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Raquel Andrade Weiss

,QWURGXomR de haver publicado em inglês um compên-


dio de textos selecionados do autor sobre
No ano de 1971, Anthony Giddens esse tema, tornando-os disponíveis para um
chamou a atenção da comunidade acadêmi- público maior. Entretanto, o diagnóstico
ca para o fato de que uma parte importante apresentado por Giddens com tanta con-
da obra de Émile Durkheim estava sendo vicção nos induz a crer que nada, ou quase
praticamente ignorada, qual seja, aquela que nada, foi dito acerca desse aspecto da obra
abrange seus escritos sobre política. Segundo durkheimiana, obscurecendo os diversos tex-
o autor, “a teoria de Durkheim sobre a políti- tos que, antes de Giddens, já se debruçaram
ca e o Estado é indubitavelmente a mais ne- sobre esse ponto.
gligenciada de suas contribuições para a teo- Partindo dessa constatação, meu pri-
ria social” (Giddens, 1971, p. 477). Alguns meiro objetivo nesta apresentação consiste
anos mais tarde, essa mesma tese foi reiterada em expor de forma sucinta e panorâmica
em sua introdução à coletânea de textos po- os argumentos de diversos autores que se
líticos de Durkheim1, quando argumentou preocuparam com os aspectos políticos dos
que ele “não é ordinariamente considerado escritos de Durkheim. Ainda em relação a
como um autor que tenha feito importantes isso, pretendo chamar a atenção para a di-
contribuições para a sociologia política”, até versidade dessas interpretações, que não
porque, segundo Giddens (1986, p. 1), “ele apenas enfatizam diferentes ângulos disso
envolveu-se apenas marginalmente em ativi- que podemos chamar de “aspectos políticos
dades políticas práticas, e durante sua vida da obra durkheimiana”, como também en-
jamais chegou a publicar nenhuma grande contramos interpretações e classificações até
obra cujo principal assunto fosse concernen- mesmo contraditórias. Ao colocar esses auto-
te à análise política”. res lado a lado, será possível tecer um quadro
Sem dúvida, a amplitude da influência que permita contemplar o quão numerosas
de Giddens contribuiu em larga medida para e instigantes são as interpretações possíveis
colocar os escritos políticos de Durkheim em sobre um mesmo autor.
evidência, isso sem mencionar a pertinência Não proponho julgar a pertinência
e mesmo a originalidade de sua análise acer- dessas interpretações, mas a simples consta-
ca desse aspecto, bem como a importância tação dessa diversidade ora complementar,

1 Cf. “Introduction” (Giddens, 1986). Conforme observado pelo próprio autor, este texto reproduz boa parte do
que já foi escrito no texto de 1971.

BIB, São Paulo, nº 71, 1º semestre de 2011, p. 45-67. 45


ora contraditória, já deve bastar para tornar em relação a esse aspecto da obra do autor.
evidente o quanto o estudo desse aspecto da Entretanto, se é verdade que Durkheim nun-
obra deste clássico das ciências sociais ainda ca ocupou nenhum cargo na administração
pode e deve ser aprofundado, o quanto este pública e nem mesmo filiou-se a qualquer
aspecto permanece como um terreno fértil, partido político, isso não quer dizer que não
que possibilita novos insights sobre proble- tenha se envolvido diretamente com aspec-
mas contemporâneos, sejam práticos, sejam tos práticos da vida política de seu tempo,
teóricos. É no âmbito dessa proposta de desde que “vida política” seja compreendida
“atualização” que está circunscrito o segundo como algo mais amplo do que “vida partidá-
objetivo desta apresentação, qual seja, pensar ria”. Afinal, foi justamente em virtude de seu
o autor no contexto do debate da teoria po- envolvimento com questões de natureza prá-
lítica contemporânea, especialmente em sua tica que seus escritos políticos tiveram maior
vertente normativa, que tem em um de seus repercussão, ao menos durante sua vida:
extremos os autores designados de “comuni- Durkheim militou em favor da República,
taristas” ou “republicanos”, para utilizar a ex- defendendo ardorosamente uma educação
pressão de Habermas, e, no extremo oposto, moral laica; foi um dos membros fundado-
os chamados “liberais”2. res da Liga pelos Direitos do Homem; teve
Entre os primeiros, defende-se a tese de participação no importante debate sobre
que os valores e o próprio modo de vida de “Pacifismo e Patriotismo”, em 1907; conde-
uma comunidade devem prevalecer sobre nou publicamente a guerra e as formas mór-
os valores de natureza abstrata e universal. bidas de nacionalismo no texto “A Alemanha
Para os liberais, ao contrário, o ator central acima de tudo”, de 1915; e, finalmente, foi
é o indivíduo, entendido como ser dotado sua participação como ativista pró-Dreyfus,
por natureza desses direitos fundamentais até mesmo por pertencer à referida liga, que
de liberdade e igualdade. Defenderei aqui o resultou em um de seus mais importantes e
argumento de que a teoria política de Émile polêmicos artigos, “O individualismo e os
Durkheim não pode ser situada em nenhum intelectuais”, que consiste, antes de tudo,
desses dois polos, enfatizando o modo como em uma exposição dos fundamentos do in-
o autor concebeu de maneira peculiar a re- dividualismo, base de sua convicta defesa do
lação entre Estado, sociedade civil e indiví- general Dreyfus e de sua crítica ao obscuran-
duo, sendo este um valor próprio das socie- tismo das forças políticas de direita.
dades modernas. A “interferência” de Durkheim em as-
suntos de natureza prática já parecia causar
$VGLYHUVDVLQWHUSUHWDo}HVVREUH bastante desconforto entre alguns de seus
RVDVSHFWRVSROtWLFRVGDWHRULD contemporâneos que militavam em favor
GXUNKHLPLDQD de um modelo político oposto àquele de-
fendido por Durkheim. Aliás, o primeiro
Giddens apontou a pouca participação registro de um artigo que discute os aspec-
de Durkheim em atividades políticas práti- tos políticos da obra durkheimiana data de
cas como uma das explicações para o descaso 1896, quando a carreira de Durkheim ainda

2 Utilizo aqui a classificação proposta por Habermas (1995), no artigo “Três modelos normativos de democracia”.

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começava a se consolidar. Nesse artigo, cujo critério e de método na legitimação dessas
título é “Sociologie et démocratie”, o autor, ideias, como podemos constatar no seguinte
Charles Andler, contesta a legitimidade da trecho de Parodi (1924, p. 100):
sociologia para se pronunciar acerca de prog-
nósticos políticos; em particular, contesta a O método científico, que eles reclamam e que uti-
lizam tão pouco – aquele método que constitui
defesa que fazem da democracia como mo- a força do senhor Durkheim e de toda sua esco-
delo político mais adequado às sociedades la – consistiria, ao contrário, em constatar com
modernas. Segundo Andler, para os soció- paciência e com imparcialidade todos esses fatos,
logos, nomeadamente Durkheim e Bouglé, quaisquer que sejam, que a história nos apresenta,
todas essas forças que ela apresenta como fruto
“a democracia realiza-se necessariamente; e de sua obra [...] Esforçando-se para aplicar real-
também necessariamente ela confia a direção mente o método científico à sociologia, o senhor
das coisas públicas a um pensamento cole- Durkheim chega a definir a tendência das socie-
tivo medíocre”. Em seguida, manifesta seu dades modernas, estabelecendo suas causas econô-
micas e individuais, históricas e geográficas, como
descontentamento em relação à sociologia um individualismo crescente e inevitável. [...]
e à defesa que esta faz da democracia, afir- Através de quais pesquisas positivas os tradicio-
mando que “é a essa doutrina política que nalistas conseguem estabelecer que essas induções
chega a sociologia contemporânea. Nós não científicas são aventureiras ou errôneas?
sabemos se a sociologia é tão unânime e tão
explícita em relação ao prognóstico desse de- Mesmo cuidando de estabelecer algumas
sastre. Mas os enunciados sobre os quais se diferenças fundamentais entre Durkheim e
apoiam essas conclusões mostram-se confor- os tradicionalistas, Parodi não deixa de consi-
mes a essa mitologia especial compartilhada derá-lo parte dessa doutrina que faz apologia
pelos sociólogos” (Andler, 1986, p. 245). à “política do fato”, característica do espírito
Portanto, nesse primeiro registro, Durkheim tradicionalista, em oposição à “política da
é apresentado negativamente como um de- ideia”, característica do espírito racionalista.
fensor da democracia. Afinal, “o que constitui a unidade de toda
Alguns anos mais tarde, em 1911, ou- essa linha de pensadores tão diferentes, é sua
tro contemporâneo de Durkheim, o filósofo negação do racionalismo” (idem, ibidem, p.
Dominique Parodi, considera o autor como 74). Um pouco mais adiante, Parodi (p. 80)
parte importante de uma linhagem de pen- não deixa dúvidas quanto à semelhança que
samento, que começa com Comte e passa percebe entre Durkheim e os autores pro-
por Taine e Renan, e que teria oferecido priamente tradicionalistas:
os elementos teóricos que posteriormente
Ora, assim como o senhor Bourget, ou o senhor
serviram de fundamentação teórica para o Barres, nossos sociólogos reabilitaram, à sua ma-
“tradicionalismo”, o “partido da reação”, que neira, a ideia de tradição. Sabemos que o senhor
advogava o retorno das instituições tradi- Durkheim proclama-se a si mesmo um “intelectu-
cionais, em especial a Igreja e a monarquia. al conservador”, e também o senhor Lévy-Bruhl,
logo depois dele, e acreditamos poder aproximá-
Uma apreciação diametralmente oposta -los em virtude de sua defesa, com base na lógica,
àquela de Andler, para quem, como vimos, de um puro “conformismo social”.
Durkheim seria um dos grandes inimigos
dos “tradicionalistas”. É curioso que em al- Na década de 1930, essa interpretação
guns momentos o autor utiliza argumentos que aponta Durkheim como um “precursor”
durkheimianos para fundamentar sua crítica de movimentos conservadores é bastante ra-
aos tradicionalistas, especialmente à falta de dicalizada, e o sociólogo é apontado por dois

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autores, Marion Mitchel (1931) e Svend grandes construtores da nação francesa, bem
Ranulf (1939), como um dos precursores dos como alguns argumentos de Durkheim que
movimentos nacionalistas radicais, leia-se, seriam favoráveis à constituição de uma “pá-
dos movimentos fascistas. Para Mitchel, as tria europeia”.
concepções de Durkheim, inclusive sua defe- Depois desse salto cronológico, volte-
sa dos grupos intermediários como meios de mos um pouco no tempo, cerca de dez anos
atenuar a situação de anomia, teriam aberto após a primeira edição do livro de Parodi.
o caminho para o “integral nacionalismo” de Em 1920, um autor inglês, Harry Barnes,
Maurras. Para Ranulf, a própria crítica de chamou a atenção para a contribuição de
Durkheim à sociedade industrial, demasiado Durkheim para a teoria política, dando ên-
individualista e pouco integrada, teria contri- fase a alguns aspectos que viriam a ser reto-
buído para a emergência do fascismo, mesmo mados pelos intérpretes contemporâneos e
que não intencionalmente. que se referem às relações entre o Estado e
Embora consideradas absurdas pela o indivíduo e à importância dos grupos in-
maioria dos intérpretes contemporâneos, termediários, especialmente das associações
esses argumentos não passaram sem deixar profissionais, como elementos necessários à
marcas e fazer herdeiros. Algumas impor- manutenção das relações de solidariedade e
tantes premissas que sustentam essa inter- da vida política democrática. Após haver exa-
pretação podem ser encontradas na análise minado com certa minúcia as proposições de
de autores bastante conhecidos, por exem- Durkheim em relação a isso, especialmente
plo, Robert Nisbet (1952)3. Talvez o mais aquelas apresentadas em Da divisão do traba-
importante trabalho que permite desmontar lho social (1893), o autor chega à conclusão
esses argumentos de Mitchel e Ranulf, uma de que sua proposta “é capaz de prevenir um
vez que aponta suas graves inconsistências Estado centralizado e todo-poderoso, e ain-
interpretativas, é o artigo de Joseph Llobera, da assegura aos trabalhadores um alto grau
publicado em 1994. O texto deste autor de autoridade na regulamentação de suas
aborda um aspecto bastante particular dos próprias condições de trabalho” (Barnes,
escritos políticos de Durkheim, qual seja, o 1920, p. 252). Em suma, embora não consi-
de suas contribuições teóricas para o estu- dere que se possa falar de uma teoria política
do do nacionalismo e de suas contribuições original de Durkheim, ele afirma tratar-se
práticas para a consolidação da república de uma síntese significativa dos elementos
francesa. Sua conclusão é a de que, embora mais importantes e mais progressistas da te-
não haja uma “teoria da nação” ou uma “te- oria política, que poderiam contribuir para a
oria da pátria” propriamente dita, seus escri- própria renovação desta.
tos oferecem uma teoria implícita acerca de Ainda na linha dos autores que tema-
alguns temas centrais envolvendo essa ques- tizam as contribuições de Durkheim para
tão. Do ponto de vista mais prático, ressalta o domínio da teoria política, encontramos
a importância de seu papel como um dos a análise de Lucio Mendieta y Nuñez, que

3 Nisbet é um dos mais conhecidos intérpretes de Durkheim no Brasil, ainda nos dias de hoje. Este autor nota-
bilizou-se por propor que a sociologia durkheimiana seria essencialmente conservadora e teria no movimento
reacionário de Bonald e de Maistre sua principal fonte de inspiração.

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data de 1959 e versa especialmente sobre a tal, dado que confere vida e realidade à democra-
concepção de democracia que pode ser apre- cia, até mesmo naqueles países monárquicos em
que os líderes do Estado não são eleitos. […] Uma
endida na leitura de diversos textos do autor, última característica da democracia, apontada por
a maioria destes geralmente considerados de Durkheim, é a constante evolução do Estado. Mas
importância secundária, mas que são revela- para que o Estado evolua, tornando-se mais per-
dores de definições realmente originais sobre feito, é indispensável que “ele não seja confundido
com a massa; ele precisa ter uma função própria e
democracia e mesmo sobre o Estado. Na ver- gozar de autonomia”. Essa conferência escrita por
dade, o autor enfatiza a relação especial entre Durkheim em 1915, durante a Primeira Guerra
esses dois conceitos, que são tão conexos que Mundial, como dissemos antes, com o propósito
um não pode ser devidamente compreendi- de reafirmar a fé na democracia, possui indubi-
tavelmente um valor contemporâneo, e poderí-
do sem o outro. É exatamente isso que ele amos até mesmo dizer, um valor eterno, porque
destaca no seguinte trecho em que trata do suas ideias permitem estabelecer uma comparação
conceito durkheimiano de Estado: objetiva entre Estados totalitários e democráticos
(Mendieta y Nuñez, 1964, p. 259).
Esse conceito sociológico, baseado no processo
histórico das sociedades e na observação da rea- Pouco tempo depois, em 1960, Melvin
lidade, é o mais aceitável dentre os diversos con- Richter já prenuncia uma tese que viria a
ceitos de Estado. O Estado, enquanto um órgão ser defendida por Giddens anos mais tarde,
de reflexão social, não pode ser o instrumento de
um grupo ou de uma classe; sua função é manter qual seja, a de que a leitura dos textos polí-
um equilíbrio de interesses. [...] Mas, para com- ticos de Durkheim é requisito fundamental
preender plenamente sua concepção de Estado, é para que se tenha uma compreensão mais
preciso compreender sua concepção de democra- adequada de sua teoria e da importância
cia (Mendieta y Nuñez, 1964, p. 257).
de suas posições políticas para seu próprio
Quanto à definição de democracia, momento histórico. Segundo este autor,
Mendieta y Nuñez observa tratar-se de um Durkheim teria ido além das investigações
conceito bastante amplo, que não restringe a empíricas sobre a sociedade e o Estado, o
democracia a um método da escolha de lide- que o levou a adentrar pelo terreno norma-
ranças, mas pressupõe determinado tipo de tivo, advogando em favor de um modelo
relação entre o Estado e o povo. Sua avalia- republicano baseado nos valores liberais de
ção sobre os escritos políticos de Durkheim autonomia e racionalidade do indivíduo.
é, na verdade, bastante positiva, não apenas Isso seria resultante de sua tentativa de con-
porque considera que tenham sido impor- ciliação e de superação de alguns autores
tantes no contexto social francês daquele que ele considerava importantes, mas ape-
período, mas, sobretudo, em virtude do ca- nas parcialmente corretos, porque, segundo
ráter atemporal das ideias implicadas na pró- o autor, “Durkheim possuía esse esprit du
pria definição de democracia, que serviriam système que ele lamentava nos outros” e “a
como parâmetro permanente para separar as déformation professionelle daquele que cons-
democracias dos regimes totalitários, que são trói sistemas é o impulso para sintetizar con-
os dois extremos de uma escala. tradições. Esse traço levou Durkheim a tra-
duzir crenças e ideias tais como liberalismo
Essa interação entre o governo e o povo, essa par- e democracia em conceitos sociológicos, al-
ticipação popular no poder político e sua parti- terando significativamente o significado ori-
cipação governamental nos sentimentos coletivos,
ideais e necessidades é outra característica da de- ginal desses termos, e mantendo seus nomes
mocracia; talvez seja sua característica fundamen- mais familiares” (Richter, 1960, p. 3-31).

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De modo geral, o argumento de Ri- valores que continuam a ocupar uma posi-
chter é o de que os aspectos políticos da ção estruturante no arcabouço dos valores
obra durkheimiana, em especial os de cará- contemporâneos, sendo o principal destes o
ter normativo, são o resultado de seu esforço culto à pessoa humana, o “individualismo”.
em tentar elaborar um fundamento laico e
sociológico para valores liberais e judaico- A maneira como Durkheim aborda o individua-
lismo (“uma instituição social assim como todas
-cristãos, que têm no respeito ao indivíduo as religiões que conhecemos”) é o exemplo mais
sua pedra angular, o que revelaria certa “in- claro quanto ao modo como ele via a sociologia da
genuidade” no pensamento do autor, tão ca- moralidade, como algo que vai além da filosofia
racterística do século XIX. Durkheim teria social e das éticas filosóficas do passado, ao tratar
as crenças e práticas morais enquanto fatos. [...]
falhado em prever as grandes guerras e as Portanto, ele argumentou, “é possível, sem con-
instituições políticas de natureza totalitária, tradição, ser individualista afirmando que o indi-
revelando a fragilidade de suas proposições víduo é um produto da sociedade, antes do que
normativas. sua causa”. Ao seguir esse caminho, ele aspirava
desfazer o nó conceitual frequentemente atribuído
Em 1969, antes de publicar sua grande ao individualismo metodológico, afirmando tanto
obra sobre Durkheim4, Steven Lukes tam- a autonomia da sociologia quanto a sacralidade do
bém se debruçou sobre os elementos polí- indivíduo (Lukes, 1969, p. 19).
ticos desse autor, enfatizando, assim como
Richter, o caráter eminentemente liberal de No artigo já mencionado de Giddens,
seus argumentos. Para ele, “enquanto um de 1971, também encontramos a temati-
elemento de teoria política, consiste em uma zação da defesa feita por Durkheim acerca
eloquente defesa do liberalismo, que abarca do “individualismo moral” como um dos
as questões centrais da base moral dos di- aspectos mais importantes dos escritos po-
reitos individuais, os limites da obrigação líticos do autor, defesa esta que já se faria
política, a legitimidade da autoridade e as presente em Da divisão do trabalho social5.
implicações positivas do liberalismo” (Lukes, Na verdade, Giddens afirma que esses escri-
1969, p. 15). No entanto, ao contrário de tos oferecem subsídios cruciais para refutar a
Richter, Lukes não acredita na caducidade caracterização da obra durkheimiana como
ou mesmo no caráter datado dos argumentos essencialmente conservadora6, bem como
de Durkheim, mas afirma tratar-se de uma para romper sua classificação em “fases” des-
defesa sociológica inovadora e ainda atual de contínuas e mesmo antagônicas, tal como

4 Refiro-me ao livro Émile Durkheim – his life and work, que se tornou a mais difundida e respeitada biografia sobre
Durkheim até o momento.
5 “A conclusão substantiva mais importante a que Durkheim chegou em Da divisão do trabalho social é que a soli-
dariedade orgânica pressupõe o individualismo moral: em outros termos, que ‘é errado contrastar uma sociedade
baseada numa comunidade de crenças (solidariedade mecânica) com aquela que possui uma base cooperativa
(solidariedade orgânica), atribuindo um caráter moral apenas à primeira e vendo na outra apenas um agrupamento
econômico. A fonte mais imediata desse individualismo moral, como Durkheim deixou claro em sua discussão
pública sobre o Caso Dreyfus, está nos ideais gerados pela Revolução de 1789” (Giddens, 1971, p. 480).
6 Contra as interpretações de Parsons e Nisbet, Giddens (1971, p. 494) escreve o seguinte: “Nos escritos de
Durkheim, não há nostalgia de uma época anterior, não há o desejo de revitalizar a estabilidade do passado. Não
é possível haver uma reversão para formações sociais dos tipos de sociedade anteriores e, aos olhos de Durkheim,
isso sequer seria desejável, caso fosse possível”.

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defendido por Parsons. Portanto, esses textos dezenove, representava uma resposta ao legado da
políticos teriam uma segunda “função”, além Revolução Francesa. Durkheim apropriou-se de
elementos de ambas em uma tentativa de trans-
de constituírem uma contribuição significa- cendê-las no âmbito de um republicanismo liberal
tiva no campo da teoria política, qual seja, revitalizado, que seria capaz de realizar completa-
permitiriam uma compreensão mais adequa- mente as mudanças estruturais na sociedade que
da da obra durkheimiana como um todo, de haviam sido prometidas pela Revolução, mas que
não foram realizadas (Giddens, 1971, p. 513).
seus principais conceitos e mesmo de seus
elementos normativos.
Neste trecho citado, além da notória
No que tange aos elementos propria-
importância de inserir Durkheim no contex-
mente políticos, Giddens procura apresentá-
to mais geral das batalhas entre as teorias po-
-los como resultado do posicionamento de
líticas de sua época, Giddens também ensaia
Durkheim diante das questões políticas mais
“classificar” a teoria política de Durkheim,
prementes de sua época. Seriam, por assim
designado-a de “republicanismo liberal revi-
dizer, um produto de seus princípios socio-
talizado”. Não se trata apenas de mais uma
lógicos aplicados à resolução de dilemas te-
das muitas tentativas de classificação dos
óricos e problemas práticos que estavam na
aspectos políticos da obra do sociólogo; de
agenda dos intelectuais e dos homens públi-
certo modo, Giddens inaugura uma nova
cos em geral. Sem considerar esta “agenda”,
tendência, retomada posteriormente por
não é possível, segundo Giddens, avaliar
alguns autores. Essa tendência consiste em
adequadamente a relevância do que foi es-
buscar uma classificação que tenta superar
crito pelo autor e, neste aspecto, sua inter-
as supostas contradições inerentes ao pen-
pretação também compartilha com o que já
samento político durkheimiano, uma classi-
afirmara Richter7.
ficação que retira o elemento contraditório
A sociologia de Durkheim estava enraizada em precisamente ao enfatizar sua complexidade,
uma tentativa de reinterpretar as aspirações do que é a condição mesma de sua originalida-
liberalismo político diante de uma dupla ameaça: de. Ao mesmo tempo que abre caminho para
de um lado, de um conservadorismo antirracio-
nal, e de outro, do socialismo. Ambas constituí- esse novo tipo de interpretação, ao propor
am as principais tradições no pensamento social uma classificação “complexa”, utilizando um
da França e, cada uma delas, no início do século adjetivo “composto”, Giddens acaba por ofe-

7 Na verdade, assim como Lukes, Giddens também concentra-se em destacar as contribuições contemporâneas dos
escritos políticos de Durkheim, recusando-lhe o caráter “datado” que lhe fora atribuído por Richter. Contudo,
Giddens não destaca tanto sua importância como uma defesa original do individualismo, como o fizera Lukes,
mas enquanto uma chave de leitura que permite não apenas reinterpretar a própria obra durkheimiana, como
também para superar uma dicotomia fundamental da sociologia atual, qual seja, a dicotomia entre as “teorias da
ordem” e as “teorias do conflito”: “Não obstante suas limitações, a sociologia política de Durkheim não perdeu,
de forma alguma, sua relevância para a moderna teoria social. Sua análise da divisão do trabalho e sua concepção
de autoridade moral e de liberdade individual que ele construiu, possuem uma importância crucial; mais de meio
século após sua morte, esses aspectos ainda não foram explorados em um nível comparável àquele imaginado por
seu criador. É provável que exista fundamento na afirmação de que Marx e Durkheim são os principais criadores
das duas principais correntes de pensamento da sociologia moderna. Mas é simplesmente um erro sustentar que,
enquanto Marx estava preocupado em analisar o ‘conflito’ e a ‘mudança’, Durkheim estava preocupado com as
condições da ‘ordem’ e da ‘estabilidade’ na sociedade. Se a interpretação dos escritos de Durkheim que foi apre-
sentada nesse texto tiver alguma validade, ela talvez possa ajudar a dirimir a dicotomia errônea e artificial entre a
teoria do ‘conflito’ e do ‘consenso’ que tem dominado boa parte da sociologia recente” (Giddens, 1971, p. 515).

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recer uma pista que permite explicar classifi- tões. Primeiramente, ele faz parecer que os
cações tão díspares, tão radicalmente opostas funcionários que deliberam sobre questões
que apresentamos anteriormente. Precisa- oriundas do meio social, conferindo-lhes um
mente por simplificarem demais, acabaram fundamento mais racional, são os mesmos
por propor interpretações insuficientes ou que são responsáveis por implementar essas
mesmo equivocadas. Embora considere que decisões de forma “apolítica”. Embora não
essa tenha sido uma inovação de Giddens, seja muito clara qual a sua teoria sobre a di-
que abriu uma nova possibilidade classifica- visão dos poderes, podemos identificar dois
tória, não pretendo com isso afirmar que os grupos distintos de atores ligados ao Estado.
autores subsequentes tenham aceitado essa Um desses grupos seria equivalente ao
classificação proposta por ele, ou mesmo que Poder Executivo, que, no modelo durkhei-
essa “tendência” esteja presente em todas as miano, seria, sim, apolítico, na medida em
análises; na verdade, há até mesmo quem que seria o responsável por implementar da
contrarie a tese de que exista uma “teoria forma mais eficaz possível a legislação ela-
política durkheimiana”, dispensando, por- borada politicamente. Seriam, basicamente,
tanto, qualquer tipo de classificação. funcionários com as capacidades necessárias
Esse é o caso, por exemplo, de Pierre para fazer valer as decisões. O outro grupo
Birnbaum (1976, p. 247), que, no artigo teria funções legislativas e, de certo modo,
“La conception durkheimienne de l’Etat: judiciárias. Esse seria o grupo responsável
l’apolitisme des fonctionaires”, afirma, logo por processar as demandas sociais, elaboran-
no início, que “não encontramos na obra de do representações mais claras das represen-
Durkheim uma teoria sistemática do Esta- tações que estão presentes na sociedade de
do” e, mais que isso, “Durkheim não elabo- forma difusa. Porém, ao contrário do que
rou realmente uma sociologia do político afirma Birnbaum, não se trata de impor re-
que colocasse em relevo os laços que unem presentações completamente novas, racio-
o Estado às estruturas sociais”. Isso porque, nais, que ignoram as representações sociais
segundo o autor, Durkheim conceberia o conflitantes. Não se trata de funcionários
Estado como um conjunto de funcionários que seriam particularmente iluminados, ca-
capazes de decifrar as leis da razão, como em pazes de acessar o “espírito absoluto” e tradu-
Hegel, de modo que o Estado não seria uma zir a razão na forma de leis. Não é essa con-
instituição verdadeiramente política, pois, cepção hegeliana de razão ou de Estado que
ao ser a expressão da razão, eliminaria todas está presente aqui. Trata-se, antes, de uma
as tensões existentes no seio da vida social. racionalidade que resulta do processo de dis-
Por isso, tanto o Estado como seus fun- cussão e deliberação das representações, que
cionários seriam “apolíticos”. Durkheim se tornam mais claras no debate, que procu-
teria alguns argumentos sobre a função do ra examiná-las e encontrar argumentos para
Estado, mas não teria uma teoria política. criticá-las ou defendê-las. Contudo, o modo
Embora recupere com muita propriedade de recrutamento desses atores é algo que não
diferentes textos de Durkheim sobre o Es- fica muito claro em seu texto.
tado e mostre alguns problemas que real- O caso mais emblemático desse tipo
mente são inerentes à sua concepção sobre de interpretação, e talvez a única em que se
os funcionários, Birnbaum parece não com- defende tão explicitamente a inexistência de
preender corretamente ou ignorar – talvez uma “teoria política” na obra de Durkheim,
intencionalmente – dois conjuntos de ques- é aquela apresentada por Hawkins (1981),

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cujo artigo tem como principal objetivo de- para a tese de que Durkheim articulou uma teoria
safiar toda a literatura que procurou ressaltar sistemática sobre o Estado que ocupa um lugar
central em sua obra. Na verdade, seus escritos
a enorme importância de se prestar a devida sobre o Estado consistem em uma série de discus-
atenção aos textos políticos de Durkheim. sões e definições que só podem ser amalgamadas
Dentre seus principais alvos estão Bernard em um todo consistente se estivermos munidos
Lacroix, Jean-Claude Filloux e Anthony Gi- de uma boa dose de ingenuidade interpretativa
(Hawkins, 1981, p. 389).
ddens. Como ele pretende enfrentar esses
autores e suas teses sobre a teoria política de
Embora afirme com todas as letras a
Durkheim? O caminho escolhido por Ha-
inexistência de uma teoria política, o autor
wkins foi o de concentrar-se especialmente
pondera, logo em seguida, que isto não im-
sobre as classificações acerca dos tipos de
plica que seus escritos careçam de relevância
Estado apresentadas por Durkheim ao longo
teórica ou que não apresentem contribuições
de sua obra, com ênfase especial sobre as ca-
importantes para o debate acerca de diversas
tegorias “absolutismo” e “democracia”.
questões; ele somente afirma não se tratar
Sem dúvida, é um importante docu-
de uma “teoria” no sentido mais estrito do
mento sobre o tema, uma vez que o autor
termo. É evidente que uma devida discussão
oferece um mapeamento até bastante deta-
sobre a tese levantada por Hawkins pressu-
lhado de praticamente todas as ocorrências
põe que antes fosse feita uma discussão em
em que Durkheim ocupa-se em “classificar”
torno da definição de “teoria”, o que foge ao
determinado modelo político, o que se mos-
escopo do presente artigo.
tra particularmente interessante no caso do
O importante a ser notado aqui é, mais
absolutismo, categoria que quase não foi
uma vez, o quanto os escritos políticos de
explorada pelos demais autores. Transitan-
Durkheim permanecem como um vasto
do por diferentes textos e diferentes épocas,
campo que ainda tem muito a ser explorado,
Hawkins faz um meticuloso trabalho de
não apenas tendo em vista suas contribui-
comparação entre as definições apresentadas,
ções conceituais, mas, inclusive, o próprio
cuidando de apontar todas as discrepâncias
estatuto desses escritos, seja em relação à
existentes entre as definições que figuram
sua própria obra, seja em relação ao conjun-
nos diferentes registros textuais. E essa é a
to das “teorias” políticas existentes. Em vez
principal evidência levantada pelo autor para
de se tomar as “críticas” de Hawkins como
corroborar sua tese acerca da inexistência de
um sinal que aponta para um progressivo
uma teoria política durkheimiana, formula-
fechamento no leque das análises possíveis,
da explicitamente nos seguintes termos:
em virtude da redução no estatuto atribuído
Se o requisito mínimo para que um corpo de aos escritos políticos de Durkheim, é pro-
ideias seja considerado como uma teoria, é que vável que os ganhos teóricos sejam maiores
possua um grau razoável de consistência entre se essa interpretação for levada a sério, nas
as partes, então, a partir da análise precedente,
deve ficar claro que considero que as ideias de interrogações que apresenta aos textos anali-
Durkheim sobre o Estado não preenchem esse sados e, ainda, se for tomada como mais um
requisito. Mesmo se ignorarmos o caráter vago e dos numerosos exemplos que evidenciam
ambíguo de suas afirmações a esse respeito, uma a diversidade das interpretações possíveis.
comparação entre seus textos mais relevantes
revela um bom número de inconsistências e di- Tomada dessa forma, aponta não para um
versas mudanças de ênfase. [...].Tendo em vista fechamento, mas para uma abertura ainda
essa lista de inconsistências, há pouca justificativa maior desse leque.

53
É isso o que procurou fazer Bernard La- contribuir para promover um equilíbrio na
croix, em livro que foi objeto dos ataques de posição defendida pelos autores que se situ-
Hawkins, e publicado no mesmo ano, em am nos lados extremos do debate da teoria
1981. Embora não apresente propriamente política normativa. Afinal, considera que
uma “classificação” da teoria durkheimiana a própria trajetória do autor representaria
sobre política, Lacroix tem grande impor- uma tentativa de superação de antagonismos
tância nesse debate, porque se trata de um através da adoção da perspectiva sociológica,
autor que atua justamente na área da ciência com resultados bastante positivos.
política e reivindica que Durkheim e ou-
tros autores da escola durkheimiana sejam Durante sua carreira, Durkheim buscou proteger
o liberalismo contra o egoísmo, e o comunitaris-
considerados clássicos também nessa área. mo contra o fatalismo, a absorção do indivíduo
Isso porque, em sua perspectiva, a ciência pela massa social. O resultado disso foi uma teoria
política é uma disciplina que tem o “poder” social que articulou e promoveu a dignidade e os
como seu principal objeto, e Durkheim teria direitos do indivíduo no contexto de um idioma
moral das tradições sociais e do compromisso com
apresentado importante contribuições para o bem comum. Sua teoria permanece como uma
o estudo de tal fenômeno, fazendo com que poderosa peça de crítica social. Ressaltando os tra-
o fenômeno do poder não fosse uma prer- ços da vida coletiva, ele oferece um comentário in-
rogativa única do Estado, mas algo que per- cisivo e uma apreciação acerca das diversas formas
de liberalismo e de comunitarismo, apresentando
meia todas as instituições sociais. Em outros caminhos para manter o comprometimento com
termos, esse autor opera com a concepção de os aspectos mais nobres desses dois ideais sociais
que se não é possível identificar pontualmen- (Cladis, 1992, p. 1).
te uma teoria política na obra durkheimiana,
ao menos se percebe uma importante “teoria Conforme observado pelo próprio au-
sobre a política”, conquanto que política seja tor, essa abordagem é diferente tanto para
entendida aqui como relações de poder. os leitores de Durkheim, acostumados a vê-
Seguindo uma ordem cronológica, che- -lo como teórico da solidariedade de grupo,
gamos a um autor cuja interpretação reflete como para os leitores de Rawls e MacIntyre,
aquela tendência classificatória inaugurada Dworkin e Sandel, e todos aqueles que con-
por Giddens a que me referi anteriormen- sideram que o vocabulário dos liberais, com
te, que chamei de “classificação complexa”, termos como direitos humanos, é incompa-
designada por um adjetivo composto, re- tível com o vocabulário comunitarista, que
cusando-lhe uma “etiqueta” simplista, que envolve palavras como virtude, tradição e
apontaria mais para as contradições do que comunidade. A despeito das possíveis crí-
para a originalidade de seu esforço em su- ticas que possam ser dirigidas contra seus
perar as dicotomias identificadas pelo pró- argumentos, especialmente a sua caracteri-
prio Durkheim em relação às teorias de sua zação dos “liberais” e dos “comunitaristas”,
época. A tese advogada por Mark Cladis está esse livro de Cladis levanta questões de fun-
expressa no próprio título de seu livro, A damental importância para o debate, ques-
communitarian defense of Liberalism – Émile tões que transcendem a mera “letra” dos
Durkheim and contemporary Social Theory. escritos durkheimianos, apreendendo muito
Esse autor propõe que Durkheim seja de seu “espírito”, o que é possível uma vez
considerado como um “liberal-comunita- que considera tanto as circunstâncias histó-
rista” e defende que uma releitura contem- ricas que levaram Durkheim a determinado
porânea de seus argumentos políticos pode diagnóstico de sua época, como às questões

54
teóricas fundamentais de sua obra como um mentadas a essas críticas, para que seja pos-
todo, procurando traduzi-las em uma lin- sível encontrar argumentos que restituam a
guagem mais contemporânea8. credibilidade da democracia e, sobretudo,
Um dos mais recentes trabalhos que en- dos valores que sustentam, especialmente
quadra a obra de Durkheim a partir de suas do individualismo, entendido genericamen-
considerações acerca da política é o livro de te como crença na dignidade humana. O
Raymond Boudon, Renouveler la démocratie melhor caminho que ele encontra para essa
– éloge du sens comum. Não se trata de um “renovação da democracia” passa justamente
livro sobre Durkheim, mas da defesa de de- por uma atualização dos clássicos da socio-
terminada concepção de democracia baseada logia, mais especificamente Tocqueville, We-
numa “teoria da evolução moral”, que bus- ber e Durkheim, procurando “reencontrar as
ca respaldo nos argumentos dos sociólogos bases sólidas sobre as quais eles propuseram a
clássicos. Na verdade, trata-se não apenas construção das ciências humanas” (Boudon,
de uma defesa da democracia, mas de uma 2006, p. 15)9.
crítica ao relativismo contemporâneo que, Vejamos agora como Durkheim entra
segundo o autor, “inspira uma concepção nessa partida, isto é, qual a posição estra-
cínica da vida pública”, precisamente porque tégica que ele atribui a esse autor dentro
essa teoria “considera o interesse geral como desse “time”; de que modo ele pode ajudar
uma ilusão que dissimularia uma realidade a ganhar o jogo contra o relativismo. Con-
que pretendem mais profunda: aquela dos forme será possível constatar, a “escalação”
conflitos entre os grupos sociais. Ela quer de Durkheim depende de uma interpreta-
que a vida social seja feita apenas de enfren- ção original que ele faz do autor, mais es-
tamentos, cuja origem reside na incompa- pecificamente em relação ao seu conceito
tibilidade das ‘identidades culturais’ ou na de individualismo que, como vimos, é um
confrontação dos interesses de classe” (Bou- dos mais discutidos pelos autores que tra-
don, 2006, p. 9). taram de suas concepções políticos. Em vez
Diante das consequências políticas do de apontar para os textos em que Durkheim
relativismo, especialmente das críticas diri- apresenta o individualismo como valor es-
gidas à democracia, Boudon considera uma truturante da sociedade moderna, Boudon
tarefa urgente elaborar respostas bem funda- parte de um trecho de Da divisão do trabalho

8 Essa “atualização” dos escritos políticos de Durkheim é o que também pretendo fazer, ao propor pensá-lo no
contexto das teorias normativas contemporâneas, defendendo que sua concepção acerca da relação entre Estado,
indivíduo e sociedade civil representam uma tentativa de superação das posições dicotômicas, afirmando-se como
uma via intermediária.
9 No seguinte trecho, Boudon deixa entrever por quais razões considera que as teorias desses três autores são tão
importantes no combate ao relativismo e, ao mesmo tempo, por que as considera como as perspectivas mais
adequadas para uma defesa sociológica dos ideais democráticos: “Para eles, a história do Ocidental testemunha
incontestavelmente um processo de seleção racional das ideias. Mas eles recusam o historicismo de Kant ou de
Condorcet, bem como aquele de Hegel e de Marx que, sobre esse ponto particular, revelaram-se fiéis discípulos
dos filósofos das Luzes. Eles recusam o historicismo, porque as ideias selecionadas podem sempre defrontar-se com
conjunturas desfavoráveis, nada indica que elas devam necessariamente inscrever-se no real de modo indelével.
Essa recusa do historicismo tem como contrapartida positiva a afirmação da responsabilidade do cidadão, do ho-
mem político ou do intelectual. Infelizmente, o espírito de responsabilidade casa-se muito mal com o relativismo”
(Boudon, 2006, p. 16).

55
social, no qual ele afirma que “o individu- percebeu claramente o interesse decisivo que apre-
alismo, o pensamento livre, não datam de senta a concepção kantiana da racionalidade para
a teoria sociológica dos sentimentos morais e da
nossos dias, nem de 1780, nem da refor- evolução moral (Boudon, 2006, p. 165-166).
ma, nem da escolástica, nem do politeísmo
greco-romano ou das teocracias orientais. Como podemos constatar, estamos
Trata-se de um fenômeno que não começa diante de outra maneira de inserir a teoria
em parte alguma, mas que se desenvolve durkheimiana no contexto mais geral do
sem parar ao longo da história”10. Enfim, debate das ideias políticas: não se trata de
é com base nessa afirmação de Durkheim uma crítica, por exemplo, no caso de auto-
de que “o individualismo não começa em res como Andler, Parodi e Birnbaum, nem
parte alguma” que ele avança em uma in- de uma exposição detalhada de suas ideias,
terpretação da teoria durkheimiana sobre o como no caso de Mendieta y Nuñes, Lukes
individualismo, afastando-se das interpre- ou Giddens, e nem mesmo em uma tentati-
tações mais recorrentes, tornando-a muito va de utilizar seu pensamento para discutir
mais adequada a seus próprios propósitos. É modelos normativos contemporâneos ou
precisamente a partir desse “viés”, da ênfase classificá-lo em meio a esses modelos. Trata-
sobre esse trecho, que Boudon desenvolve -se de uma interpretação – original – de sua
um raciocínio que lhe permite encontrar em tese do individualismo que é apropriada com
Durkheim um argumento antirrelativista e a intenção de encontrar fundamentos para
sociologicamente pró-democrático. criticar o relativismo e justificar a validade da
No trecho a seguir, podemos apreender democracia como melhor modelo político.
a síntese da leitura de Boudon, da forma Enfim, depois de fazer uma breve in-
como ele apropria-se de um dos argumen- cursão por essa miríade de autores com in-
tos de Durkheim para sustentar sua própria terpretações tão diversas e, em alguns casos,
concepção sobre a democracia. até mesmo contraditórias, espero ter dado
corpo ao argumento aventado inicialmente,
O sentido desta fórmula me parece luminoso. Ela
indica que, segundo Durkheim, cada um possui, de que a tese de Giddens quanto à inexistên-
em principio, uma percepção igual quanto à sua cia de análises sobre os aspectos políticos de
dignidade e quanto a seus interesses vitais e que, Durkheim é, no mínimo, insuficiente. Cer-
em todas as sociedades, desde as mais arcaicas até tamente, não pretendo sustentar a tese opos-
as mais modernas, as instituições são percebidas
pelos indivíduos como mais ou menos legítimas, ta, afirmando que essas interpretações já são
conforme elas ofereçam ou não a impressão de suficientes, exaustivas. Muito ao contrário, a
que elas respeitam sua dignidade e preservam seus multiplicidade dos pontos de vista, das con-
interesses vitais. [...] Segundo Durkheim, o indi- clusões extraídas apontam precisamente para
víduo sempre possui o direito de julgar a legitimi-
dade das instituições. [...] Durkheim propõe aqui a necessidade de refinar cada vez mais essas
uma conjectura de inspiração kantiana: a conjec- análises, bem como indicam as numerosas
tura segundo a qual os sentimentos do indivíduo possibilidades teóricas que podem resultar
sobre as instituições em um sentido mais amplo da leitura do autor a partir deste prisma –
seriam ditadas pelo valor que elas parecem ter para
um indivíduo qualquer. [...]. Tal como ele indi- o prisma das discussões políticas –, encon-
ca em Da Divisão do Trabalho Social, Durkheim trando novas interpretações para o autor ou

10 Cf. Durkheim: De la division du travail social, p. 146.

56
mesmo elementos que permitam pensar o Estado com os indivíduos. Embora existam
próprio debate contemporâneo. divergências profundas entre os autores situ-
Para tornar mais claro o argumento ados no primeiro grupo, é possível destacar,
apresentado até aqui, apresento abaixo um como ponto comum, a defesa da tese de que
quadro comparativo que sintetiza o modo os valores e o próprio modo de vida de uma
como os diversos autores se posicionam em comunidade – seja ela uma comunidade ét-
relação à existência ou não de uma teoria nica, religiosa, profissional etc. – devem ser
política na obra durkheimiana. Com isso, garantidos pelo Estado e devem prevalecer
podemos perceber o quão diversos são os sobre os valores de natureza abstrata e uni-
diagnósticos e mesmo as interpretações que versal. Em outros termos, trata-se de promo-
dizem respeito àquilo que caracterizaria essa ver a “pessoa” enquanto entidade concreta,
dimensão política. vinculada a um grupo específico, em detri-
mento do “indivíduo”, que não seria mais
'XUNKHLPVREDSHUVSHFWLYDGDVWHRULDV do que uma construção filosófica vazia. Para
VRFLDLVFRQWHPSRUkQHDV os liberais, ao contrário, o ator central é o
indivíduo, entendido como ser dotado por
O debate da teoria política contempo- natureza desses direitos fundamentais de li-
rânea, especialmente em sua vertente nor- berdade e igualdade, de modo que a função
mativa, tem em um de seus extremos os essencial do Estado seria a de garantir a uni-
autores partidários do “comunitarismo”, e, versalidade e a efetividade desses direitos.
no extremo oposto, aqueles que defendem Como consequência dessas divergên-
a manutenção do liberalismo político como cias fundamentais implicadas na concepção
a melhor forma de estruturar a relação do quanto à função do Estado e sobre qual é

Quadro Comparativo de Autores sobre obra de Durkheim


Autor Data Apreciação Aspecto considerado/Classificação
Andler 1896 Negativa Modelo político/Democrata
Parodi 1909 Negativa Contribuiu para a “política do fato”/Tradicionalista
Barnes 1920 Positiva Equação Estado/Associações profissionais
Mitchel 1931 Negativa Precursor do nacionalismo integralista
Ranulf 1939 Negativa Proto fascista
Hayes 1941 Negativa Nacionalista totalitário
Mendieta 1959 Positiva Conceito complexo de democracia
Richter 1960 Positiva/Negativa Aspectos normativos/Liberal/Pluralista
Lukes 1969 Positiva Fundamentação sociológica para o individualismo
Giddens 1971/1986 Positiva Individualismo moral/Republicanismo liberal
Birnbaum 1976 Negativa Composição do Estado/Apolitismo
Hawkins 1981 Negativa Não há “teoria política” ou “teoria do Estado”
Lacroix 1981 Positiva Poder/Concepção ampliada de política
Cladis 1992 Positiva Defesa comunitarista do liberalismo
Llobera 1994 Positiva Contribuições teóricas para estudo do nacionalismo
Boudon 2006 Positiva Democracia senso comum/Antirrelativismo

57
o “bem” que deve ser perseguido na esfera de supostamente irredutível das teses univer-
política, surgem pontos de vista bastante salidade/indivíduo versus cultura/sociedade.
diversos a respeito do modelo eleitoral a ser
adotado, do direcionamento das políticas A proposição de uma concepção sociológica de
públicas, da força e da amplitude do Esta- Estado
do, da participação da sociedade civil, dos
tipos de segmentação que estruturam uma De forma geral, toda a concepção pro-
sociedade e, especialmente, quem deve ser priamente política presente na obra de
responsável pelas decisões políticas. Também Durkheim está estruturada sobre sua de-
é fato que há tentativas de traçar caminhos finição de Estado, desenvolvida no âmbito
“alternativos” ou “intermediários”, cujo de sua teoria geral da sociedade como orga-
exemplo paradigmático é a teoria de Jürgen nização dotada de uma “consciência moral
Habermas, que procura conciliar a possibi- coletiva”. Portanto, é somente quando nos
lidade da expressão das demandas culturais detemos sobre essa definição de Estado, e
elaboradas nos processos de deliberação com compreendemos sua posição em relação à
as garantias democrático-liberais implicadas organização política como um todo, que se
em um Estado de Direito. torna possível apreender o significado real de
Enfim, trata-se de um debate que, a des- qualquer uma de suas afirmações atinentes à
peito de suas raízes mais antigas, delineou- dimensão política.
-se com maior precisão nas últimas duas ou A teoria de Durkheim sobre o Estado
três décadas, e que vem mobilizando autores encontra sua formulação mais explícita e sis-
em torno dessas questões, com a finalidade temática nas aulas preparadas pelo autor para
de refletir sobre qual a melhor equação para o curso Física dos Costumes e do Direito11,
estabelecer a relação entre Estado, sociedade em que tal definição aparece em conexão
civil, com seus inúmeros segmentos, e indi- direta com sua concepção de sociedade. De
víduo. Tendo essas questões sob foco, meu maneira geral, a sociedade é definida como
objetivo consiste em trazer para discussão uma organização dotada de uma consciên-
alguns elementos da teoria política de Émile cia coletiva que paira acima dos indivíduos
Durkheim e defender o argumento de que, e se impõe a eles, promovendo certa unida-
já em fins do século XIX e início do século de moral. Entre as sociedades consideradas
XX, esse autor levantou questões que hoje se “políticas” pelo autor, isto é, que possuem
tornaram centrais, bem como procurou deli- determinada extensão territorial e em que
near uma solução alternativa para a dualida- existe uma oposição entre governantes e go-

11 O curso Physique des Mouers et du Droit foi concebido por Durkheim quando ainda era docente na Universidade
de Bordeaux e foi ministrado entre 1890 e 1900 e retomado na Sorbonne em 1904 e 1912. Essas lições consistiam
na exposição dos estudos empíricos do autor sobre a realidade moral, em três esferas distintas: a moral doméstica,
a moral profissional e a moral cívica. Atualmente, os escritos sobre a moral cívica são considerados a mais im-
portante fonte sobre a teoria política de Durkheim. As dezoito lições sobre a moral profissional e a moral cívica
foram publicadas em forma de livro no ano de 1950, com o título de Leçons de sociologie, na faculdade de Direito
de Istambul, organizadas pelo professor Hüseyin Kubali. Essas lições lhe foram confiadas por Marcel Mauss, que
tinha a intenção de publicá-las na Revue de Métaphysique et Morale, mas que não pôde fazê-lo por motivos de
saúde. Para mais detalhes sobre o processo envolvido na pesquisa e na publicação dos manuscritos, ver o prefácio
ao livro Lições de sociologia, redigido pelo professor Kubali (Durkheim, 2002).

58
vernados, o Estado aparece como um órgão etc., de modo a adequar as representações à
de vital importância, justamente por ser o forma da organização social vigente, porque,
responsável por elaborar de maneira mais segundo Durkheim, não é raro constatar ca-
consciente as representações que estão pre- sos em que as representações coletivas difusas
sentes na sociedade de maneira difusa. estão em desacordo com a nova organização
Portanto, na teoria durkheimiana, o Es- social constituída. Enfim, dadas essas caracte-
tado é parte da sociedade, mas não se con- rísticas, o autor chegou à seguinte definição:
funde com ela, isto é, possui uma existência
própria. Ele faz parte da sociedade na me- Eis o que define o Estado. É um grupo de fun-
cionários sui generis, no seio do qual se elaboram
dida em que a sua feição própria depende representações e volições que envolvem a coleti-
das condições gerais da organização social vidade, embora não sejam obra da coletividade.
em geral e também porque a matéria sobre [...] O Estado é um órgão especial encarregado
a qual reflete provém da sociedade, uma vez de elaborar certas representações que valem para
a coletividade. Essas representações distinguem-se
que as representações sociais o envolvem de das outras representações coletivas por seu maior
todos os lados, penetram nele de forma con- grau de consciência e reflexão (Durkheim, 2002,
tínua. Por outro lado, ele não se confunde p. 71).
com a sociedade em geral porque é um tipo
de vida coletiva com características muito Portanto, o autor define o Estado como
particulares, afinal, “quando o Estado pensa a instância responsável por “dirigir” a so-
e decide, não se deve dizer que é a sociedade ciedade e fazer com que esta tenha maior
que pensa e decide por ele, mas que ele pensa consciência de si mesma, uma vez que sua
e decide pela sociedade. Ele não é um sim- atribuição central é a de pensar, de refletir,
ples instrumento de canalizações e concen- não tanto para elaborar um sistema de dou-
trações” (Durkheim, 2002, p. 69-70). trinas, como no caso da ciência e da filosofia,
O que diferencia o Estado em relação mas para conduzir a ação, a conduta coleti-
ao conjunto da sociedade é precisamente o va. Mas, afinal, qual a finalidade desse pen-
fato de que as representações elaboradas em samento, ou, nos termos de Durkheim (p.
seu seio pelos agentes que dele fazem parte 72), “que fim persegue normalmente e, por
são dotadas de alto grau de reflexividade e de conseguinte, que deve perseguir o Estado nas
precisão, enquanto as representações sociais condições sociais em que nos encontramos
são sempre inconscientes e difusas. Essa ca- atualmente?”. É precisamente na tentativa
racterística se deve ao fato de que todas as re- de responder a essa questão acerca da “fun-
presentações elaboradas no âmbito do Estado ção” do Estado nas sociedades modernas que
– leis a serem seguidas pela sociedade em ge- podemos encontrar os elementos mais preci-
ral – resultam de um processo de deliberação, sos de sua teoria política, a partir dos quais
porque, antes que qualquer lei seja estabele- se pode definir uma equação original para a
cida, é preciso que seja apresentada alguma relação entre Estado, sociedade e indivíduo.
justificativa para sua importância e que seja
travada uma discussão sobre os seus efeitos. A finalidade do Estado nas sociedades
Em geral, essas representações possuem es- modernas e sua relação com os indivíduos e os
treita conexão com as representações sociais grupos secundários
gerais, mas também é possível que o Estado
interfira nessas representações, por meio de O enfrentamento da questão relativa à
políticas educacionais, culturais, econômicas finalidade do Estado deveria passar, segundo

59
Durkheim, por uma análise crítica das prin- nas sociedades modernas deveria solucionar
cipais doutrinas que pensaram acerca desse essa aparente contradição entre o incremen-
mesmo problema. A primeira delas é de- to constante de suas funções, o que contra-
signada “individualista” e abrange todos os ria a tese individualista dos partidários do
autores que consideram o indivíduo como o direito natural, e a progressiva valorização
único elemento real da sociedade e que de- do indivíduo, o que põe em xeque as teo-
fendem que este seja portador de uma série rias “místicas” do Estado. Para superar essa
de direitos que lhe são dados por natureza. antinomia, Durkheim lança mão do postu-
Para esses autores, o Estado desempenharia lado fundamental de sua teoria sociológica,
apenas o papel de guardião desses direitos, segundo o qual tudo o que o homem é lhe
garantindo sua validade. Esse seria o caso dos foi concedido pela sociedade e tudo o que a
utilitaristas (Bentham, Mill e Spencer), de sociedade é resulta de um longo processo de
Rousseau e de Kant, aproximados exatamen- interação e de construção moral, relativo às
te enquanto teóricos do direito natural12. necessidades impostas pelas diversas formas
Em relação a essa perspectiva, o autor afirma de organização que se sucederam no decorrer
que padeceria de um sério problema, qual da história. No caso do problema em ques-
seja, sua incapacidade para explicar o fato tão, a solução passa precisamente pela recusa
de que o Estado vinha, progressivamente, da ideia do indivíduo como algo natural.
aumentando o leque de suas funções, o que
colocaria uma sombra sobre a certeza de que O único meio de eliminar a dificuldade é negar
o postulado segundo o qual os direitos do indiví-
este teria somente uma função negativa, de duo são dados com o indivíduo, é admitir que a
impedir a violação dos direitos do indivíduo. instituição desses direitos é obra do próprio Esta-
Do outro lado, o autor aponta a teoria do. Então, tudo se explica. Compreende-se que as
a que chama de “mística”, cujo principal re- funções do Estado se ampliam sem que por isso
resulte uma diminuição do indivíduo, ou que o
presentante seria Hegel. O traço característi- indivíduo se desenvolve sem que por isso o Estado
co desta vertente seria a tese predominante recue, uma vez que o indivíduo seria, em certos
de que o Estado teria como função perseguir aspectos, o próprio produto do Estado, pois a ati-
fins superiores aos indivíduos, chegando mes- vidade do Estado seria essencialmente libertadora
do indivíduo. Ora, o que se depreende dos fatos é
mo a exigir sacrifícios em nome da realização que a história autoriza efetivamente a admitir essa
desses fins. Durkheim também formula uma relação de causa e efeito entre o avanço do indivi-
objeção factual para essa teoria: a progressiva dualismo moral e o avanço do Estado (Durkheim,
valorização da pessoa nas diversas sociedades 2002, p. 80).
e a correlação existente entre a força do Esta-
do e a maior liberdade individual. Contudo, mesmo estabelecida essa cor-
Desse modo, uma resposta satisfatória relação entre aumento das funções do Estado
para a questão acerca da função do Estado e ampliação dos direitos individuais, cumpre

12 É interessante notar que em seus outros escritos, especialmente sobre a moral, Durkheim costuma salientar a
oposição entre os utilitaristas e Kant, enquanto aqui eles são aproximados por compartilharem certa concepção
sobre o indivíduo e de sua relação com o Estado. Especialmente no caso de Kant, essa classificação apresentada
por Durkheim é passível de questionamento, uma vez que ainda hoje os intérpretes de Kant dividem-se entre
considerá-lo um “liberal” ou um “republicano”, o que ocorre justamente porque há textos de Kant que dão mar-
gem a essas diferentes classificações.

60
ainda indagar sobre os motivos que teriam por ser uma realidade moral, que o indiví-
levado Durkheim a sustentar a promoção da duo14 poderia ser a finalidade do Estado,
pessoa como a finalidade última dos Estados afinal, esse passara a ser o maior valor com-
modernos. A defesa de uma finalidade tão ge- partilhado pela sociedade15.
nérica e abstrata não estaria em contradição Na verdade, seu argumento não é o de
com a sua tese de que o Estado deveria estar que o indivíduo “poderia” ser a finalidade
em sintonia com as representações coletivas do Estado moderno; ele “deveria” ser essa
de sua própria sociedade e que estas variam finalidade, afinal, foi erigido ao estatuto de
enormemente de uma sociedade para outra? objeto sagrado em torno do qual a sociedade
Como seria possível fundamentar sociologi- estava organizada16. Dessa forma, contribuir
camente o indivíduo como valor maior de para o maior desenvolvimento da pessoa se-
um grande conjunto de sociedades, conside- ria condição necessária para a manutenção
radas “modernas”? A resposta a essas pergun- da sociedade francesa e de todas as demais
tas pode ser encontrada com suficiente clare- sociedades que comungavam dos ideais li-
za em um artigo redigido pelo autor no ano berais, afinal, “o individualismo [...] é, a
de 1898, com a intenção de tomar partido partir de agora, o único sistema de crenças
no inflamado debate sobre o Caso Dreyfus. que pode garantir a unidade moral do país”
Nesse artigo, o autor discorre longa- (Durkheim, 1970, p. 243).
mente sobre o fato de que o individualismo Assim, temos uma primeira formulação
já havia se tornado a moral predominante na da relação entre Estado, sociedade e indiví-
França daquele período13 e, por isso mesmo, duo na teoria, que pode ser resumida da se-

13 Sobre os ideais que foram se constituindo na França durante o século XIX e que estiveram na base do modelo
republicano adotado naquele país, ver especialmente Mayeur (1975) e Nicolet (1982).
14 É preciso deixar claro que o indivíduo a que Durkheim se refere não é o ser egoísta motivado pelo autointeresse,
tal como concebido pelos economistas clássicos e utilitaristas, mas como a criação social que deve encarnar os
atributos daquilo que é considerado verdadeiramente humano, como aquilo que representa o homem em geral, a
própria humanidade como obra coletiva. No seguinte trecho, o autor deixa isso bastante claro, ao mesmo tempo
que busca uma explicação para essa sacralidade atribuída ao indivíduo: “Sem dúvida que, se a dignidade do indi-
víduo advém das suas características individuais e das particularidades que o distinguem do próximo, poderíamos
temer que ela o fechasse em uma espécie de egoísmo moral que impossibilitaria toda e qualquer solidariedade.
Mas ele a recebe na realidade de uma origem mais elevada e que é comum a todos os homens. Se ele tem direito
a esse respeito religioso é porque existe nele qualquer coisa da humanidade. É a humanidade que é respeitável e
sagrada; ora, ela não está totalmente inserida nele. Está espalhada em todos os seus semelhantes; ele não pode, por
conseguinte, tomá-la como objetivo do seu comportamento sem ser obrigado a sair de si próprio e estender-se nos
outros. O culto de que ele é ao mesmo tempo o objeto e o agente não se dirige ao ser particular que ele é e que
traz o seu nome, mas à pessoa humana, esteja onde estiver e seja qual for a forma que ela encarna. Impessoal e
anônimo, semelhante fim paira portanto muito acima de todas as consciências individuais e pode assim servir-lhe
de elo de ligação” (Durkheim, 1970, p. 240).
15 Segundo a constatação do autor, o que ocorreu é que a moral defendida pelos liberais do século XVIII havia se
convertido, em fins do século XIX, na moral de fato: “O liberalismo do século XVIII [...] não é unicamente uma
teoria de gabinete ou uma construção filosófica; ele passou aos fatos, penetrou nas nossas instituições e nos nossos
costumes, estão associados a toda a nossa vida e, se realmente nos fosse preciso desfazermo-nos dele, é toda nossa
organização moral que deveríamos desfazer ao mesmo tempo” (Durkheim, 1970, p. 239).
16 Cf. Bayet (1926), Baubérot (1990), Durkheim (1975a, 1975b, 1992 e 2001).

61
guinte maneira: o Estado é definido como a exercida sobre seus membros (Durkheim,
instância reflexiva de uma sociedade política 1999b); assim, a condição para que o indivi-
e tem como finalidade realizar os ideais pre- dualismo possa ser a moral vigente, é preciso
sentes em uma sociedade, na medida em que que a sociedade em questão seja suficiente-
torna mais precisas as representações que na mente extensa. Trata-se de uma condição ne-
sociedade encontram-se de maneira difusa. cessária, contudo não suficiente. Isso porque
Ao longo da história, o indivíduo, isso é, a em sociedades bastante amplas, observa-se a
pessoa, foi adquirindo importância cada vez presença dos grupos secundários (institui-
maior frente aos demais ideais coletivos, ten- ções religiosas, agrupamentos profissionais,
do como ponto de inflexão a filosofia libe- clubes etc.), aos quais o indivíduo encontra-
ral do século XVIII, que erigiu o indivíduo -se vinculado de maneira mais efetiva. Con-
à posição de uma deidade. No século XIX, cebidos por Durkheim como esferas absolu-
esses ideais se tornaram a moral vigente e tamente necessárias ao funcionamento das
passaram a estruturar a própria organização grandes sociedades, esses grupos secundários
social, de modo que a finalidade última do também podem representar uma ameaça ao
Estado moderno deveria ser a progressiva indivíduo, se puderem gozar de autonomia
efetivação dos direitos do indivíduo. Contu- suficiente para impor seus valores e para
do, se foi a sociedade mesma que tornou o controlar o indivíduo, como se a sociedade
indivíduo algo sagrado, permanece em aber- nada mais fosse do que um agrupamento de
to qual a verdadeira importância do Estado, pequenas comunidades.
isso é, ao que parece, bastaria que a sociedade Portanto, para que o indivíduo possa
o concebesse dessa maneira para que cada ser existir, é preciso um poder que se imponha
humano fosse respeitado como indivíduo. aos grupos secundários, que opere como um
Porém, segundo Durkheim, da mesma contrapeso, que represente os interesses da
maneira que a sociedade confere outro sig- coletividade total, que se confunde com os
nificado à existência humana, fazendo com interesses dos indivíduos. É aqui que o Esta-
que transcenda o estágio da simples anima- do novamente entra em cena, fazendo valer
lidade, mesmo que lhe confira o sentimento a sua autoridade mediante aplicação de leis
de fazer parte de algo maior, isso é, como um que garantam a manutenção dos direitos
indivíduo que contém em si uma parte dos fundamentais do indivíduo, e o principal
bens acumulados pela humanidade ao longo deles é a liberdade de reflexão. Um exemplo
dos tempos, ela também, por ser uma po- bastante simples é a relação do Estado fran-
tência moral superior, acaba por coagi-lo, cês com as diversas religiões presentes em seu
impedindo que exerça sua liberdade. Trata- território: o Estado pode permitir o culto, na
-se de uma coação natural, que, em geral, o medida em que serve para manter certa iden-
indivíduo sequer percebe, uma vez que não tidade própria a seus membros; contudo,
se trata de uma coação despótica. Portanto, não permite que em locais públicos qualquer
para que o indivíduo possa realmente existir, religião ofereça resistência ao racionalismo,
é preciso que a sociedade lhe ofereça certa uma vez que o conhecimento racional do
margem de ação, isso é, que não se imponha mundo é considerado um elemento neces-
a ele com tanta força. sário ao indivíduo, enquanto ser que deve
De acordo com a tese do autor bastante ser capacitado para a reflexão. Eis o motivo
difundida em Da Divisão do Trabalho Social, para o Estado instituir a educação laica nas
quanto menor a sociedade, maior a coerção escolas públicas. É precisamente por isso que

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Durkheim (2002, p. 87) afirma que “a fun- verdadeiro nos argumentos comunitaristas,
ção essencial do Estado é libertar as persona- já que compartilha do argumento de que o
lidades individuais”. homem é, antes de tudo, uma entidade con-
Por outro lado, há também o risco de creta produzida culturalmente, que deve ter
que o próprio Estado se torne tirânico, exer- seus próprios valores respeitados, uma vez
cendo uma opressão ainda maior sobre os que esses valores são parte dele. Contudo,
indivíduos, uma vez que os próprios gover- considera que nas sociedades modernas, ins-
nantes podem, por meio de leis e decretos, piradas pelos ideais liberais, o indivíduo en-
impor a seus membros ações que lhes sejam quanto ser dotado de atributos gerais é tam-
estranhas, que nada tenham a ver com o es- bém um valor elaborado culturalmente; não
tado geral da sociedade, com os valores ge- só, passou a ser o valor mais sagrado, o único
rais da coletividade. Se o Estado fosse a única capaz de conferir unidade moral às grandes
força existente, esse despotismo seria quase sociedades. Sem o culto ao indivíduo, as so-
inevitável, pois “o Estado, em nossas gran- ciedades como tal perderiam o sentido, e o
des sociedades, está tão longe dos interesses Estado, como órgão ligado à sociedade em
particulares que não pode levar em conta as geral, como sua instância reflexiva, perderia
condições especiais, locais etc. em que elas sua função.
se encontram. Portanto, quando tenta regu- Desse modo, as coisas funcionariam
lamentá-las, só consegue violentando-as e como se cada grupo secundário fosse uma
desnaturando-as” (Durkheim, 2002, p. 88). sociedade autônoma, isto é, uma pequena
Isso pode ocorrer desde que não exista comunidade como as sociedades mais an-
nenhuma outra força que lhe oponha certa tigas. Com uma grande diferença: se as co-
resistência ou que intermedeie os interesses munidades eram autossuficientes, o mesmo
dos indivíduos e do Estado. Eis a importan- não ocorre com essas pequenas sociedades
te tarefa dos grupos secundários. Portanto, o organizadas dentro da sociedade mais ampla,
indivíduo é produto da sociedade, e sua exis- uma vez que a intensificação da divisão do
tência só se torna real mediante a atuação do trabalho social tornou necessária a interde-
Estado; mas é somente com um equilíbrio de pendência entre os grupos, não importando
forças entre os grupos secundários e o Estado o grau de divergência existente. Portanto, o
que o indivíduo pode existir de fato, afinal, Estado não pode abrir mão de sua função de
“é desse conflito de forças sociais que nascem manter o culto ao indivíduo e de tornar pos-
as liberdades individuais” (idem, ibidem). sível sua existência, de modo que deve pene-
trar em todos os grupos secundários. Atender
&RQVLGHUDo}HVVREUHDWHRULD às demandas dos grupos particulares em de-
SROtWLFDGH'XUNKHLPjOX]GRGHEDWH trimento do que é considerado interesse geral
FRQWHPSRUkQHR da sociedade, de seu único ideal comum, seria
condenar toda a organização social vigente ao
Vejamos agora como a teoria durkhei- fracasso e, portanto, ao caos. Quanto a isso,
miana sobre a relação entre Estado, socieda- é bastante notável o fato de que Durkheim,
de e indivíduo pode ser analisada à luz dos tendo nascido em uma família judaica e ten-
problemas contemporâneos, tendo em vista do sido educado para ser rabino, jamais se
as questões apontadas no debate entre co- identificou publicamente como judeu, tendo
munitaristas e liberais. De certa maneira, é sempre se considerado um cidadão francês,
possível afirmar que Durkheim veria algo de um membro da república.

63
Com relação aos liberais, também é pos- jam deduzidos de uma concepção geral da
sível identificar alguns pontos de contato, natureza humana; é preciso que sejam con-
especialmente no que se refere ao argumen- tinuamente reforçados e ampliados, motivo
to de que o culto à pessoa, à liberdade indi- pelo qual a função do Estado é ilimitada.
vidual, são os mais conformes à razão. Para
Os direitos individuais estão, portanto, em evolu-
Durkheim, a justificativa para isso é que uma ção; progridem incessantemente, e não é possível
vez demovidas todas as crenças místicas, a designar-lhes um termo que não devem ultrapas-
única coisa que nos resta é a crença no indi- sar [...]. A tarefa que cabe assim ao Estado é ilimi-
víduo, como símbolo da coletividade maior, tada. Não se trata simplesmente, para ele, de rea-
lizar um ideal definido, que mais dias menos dia
a sociedade humana. Portanto, considera que deverá ser atingido definitivamente. Mas o campo
colocar o indivíduo no lugar de Deus é uma aberto à sua atividade moral é infinito (Durkheim,
substituição não apenas justa, como também 2002, p. 95-96).
necessária. No entanto, se considera o culto ao
indivíduo como algo necessário às sociedades Outro ponto de especial divergência em
modernas, discorda que isso seja um dado da relação aos liberais é a importância concedi-
natureza, isto é, não concorda que a tarefa do da aos grupos secundários, leia-se, da socie-
Estado seja tão somente a de preservar os di- dade civil organizada. Para Durkheim, esses
reitos dados por natureza a cada ser humano. grupos são de vital importância, por duas
Portanto, em sociedades com outros valores e razões essenciais. A primeira delas é que es-
outras formas de organização, o indivíduo não ses grupos são mais diretamente responsáveis
existe, e nem é dado aos Estados que creem pela educação do indivíduo, por forjar sua
no indivíduo impor seus valores à força. Isso identidade, porque a ideia da “pessoa huma-
porque, em um caso como no outro, trata-se na” é algo muito geral para abarcar todas as
sempre de respeitar os ideais presentes nas re- representações necessárias à ação. A segunda
presentações coletivas de cada sociedade. razão, como vimos, é o papel que desempe-
Ainda no que se refere ao papel do Esta- nham como contrapeso à força do Estado e
do, ao contrário dos liberais, afirma que este como mediadores dos interesses mais especí-
deve ter funções cada vez mais amplas, uma ficos dos indivíduos que representam. Por-
vez que ele não é apenas o responsável por tanto, a simples existência do Estado seria
criar o indivíduo, mas também por criar o insuficiente à existência das sociedades e do
meio no qual ele pode viver. Por isso, quanto próprio indivíduo.
mais se preza a pessoa, mais o Estado deve Enfim, não é possível enquadrar a teoria
zelar pela liberdade e pelo bem-estar espiri- de Durkheim em nenhum dos polos do de-
tual e material de seus cidadãos. E, uma vez bate contemporâneo, mas é bastante notável
que os direitos do indivíduo não são dados que seus argumentos ajudam a pensar essas
em sua constituição, não é possível que se- mesmas questões a partir de um novo ângulo.

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Artigo recebido em 02/11/2011


Aprovado em 21/08/2012

5HVXPR

Perspectivas sobre a política na teoria de Émile Durkheim

O presente artigo tem como tema geral a dimensão política constitutiva da obra de Émile Durkheim. De modo
mais específico, a discussão se desenvolve em três frentes distintas e complementares. A primeira dessas frentes, que
consiste em apresentar os resultados produzidos a partir de uma revisão da literatura que reflete sobre a existência
de uma teoria política na obra durkheimiana, com o intuito de mostrar quão divergente são essas interpretações,
o que indica que esse ainda permanece um campo aberto a novas investigações. A segunda frente diz respeito à
reconstrução dos principais elementos que podem ser entendidos como o núcleo da teoria política durkheimiana,
centrada sobre uma concepção peculiar sobre o papel do Estado e sua relação com o indivíduo e com os grupos
intermediários. Finalmente, a terceira e mais modesta frente diz respeito a um exercício de reflexão sobre como o
pensamento político desse autor poderia ser enquadrado em relação ao cenário da teoria política contemporânea,
inclusive apontando quais perspectivas originais poderiam resultar do trabalho de reconstrução atualizadora de seus
escritos sobre o tema.

Palavras-Chave: Émile Durkheim; Teoria política; Indivíduo; Estado; Sociedade civil.

$EVWUDFW

Perspectives about politics in Émile Durkheim’s theory

This paper has as its general theme the political dimension in Émile Durkheim’s work. More specifically, the discussion
here developed follows three different but complementary paths. The first of them consists in the presentation of the
outcomes of an analytical review of the literature concerned with the issue of the existence – or not – of an implicit
political theory in Durkheim’s work. In this sense, it intends to show how divergent are the interpretations, so as to
suggest that the field remains open to new investigations. The second path relates to the reconstruction of the main
elements of what can be understood as the nucleus of the Durkheimian political theory, which is centered on the role
of the state and its relation to the individual and the intermediary groups. Finally, the third and certainly more mod-
est path concerns an exercise of reflection on how Durkheim’s political thought could be framed within the general

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scenario of contemporary political theory, pointing to the original perspectives that could result from a reconstruction/
actualization of his writings on politics.

Keywords: Émile Durkheim; Political theory; Individual; State; Civil society.

5pVXPp

Perspectives sur la politique dans la théorie d’Émile Durkheim

Cet article a pour sujet principal la dimension politique constitutive de l’œuvre d’Émile Durkheim. De façon plus
spécifique, la discussion présentée avance sur trois fronts distincts et complémentaires. Le premier consiste à présenter
les résultats produits à partir d’une révision de la littérature qui propose une réflexion sur l’existence d’une théorie
politique dans l’œuvre de Durkheim. Son but est de démontrer la divergence de ces interprétations, ce qui indique que
Durkheim représente encore un domaine ouvert à des nouvelles recherches. Le second se rapporte à la reconstruction
des principaux éléments qui peuvent être compris comme le noyau de la théorie politique de Durkheim, centré sur une
conception particulière du rôle de l’État et sa relation avec l’individu et les groupes intermédiaires. Finalement, le troi-
sième (et aussi le plus modeste des fronts) se rapporte à un exercice de réflexion sur la façon par laquelle la pensée poli-
tique de cet auteur pourrai s’encadrer par rapport au scénario de la théorie politique contemporaine, tout en indiquant
quelles perspectives originales pourraient résulter de ce travail de reconstruction actualisatrice de ses écrits sur le sujet.

Mots-clés : Émile Durkheim; Théorie politique; Individu; État; Société civile.

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