habacuque 1.5 com Atos 13.66 ss
como interpretação; Habacuque 2.3 s com Hebreus 10.37 s, Romanos 1.17
e Gálatas 3.11; Amós 5.25 ss com Atos 7.42 s; Salmos 95.10 com Hebreus
3.9 s.
3
Os Escritos Sagrados
Não há limite para fazer livros, e o muito estudar é
enfado da carne" (Ec 12.12). Essas palavras, sem dúvida,
têm uma qualidade atemporal, mas provavelmente o
escritor tinha em mente os livros de origem grega escritos
no início do segundo século a.C. ou um pouco mais tarde,
e que refletiam a cultura helenística prevalecente naquela
época. Esses escritos não estão diretamente ligados ao
nosso contexto, mas sua citação nos ajuda a lembrar que
na própria Palestina, do primeiro quarto do segundo
século a.C. ao primeiro século d.C, havia também muitos
escritos judaicos, de diversos tipos que tiveram uma
influência duradoura, se não sobre o Judaísmo em si, então
sobre o cristianismo, que reivindicava ser o "novo Israel"
de Deus.
Tem sido prática comum classificar a literatura dos
judeus desse período como canónica, rabínica, apócrifa e
pseu-depígrafa. Contudo, como G. F. Moore indicou,53 tal
classificação era bem desconhecida para os judeus daquela
época e é, na verdade, muito enganosa. Melhor
classificação, ele sugere, seria de livros canónicos,
"normativos" e "irrelevantes" (ou "excluídos"). Por
"canónico" entenda-se o conjunto das Sagradas Escrituras
reconhecido como autorizado; "Normativo" significa a
literatura, ou mais corretamente a tradição oral que
posteriormente encontrou expressão na literatura do
judaísmo rabínico; e "irrelevante" significa escritos não-
canônicos, aos quais os rabinos davam o nome de "livros
excluídos".
_____________
Op. dt., vol. I, pp. 125 ss.
53
I. As SAGRADAS ESCRITURAS
A. O Canon Hebraico
De acordo com os costumes judaicos, as Escrituras
Hebraicas são divididas em três grupos conhecidos como
Torah (Lei), Nebi'im (Profetas - Anteriores e Posteriores) e
Kethubim (Hagiógrafo ou Escritos). Consistem em vinte e
quatro livros que, por divisão diferente, aparecem na
Versão Autorizada como trinta e nove. Desses livros,
considerados inspirados e sagrados e que possuíam a
autoridade "canónica", os judeus diziam que "tornam as
mãos sujas" — frase cuja origem está perdida na
obscuridade, mas que "pretendia provavelmente prevenir
descuidos e manuseio irreverente dos livros sagrados,
particularmente pelos sacerdotes".54 Nem todos os livros
das Escrituras Sagradas eram considerados de igual
autoridade, como também, nem, de fato, constavam nas
três seções em que as Escrituras estavam divididas. Eles
eram classificados em três níveis, por assim dizer; o
primeiro lugar representando a Torah, em seguida, os
Profetas e o último, os Escritos.
Desde o tempo de Esdras em diante, o judaísmo que
gradualmente se desenvolveu atribuiu a maior
importância possível à revelação da Thorah dada por Deus
a Moisés no Sinai, e considerou a história subseqüente
como de menor importância; dessa maneira a Thorah
recebeu um lugar de suprema autoridade escriturística
dentro da igreja judaica. Parece provável que em cerca de
400-350 a.C, a Torah ou o Pentateuco, como nós o temos
agora, foi concluído; mas é mais difícil apurar a que ponto
ele foi considerado como tendo obtido autoridade
canónica.
________________
G. F. Moore, ibid., vol. III, p. 66.
54
2. A TRADIÇÃO ORAL
Durante o período interbíblico, como temos visto, a
Torah tornou-se para os judeus a suprema autoridade
religiosa e o judaísmo se estabeleceu como a religião do
Livro. Mas como H. Wheeler Robinson nos faz lembrar
"toda religião que se edifica com base em um livro é
compelida a criar meios de reinterpretar esse livro de
modo a adaptar seu significado original às mudanças
necessárias de sucessivas gerações. Assim aconteceu que,
paralelamente à Torah escrita, surgiu um conjunto de
interpretação, natural ou artificial, que se constituiuna
Torah não-escrita, 'a tradição dos anciãos' (Marcos 7.3)". 1
156A Companion to the Bibk (Um Associado à Bíblia), ed. By T. W Manson, 1939, p. 313.
A. Sua Origem e Desenvolvimento
O início desse processo de interpretação deve ser
encontrado no soferismo que procurou levar adiante os
alvos de Esdras, o grande "fundador da Lei". Esdras é
descrito como um "escriba versado na lei de Moisés"
(Esdras 7.6) que havia "disposto o coração para buscar a lei
do Senhor e para a cumprir" (Esdras 7.10). Ele não apenas
lia "no Livro, na lei de Deus, claramente", como também
dava "explicações, de maneira que se entendesse o que se
lia" (Neemias 8.8). Isso é exatamente o que o soferismo
também buscava fazer. Eles se propuseram à tarefa de não
apenas fazer da Torah uma possessão do povo, mas
também de descobrir e interpretar seu significado de
modo que os homens pudessem aplicá-la a sua vida
cotidiana. Para eles, a Torah era muito mais que a
sobrevivência de um passado glorioso com um valor
apenas arcaico; era um oráculo vivo por meio do qual a
palavra de Deus podia ser transmitida de geração a
geração. Sua palavra não era estática mas dinâmica, capaz
de novas interpretações para cada era subseqüente e capaz
de aplicação renovada para cada aspecto da vida humana.
O método que eles usavam em seus ensinamentos
era o tipo de uma narração (uma descrição oral) das
palavras das Escrituras. O costume ou prática ou preceito
particular que eles buscavam elucidar era relacionado com
um texto ou passagem das Escrituras que era então
explanado e recebia sua interpretação2. Esse método era
conhecido como a forma
Midrash (do hebraico darash, interpretar) e era uma
característica do ensino das Escrituras.
Em muitos lugares, o ensino da Torah, por preceito
257Um dos muito raros exemplos sobreviventes deste método pode ser encontrado no tratado de
Mishnah, Sotah, viii. 1,2. Cf. a tradução de Herbert Danby do Mishnah, 1933, pp. 301 s, e R.
Travers Herford, op. at., 1933, pp. 48 s, onde a passagem é determinada claramente.
e julgamento, era perfeitamente claro, tanto em seu
significado ético como legal; em tais exemplos, era dever
dos soferins e seus sucessores imprimir esse ensino nas
mentes das pessoas. Em outros lugares, contudo, a regra
da Torah não era clara; então seu significado devia ser
explicado e sua verdade aplicada. Às vezes, é verdade, as
leis que surgem dos costumes prevalecentes podem se
estabelecer, as quais talvez não encontrem justificação na
Torah, mas adquiriam autoridade com base no fato de que
elas formavam uma "cerca em redor da Torah" (Pirke
Aboth 1.1). Essa "cerca" consistia em regras cautelares, tais
como as que proíbem não apenas o uso, mas até mesmo o
manuseio de ferramentas no dia do sábado. Assim, um
homem seria detido antes que ele se encontrasse perto de
uma brecha da lei de Deus. Desse modo, a Torah foi alçada
cada vez mais ao centro da vida das pessoas.
Essa tarefa, tão bem iniciada pelos soferins, foi
continuada e desenvolvida pelos mestres, que depois se
tornaram os rabinos, cujo trabalho fez muito mais do que
moldar e determinar a forma do judaísmo dos anos que
viriam. Registra-se que a tradição dos soferins foi
transmitida por Simão, o Justo, a um certo Antígono de
Socho, e que depois disso foi transmitida a uma série de
mestres cujos nomes são citados em pares de José ben
Joezer e José ben Joanan, que viveram em cerca de 160 a.C,
seguindo a linha de sucessão até Hillel e Shammai, no
tempo de Jesus (cf. Pirke Aboth 1.1-12). Como os soferins
antes deles, esses mestres se propuseram a tarefa de
interpretar a Torah para o povo e de regular suas vidas de
acordo com essa orientação.
Mas durante esse período, houve um
desenvolvimento em conexão com o status de leis extra-
escriturísticas, que passariam a ter efeitos de longo
alcance. Como vimos, oscostumes e tradições,
principalmente de natureza religiosa, que haviam surgido
no decurso dos anos, passaram a ser aceitos como
autoridade na prática do judaísmo, muito embora não
houvesse nenhuma justificação para tal na Torah. No
devido tempo, surgiu a pergunta concernente à relação
entre a autoridade da tradição e a autoridade da Torah
escrita. Estava claro que não poderia haver duas
autoridades independentes. E assim surgiu a
importantíssima crença de que a Torah era mais do que
simplesmente a palavra escrita das Escrituras, mas incluía
também a tradição que havia sido passada de geração a
geração. A Torah de Deus era dividida em duas partes,
escrita e oraL e cada uma delas tinha igual autoridade. E
não apenas isso; cada parte era de igual antigüidade,
porque o próprio Moisés havia recebido a Torah, escrita e
oraL no Sinal a partir de onde a lei tem sido transmitida
através das sucessivas gerações de homens fiéis (Pirke
Aboth 1.1). Foi, sem dúvida, a formulação dessa convicção
que levou à cisão no Sinédrio no tempo de João Hircano
(134-104 a.C.) e ao aparecimento dos dois partidos dos
fariseus e saduceus.3 Os fariseus eram firmes defensores
da autoridade da tradição oral ao que os saduceus eram
amargamente contrários. Estes, por sua vez, embora tives-
sem suas próprias ordenanças a respeito das questões dos
sacrifícios e outros rituais, consideravam a Torah escrita
como a única autoridade.
Os perigos inerentes em tal desenvolvimento da
Torah nào-escrita são óbvios, especialmente quando ela se
dissociou do texto da Torah escrita e não mais requeria
base justificativa nas Escrituras. Mas deve-se reconhecer
que isso livrou o judaísmo daquele estado moribundo que
deveria ter sido seu destino, se a nação tivesse seguido a
orientação dos conservadores saduceus. Por meio da
358Ver pp. 32 2 49 s.
Torah nào-escrita, a religião e a vida, o trabalho e a
adoração, foram integrados de um modoque seria antes
impossível, e Deus e seus mandamentos foram
apresentados como reais na vida comum das pessoas
comuns.
459Ver pp. 64 s
qualquer ponto da lei. E um desenvolvimento, por assim
dizer, das histórias bíblicas em vez da lei bíblica. Essa
parte contém muitas lendas e miscelâneas do folclore
israelita. Mas juntamente com esses relatos, há um
considerável volume de material ético ereligioso. O
Haggadah se refere freqüentemente ao discurso dos
pregadores nas sinagogas e dos mestres nas escolas e
muitas vezes os menciona pelo nome. Esse material era de
grande valor, mas não tinha a mesma autoridade do
Midrash Halakah no judaísmo.
O Midrash era o interesse dos rabinos antes da
destruição do segundo Templo, e depois dessa data
tornou-se sua maior preocupação. A função, apresentação
e ampliação da tradição oral eram as principais
características de seus estudos. Sua tarefa então, como
sempre, era de estudar a Torah escrita e sua tradição oral e
transmiti-las aos outros. Esse processo de estudo, a
repetição da Torah escrita e de sua tradição oraL era
chamado shanah ou "repetição", e o resumo da repetição
era conhecido como Mishnah.5
Essa palavra Mishnaò é o nome dado à segunda
fonte rabínica. Ela tem sido descrita como "uma
classificação sistemática (tópica) das discussões e decisões
dos rabinos durante os séculos anteriores como a
interpretação e expansão da Torah".6 Trata-se de um
código de lei que consiste em Halakah, com elementos
ocasionais do Haggadah, cuja formação e codificação se
deram desse modo. Após a destruição do Templo em 70
d.C, em vez de elaborar um versículo das Escrituras de
cada vez, os rabinos começaram a organizar o halahot
(plural de halakah), ou leis religiosas individuais de tipo
560Em aramaico shanah torna-se tena'. Os rabinos dos dois primeiros séculos d.C, que estavam
comprometidos com esta repetição dos Mishnah, eram conhecidos, e ainda o são, como
Tanna'im.
661H. Wheeler Robinson, op. dl. pp. 313 s
prático, em uma ordem especiaL de acordo com o assunto
e não de acordo com o texto bíblico. Uma orientação sobre
esses assuntos foi dada por Joanan ben Zakkai e seus
discípulos em Jamnia. No começo do segundo século, o
Rabino Akiba (morto em 135 d.C.) ordenou o ha/akotem
uma forma mais elaborada, emboraainda oralmente. Um
de seus discípulos, o Rabino Meir (após 135 d.C.)
elaborou-a novamente e esclareceu alguns pontos
obscuros. Então, o Rabino Judá (o Patriarca), que morreu
logo depois de 200 d.C, fez uma recensão final do
Mishnah, embora não saibamos se ele realmente o fez por
escrito. Outras alterações foram feitas depois de seus dias,
mas o principal é resultado de sua obra. Em sua forma
escrita, o Mishnah é dividido em seis ordens conforme o
assunto-matéria, cada uma contendo vários tratados (63 ao
todo) e pode ser datado em cerca de 200-230 d.C. Depois
da Bíblia, o Mishnah é a base da literatura judaica até
nossos dias e é o fundamento do Talmude. 7 Com os
escritos do Mishnah, os judeus se estabeleceram como "o
povo do Livro".
A. A Literatura Não-Canõnica
Já se mencionou o fato de que durante o período
interbí-blico surgiram, principalmente na Palestina, mas
também na Dispersão, uma literatura judaica bem extensa
que é significativa não apenas para o judaísmo, porém
muito mais para o cristianismo.8 Por um lado, esses
escritos oferecem uma interessante visão da história dos
762O Talmude (lit. "aprendizado") é uma compilação que consiste do Mishnah, ou o corpo da lei
tradicional aceita, juntamente com as discussões ou tradições subseqüentes ( a Gemara, lit.
"complementação"), que diz respeito ao que surgiu nas "escolas" judaicas. Há dois Talmudes, o
palestino e o babilónico. Em referência de uso comum, o Talmude babilônio é mais completo
que o palestino. Ele adquiriu substancialmente sua forma atual em cerca de 500 d.C.
8Ver p. 16.
judeus e da religião do judaísmo formada nas escolas
rabínicas, e por outro lado lança luz sobre as origens da fé
cristã. E difícil dizer o quanto esses livros se difundiram,
mas aparentemente havia uma quantidade considerável
deles em circulação.
O nome dado a esses livros na literatura rabínica é
hisonim que significa "externo" ou "fora" e quer dizer que
esses livros não pertenciam ao Cânon das Escrituras
reconhecidas. Um indício de sua identidade é fornecido no
tratado de Tosefta, Yadaim ii, 13, que diz: "Os livros [sic] de
Ben Sira e todos os livros que foram escritos desde então
não mancham as mãos", isto é, não são canónicos. A
literatura aqui referida é presumivelmente aquela de todo
o grupo ao qual o próprio Ben Sira pertencia, ou seja, a
literatura apócrifa e cognata (inclusive muitos escritos do
tipo apocalíptico). No tratado de Mishnah, Sinédrio x, 1, é
registrado pelo influente Rabino Akiba (cerca de 132 d.C.)
que entre aqueles que não tinham "parte no mundo por
vir" está "aquele que lê os livros excluídos". A primeira
vista, isso pode ter passado a significar que a leitura de
todos os livros nào-canônicos era proibida, mas na
realidade a referência é presumivelmente à reátação pública
deles tanto na liturgia dos cultos como na disciplina do
estudo.
Baseado em quais fundamentos essa literatura era
considerada nào-canônica? W. D. Davies sugeriu9 quatro
critérios para determinar a aceitação ou a rejeição de
qualquer livro:
1. A visão de que as profecias cessaram em Israel
após Daniel no período persa e que, portanto, todos os
livros escritos após esse tempo não devem ser
considerados.
2. A congruência do conteúdo de qualquer livro com
964Expositary Times (Tempos expositivos), vol. LIX, no. 9, Junho 1948.
a Torah (cf. discussões sobre canonicidade de Ezequiel).
3. Uma certa auto-consistência entre os livros
referidos.
4. O caráter hebraico original de qualquer livro.
1166Ver p. 67.
exemplo, Jubileus, ilustra amplamente que essa diferença
não era de modo algum absoluta em todos os casos. O
autor de Jubileus certamente demonstra familiaridade com
o método rabínico e produz evidência do halakot, antes
mesmo que aquelas das próprias fontes rabínicas. Além do
mais, o elemento apocalíptico nesses escritos é
freqüentemente acompanhado por uma profunda
preocupação ética que, em muitos aspectos, é a chave para
o entendimento e a apreciação do Judaísmo rabínico.
Também há a perspectiva escatológica desses dois grupos
de escritos que, embora diesimi-lares em muitos aspectos,
revela considerável grau de concordância. Isso é mais
claramente visto em certas expectativas rabínicas tais como
a ressurreição do corpo e o advento do Messias. Um caso
ilustrativo é o do Rabino Akiba, que, como já vimos, no
início do segundo século, elaborou e organizou o halahot;
foi esse mesmo homem que esperou ansiosamente a vinda
do Messias e deu apoio irrestrito às reivindicações de Bar
Kochba em sua revolta em 132-135 d.C.
Porém, esse tipo de literatura talvez interessasse
muito mais aos Zelotes e àqueles que compartilhavam de
seu ponto de vista político e religioso. Eles descobririam
nesses escritos muitas coisas que receberam sua aprovação
entusiástica, e incendiaram aquele zelo nacionalista, pelo
qual procuravam cumprir, se necessário fosse, pelo poder
da espada, a vontade revelada de Deus. Nosso
conhecimento dos essênios é limitado e o que sabemos
sobre eles indica que suas convicções nem sempre
correspondem àquelas expressas nos escritos apoca-
lípticos. Mas esse termo pode muito bem designar vários
grupos diferentes, cujas crenças e práticas poderiam
corresponder com maior precisão às da literatura
apocalíptica. Se pudermos constatar que o argumento de
que os pactuantes do Qumnran eram, de fato, um ramo
dos essênios, então poderemos, talvez, dar muito mais
crédito ao argumento a favor da possível influência dos
essênios nesse tipo de literatura, pois o pensamento
messiânico e apocalíptico dos rolos do Mar Morto têm
muito em comum com os escritos apocalípticos nos "livros
excluídos".
Para concluir, a existência dessa literatura não-
canônica, apocalíptica ou não, confirma a observação feita
anteriormente de que, durante o período interbíblico, o
Judaísmo era um sistema complexo, que abrangia muitas
seitas, partidos e classes, pois a própria literatura
desvenda muitas visões diferentes, interesses e crenças que
nem sempre podem ser identificadas com qualquer um
dos partidos reconhecidos dentro do Judaísmo. Como R
Travers Herford diz: "A existência de escritores tais como
os dos livros apócrifos tendem mais à complexidade do
que à simplicidade nas atividades literárias da época.
Também, a presença de muitos elementos no Judaísmo
contemporâneo,de modo algum implica que havia
interação íntima e influência mútua entre eles".12 Nós nos
voltaremos agora para um exame mais detalhado dessa
literatura "apócrifa".
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algum.
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79
A Literatura Apócrifa
No jargão comum a palavra "apócrifo"
freqüentemente traz um sentido de "falso" ou "espúrio",
mas em sua origem e em seu uso eclesiástico o significado
é completamente diferente. Ela tem o mesmo sentido da
expressão hebraica "livros excluídos" e se refere àqueles
livros que não foram inseridos no Cânon das Escrituras.
Etimologicamente, a palavra "apocrypha" (plural do grego
apocryphon) designa coisas ocultas aos olhos, escondidas
ou secretas. Tem-se sugerido13 que a razão por que os
"livros excluídos" passaram a ser chamados de "(livros)
ocultos" pode ser encontrada em certas referências de II
Esdras. Nesse livro, Esdras recebeu a ordem de reescrever
todos os livros sagrados de Israel que haviam sido
destruídos. Vinte e quatro desses (os livros canónicos), ele
teve que publicar, e setenta (os livros excluídos) ele teve
que esconder (cf. 14.6,45 ss). Esses livros "escondidos" ou
"apócrifos", uma vez excluídos do Cânon, eram, contudo,
de grande valor na tradição judaica representada por esse
escritor.
Em seu uso mais moderno, porém, a palavra tem
uma referência muito mais restrita. Entre os protestantes,
ela é usada geralmente para descrever os livros que
constavam nas Bíblias cristas grega e latina (isto é, a
Septuaginta e a Vulgata), mas que não eram incluídos na
Bíblia hebraica; aqui a palavra "pseudo-grafia" é
freqüentemente usada para se referir aos demais "livros
excluídos", de número indeterminado, que ficaram fora
1368Cf. C. C. Torrey, op. aí., pp. 8 s.
das Escrituras canónicas e dos "Apócrifos" e que, por um
tempo considerável, foram amplamente lidos na igreja
cristã primitiva oriental e em outros ramos. No uso
católico romano, a palavra "deuterocanônico" é atribuída
aos livros descritos pelos protestantes como "apócrifos" e a
palavra "apócrifo" é atribuída aos livros conhecidos como
"pseudografias". Quando, por questão de conveniência,
deve-se fazer uma distinção, adota-se a terminologia
protestante.
1.
Os LIVROS COMUMENTE CHAMADOS DE
"APÓCRIFOS"
A Sua Identidade
Os livros do Antigo Testamento apócrifo são mais
conhecidos dos leitores modernos como aparecem na
Versão Autorizada, onde são reunidos para formar um
bloco de literatura entre o Antigo e o Novo Testamento.
São doze livros ao todo e um deles (II Esdras) não é
incluído na Septuaginta grega mas aparece na Vulgata.
1. I Esdras
2. II Esdras
3. Tobias
4. Judite
5. O restante dos capítulos de Ester
6. Sabedoria de Salomão
7. Sabedoria de Jesus, filho de Siraque,14 ou
Eclesiástico
8. Baruque (com a Epístola de Jeremias como
capítulo 6).15
9. Acréscimos ao livro de Daniel
1469"Esta é a forma dos nomes em grego. A forma hebraica T3»n Sira' (filho de Sira) é usada em
todo esse livro.
1570A versão Apócrifa RSV (Versão Revisada Standard) separa a Epístola de Jeremias do livro de
Baruque. Em alguns códices gregos eles são separados por outro livro.
(a) O Cântico dos Três Jovens Santos
(b) A História de Susana
(c) Bel e o Dragão
10. A Oração de Manasses
11. I Macabeus
12. II Macabeus
________________
71
Ver p. 76, n. 1.
1773R. H. Pfeiffer em The Interpretoá Bibk (O Intérprete da Bíblia), voL 1,1952, p. 399.
1874Ver cap. 5.
mesma conexão e juntos apresentam um quadro
inestimável da vida e da religião judaica nos anos que
antecederam o nascimento do cristianismo.
O respeito para com o Templo de Jerusalém é
demonstrado não apenas pelas narrativas históricas (por
exemplo I Mac 7.37), mas em outros textos, como no livro
de Tobias, ele é tratado em alta estima e é aprovada a
peregrinação a Jerusalém e o pagamento de dízimos no
Templo (1.4-8; 5.13). Em Ben Sira, também, os ritos do
Templo (cf. 35.4ss) e o sacerdócio aarônico (45.6ss) são
honrados e, em particular, o Sumo Sacerdote Simeão é
exaltado (50.1 ss).
Complementar ao Templo era a Torah sagrada, cuja
localização e prestígio iriam tornar-se cada vez maiores à
medida que os anos passassem. Tobias, por exemplo,
coloca ênfase na obediência à Lei de Moisés, enquanto que
em Ben Sira, como nós já vimos, a Torah é descrita como a
epítome da própria sabedoria (24.23). Já estava sendo
lançada a fundação para o tempo em que os judeus
estariam dispostos a morrer em defesa da bendita Torah
(cf. I Macabeus 2.27).
Em todos esses escritos, há ênfase sobre a
importância das exigências legalísticas. Tobias, por exemplo,
refere-se à purificação após o contato com cadáveres, ao
lavar-se antes das refeições, à observância das festas, o
pagamento dos dízimos aos sacerdotes e às contribuições
para o sustento de órfãos, viúvas e estrangeiros. O ato de
dar esmolas, em particular, é considerado como um dever
sagrado a ser praticado igualmente por ricos e pobres. Em
I Macabeus é dada ampla evidência da grande importância
do rito da circuncisão (cf. 1.15,48; 2.46) e da observância do
sábado (2.34, 41). Outra observância quase tão importante
é a das leis relacionadas às comidas. Tobias diz que
quando foi levado cativo para Nínive, ele se recusou a
comer "o pão dos gentios" (1.10-11). Judite, também,
recusou-se a receber a comida e o vinho que Holofernes
lhe ofereceu (12.2). De fato, o sucesso de seu plano para
libertar a nação, aparentemente, dependia de seu
cumprimento da lei até nos menores detalhes da
observância das dietas (8.4-6; 12.1-9; cf. também II
Macabeus 6.18-7.1). A perspectiva religiosa dos judeus é
resumida nas palavras de Baruque: "Este é o livro dos
mandamentos de Deus e a lei que subsiste para todo o
sempre. Todos aqueles que a cumprem fielmente são
destinados para a vida, mas os que a abandonam,
perecerão" (Baruque 4.1).
Mas o legalismo não era a única coisa que a Torah
religiosa nutriu. Ela encorajou em muitos uma profunda
devoção pessoal que achou expressão nas boas obras e no
serviço aos outros. Em todo o livro de Tobias, por
exemplo, há um sentido de reverência e respeito
demonstrado aos pais, que indica um verdadeiro espírito
de piedade que prevalecia em muitos círculos familiares
judaicos daquele tempo; em particular, as orações de
Tobias e Sara pela libertação de seus problemas são, sem
dúvida, típicas de muitas orações de seus dias. Ben Sira
também exala o espírito de oração em várias passagens
que muito se assemelham aos Salmos em sua atmosfera
devocional (cf 2.1-18; 17.24-18.14; 22.27-23.6). Sua
perspectiva religiosa é bem resumida nestes palavras:
"Riquezas e força animam o coração;
E o temor do Senhor está acima de ambos:
Não há carência de nada no temor do Senhor,
E quanto a isso, não é necessário buscar ajuda"
(40.26).
Aquele que observa a Lei, faz muito mais aos olhos
de Deus do que se oferecesse muitos sacrifícios: "Aquele
que guarda a Lei multiplica as ofertas; Aquele que cumpre
os mandamentos oferece uma oferta pacífica;
Aquele que retribui uma boa ação oferece flor de
farinha; E aquele que dá esmolas oferece um sacrifício de
ação de graças." (35.1-2)
Multiplicar ofertas não é suficiente:
"O Altíssimo não tem prazer nas ofertas dos ímpios;
nem perdoa os pecados pela multidão de sacrifícios"
(34.19).
Toda essa passagem, de fato, exala o espírito de
Amós, que requer misericórdia para os pobres e justiça
para os oprimidos (cf. 4.1-6; 34.18-26).
Durante todo esse período, houve um grande
desenvolvimento na concepção dos judeus das últimas
coisas e isto é bem ilustrado nesses escritos. Em Baruque,
por exemplo, há uma promessa para o povo judeu de que
eles verão seu triunfo sobre seus irárnigos e que Deus os
restabelecerá em sua própria terra (2.30-35, etc). Tobias
declara que o tempo virá quando Jerusalém será
reconstruída e o Templo será restabelecido à sua glória
anterior e até mesmo superior àquela; as tribos se reunirão
mais uma vez em Jerusalém e os pagãos adorarão ao
Senhor como seu Deus (13.1ss; 14.4-7). Em ambos esses
livros há referência à escatologia da nação, mas não há
nada sobre a escatologia do individual. E aos
apocalípticos, representada nos apócrifos por II Esdras 3-
13, que devemos uma síntese dessasduas escatologias por
meio de sua crença na doutrina da ressurreição dos
mortos. Por sua influência, o escritor de II Macabeus, por
exemplo, expressa sua crença na ressurreição dos justos,
que serão levantados dentre os mortos para herdar a vida
eterna (7.9,11,14,23,29,36;12.3-45). Nisso ele difere de outro
livro alexandrino, a Sabedoria de Salomão, que, sob
influência do pensamento grego, ensina sobre a
imortalidade da alma (2.23; 3.4;5.15;6.18;8.17;15.3). Esse
ensino de Sabedoria, junto com sua crença na pré-
existência da alma (8.19-20), que está aprisionada ao
"corpo corruptível" (9.15), é estranha não apenas ao
pensamento hebraico, mas também às expectativas
apocalípticas dos judeus.19 Os apocalípticos estavam
alinhados à tradição hebraica e, por seu discernimento
espiritual, prepararam o caminho para o cristianismo, não
apenas em sua doutrina da ressurreição, mas também em
sua crença no Reino de Deus e do Messias que um dia
viria para reinar.
A. Sua Identidade
Não há consenso sobre a lista desses outros livros
apócrifos que se encontram excluídos dos "Apócrifos" e
aos quais se atribui, às vezes, o nome de "pseudepígrafos".
Eles representam vários tipos de literatura, mas, sem
dúvida o mais comum e mais importante é esse do
apocalíptico. Alguns deles são apocalipses, propriamente
ditos, enquanto outros, embora não predominantemente
apocalípticos, possuem em si elementos apocalípticos bem
consideráveis. De fato, há poucos, se houver algum, que
não entram nessa categoria. Mais tarde trataremos de seu
método e ensino. Aqui relacionamos uma lista de tais
livros, geralmente aceitos como pertencentes a essa
classificação, juntamente com sua data aproximada de
composição.
De origem palestina:
I. 1 Enoque 6-36, 37-71, 83-90, 91-104 (c. 154 a.C.)
2. O Livro dos Jubileus (c. 150 a.C.)
3. Os Testamentos dos Doze Patriarcas (140-110 a.C.)
1975Ver pp. 24 s.
4. Salmos de Salomão (c. 50 a.C.)
5. O Testamento de Jó (primeiro século a.C.)
6. A Assunção de Moisés (7-28 d.C.)
7. As Vidas dos Profetas (primeiro século d.C.)
8. O Martírio de Isaías (1-50 d.C.)
9. O Testamento de Abraão (1-50 d.C.)
10. O Apocalipse de Abraão 9-32 (70-100 d.C.)
II. II Baruque ou O Apocalipse de Baruque (50-100
d.C.)
12. Vida de Adão e Eva ou Apocalipse de Moisés
(80-100 dC.)
De origem helenística:
13. Os Oráculos Sibilinos: Livro Hl (150-120 a.C.)
Livro IV (c. 80 d.C.)
Livro V (antes de 130 d.C.)
14. III Macabeus (próximo do fim do primeiro século
a.C.)
15. IV Macabeus (próximo do fim do primeiro
século a.C. ou início do primeiro século d.C.)
16. II Enoque ou livro dos Segredos de Enoque (1-50
dC.)
17. III Baruque (100-175 d.C.)
B. Na Comunidade deQumran
Esse número de livros foi aumentado consideravel-
mente pelas descobertas no Qumran, perto da costa do
Mar Morto. Entre os milhares de fragmentos encontrados,
há muitos de caráter apócrifo e, em particular,
apocalíptico; alguns são escritos em hebraico e outros em
Aramaico, e outros, segundo informações, em uma escrita
secreta. Aparentemente esses escritos eram muito
populares entre os membros da comunidade de Qumran e
talvez alguns deles tenham sido, de fato, escritos lá.
Muitos fragmentos de escritos apocalípticos
relatados no Livro de Enoque têm vindo à luz, escritos em
hebraico e aramaico. Um deles tem muito em comum com
I Enoque 94-103, com sua narrativa das admoestações aos
justos e infortúnios aos pecadores, e faz referência, em
várias ocasiões, ao "segredo futuro"20 por meio do qual os
mistérios da presente era, enfim, serão revelados. Essa é
uma idéia bem comum entre os apocalípticos como, por
exemplo, em II Esdras. Outra série de fragmentos contém
uma narrativa do nascimento de Noé, conhecida
previamente apenas em I Enoque 106. E possível que esses
façam parte de escritos perdidos há muito tempo, o assim
denominado "Livro de Noé", reconhecido por muitos
como sendo uma das fontes do Livro de Enoque. 21 No
entanto, encontrou-se outra coleção de fragmentos, escrita
em aramaico, que descreve uma visão da Nova Jerusalém
e demonstra um interesse particular no templo e em seu
culto.22 A indicação é que esse escrito deve ter sido muito
popular entre os Pactuantes, porque os fragmentos
apresentam várias cópias e foram descobertos em várias
cavernas de Qumran. Também foram encontrados
fragmentos do Livro de Jubileus, um Testamento de Levi
em aramaico (considerado uma fonte dos Testamentos dos
Doze Patriarcas) e um Testamento de Naftali em hebraico.
Alguns escritos de caráter hagádico23 têm, também,
vindo à luz entre os rolos de Qumran. Foram encontradas
partes de uma obra similar ao Livro de Jubileus, por
exemplo, que podem ser uma fonte desse livro ou uma
recensão posterior dele, ou talvez possam representar um
escrito independente, pois esse parece defender um
calendário diferente, de algumamaneira, daquele dos
2076Ver pp. 56, 95 ss, 105.
2177Cf. I Enoque 6-11; 54.7-55.2; 60; 65.1-69.25; 106-107. Porções da 'literatura de Noé' também
podem ter sido preservadas em Jubileus 7.20-39; 10.1-15.
2278Os editores deram a ela o título de "A Descrição da Nova Jerusalém".
2379Ver p. 67.
Jubileus. De considerável interesse são os quarenta e nove
fragmentos de um escrito hebraico que parece seguir o
estilo do Livro de Deuteronômio, um tanto como Jubileus
segue o Livro de Gênesis. Por isso ele é geralmente
conhecido como "O Pequeno Deuteronômio" ou "As
Palavras de Moisés". E bem possível que tenhamos aqui
uma história apócrifa dos patriarcas ou mesmo um
documento até então desconhecido, "As Guerras dos
Patriarcas", que é uma das fontes de Jubileus (cf. 34.1-9) e
os Testamentos do Doze Patriarcas (cf. Testamento de Judá
3-7).
Igualmente interessante também é a paráfrase
aramaica de Gênesis 5-15 que adorna a narrativa bíblica
com comentários hagádicos sobre o texto e tem muito em
comum com nossa literatura apocalíptica. 24 Fragmentos de
outros livros de narrativas hagádicas também têm muito
em comum com os escritos atribuídos a Jeremias e
Baruque, mas que não podem ser identificados com
qualquer dos escritos já conhecidos por nós. De particular
interesse é o escrito pseudo-histórico situado no período
persa, que lembra os livros de Ester e Daniel.
A. No Novo Testamento
Ao ler o Novo Testamento, torna-se bem óbvio que
seus escritores e leitores dos primeiros dias estavam
familiarizados com, pelo menos, alguns dos livros
apócrifos, não apenas aqueles que eles herdaram dos
judeus na Septua-ginta, mas também com uma coleção
mais ampla de escritos. A referência mais clara pode ser
encontrada em Judas, versículos 14-16, onde o autor faz
2480Este escrito foi, à primeira vista, considerado uma cópia do Livro de Lameque, ao qual se faz
referência em algumas listas antigas.
uma citação, sem dúvida de memória, de Enoque 1.9,
lembrando a profecia de "Enoque, a sétima geração depois
de Adão". A exceção dessa citação mais ou menos direta,
muitas alusões à literatura apócrifa. As palavras,
"Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos.
Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate",
registradas em Hebreus 11.35, nos faz lembrar o martírio
de Eleazar e dos Sete Irmãos em II Macabeus 6 e 7, e
"foram... serrados pelo meio" de Hebreus 11.37 é, sem
dúvida, uma alusão ao Martírio de Isaías, enquanto as
frases "o resplendor da glória" e "a expressão exata de seu
Ser" em Hebreus 1.3 nos lembra forçosamente o Livro de
Sabedoria 7.26. Ecos do Livro de Sabedoria provavelmente
podem ser ouvidos também nas palavras dos principais
sacerdotes em relação a Jesus, em sua agonia, em Mateus
27.43: "Pois venha livrá-lo agora, se de fato lhe quer bem;
porque disse: Sou Filho de Deus" (cf. Sabedoria 2.18);
assim também nas cartas de Paulo, tais como Romanos
1.20-32 (Sabedoria 14.22-31), Romanos 9.21 (Sabedoria
15.7), II Coríntios 5.4 (Sabedoria 9.15) e Efésios 6.13-17
(Sabedoria 5.18-20). Além disso, certos sentimentos e
frases familiares ao leitor cristão nos Evangelhos têm seu
paralelo direto no Testamentos dos Doze Patriarcas,
expressões como perdoar o próximo (Mateus 18.21, cf.
Testamento de Gade 6.3,7), amar de todo o coração
(Mateus 22.37-39, cf. Testamento de Dã 5.3), e retribuir o
mal com o bem (Lucas 6.27s, cf. Testamento de José 8.2).
Isso demonstra como o conteúdo dos ensinamentos morais
de Jesus estava próximo do ideal moral do judaísmo.
A disputa entre Miguel e o diabo, pelo corpo de
Moisés em Judas 9, deriva de A Assunção de Moisés, e a
doutrina dos espíritos aprisionados em I Pedro 3.19 é
baseada em Enoque 14-15. A Epístola de Tiago tem muito
em comum com os livros apócrifos; o escritor certamente
estava familiarizado com Ben Sira, de cujo pensamento e
experiência ele compartilhava (cf. por exemplo, Tiago 1.19
e Ben Sira 5.11). O Novo Testamento faz referências a
escritos desconhecidos (cf. I Coríntios 2.9; Efésios 5.14; I
Timóteo 3.16) e faz citações de fontes desconhecidas
(Mateus 23.34,35; cf. Lucas 11.49-51), enquanto em uma
passagem (II Timóteo 3.8) faz alusão a Janes e Jambres,
cujos nomes foram usados para o título de um livro
apócrifo, do que temos conhecimento a partir de escritos
que surgiram posteriormente.
Sem dúvida, os cristãos primitivos consideravam
esses livros religiosamente edificantes, não apenas em suas
devoções pessoais, mas também no ensino dos
catecúmenos. A questão da canonicidade não era sequer
cogitada a essa altura. Esse problema ainda seria suscitado
e resolvido pela Igreja em expansão.
B. Na História da Igreja
Entre os primeiros Pais da Igreja, os livros
"Apócrifos" geralmente eram considerados como parte das
sagradas Escrituras, mas essa opinião não deixou de ser
contestada por vários dos mais influentes dentre eles.
Orígenes (185-254), por exemplo, como membro do clero,
aceitava os "Apócrifos" mas como erudito limitava as
Escrituras do Antigo Testamento ao Cânon hebraico. Cirilo
de Jerusalém (morto em 386) ensinava seus catecúmenos
com base no Cânon hebraico, mas aceitava o uso comum
de outros escritos. Jerônimo (morto em 420) formulou sua
opinião de que apenas os livros do Cânon hebraico
deveriam ser considerados autorizados e, portanto,
canónicos. Ele fazia distinção entre o que chamava de abri
canoniá e libri eccksiastiá. Estes últimos, que não eram
incluídos no Cânon hebraico, deveriam ser considerados
"inter-apócrifos" entre os escritos apócrifos, uma expressão
que já havia sido empregada (aparentemente pela primeira
vez) por Cirilo de Jerusalém. Na prática, porém, Jerônimo
incluiu os livros "Apócrifos" na tradução latina, que veio a
ser conhecida como Vulgata, a versão católica romana
oficial da Bíblia. Com base na Vulgata, a igreja católica
romana declarou os Apócrifos como canónicos no
Concílio de Trento em 1546 e no Concílio Vaticano
em 1870.
A atitude dos reformadores em relação aos
Apócrifos foi amplamente determinada pelo uso que a
Igreja Católica Romana havia feito, desde muito tempo,
desses escritos, para defender doutrinas tais como
salvação pelas obras, mérito dos santos, purgatório e
intercessão pelos mortos. Isso, juntamente com um
renovado interesse pela língua hebraica, estabeleceram os
livros do Cânon hebraico como uma classe à parte.
Martinho Lutero (1534) separou os Apócrifos (a exceção de
I e II Esdras) do Cânon hebraico e colocou-os em um
apêndice do Antigo Testamento, descrevendo-os como
"livros que não podem ser considerados como livros
canónicos, porém são úteis e bons para leitura". Coverdale
(1535) também apensou os Apócrifos ao Antigo
Testamento, omitindo a Oração de Manasses (incluída
posteriormente na "Grande Bíblia", 1539) e acrescentando I
e II Esdras. Os Apócrifos, seja no corpo do Antigo
Testamento, seja como apêndice, portanto, apareciam na
"Bíblia de Mateus" (1537), na Grande Bíblia (1539), na
Bíblia de Genebra (1560), na Bíblia do Bispo (1568) e na
Versão Autorizada de Tiago I (1611). Mas a velha
controvérsia permaneceu e já em 1629 os "Apócrifos"
foram omitidos de algumas edições da Bíblia Inglesa e,
desde 1827, das edições da Sociedade Bíblica Britânica e
Estrangeira, com exceção de algumas Bíblias de púlpito.
Hoje, aos olhos dos protestantes, o valor dos "Apócrifos"
vai desde "edificante" a "sem valor religioso".
Parte Dois
Os APOCALÍPTICOS
5
1. A TRADIÇÃO APOCALÍPTICA
A literatura apocalíptica judaica que floresceu de
165 a.C. a 90 d.C, deve muito à preparação dos profetas do
Antigo Testamento e à influência de idéias estrangeiras,
especialmente as relacionadas à escatologia do
Zoroastrismo do Império Persa. Mas é verdadeiro dizer
que ela tomou raízes no tempo da perseguição sob Antíoco
IV (Epifânio) e prosperou na atmosfera da opressão,
tortura e ameaça de morte que prevalecia na Palestina ao
longo de todo o reinado desse monarca. A semente já
havia sido lançada, por assim dizer, em passagens tais
como Ezequiel 38-39, Zacarias 9-14, certas partes de Joel e
Isaías 24-27, que, de forma muito interessante, estão elas
próprias embutidas na profecia; mas nos eventos que
conduziram à Revolta dos Macabeus, essa semente chegou
ao pleno florescimento. O primeiro, e indubitavelmente o
maior dos escritos apocalípticos, é o Livro de Daniel,
escrito sobre um fundo de perseguição, terror e morte.
Desde o início ele deve ter conquistado um lugar de honra
entre aqueles para quem foi escrito e deve ter causado
uma profunda impressão no povo judeu como um todo;
apenas o Livro de Daniel, dentre todos aqueles que se
seguiram, conquistou para si um lugar no Cânon hebraico
das Escrituras.
A, O Segredo Oculto
2682Cf. I Enoque 71.1. As palavras "subi para aqui", em Ap 11.12, ditas ajoão na ilha de Patmos,
provavelmente se refere a um translado do espírito. Cf. também Ap 17.3; 21.10.
2783Cf. I Enoque 39.3,4; II Enoque 3.1; 36.1,2; 38.1; Testamento de Abraão 7B, 8B; Apocalipse
de Baruque 6.3; II Esdras 14.9. Isso nos lembra das palavras de Paulo em II Co 12.2-4, onde ele
relata como foi arrebatado para o terceiro céu, "se no corpo ou fora do corpo, não sei".
2884Cf. I Enoque 14.9-17; 71.7-9; II Enoque 20.3; 22.1, etc. Há muitas histórias lendárias,
especialmente na literatura grega, da alma do homem viajando pelo Hades ou pelo céu, seja após
a morte, seja em um estado de transe. Os apocalípticos, contudo, podem ter sido mais
profundamente'influenciados pela idéia do Antigo Testamento de um Conselho Celestial
presidido por Deus e assistido por anjos e às vezes por homens. Cf. I Reis 22.19 ss; Jó 1.6 ss; Is
6.6 ss; SI 89.7; Jr 23.18 ss. Essa mesma idéia é desenvolvida a um grau extravagante no Judaísmo
mais recente (cf. Sanhedrin (Sinédrio) xxxviii. 6).
Essa mesma idéia está presente no Livro de Jubileus
(cf. 1.29; 5.13; 23.30-32; 30.21-22, etc.) e nos Testamentos
dos Doze Patriarcas, nos quais acredita-se que as tábuas
celestes prevêem os eventos futuros (cf. Testamento de
Aser 7.5) e coloca-se ênfase sobre o determinismo dos
eventos futuros29 (cf. Testamento de Aser 2.10; Testamento
de Levi 5.4).
Tais segredos, embora não se relacionem particular-
mente às "últimas coisas", relatam todo o propósito de
Deus para o universo desde a criação até o final dos
tempos. A compreensão de tais segredos ajuda os justos a
discernir os sinais da aproximação do fim e os estabelece
em sua santa fé.86 Muito freqüentemente a revelação
concedida ao eleitos antigos consiste em um relato da
história do mundo, culminando no Reino do Messias e a
Era Vindoura. Falando em termos gerais, o relato dado é
muito claro, sob os aspectos simbólicos, bem ajustado à
época na qual o próprio autor estava vivendo; e então,
inevitavelmente, o relato se torna obscuro, porque embora
o relato todo pareça ser uma predição em nome dos
videntes antigos, a predição, propriamente dita, começa,
de fato, a partir dos dias do próprio autor. Desse ponto em
diante, o tempo dos eventos é rapidamente precipitado,
porque o fim está próximo. A natureza do fim e os
detalhes de sua vinda demonstram uma grande
diversidade de pensamento, mas normalmente o escritor
retrata a ruína dos ímpios e o triunfo dos justos, seja neste
mundo ou na vida vindoura, seja num reino terreno ou
num celestial, em corpo físico ou em corpo "espiritual"
renovado; o Reino Messiânico, temporal ou eterno, é
anunciado e proclama ou inaugura a Era Vindoura,
quando os propósitos de Deus vão triunfar e Ele vai viver
com seu povo para sempre.87 Esse padrão de revelação
2985Para citações de determinismo na interpretação da história pelos apocalípticos,
tendia a se tornarestereotipado e formai, mas em sua
origem, de qualquer modo, como no Livro de Daniel, seu
propósito era muito prático — inspirar a nação com uma
nova coragem e com renovada esperança na vitória final
do bem sobre o mal, e no triunfo de Deus e seu Reino
sobre todos os poderes das trevas.
B. A Linguagem do Simbolismo
Toda essa literatura é abundante em imaginação de
gênero fantástico e estranho, a tal ponto que o simbolismo
pode ser considerado como a linguagem apocalíptica.
Parte desse simbolismo é originado diretamente do Antigo
Testamento, cujas figuras e metáforas são adaptadas e
usadas como material para representação figurativa.
Porém, grande parte dela tem origem na mitologia antiga.
Essa influência pode ser traçada mesmo no próprio Antigo
Testamento, mas nos apocalípticos é muito mais
plenamente desenvolvida. Alguns desses quadros e
alusões, sem dúvida, surgiram juntamente com os
próprios escritores apocalípticos sob a influência de idéias
estrangeiras e tornaram-se parte de seu repertório comum.
De particular interesse é o antigo mito babilónico de
um combate entre o divino Criador e um grande monstro
marinho. Esse mito encontra eco em diversas passagens do
Antigo Testamento, nas quais o monstro é muitas vezes
descrito como Dragão, Leviatã, Raabe ou Serpente.30 Em
forma babilónica e hebraica igualmente simboliza o
abismo caótico ou oceano cósmico (do hebraico Tehôm; do
babilónico Tiâmatf que é considerado como um lugar de
mistério e mal. Em outro lugar eleé identificado com o
3088Dragão (Jó 7.12; SI 74.13; Is 51.9; Ez 29.3; 32.2), Leviatã Qó 41.1; SI 74.14; 104.26; Is 27.1),
Raabe Qó 9.13; 26.12; SI 89.10; Is 30.7; 51.9), Serpente (Jó 26.13; Is 27.1; Amós 9.3).
89Cf. Jó 7.12; 26.12; 38.8; SI 74.13; Is 51.10; Hc 3.8; Amós 7.4. Para o poder de Deus sobre o
abismo, ver também SI 33.7 s; 93.1 ss; 107.23-32; Jonas 2.5-9, etc. Em Gn 1.2, 6 ss, Deus o
Criador salva o mundo do poder do caos em forma de oceano antigo.
Egito (cf. Salmos 87.4), que em vários lugares é descrito
sob a figura de um grande monstro marinho (cf. Salmos
74.13ss; Ezequiel 29.3; 32.2).
Esse mesmo monstro reaparece nos apocalípticos
em vários escritos de diversas datas. No Testamento de
Aser, por exemplo, o escritor fala sobre a vinda do
Altíssimo à terra e que ele "rompeu a cabeça do dragão na
água" (7.3; cf. Salmos 74.13). Há uma tradição de que esse
dragão, descrito como Behemoth e Leviatã, será devorado
no Banquete do Messias por aqueles que permanecerem
na Era Messiânica (II Esdras 6.52; II Baruque 29.4)31 Nos
Fragmentos de Zadoque, a mesma figura é usada para
descrever "os reis dos gentios" (9.19-20), enquanto que em
Salmos de Salomão a referência é ao general romano
Pompeu (2.29), sem dúvida, sob a influência de Jeremias
51.34, onde se faz referência a Nabucodonosor, rei de
Babilônia, em termos semelhantes.
Toda a literatura apocalíptica emprega
extensamente figuras de animais de todas as espécies para
simbolizar homens e nações. A figura do touro, por
exemplo, já familiar no Antigo Testamento como símbolo
da presença e do poder de Deus,32 aparece particularmente
em I Enoque 85-86 como símbolo dos patriarcas de Adão a
Isaque. Em uma passagem, ele representa o Messias
humano e os membros de seu reino que se tornam touros
brancos, assim como Adão (I Enoque 90.37-38). Os justos
que seguem os patriarcas são descritos sob a figura de
ovelhas ou cordeiros, sem dúvida sob a influência de
Ezequiel 34.3,6,8, onde o mesmo simbolismo é usado.33
pastagens de Deus.
3493Cf. Ap 5.5 onde o Messias é chamado "o Leão da tribo de Judá".
águias (7.4); a segunda é como um urso, tendo três costelas
em sua boca (v. 5); o terceiro é como umleopardo com
quatro asas (v. 6); o quarto é uma besta com dez chifres e
grandes dentes de ferro (v. 7). Por meio desse estranho
simbolismo, cujas raízes remontam à antiga mitologia, o
autor descreve os quatro grandes Impérios da Babilônia,
Média, Pérsia e Grécia.
Assim como homens e nações são simbolizados por
animais, assim também os anjos bons são simbolizados por
homens35 e os anjos caídos por estrelas.36 Este último é
encontrado particularmente em I Enoque 85-90, onde
Enoque, em visão, vê uma estrela, representando Azazel, o
príncipe dos anjos caídos, caindo do céu, seguido por
muitas outras estrelas, representando todas as suas hostes
(85.1 ss). Outra versão dessa história conta como os anjos
caídos coabitaram com as filhas dos homens que geraram
uma raça monstruosa de gigantes (I Enoque 7.1 ss; 15.1 ss;
86.1 ss).37 Esses gigantes foram destruídos pelo Dilúvio,
mas seus espíritos foram deixados soltos como demônios
para corromper todo o gênero humano (15.8 ss). Os anjos
caídos, chamados de "Vigilantes" (o nome é usado para o
primeiro grupo em Daniel 4.13,17, 23), serão punidos antes
mesmo do Juízo Final, mas a punição dos demônios será
reservada até aquele Grande Dia (cf. I Enoque 10.6; 16.1;
19.1).38
Outra forma de simbolismo que pode ser
encontrada nos escritos apocalípticos é o dos números,
especialmente os números 3, 4, 7, 10 e 12 ou seus
3594Cf. I Enoque 87.2 ss; 89.59; 90.21; Testamento de Levi 8.2; II Enoque 1.4, etc. Para um uso
um pouco similar no Antigo Testamento, ver Gn 18.2 ss; Ezequiel 9.2, etc.
3695Cf. Ap 1.20 em que essa linguagem é usada para descrever "os anjos das sete
37igrejas".
3896Cf. Gn 6.1 ss para um relato bíblico sobre esse velho mito em que o mal é relacionado aos
anjos caídos.
múltiplos.39 Cada um delestem um significado religioso
peculiar no Antigo Testamento e pelo menos alguns deles
aparecem muito freqüentemente nas fontes babilónica e
persa. Uma importância especial é atribuída ao número 7,
denotando compleição ou perfeição, que aparece nos
escritos apocalípticos de todo o período interbíblico em
passagens numerosas demais para mencionar."
C. A. Eenda de Esdras
Um bom esclarecimento é dado sobre a tradição
dessa literatura apocalíptica pela suposta lenda de Esdras,
contida no capítulo 14 de II Esdras, mas sem dúvida,
extraída de uma fonte independente. Ela nos diz como, ao
sentar-se debaixo de um carvalho, Esdras ouviu uma voz
chamando-o de um arbusto, convidando-o a guardar em
seu coração os sinais que Deus lhe mostraria, da mesma
maneira como se havia feito a Moisés no passado; a ordem
mundial presente eslava chegando rapidamente a um fim
e ele em breve deveria ascender para estar com o Messias.
Por isso, foi-lhe ordenado separar quarenta dias nos quais,
sob inspiração «divina, ele deveria ditar a cinco
companheiros escolhidos "tudo o que aconteceu no mundo
desde o início, mesmo as coisas que estavam escritas na
tua lei". Esdras fez como lhe foi ordenado e em quarenta
dias ditou aos cinco homens noventa e quatro livros. 40 O
Todo-poderoso, então, deu-lhe esta injunção: "Os vinte e
quatro livros que tu escreveste proclamam o que o digno e
o indigno podem ler (nesse lugar); mas os setenta restantes
tu deves guardar, entregá-los aos sábios entre o povo"
(14.45-46).
3997Essa crença é expressa também em Jubileus 10.5-11 e é sugerida em Mt 8.29: "Vieste aqui
atormentar-nos antes do tempo". '«Ver também pp. 106 ss, 137.
4098Cf. II Enoque 23.3 s, onde Enoque escreve 366 livros ditados pelo arcanjo Vretil, e A
Assunção de Moisés 1.16; 10.11; 11.1, onde Moisés recebe a ordem de preservar os livros
celestiais que Deus havia entregado a ele.
Essa narrativa é uma reaplicação da tradição
familiar
de que Esdras foi o restaurador da Lei de Moisés
que, segundo se acreditava, havia sido queimada (14.21)
quando Jerusalém foi destruída por Nabucodonosor. No
Monte Sinai, Moisés havia recebido uma revelação divina
em que Deus "disse a ele muitas coisas assombrosas,
mostrou-lhe os segredos dos tempos, declarou a ele o fim
das estações" (14.5). As palavras da Lei ele deveria
anunciar abertamente, mas a tradição secreta concernente
às crises da história do mundo, ele deveria guardar para si
(14.6). Parece óbvio que o escritor tinha em mente aqui a
tradição apocalíptica que se acreditava ter sido recebida de
Moisés junto com a sagrada Lei e agora restaurada por
Esdras, sob a inspiração de Deus. Os vinte e quatro livros
que deveriam ser anunciados abertamente eram os livros
da Escritura canónica, e os setenta que seriam mantidos
em segredo e entregues apenas aos sábios, eram os escritos
apocalípticos esotéricos. O número setenta é, sem dúvida,
usado simbolicamente para significar uma figura
compreensiva e provavelmente com o objetivo de incluir
não apenas esses livros apocalípticos, conhecidos e
desconhecidos, que aparecem sob o nome de Moisés, mas
também uma coleção mais ampla de escritos apocalípticos,
incluindo o próprio livro, em que esses eventos são
registrados.
Essa lenda de Esdras, então, reivindica, na prática,
para a tradição apocalíptica, um lugar de valor e
autoridade no Judaísmo. Indubitavelmente, ela reflete a
crença conscienciosa em certos círculos apocalípticos
______________
99
A popularidade do número 7 é óbvia no Livro de Apocalipse, onde
ele ocorre 54 vezes.
daquele tempo, de que esse tipo de literatura, como a
própria Tradição Oral (cf. Pirke Aboth 1.1), poderia
remontar sua origem à revelação dada por Deus a Moisés,
no Monte Sinai. Tem-se sugerido que "Em Esdras e seus
cinco companheiros pode haver uma alusão oculta ao
grande rabino Joana ben Zakkai - o reformador do
judaísmo depois de cerca de 66-70 d.C. - e seus cinco
famosos discípulos".41 Nesse caso, fortalece ainda mais o
argumento deque o autor está aqui reivindicando para a
tradição apocalíptica um lugar essencial na vida do
Judaísmo reformado.
2. O APOCALÍPTICO E A PROFECIA
Os escritores apocalípticos acreditavam que se
mantinham na verdadeira tradição profética das Escrituras
do Antigo Testamento e estavam convencidos de que,
como aqueles profetas, eles também tinham uma
mensagem de Deus.42 Em particular, preocuparam-se com
o elemento prognóstico que encontravam na profecia e
que havia sido grandemente negligenciado nos métodos
rabínicos de seus dias. Seu método era examinar as
predições feitas no passado, que não haviam sido
cumpridas no sentido literal das respectivas passagens, e
ver nelas significados ocultos e simbólicos que eles
passavam a reorganizar e reinterpretar. Assim ao
reinterpretar e reaplicar a mensagem de uma profecia às
sucessivas gerações, eles mostraram que ela era não
apenas uma "previsão" mas uma "predição" da palavra de
Deus. Por essa razão, o apocalíptico tem, às vezes, sido
descrito como profecia "não cumprida", o que até certo
ponto é verdade. Um exemplo disso pode ser encontrado
na predição de Jeremias sobre os setentas anos de cativeiro
41101G. H. Box, The Ezra-Apocalypse (O Apocalipse de Esdras), 1912, p. 314.
42102Os rabinos também fazem essa reivindicação para si. No Talmude as seguintes palavras são
colocadas na boca de um rabino do terceiro século d .C: "A profecia era tirada dos profetas e
era dada aos sábios, e ela não tem sido tirada deles" (Baba Bathra 12 a).
antes da restauração final (Jeremias 25.11, 29.10), que é
interpretada pelo escritor de Daniel como as setenta
semanas de anos (9.24) e pelo escritor de I Enoque como os
setenta reinos dos setenta "pastores" ou anjos
comissionados por Deus para pastorear seu povo de Israel
(89.59 ss). Outro exemplo é a profecia registrada em Daniel
7.23. Nesse relato, a quarta besta obviamente representa a
Grécia,43 mas em II Esdras12.11 ela recebe uma
interpretação inteiramente nova e agora representa
Roma.44
A forma que a mensagem dos apocalípticos assumiu
era, em muitos aspectos, diferente da dos profetas; não
obstante, ela era a verdadeira continuação e o
desenvolvimento da mensagem profética e, em vários
aspectos, conduzia a sua conclusão lógica. Isso pode ser
ilustrado pela referência a três aspectos de sua mensagem -
a concepção da unidade da história, as idéias escatológicas
e a crença a respeito da forma de inspiração divina.
A. A Unidade da História
O Dr. R H. Charles afirma que foram os
"apocalípticos e não a profecia que primeiro apreendeu o
importante conceito de que toda a história, humana,
cosmológica e espiritual, constitui uma unidade", que
"Daniel foi o primeiro a ensinar a unidade de toda a
história humana, e que toda nova fase dessa história era
um estágio a mais no desenvolvimento do propósito de
Deus".45 Mas, ao escrever assim, o Dr. Charles, em seu zelo
pelos apocalípticos, não faz muita justiça aos profetas. A
crença no monoteísmo e no propósito universal de Deus
são correlativas e podem ser encontradas implicitamente
43103Ver p. 100.
44104Uma interpretação similar é dada para Dn 7.23 no Talmude Babilónico "AbodaZara" \ b.
45105'Commentary on Daniel (Comentário sobre Daniel), 1929, pp. xxv, cxiv-cxv.
em Amós e explicitamente em Deutero-Isaías. O olhar
desses profetas percorre, iniscriminadamente, todo o
passado, presente e futuro, unindo toda a história em um
único plano, concebido e controlado por Deus. Talvez seja
verdade, como diz o Dr. Charles, que "visto que a profecia
incidentalmente tratou do passado e devotou-se ao
presente e ao futuro como originado organicamente do
passado, os apocalípticos, embora seu interesse esteja
principalmente no futuro, como contendo a solução
dosproblemas do passado e do presente, consideram, em
seu campo de visão, as coisas do passado, do presentes e
do futuro".46 Isso, porém, não implica necessariamente que
os profetas não compreenderam, do mesmo modo, o
conceito da unidade da história; de fato, a evidência de
seus escritos implica que eles compreenderam tal conceito.
Mas se os profetas foram os primeiros a apreender esse
conceito, ficou para os apocalípticos completarem sua
lógica.
Seguindo a orientação dos profetas, os apocalípticos
começaram a relacionar os dados da história uns com os
outros e traçaram uma conexão entre eles no propósito
divino da história subjacente. Eles viam e interpretavam os
eventos da história sub specie aeter nitatis, observando em
sua aparente confusão uma ordem e um alvo. "Os
apocalípticos criam em Deus e criam que Ele tinha alguns
propósitos para o mundo que havia criado, e que Seu
poder era totalmente suficiente para realizá-los. De fato, a
fé dos apocalípticos vai além da fé no controle divino da
história. E uma fé na iniciativa divina na história para a
realização de seu alvo final".47
O avanço dos apocalípticos sobre os profetas, a esse
48108Cf. Os Oráculos Sibilinos, Livro IV, linhas 47 ss, onde a história mundial é também dividida
em dez "gerações".
tábuas celestes49 a ordem fixa de eventos, da qual não
poderia haver nenhum desvio. 'Torque aquilo que está
determinado será feito" (Daniel 11.36). Ele determinou de
antemão os destinos de Israel e das nações (A Assunção de
Moisés 12.4 s) e registrou todos os fatos da humanidade
(Jubileus 1.29); ele trará o fim a esta era presente quando o
tempo pré-deterrninado estiver cumprido (II Esdras 4.36;
11.44). Os homens não podem alterar o que foi
predeterminado por Deus, mas podem, pelo menos,
investigar o esquema da história e tentar descobrir em que
ponto eles mesmos se encontram pela identificação dos
eventos históricos passados com eventos específicos no
esquema. O cálculo dos tempos, portanto, torna-se uma
parte muito importante do trabalho dos apocalípticos e os
leva quase sempre à conclusão de que eles estão nos
últimos dias. Por trás de tudo isso, desde o início até o fim,
está o propósito predeterminado de Deus unindo a
história como um todo.
Dois fatores ajudaram os apocalípticos a alargar e
desenvolver sua concepção de unidade da história. Um foi
a influência externa do Zoroastrismo; 50 o outro foi a
influência interna das crenças e condições do Judaísmo e
do Estado judeu.
Uma característica do ensino do Zoroastrismo era a
idéia de que o mundo duraria por um período de doze mil
anos, consistindo de quatro eras de três mil anos cada
uma. Durante a primeira era, tudo é invisível; 51 durante a
segunda, o grande deus Ahura-Mazda cria o mundo
material e o homem; durante a terceira era, Angra-
Mainyu, o grande espírito mau, assume o poder sobre os
49109Ver pp. 96 s.
50110Ver pp. 21 ss.
51111Cf. II Enoque 24.4: "Pois antes todas as coisas eram visíveis, somente eu me ocupava das
coisas invisíveis".
homens; durante a quarta, os homens gradativamente se
aproximam do estado de perfeição por meio da obra de
Shaoshyant, o salvador. Os escritores iranianos, dividem a
história em duas grandes épocas mundiais e formulam
esquemas complexos e sistemas de medida bem semelhan-
tes aos apocalípticos judeus. Não resta dúvida de que esses
apocalípticos foram muito influenciados pelo pensamento
iraniano nesse aspecto particular. Não deixa de ter
significado, por exemplo, que o número 12, que representa
um símbolo tão importante no Zoroastrismo, aparece tão
freqüentemente nas divisões da história feitas pelos
judeus. Os escritores apocalípticos judeus, então, adotaram
essa concepção iraniana das • grande épocas do mundo.
Eles a empregaram para tornar mais vívida e mais
abrangente a idéia que receberam dos profetas,de uma
unidade da história conduzida pelo infalível propósito do
Deus Todo-Poderoso.
O segundo fator que influenciou esses escritores foi
a natureza das crenças prevalecentes e as condições da
Palestina. Desde os tempos da Revolta dos Macabeus em
167 a.C, até a destruição do Templo em 70 d.C, o povo
judeu existiu como nação, em muitos aspectos bem
semelhantes a outras pequenas nações da Palestina. Mas
eles eram muito mais conscientes das diferenças entre eles
mesmos e os outros do que de quaisquer semelhanças. A
nação judaica não podia ser comparada em poder material
com os grandes impérios dos Selêucidas e dos Ptolomeus;
apesar disso, eles criam que tinham um papel imperial a
desempenhar na história da civilização. Essa é a impressão
que o livro de Daniel transmite, por exemplo, ao
contemplar o pleno cumprimento do propósito de Deus
através de seu povo, os judeus. Aqui "os grandes reinos
dos gentios, como a supremacia grega dos Selêucidas e dos
Ptolomeus, que parecia tão soberana e terrível, são
mostrados como fases de um processo mundial, cujo fim é
o Reino de Deus".52 Nas visões registradas nos capítulos 2,
7 e 8 o escritor vê a queda dos grandes impérios da
Babilônia, Média, Pérsia e Grécia. Os pronunciamentos de
julgamento divino não são mais, como em Jeremias e
Ezequiel, feitos em partes; aqui em Daniel nós temos, nas
palavras do Dr. E C. Burkitt, "uma filosofia da história
universal".53 A nação judaica, embora pequena, vê a si
mesma contra o pano de fundo de forças poderosas; essa
perspectiva havia se tornado realmente cosmopolita. Ela
não é inferior às grandes nações; pelo contrário, é superior,
porque elas podem perecer, mas Israel herdará o reino
preparado por Deus. Esse panorama dos eventos
mundiais, nos quais a nação deveria desempenhar um
papel tão vital, possibilitou aosapocalípticos uma visão
mais ampla da unidade da história do que havia sido
possível aos profetas antes deles.
O propósito divino que percorreu toda a história
não iria, contudo, cessar com o clímax da história, porque
"o Altíssimo não planejou uma Era, mas duas" (II Esdras 7.
[50]). O cosmos não pode ser reduzido a um todo
harmonioso; há um contraste marcante entre esta era
presente de impiedade e a era futura de justiça. 54 Contudo,
há uma ligação entre as ordens temporal e eterna que não
pode ser rompida; é o propósito de Deus que une as duas
ordens e elas afinal serão vindicadas na vindicação de seu
povo. E assim o estudo apocalíptico da história passa pela
escatologia; o propósito de Deus, que encontra sua
realização na história, deve buscar sua justificação além da
história.
C. A Forma de Inspiração
Tem-se sugerido, às vezes, que o apocalíptico é
simplesmente uma imitação da profecia, uma tentativa de
cumprir a palavra das Escrituras, por um meio que não
tem relação com o presente, porque se origina da reflexão
literária. Certamente é difícil determinar até que ponto eles
tiveram uma experiência genuína de inspiração e até que
ponto foi uma inspiração convencional do tipo literário.
Mas os apocalípticos não eram meros plagiários, copiando
e reproduzindo em estilo formal o que os profetas haviam
falado. Eles eram homens profundamente religiosos que
acreditavam que, como os profetas antes deles, sua
mensagem era de Deus e que escreviam por compulsão
divina.
Como os profetas, os apocalípticos também
compartilhavam da crença popular de que o Espírito de
Deus tem pleno ' acesso à natureza do homem, e
desenvolveram essa crença para incluir os espíritos do
mal, que como o Espírito de Deus, são invasivos, isto é,
podem tomar posse de um homem e exercer controle
sobre ele. Segundo todas as probabilidades, as descrições
de inspiração na qual um homem se tornou "possuído"
passaram a ser, em grande parte, uma convenção este-
reotipada nesse tipo de literatura; mas é possível que nos
livros apocalípticos essa descrição reflita uma experiência
pessoal do próprio escritor. Em II Esdras 14, há uma
tentativa de racionalizar idéias prévias de inspiração, que
representavam a natureza do homem como aberta à
incursões ou "possessões" do Espírito de Deus. Nessa
passagem, o espírito é considerado (como nos tempos pré-
exílicos) de maneira muito material. O profeta recebe a
ordem de beber uma taça "cheia de líquido como água,
mas sua cor era como a do fogo" (14.39). Essa é a taça da
inspiração, cheia do espírito santo, por meio da qual ele
pôde ditar os vinte e quatro livros das Escrituras e os
setenta escritos apocalípticos. Ao contrário dos profetas do
Antigo Testamento, que entravam em êxtase, Esdras
descobre que suas faculdades são fortalecidas e não
enfraquecidas, e em particular, sua mente é esclarecida, de
maneira que ele pode se lembrar perfeitamente dos
escritos sagrados.
Essa literatura faz muitas referências à possessão de
demônios - ocasião em que, a demonologia, de fato, passa
a ser reconhecida - e considera os espíritos malignos como
seres enviados para invadir a vida dos homens (cf.
Testamento de Dã 1.7; Testamento de Zebulom 2.1; 3.2; O
Martírio de Isaías 3.11; etc.) Essa personalização de
poderes malignos, sem dúvida, encorajada pela influência
persa, reflete as crenças desses escritores e afirma sua
própria consciência sobre a realidade dos poderes
invasivos, tanto do bem quanto do mal.
Esses escritos fazem freqüentes menções a
instrumentos tais como sonhos, visões, transes e audições,
por meio dos quais Deus transmite sua revelação aos
anciãos justos, em nome de quem o autor escreve. Na
grande maioria dos casos, é quase impossível dizer
quando a experiência anormal retratada é algo mais que
um mero dispositivo literário ou convenção. O que o Dr.
Charles diz é, sem dúvida, verdadeiro. "Assim como, às
vezes, o profeta usa as palavras: Assim diz o Senhor',
mesmoquando não havia experiência física real em que ele
ouviu uma voz, mas quando ele desejava relatar a vontade
de Deus que havia alcançado através de outros meios,
assim também o termo Visão' passou a ter um uso
convencional semelhante em ambos, tanto na profecia
como no apocalíptico".62 Ao mesmo tempo, entretanto, não
deve ser esquecido que a inspiração pode influenciar o
convencional e o clichê. Não há garantia de que a
mensagem inspirada será transmitida em sua forma
original. O fato de os profetas, por exemplo, fazerem uso
de uma forma convencional comum, isto é, versificação
rítmica, de modo algum afeta a inspiração final; e dizer
que os apocalípticos, em suas elocuções, fazem uso de
alguma forma de convenção literária, não necessariamente
implica que eles eram menos inspirados por fazerem isso.
Muitas dessas convenções literárias bem podem ter
experiências psicológicas por trás.
Na verdade, muitas das experiências registradas
aqui, concernentes ao suposto escritor do livro, são tão
verdadeiras psicologicamente que é difícil ver nelas algo
mais que a expressão da convenção literária. Ao receber a
divina revelação, ele se deitava no chão como um morto (II
Esdras 10.30; cf. Daniel 8.17 s; etc), ele ficava tão dominado
que mal conseguia descrevê-la adequadamente (II Esdras
10.32, 55 s; cf. II Co 12.4), ele está não apenas alarmado em
seus pensamentos (Dn 7.28), mas está até mesmo
fisicamente doente (Dn 8.27) e perde completamente a
consciência (Dn 8.18); às vezes ele é até mesmo insensível a
todo sofrimento físico, como também vê seu próprio corpo
à distância (O Martírio de Isaías 5.7). Nesses exemplos e
em muitos mais, somos tentados a ver uma projeção da
própria experiência física do apocalíptico. É assim que o
escritor pensava que se recebia a inspiração, e então há
pelo menos um argumento a prioripara a possibilidade de
ele tarnbém compartilhar tal experiência. Ele atribui tais
experiências a alguém, em nome de quem ele escreve,
como também esperava ter ao receber uma mensagem
para si mesmo, e algumas dessas experiências talvez
62122Op cit., p. 176.
tenham sido, de fato, genuínas, nas quais ele acreditava
estar divinamente inspirado.
Talvez seja uma avaliação verdadeira dizer que na
inspiração apocalíptica temos um elo entre a inspiração
original dos profetas e a inspiração mais moderna de
gênero literário. Muitas e muitas vezes os apocalípticos
mostram que acreditavam que eles mesmos estavam
escrevendo sob a influência direta do Espírito de Deus, de
uma maneira semelhante àquela dos profetas, e mesmo
quando aceitavam a estrutura literária convencional, como
freqüentemente faziam, eles ainda acreditavam que
estavam divinamente inspirados.
3. PSEUDONÍMIA
Em um aspecto importante os apocalípticos diferiam
dos profetas na tradição que seguiam. Os profetas falaram
do ponto de vista de seus próprios dias e, segundo a
orientação de Deus, proclamavam seus oráculos em seu
próprio nome; os apocalípticos escreveram do ponto de
vista de uma era anterior e, ainda segundo a orientação de
Deus, escreveram seus oráculos em nome de outro.
Falando de forma geral, é verdadeira a afirmação de que
os apocalípticos são pseudonímicos. Os autores
escreveram em nome de algum homem notável do
passado a quem foi dada uma revelação das coisas
vindouras; ele era incumbido de selar essa revelação e
mantê-la em segredo até o tempo designado. De acordo
com o livro, chegaria a hora em que o segredo seria
revelado, porque o fim estava às portas. Esse fenômeno de
pseudonímia já era conhecido há muito tempo pelos
egípcios e também era popular entre os gregos. Mas a
forma particular que ela assumiu na Palestina parece
indicar um desenvolvimento inato e uma expressão do
pensamento nativo hebraico.
A. Recurso de Literatura
Uma explanação bem conhecida sobre a origem da
pseudonímia judaica é sugerida pelo Dr. R. H. Charles, ao
afirmar que, desde o tempo de Esdras em diante, a Lei
reivindicava uma auto-suficiência que não deixava espaço
para novas revelações da verdade além dela mesma. A
inspiração estava morta; a voz da profecia estava
emudecida. Porém, os apocalípticos acreditavam que eles
eram os portadores de novas revelações de Deus. "Para o
recebimento de nova fé e nova verdade, a Lei era um
obstáculo, a menos que os livros que as contivessem,
fossem apresentados sob a égide de certos grandes nomes
do passado. Em relação à reivindicação e autoridade de
tais nomes, os representantes oficiais da Lei foram, em
parte, reduzidos ao silêncio".63 Em apoio a esse ponto de
vista, ele afirma que em cerca de 200 a.C, o Cânon
profético foi definido e assim nenhum livro de caráter
profético pôde ser incluído depois. Além disso, à medida
que a Hagiografia (a terceira seção do Cânon) crescia e se
cristalizava, um teste para qualquer livro ser admitido era
que ele fosse pelo menos do tempo de Esdras, quando a
inspiração foi considerada encerrada. Se, então, os
apocalípticos desejavam obter aceitação, era necessário
que publicassem seus livros em nome de alguma pessoa
pelo menos contemporânea de Esdras.
Porém, mais que o fato de a Lei não exercer a
"autocracia incontestada" que o Dr. Charles atribui a ela,
essa explanação acusa os apocalípticos não apenas de
engano, mas também de credulidade por acreditarem que
esse engano seria aceito por seus leitores com esse valor
aparente. De fato, há fortes razões para acreditar que os
judeus não estavam particularmente interessados em
B. Extensão de Personalidade
E perfeitamente possível que a adoção de um
pseudônimo por parte de alguns desses escritores era de
fato um recurso literário, que foi subseqüentemente
copiado por outros, e que a gênese da pseudonímia possa
ser traçada até os escritos do Livro de Daniel, do modo
como H. H. Rowley descreve. Mas no caso de certos deles,
de algum modo, talvez haja razão para acreditar que seu
uso não indica simplesmente uma convenção literária, mas
uma genuína experiência de inspiração.
Isso pode ser melhor explicado pela referência à
concepção hebraica de "personalidade incorporada" e em
65125 A. R. Johnson, The Vitality of the Individual in the Thought of Ancient Israel, (A
Vitalidade do Individual no Pensamento do Israel Antigo), 1949, p.89.
66126H. W Robinson, The Hebrew Conception of Corporate Personality (A Concepção
Hebraica da Personalidade Incorporada) em Werden und Wesen des Alten Testaments
(BZAW, no. 66), 1936, p. 49.
67127Cf. H. W Robinson, Congregational Quarterly (Publicação Congregacional Trimestral),
vol. xxii, no. 4, pp. 369 s.
apocalípticos, ao atribuírem seus escritos a Moisés e aos
demais, não estavam tentando enganar seus leitores, mas
estavam, de boa fé, buscando interpretar aquilo em que
eles criam, ser a mente e a mensagem de alguém em cujo
nome e por cuja inspiração eles escreveram.
C. O Significado do "Nome"
E possível encontrar fundamento para essa idéia nos
próprios pseudônimos que os apocalípticos escolheram
para si mesmos e na importância que o pensamento
hebraico associava ao nome da pessoa. Conhecer o nome
de um homem era o mesmo que conhecer a própria
substância de seu ser; seu caráter estava relacionado a seu
nome, e a alteração deste poderia requerer mudança
daquele. O nome era essencialmente um conceito social.
Ele podia ser herdado e sua substância dependia em
grande parte do conteúdo já conferido por aqueles que o
haviam dado; normalmente essa hereditariedade era
restrita às próprias relações familiares da pessoa, mas isso
era possível mesmo fora desses limites. Em poucas
palavras, o nome representava a extensão da
personalidade de um homem, particularmente nos
relacionamentos do grupo ao qual ele pertencia.
Se é possível aplicar esse raciocínio ao problema da
pseudonímia, então os apocalípticos, ao se apropriarem do
nome de um vidente antigo, estavam fazendo muito mais
do que meramente assumir um título; eles estavam, de
fato, associando a si mesmos com tal vidente como uma
"extensão de sua personalidade" dentro da tradição
apocalíptica. Mas que evidência há para tal proposição?
Há indicações em vários escritos apocalípticos de uma
conexão entre os problemas que ocupavam a mente do
escritor e o pseudônimo por ele escolhido; o assunto a ser
tratado e a abordagem do escritor podem perfeitamente
ter sugerido o nome com o qual ele deveria revelar o
segredo divino.
O escritor do Livro de Jubileus, por exemplo, estava
preocupado acima de tudo com a glorificação do
sacerdócio e a supremacia da Lei. Então não é
surpreendente que o pseudônimo sob o qual ele escreveu
tenha sido o de Moisés, a quem as Escrituras descrevem
não apenas como o doador da lei, mas como um sacerdote
de Deus (cf. Ex 24.6; 33.7ss; SI 99.6). Além disso, o ponto
de vista dos escritores de I Enoque é amplamente
cosmopolita; nesse livro, a história da humanidade é
descrita na forma de uma visão; os corpos celestiais
brilham tanto sobre judeus como gentios; a história é sobre
as condutas de Deus com toda a raça humana.
Quepseudônimo melhor poderia haver do que o de
Enoque? Ele foi o trisavô de Sem, mas ele também foi
trisavô de Cão e também de Jafé. De que nacionalidade era
Enoque? Ele poderia corretamente responder: Homo sum'.68
N.T.: do latim "Sou homem". P.e.: na frase humanista:
Homo sum, hurnani nihil a me alienum puto (Sou homem,
nada do que humano me será estranho), verso de Terêncio,
escravo liberto e poeta latino cerca de 190-159 a.C.) Bem
diferente dessa visão cosmopolita é a visão estritamente
nacionalista de II Esdras, na qual o interesse do escritor
está centrado na parte que cabe a Israel no Reino
Messiânico e na absoluta destruição dos gentios, (cf. 13.38).
O pseudônimo de, digamos, Enoque, teria sido muito
inadequado em um livro dessa natureza; nesse caso, é
apropriado que o autor escreva em nome de Esdras, cuja
visão era estritamente nacionalista e para quem os gentios
eram uma contaminação.
A adoção da pseudonímia era sem dúvida essencial-
mente um recurso literário, mas essa evidência, não sendo
68128F. C. Burkitt, op cit., p.19.
conclusiva, pode perfeitamente indicar que, por trás desse
fenômeno encontra-se a consciência de uma inspiração de
gênero caracteristicamente hebraico, compreensível em
termos de "extensão de personalidade" dentro da tradição
apocalíptica. Se essa sugestão está correta, então ela lança
luz sobre a razão da natureza esotérica desses escritos e
absolve os apocalípticos de qualquer acusação de engano.
128
O Messias e o Filho do Homem
1. O PANO DE FUNDO DO ANTIGO
TESTAMENTO
Tanto no Antigo Testamento quanto na literatura do
período interbíblico há muitas referências à vinda de uma
Era Dourada, um "Reino Messiânico", no qual a sorte de
Israel (ou um remanescente de Israel) seria restaurada, as
nações ao redor seriam julgadas e uma era de justiça e paz
se instalaria. Mas a expressão "Reino Messiânico" pode ser
muito enganosa, pois em ambos os escritos, proféticos e
apocalípticos, embora o reino e o Messias estejam sempre
relacionados, a figura do Messias muitas vezes está
ausente. O Messias e o conceito messiânico não são sempre
ou necessariamente encontrados juntos. E verdade que
essas passagens no Antigo Testamento que se referem à
vinda do reino, na maioria das vezes também se referem a
um líder ideal à frente do reino, contudo, à exceção de
algumas referências nos Salmos, cujo significado é
questionado, as passagens não usam o termo "Messias"
para descrevê-lo. Ao contrário, nas passagens em que o
termo "Messias" é usado, ou na grande maioria delas, de
alguma forma, a referência não é a uma figura ideaL
absolutamente, mas a uma pessoa histórica real,
geralmente o ungido rei de Israel.
Esse fato nos lembra que no Antigo Testamento a
palavra "Messias" não é uma expressão técnica que
significa o nome ou o título de um líder ideal do reino
futuro. E simplesmente um adjetivo, significando "ungido"
que descreve uma pessoa separada por Deus para um
propósito especial.
Em duas passagens (I Reis 19.16; SI 105.15) a
referência é aos profetas, mas o uso normal da palavra está
associada aos reis.69 Quando um homem se tornava rei, ele
não era coroado, mas ungido com óleo; ele era, então,
separado como um homem "santo", para um reinado
69129Por exemplo, Saul em I Samuel 10.1, Davi em I Samuel 16.13, etc
dotado de funções sagradas e sacerdotais. Em tempos pós-
exílicos, quando a monarquia deixou de existir, o Sumo
Sacerdote era ungido e virtualmente tomava o lugar de
um rei.70 Os Reis e os Sumos Sacerdotes, então, eram
considerados "O Ungido do Senhor" ou "Ungido".
Em várias passagens "messiânicas" que se referem à
vinda do futuro Reino, nenhuma menção é feita
absolutamente a um líder ou então é bem incidental; O que
realmente importa é o governo real de Deus. Em outro
lugar é explicado que esse governo real de Deus será
realizado no governo de um rei divinamente escolhido e
divinamente dotado. Havia uma forte tradição, originada,
sem dúvida, nas promessas de Deus a Davi, registradas
em II Samuel 7 e adotada pelos profetas do sul, de que esse
governante do Reino vindouro seria da Casa de Davi (cf.
Mq 5.2 ss; Is 11.1 ss; Jr 23.5 ss, etc); a ele não é dado o nome
"Messias", mas "Davi" ou "rebento de Davi", sendo alusão
a um reino histórico real, uma restauração da linha
davídica. A maioria das passagens "messiânicas",
entretanto, é pós-exílica, porém mesmo aqui o pensamento
é ainda esse do "rebento da Casa de Davi" ungido e
separado para cumprir um propósito especial do próprio
Deus. E nesse sentido que devemos compreender, por
exemplo, a alusão a Zorobabel como "o Renovo" (Zc 3.8;
6.12); e, sem dúvida, seu nome simbólico ("um rebento da
Babilônia") facilitou sua associação com as esperanças
"messiânicas" da restauração da linhagem de Davi.
A visão característica da esperança futura durante o
período pós-exílico continuou a ser a de um reino que
seria deste mundo, nacional e político, por meio do qual
Israel seria liberto de seus inimigos—os babilônicos, os
persas, os selêucidas, os romanos. E verdade que em
Deutero-Isaías, por exemplo, essa esperança futura torna-
70130Isto é refletido em passagens pós-exílicas tais como Ex 29.7; Lv 8.12.
se cada vez mais "do outro mundo" e transcendente, e a
libertação é vista como algo resultante das operações
miraculosas de Deus, mas a esperança política e nacional
permaneceram firmes na visão popular das massas,
durante todo o período interbíblico.
Uma tensão, contudo, já se havia instalado entre, de
um lado, os elementos nacionais e políticos "deste mundo"
e, do outro, os elementos universais e transcendentes do
"outro mundo", o que não seria fácil resolver. Essa tensão
aumentou grandemente por causa da influência de idéias
persas sobre o pensamento hebraico, e em particular a
visão dualística do mundo em que a "era presente" era
contrastada com "a era futura". Sob essa influência
prosperou no Judaísmo, particularmente nos círculos
apocalípticos, uma escatologia com novas ênfases, ao
mesmo tempo "dualística, cósmica, universalista,
transcendental e individualista".71
É em conexão com essas duas "escatologias" que o
nome "Messias", afinal, aparece como um termo técnico,
significando a figura escatológica escolhida por Deus para
desempenhar a parte principal na vinda do reino. Em cada
caso surge um líder, cuja natureza e função corresponde a
essa futura esperança a que ele está associado. A posição é
resumida pelo Dr. S. Mowinckel nestas palavras: "Os
conceitos Messiânicos de certos círculos produziram o
quadro de um Messias que é predominantemente "deste
mundo", nacional e político, considerando que as visões de
outros círculos produziram o quadrode um Messias
predominantemente transcendental, eterno e universal...
Esses dois conjuntos de idéias são, em parte, representados
por diferentes nomes: "Messias" e "Filho do Homem".72 Em
71131S. Mowinckel, He That Cometh (Aquele que Vem) (traduzido por G. W Anderson), 1956,
p. 271.
72132Ibid, p. 467.
alguns escritos esses dois conceitos são claramente
distintos; em outros, se confundem; contudo, em nenhuma
parte estão completamente fundidos. Juntos formam parte
daquele complexo escatológico que é o pano de fundo da
literatura interbíblica e também da fé do Novo
Testamento.
B. O Messias Levítico
Mas tal esperança comovia profundamente muitos
corações durante o período dos Macabeus e Hasmoneus,
descendentes da Casa de Levi, quando parecia que
finalmente a era messiânica estava para ser realizada. Em
particular, as esperanças do povo passaram a centrar-se
em Simão, sucessor de Judas Macabeus. Em 141 a.C, Simão
foi reconhecido pelo povo como "rei e sumo sacerdote para
sempre", o primeiro Macabeu a ser reconhecido dessa
maneira.73 Alguns estudiosos encontraram no Salmo 110.1-
4 um acróstico em seu nome, indicando a consideração
com que ele era tido, mas isso é improvável. A bênção
sobre seu reinado é descrita em termos caracteristicamente
messiânicos em I Macabeus 14.8 ss. Mas nem aqui ou em
qualquer outro lugar se faz referência a ele como o
Messias. As glórias da Casa de Levi foram continuadas no
reinado de seu filho, João Hircano, sobre quem alguns
estudiosos vêem referência no Testamento de Levi 8.14:
"Um rei surgirá em Judá e estabelecerá um novo
sacerdócio". Outros estudiosos, entretanto, vêem nessas
palavras, uma referência não à Casa de Levi, mas à Casa
de Zadoque que, como veremos, manteve um lugar de
honra entre os Pactuantes do Qumran. Se isso é verdade
ou não, não há referência aqui a Hircano como Messias.
Mas os Testamentos dos Doze Patriarcas, escritos
durante esse período, indicam que em alguns círculos,
pelo menos, a esperança era expressa na vinda de um
Messias procedenteda Casa de Levi. Isso está explícito em
duas passagens, o Testamento de Ruben 6.5-12 e o
Testamento de Levi 18.2 ss. A segunda dessas passagens
73
133 Vet p. 31.
diz o seguinte:
"Então o Senhor levantará um novo sacerdote. E a
ele todas as palavras do Senhor serão reveladas; E ele vai
executar o reto julgamento sobre a terra por uma multidão
de dias.
E sua estrela vai surgir no céu como a de um rei.
Brilhando a luz do conhecimento como o sol do dia,
E ele será magnificado no mundo.
E ele brilhará como o sol na terra",
E removerá toda a escuridão debaixo do céu,
E haverá paz em toda a terra" (18.2-4).
Parece pouco provável que o escritor tenha em
mente alguma identificação com uma pessoa histórica
como Hircano; na verdade, não é certo se ele tinha em
mente sequer um futuro Messias Hasmoneu, porque, nas
palavras de H. H. Rowley "as funções atribuídas ao
Messias de Levi vão além das conquistas dos Hasmoneus,
mas é possível que o autor tenha idealizado uma
concepção baseada no que tinha sido feito pelos Hasmo-
neus e pensado sobre um sacerdote futuro que subverteria
todas as forças do mal". Qualquer que seja a identidade do
Messias, parece certo que a glória da Casa dos Macabeus e
dos Hasmoneus, havia inspirado pelo menos alguns
dentre o povo que tinham a esperança de um Messias da
tribo de Levi, em quem eles viam muitos daquelas traços
há muito associados com o Messias da tribo de Judá. Mas,
afinal, veio a desilusão, à medida que as pessoas
testemunhavam a crescente secularização do Sumo
Sacerdócio; e a antiga esperança de um Messias
Davídico começou a ser reafirmada.
C. O Messias Davídico
A esperança em um Messias Davídico é vista mais
claramente em dois escritos desse período, os Testamentos
dos Doze Patriarcas e os Salmos de Salomão. Os
Testamentos suscitam sérios problemas de natureza crítica
que é impossível aqui abordar. Mas em pelo menos três
passagens que tem sido arguidas,74 a crença no Messias
Davídico pode ser atestada. Esses são os Testamentos de
Judá 17.5-6; 22.2-3; 24.1 ss. Na última dessas passagens,
lemos com referência a Judá:
79140Ensaio sobre "O Servo Sofredor e o Messias Davídico" in The Servant of the Lord (O
Servo do Senhor), 1952, p. 85.
80141Goguel, Life of Jesus (Vida de Jesus), E.T. 1933, p. 392, citado por A. M. Hunter,
Introducing Nem Testament Theology (Introdução à Teologia do Novo Testamento), 1957,
p. 44.
características transcendentes tendiam a prender-se à
pessoa do Messias; ele não era apenas o herói militar que
restabeleceria o Estado judeu e estabeleceria o reino na
terra, mas também era o rei da paz, sob cujo governo o
paraíso seria restabelecido na terra (Testamento de Levi
18.10 s; cf. Oráculos Sibilinos, livro V, II Esdras, II
Baruque). Em certos círculos apocalípticos, contudo, a
influência dessas idéias foi além, porque então o Messias
aparece como um rei genuinamente transcendente. De
especial importância é o aparecimento de um
personagemmisterioso chamado "o Homem" ou o "Filho
do Homem" que, embora diferente em origem e em
características do Messias judeu tradicional passou a ter
uma profunda influência nas esperanças messiânicas
populares.
83144cf. The Teaching of Jesus (O Ensino de Jesus), T edição, 19,35, pp. 228 s.
84145Cf. Bulletin of the John Rylands Library (Boletim da Biblioteca John Rylands), xxxii.
1949-50, pp. 178 ss.
referência aqui ao Messias e reconhece nessa figura "a
personificação do conceito de Daniel a respeito do Filho do
Homem em uma pessoa supraterrena que seria
representativa e líder do reino simbolizado por esse
conceito, e que viria para habitar com os homens".85
Outros, como o Dr. S. Mowinckel, afirmam que por trás do
Filho do Homem, como em Daniel 7, está a figura do
Homem Celestial ou do Homem Primordial a ser
encontrada na mitologia oriental, e que em I Enoque os
efeitos dessa influência são muito mais óbvios do que no
caso de Daniel 7.
A figura do Filho do Homem aparece novamente
nos escritos apocalípticos pós-cristãos, II Esdras e os
Oráculos Sibi-linos, livro V, ambos os quais são
influenciados pela visão e pela linguagem de Daniel 7.13
ss. Aqui a figura do Filho do Homem está, em muitos
aspectos, em harmonia com a que é apresentada em
Similitudes de Enoque. Ele é apresentado, contudo, como
o Messias; mas essa não é a figura humana da linhagem de
Davi; ele é uma figura pré-existente, transcendente que um
dia vai aparecer diante dos justos em toda a sua glória.
Como em Similitudes de Enoque, também aqui, tudo que
pertence ao "Homem", como ele é chamado, é um segredo
divino, porque "assim como ninguém pode sondar ou
conhecer o que está no fundo do mar, assim também
ninguém sobre a terra pode ver meu Filho, a não ser no
tempo de seus dias" (II Esdras 13.52). Naquele dia, ele virá
voando com as nuvens do céu (13.3 s) ou emergirá das
profundezas do mar (13.51 s). Nele os mistérios do
propósito de Deus estão ocultos, mas quando ele se sentar
no trono da glória de Deus o que está escondido será,
85146The Relevance of the Apocalyptic (A Relevância dos Apocalípticos), 1944, p. 57. Ver
também The Suffering Servant and the Davidic Messiah (O Servo Sofredor e o Messias
Davídico) in The Servant of the Lord (O Servo do Senhor),! 952, p. 76.
afinal, revelado.
A popularidade dessa figura transcendente era, sem
dúvida, muito mais restrita do que a nova escatologia da
qual ela constituía uma parte, mas sua influência seria
percebida além do restrito círculo apocalíptico ao qual
pertencia. Até que ponto, contudo, essa influência foi
percebida, é impossível dizer. No curso do tempo da era
cristã, ela foi considerada com crescente desfavor nos
círculos judeus ortodoxos, certamente em parte por causa
de seu uso entre os cristãos, e praticamente não encontrou
nenhum espaço na teologia judaica subseqüente.
D. Sofrimento e Morte
Alguns estudiosos afirmam que as visões de Daniel
eram originalmente dependentes das passagens do Servo
em Deutero-Isaías e que o Filho do Homem citado em um
é representativo do Servo Sofredor referido no outro. Em
cada caso se faz referência ao "sábio" (Isaías 52.13; Daniel
12.3) que justificará a "muitos" (Isaías 53.11; Daniel 12.3) e
que sofre em obediência à vontade de Deus (Isaías 53.3 ss;
Daniel 11.33). O Dr. F. F. Bruce argumenta93 que os
Pactuantes de Qumran, por exemplo, interpretavam sua
missão em termos de "exegese unitiva" de Deutero-Isaías e
Daniel. Eles descreviam a si mesmos como "o sábio" (do
hebraico, maskilim) e "os santos do Altíssimo" (cf. Daniel
93154New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), voL 2, n° 3, pp. 176 ss.
7.18) que, por submissão e resistência, efetuariam a
expiação pelo pecado do povo à maneira do Servo
Sofredor do Senhor. Mas em sua interpretação, o "Filho do
Homem" e o "Servo do Senhor" continuavam sendo figuras
coletivas, porque a obra da expiação que eles ambuíam a si
mesmos não era obra de um membro, nem do Messias em
seu meio, mas de toda a comunidade. Além disso, há
evidência de que a interpretação messiânica do Servo pode
ser intencional na versão singular do texto de Isaías 52.14
no rolo de São Marcos (A): "Eu tenho ungido (do hebraico
mashachtí) a face dele mais do que de qualquer homem".
Nesse caso, o contexto indica que a referência
provavelmente é ao Messias sacerdote e não ao Messias rei.
E verdade que em I Enoque as expressões dos
Poemas do Servo de Deutero-Isaías são usadas para
descrever a glória do Filho do Homem, como em 48.4 onde
está escrito que "ele será luz para os gentios" (Isaías 42,6;
49.6; cf. Lucas 2.32). Mas essa influência não vai além do
uso das frases; o conteúdo de Cânticos do Servo, em
nenhum lugar diz respeito ao caráter e obra do Filho do
Homem. O quadro do Servo que está por trás do Filho do
Homem na literatura apocalíptica é um conceito
totalmente diferente daquele encontrado em Deutero-
Isaías, onde o Servo, por meio de seu sofrimento vicário e
morte, justifica a muitos e toma sobre si as iniquidades
deles (Isaías 53.11).
A esta altura pode-se mencionar a interpretação do
Servo no Targum de Isaías 52.13-53.12. Nesse escrito o
Servo é identificado com o Messias, mas toda a passagem é
reinterpretada de tal maneira que é impossível reconhecer
a figura do texto do Antigo Testamento. Seus sofrimentos,
dor e morte são transferidos para os inimigos de Israel, e o
Messias-Servo aparece como o poderoso conquistador que
triunfa sobre todos os seus inimigos!
Em II Esdras 7.29, lemos sobre a morte do Messias
no final do reino interino; isto é natural, porque o Messias,
como todos os demais seres criados, deve morrer. Mas não
se faz nenhuma referência aqui ou em outro trecho do
livro, a uma morte vicária ou expiatória. A libertação que o
Filho do Homem traz não é salvação do poder do pecado,
mas libertação da opressão de seus inimigos. Ele é o
terrível juiz dos pecadores, não o Salvador das almas dos
homens.
154
A Ressurreição e a Vida Após a Morte
95156Comparar, porém, o argumento de T. W Manson que afirma que, mesmo nos lábios de
Jesus, a expressão "Filho do Homem" deve ser compreendida em um sentido coletivo e significa
uma figura ideal que se levanta para "a manifestação do Reino de Deus sobre a terra no povo
completamente devotado ao seu Rei celestial" (The Teaching of Jesus [O Ensino de Jesus], p.
227). Mas durante o curso de seu ministério essa figura passou a ser individualizada de modo que
o título se tornou uma designação para ele mesmo.
A literatura apocalíptica serve, em muitos sentidos,
como uma ponte entre o Antigo e o Novo Testamento, e
isso talvez não possa ser mais claramente demonstrado do
que na crença concernente à vida após a morte. Muito do
ensino do Novo Testamento a esse respeito não pode ser
explicado simplesmente em termos do pano de fundo do
Antigo Testamento, mas pode ser visto em sua verdadeira
luz no cenário do pensamento apocalíptico. E
particularmente significante o ensino dos apocalípticos
concernente à ressurreição dos mortos.
De acordo com a antiga "psicologia" hebraica, a
natureza do homem é produto de dois fatores, o "fôlego-
alma (do hebraico nephesh) que é o princípio da vida, e o
complexo de órgãos físicos que este anima. Separe-os e o
homem deixa de ser, em qualquer sentido real de
personalidade".96 Quer dizer, o homem não é constituído
de três "partes" chamadas corpo, mente e espírito ou
corpo, alma e espírito; nem é constituído simplesmente de
duas "partes", corpo e alma. Ele é uma unidade de
personalidade cuja dissolução significa o fim da vida em
todo o sentido real da palavra. Durante algum tempo, um
homem, é verdade, pode concebivelmente viver dos
elementos de seu corpo que possuem propriedades
psíquicas e não meramente físicas. Mas com a retirada de
seu nephesh a vida do homem desaparece e ele deixa de
viver como "pessoa". O que sobrevive à morte não é a alma
ou o espírito do homem, mas sua sombra ou espectro, um
tipo de "sósia" do homem outrora vivo, conservando uma
imagem espectral de sua réplica outrora vivente, mas
desprovido de sua existência pessoal que uma vez
caracterizara o homem.
Por longos séculos prevaleceu a crença de que ao
96157. Wheeler Robinson, Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do Antigo
Testamento), 1913, p. 83.
morrer, a sombra ou o espectro do homem ia para o Sheol,
situado abaixo da terra ou abaixo do grande oceano
cósmico sobre o qual a terra está fundamentada, uma terra
de esquecimento, escuridão e desespero, não tendo
nenhuma conexão com a vida sobre a terra (cf. Jó 10.21 s).
Em uma fase posterior do pensamento hebraico,
manifestou-se a crença de que o poder e a influência de
Deus podiam ser sentidos mesmo no Sheol (SI 139.8), mas
para a maioria a visão aceita era de que o Sheol ia além de
sua jurisdição (SI 30.9 s; 115.17, etc). Em algumas
passagens, à sombra do morto, especialmente se ele era
um homem de renome como Samuel, eram atribuídos
poderes sobre-humanos e acreditava-se que ela possuía
conhecimento tanto do passado quanto do futuro (I Sm
28.8 ss), mas para a maioria dos homens, essa era uma
terra sem retorno (cf. II Sm 12.23; Jó 7.9) onde "os mortos
não sabem cousa nenhuma, nem tão pouco terão eles
recompensa... porque no além para onde tu vais, não há
obras, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria
alguma" (Ec 9.5,10). Todas as distinções morais deixam de
existir, pois no Sheol "o mesmo sucede a todos, ao justo e
ao perverso" (Ec 9.2).
Os estudiosos diferem amplamente em suas
interpretações de passagens como Jó 14.13-15 e 19.25-27,
em que a fé do escritor alcança a esperança de justificação
além dos limites da carne humana, e Salmos 16,49,73 e 78,
em que o problema da prosperidade dos ímpios e o
sofrimento dos justos volta os pensamentos do salmista
para esse relacionamento contínuo com Deus, em cuja mão
direita há "prazeres para sempre".
Por certo, não há aqui nenhuma doutrina
claramente definida de uma vida além da morte, mas na
melhor das hipóteses, apenas um vislumbre de esperança.
Essa esperança, porém, era tal que poderia alcançar sua
conclusão lógica somente na crença de uma vida futura, e
é isso que deve ser creditado aos apocalípticos, uma vez
que eles foram os primeiros a chegar a essa conclusão
sobre a doutrina da ressurreição dos mortos.
C. Desenvolvimentos Subseqüentes
Ambas as concepções bíblicas de ressurreição são
encontradas também nos livros apocalípticos extrabíblicos;
mas no desenvolvimento subseqüente ocorrem muitas
variações, nem todas estão claras para o leitor, ou talvez
nem mesmo para os próprios escritores.
O pensamento de Isaías 24-27 é seguido em grande
parte em I Enoque 6-36 (cf. também 37-71, 83-90, etc), onde
somente os justos, presumivelmente os Israelitas,
ressuscitarão para tomar parte no Reino Messiânico (25.4
ss). A vida ressurreta é um desenvolvimento orgânico da
presente vida de justiça (90.33). Aqui os perversos que
receberam punição em sua vida, permanecerão no Sheol
eternamente (22.13), mas os perversos que não receberam
sua devida punição na terra serão transferidos como
espíritos desincorporados do Sheol para Gehena,97 o lugar
de tormento.
Uma variação sobre o tema de Daniel 12.2 pode ser
encontrada nos Fragmentos Noélicos em I Enoque, em que
está, pelo menos implicado, que o justo ressuscitará para
compartilhar as bênçãos dos justos vivos no Reino
Messiânico (10.7, 20), e que os perversos, ou alguns deles
(67.8), ressuscitarão para o julgamento e sofrerão nas
chamas de Gehena em corpo e em espírito (67.8-9). No
Testamento de Benjamim, os patriarcas ressuscitam
primeiro para compartilhar do reino terrestre (10.6) e
97158Verp. 153, n° 1.
então os doze filhos de Jacó, cada um à frente de sua
própria tribo (10.7). "Então também todos os homens se
levantarão, uns para glória e outros para vergonha" (10.8).
Essa concepção é ainda mais desenvolvida em II Esdras
que declara . que haverá uma ressurreição geral seguida
por um julgamento que será universal e final. As almas
dos justos' e dos ímpios, agora unidas com o corpo, serão
julgadas; "e a recompensa seguirá e o galardão será
manifesto" (7.35).
Já temos destacado98 que em certos livros apócrifos,
particularmente em Sabedoria de Salomão, os escritores
expressam uma crença na imortalidade da alma e não na
ressurreição do corpo. Entre os escritos apocalípticos, o
Livro de Jubileus é de grande importância a esse respeito,
como por exemplo em 23.31: "E seus ossos ficarão sobre a
terra, e seus espíritos terão muita alegria". Jubileus, neste
sentido, então, marca o ponto de partida de uma firme
convicção da tradição apocalíptica.
2. A NATUREZA DA SOBREVIDA
102É bem possível que os apocalípticos fossem influenciados, no uso que faziam da palavra
"alma" para descrever os mortos, por idéias gregas da pré-existência e imortalidade,
particularmente em II Enoque, onde a influência Alexandrina é evidente. Mas é fácil exagerar
essa influência na literatura como um todo. De acordo com a psicologia hebraica, a consciência é
uma função não apenas do corpo mas também do nephesh que os apocalípticos assimilaram em
termos de "alma". Deve-se notar que, embora os escritores gregos façam uso freqüente da
palavra psuchai ("almas") para descrever seres desencarnados, o uso de pneumata ("espíritos")
nesse contexto não é absolutamente típico do pensamento grego (cf. E. Bevan, Symbolism
andBetief (Simbolismo e Crença), 1938. pp. 180 ss). Em certos escritos apocalípticos, contudo,
os dois termos são usados indiscriminadamente com esse significado.
relacionamento das almas com Deus, que pode se tornar
completo apenas após a ressurreição. Ela é ainda, até certo
ponto, uma "vida espectral", vivida nessa fase
intermediária. As almas dos mortos, desprovidas de seus
corpos, devem esperar pela ressurreição para sua total
expressão e realização.
108170Cf. I Coríntios 15.42 ss: "Semeia-se [o corpo] em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se
em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual".
também o mundo?"109 (49.3). A ele é explicado que,
naressurreição, os corpos tanto dos ímpios como dos justos
ressurgirão sem nenhuma alteração em sua forma ou
aparência (50.2), sendo possível o reconhecimento
daqueles que já morreram110 (50.3-4). Após o julgamento,
os corpos dos homens serão gradualmente transformados,
por meio de uma série de mudanças, em corpos
"espirituais".
O corpo "espiritual" de Enoque, está escrito, não
precisava de comida nem de qualquer coisa terrena para
sua satisfação (II Enoque 56.2) e, como tal, é semelhante
aos dos anjos; e mesmo quando ele voltar à terra por um
espaço de trinta dias, presumivelmente em seu corpo
celestial (embora sua face tivesse que ser "congelada" para
que os homens pudessem olhar para ele; cf. 37.2), ele não
somente será reconhecido por seus amigos, como ele até
permitirá que toda a assembléia se aproxime e o beije111
(64.2-3).
O corpo "espiritual", então, não é meramente um
corpo simbólico no sentido de ser representativo
(simplesmente representando o corpo terreno) mas sendo
algo bem diferente deste, em identidade, não tendo relação
orgânica com ele; pelo contrário, ele pode ser descrito
como constitutivo, porque é constituído pelo corpo como
as pessoas entendem o termo e tem a mesma subestrutura;
todavia muito do conceito é espiritualizado. O corpo
"espiritual" é o corpo físico transformado de modo a
corresponder a este ambiente que é natural à natureza e ao
ser do próprio Deus.
109171Cf. I Coríntios 15.35: "Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm?" O relato da
transformação do corpo na ressurreição em II Baruque 49-51 encontra um notável paralelo em I
Coríntios 15.
110172Cf Marcos 9.43 ss que se refere à sobrevivência das deformidades físicas na vida após a
morte.
111173Cf. João 20.27 para as propriedades físicas do corpo de ressurreição de Jesus.
A aparente contradição entre o corpo "espiritual"
como corpo físico transformado e seu correlativo celestial,
coexistente com ele até o dia da ressurreição, é
parcialmente resolvida pela crença de que o corpo
"espiritual" se desenvolve pari passu [N.T.: do latim "ao
mesmo tempo, simultaneamente"] com ocorpo físico e que
os atos do homem justo, praticados no corpo da carne,
condicionam a formação do corpo no céu. Essa crença é
apresentada explicitamente nos escritos apocalípticos cris-
tãos,112 e implicitamente nos judaicos. "Este corpo
espiritual", escreve o Dr. Charles,113 "é resultado conjunto
da graça de Deus e da fidelidade do homem. Ele é, de um
lado, um dom divino... e de outro, o corpo espiritual é, em
certo sentido, a possessão do fiel, e pode, portanto, apenas
ser possuído por meio da fidelidade." O homem é criado
"de natureza invisível e visível; de ambas são sua morte e
sua vida" (II Enoque 30.10). E ambos são criação de Deus.
112174Cf. Apocalipse 3.4: "Tens, contudo, em Sardes, umas poucas pessoas que não
contaminaram as suas vestiduras, e andarão de branco comigo, pois são dignas". Cf. também
16.15.
113Que o corpo espiritual já é um com a pessoa para quem é preparado é esclarecido no "Hino
da Alma", em siríaco, que diz: "Eu vi as vestes como se fossem uma comigo, como se ela
estivesse em um espelho. E eu contemplei nela a mim mesmo, e soube e vi a mim mesmo através
daquelas vestes, que nós fomos divididos em partes, sendo um, e novamente feitos um em uma
só figura." (cf. M. R. James, The Apocryphai'New Testament [O Novo Testamento Apócrifo]
1924, p. 414).
175 Op. át., volume 1, pp. 187-188.
Bibliografia Selecionada
HISTÓRIA E RELIGIÃO
Literatura Apócrifa
R H. Charles, The Apocrypha and Pseudepigrapha of the
Old Testament (Os Apócrifos e os Pseudepigrafos do Velho
Testamento), 2 volumes. (Oxford, 1913).
R T. Herfod, Talmud and Apocrypha (O Talmude e os
Apócrifos) (Soncino Press, 1933).
Bruce M. Metzger, An Introduction to the Apocrypha
(Uma Introdução aos Apócrifos) (Oxford, 1957).
H. H. Rowley, The Relevance of Apocalyptic (A
Relevância dos Apocalípticos) (Lutterworth Press, 1944).
H. H. Rowley, Jewish Apocalyptic and the Dead Sea
Scrolls (Os Apocalípticos Judaicos e os Rolos do Mar
Morto) (The Athlone, 1957).
R H. Pfeiffer - como acima. Ver também uma boa
introdução em The Apocrypha according to the Authorised
Version, with an introduction by Robert H. Pfeiffer (Os
Apócrifos de Acordo com a Versão Autorizada, com uma
introdução de Robert H. Pfeiffer) (New York, Harper,
1953), e em The Interpreter's Bible (A Bíblia do Intérprete),
vol. 1 (New York, Abingdon-Cokesbury Press; atual,
Thomas Nelson and Sons).
Muitas outras referências poderão ser encontradas
em notas de rodapé deste livro.
MACABEUS E HASMONEUS
EVENTOS IMPORTANTE
Profanação do Templo por Antíoco Epifânio 168 a.C.
Revolta dos Macabeus 167 a.G
Rededicação do Templo 165 a.G
Indicação de Jonatas como Sumo Sacerdote 152 a.G
Conquista da Independência 142 a.C. Indicação de
Simão como sumo Sacerdote hereditário e Etnarca 141 a.C.
Ascensão de João Hircano I e o surgimento dos Fariseus e
Saduceus 134-104 a.C. Perda da Independência:
Pompeu toma Jerusalém 63 a.C.
Ascensão de Herodes 37 a.C.
Morte de Herodes 4 a.C.
Guerra dos Judeus 66-70 a.C.
Destruição de Jerusalém por Tito 70 aG.
Parabéns!
Você terminou a leitura de mais um bom livro.
Esperamos que você esteja se sentindo encorajado,
fortalecido e melhor informado. Gostaríamos de saber sua
opinião sobre este livro, para que possamos aprimorar a
qualidade do nosso trabalho. Nossa missão é publicar
livros que contribuam para sua felicidade. Qo 10.10) Por
isso, gostaríamos de recomendar a você mais alguns
importantes títulos: