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RESENHA: ALGUNS ENLACES EPISTEMOLÓGICOS ENTRE A CIÊNCIA MODERNA

E A CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA, de David Velanes de Araújo

José Isaac Costa Júnior¹

David Velanes de Araújo, em seu artigo Alguns enlaces epistemológicos entre a ciência
moderna e a ciência contemporânea, busca apresentar e relacionar os obstáculos que dificultam
o conhecimento humano nas perspectivas de Francis Bacon (A partir da primeira parte da obra
Novo Organum) e Gaston Bachelard (Através da obra A formação do espírito científico:
“contribuição para uma psicanálise do conhecimento objetivo”).

Segundo Araújo, Bacon divide o Novo Organum em duas partes; na primeira ele
apresenta os obstáculos pro conhecimento e sugere uma limpeza da mente, servindo de
preparação para a segunda parte, na qual é apresentado o método indutivo como abordagem
para buscar o conhecer. Tal método se baseia numa estruturação da experiência: ao invés de
apenas guiar a investigação científica através das próprias vivências, o cientista deve conduzir
experimentos controlados que possam escapar às antecipações da mente humana. O autor
também assegura a importância que Bacon dá à natureza: sem ela, todo conhecimento seria
vazio. Araújo faz uma breve apresentação do método indutivo antes de se aprofundar no objeto
de foco do artigo.

Ainda segundo Araújo, Bacon considerava que as filosofias não haviam até então
seguido por caminhos claros, e portanto buscou descobrir o que causara os erros que
dificultaram o progresso do conhecimento humano. Para Bacon, a causa dos erros são os
“ídolos” do intelecto humano, contra os quais o ser humano deve se precaver. São quatro os
ídolos que Bacon identifica no intelecto humano: da Tribo, da Caverna, do Foro e do Teatro.

Os Ídolos da Tribo vem da própria natureza da espécie humana; segundo Bacon, todas
as percepções humanas, seja dos sentidos ou da mente, dizem respeito à própria natureza
humana ao invés do universo. Os Ídolos da Caverna dizem respeito ao ser humano enquanto
indivíduo; todos tem suas particularidades, seu próprio modo de ver as coisas, o qual é formado
pelas experiências de cada um, e essas particularidades levam também ao erro. Os Ídolos do
Foro dizem respeito ao erros que nascem das relações entre os seres humanos e mesmo da
linguagem, que pode causar confusões e enganos, sendo usadas em diversos sentidos e
entendidas em outros mais. Por fim, os Ídolos do Teatro, os quais imigraram para a mente
humana através de doutrinas filosóficas e das regras da demonstração; Bacon destaca a
influência dos princípios que tomamos como pressupostos e base para o conhecer, levados pela
tradição, negligência e credulidade.

Gaston Bachelard também indica obstáculos para o conhecimento. De acordo com


Araújo, Bachelard julga necessária uma psicanálise do conhecimento, pois esses obstáculos são
subjetivos e internos a cada pessoa, e o filósofo considera que um ser humano não pode de uma
hora a outra se tornar uma tábula rasa. Bachelard critica o imediatismo, e o primeiro obstáculo
que ele expõe é a experiência primeira. Segundo Araújo, Bachelard define a experiência
primeira como sempre errônea, pois se relaciona com hábitos e experiências pessoais; porém,
em sua filosofia o erro não é algo negativo, pois é através dele que se torna possível reconhecer
as próprias limitações. O senso comum não serve, portanto, à ciência; é necessário se afastar do
imediato.

Como exposto no artigo, Bachelard ainda aponta outros obstáculos: o conhecimento


generalizado, pois ocorre de determinados pensamentos derivarem de outros, e estes derivarem
de determinadas leis, de modo que o pensamento se vê preso e limitado; o conhecimento
pragmático, que vê de modo homogêneo fenômenos não relacionados; o substancialismo, a
tendência humana de buscar sempre profundidade nos fenômenos, reunindo em um único
objeto diversos elementos; o verbalismo, quando se tenta desenvolver o conhecimento por uma
análise de conceitos, sendo que a ciência evolui mais rapidamente que a linguagem, que nem
sempre a acompanha; o animismo, a tendência de introduzir conceitos biológicos em campos
que não se relacionam com a vida; e a matematização dos fenômenos, que resulta em
quantificações prematuras. O autor falar ainda de um obstáculo pedagógico que por vezes não
é percebido pelos professores, relacionando-o aos preconceitos e paradigmas carregados por
cada indivíduo quando se iniciam na cultura acadêmico-científica.

Após apresentar as posições de Bacon e Bachelard acerca dos obstáculos


epistemológicos, o autor traça alguns paralelos entre esses trabalhos, apontando semelhanças e
dessemelhanças. Como aponta Araújo, os obstáculos, em ambas as teorias, fazem—se presentes
na mente humana, de modo que Bacon sugere uma limpeza da mente para a aplicação do
método indutivo, enquanto para Bachelard tal limpeza seria impossível e portanto se faz
necessária a psicanálise do conhecimento, para encontrar as barreiras que impedem o
conhecimento. Araújo também diferencia as noções de verdade para cada um dos filósofos:
para Bacon, após a limpeza da mente e a utilização do método indutivo, é possível alcançar
verdades; para Bachelard, as verdades sempre estão passíveis de corrupção, de modo que nunca
devem ser cristalizadas – com o tempo elas se tornam ultrapassadas.
Como apontado no artigo, os Ídolos da Tribo de Bacon são o obstáculo que mais se
aproxima de ser inato e intrínseco à natureza humana. Tanto em Bacon como em Bachelard os
obstáculos epistemológicos tendem a ser exteriores ao ser humano, invadindo posteriormente o
intelecto humano e lá se alojando como barreiras ao conhecimento. Os Ídolos da Caverna,
relacionados aos costumes e à educação, se aproximam dos obstáculos pedagógicos expostos
por Bachelard. Já os obstáculos linguísticos deste se assemelham aos Ídolos do Foro de Bacon,
e o conhecimento generalizado se aproxima dos Ídolos do Teatro. O artigo é encerrado no
apontamento de uma diferença entre os dois filósofos: o modo como encaram o erro. Em Bacon,
o erro deve ser evitado através do domínio sobre os ídolos; em Bachelard, é parte do ato de
conhecer, e é necessário para o desenvolvimento da ciência.

David Velanes de Araújo apresenta nesse artigo uma boa explicação dos conceitos e
posicionamentos de Francis Bacon e Gaston Bachelard. O autor peca quanto a questões de
gramática e de organização, porém não perde o mérito pela sua exposição do conteúdo. Ele
traçou bem os paralelos entre as duas teorias e não cometeu erros graves o suficiente para que
não se pudesse compreender o texto com um pouco mais de atenção.

Os trabalhos de ambos Bacon e Bachelard sobre os obstáculos para o conhecimento


humano são bastante completos, tanto em suas semelhanças quanto nas dessemelhanças. Os
dois filósofos cumpriram a proposta de identificar as barreiras ao progresso científico e
ressaltam a importância da consciência a respeito desses obstáculos e de uma postura capaz de
confrontar esses fantasmas do intelecto.

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