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ARTIGO DE REVISÃO

Saúde mental na atenção básica:


prática da equipe de saúde da família

MENTAL HEALTH IN PRIMARY HEALTH CARE: PRACTICES OF THE FAMILY


HEALTH TEAM

SALUD MENTAL EN ATENCIÓN BÁSICA: PRÁCTICA DEL EQUIPO DE SALUD


DE LA FAMILIA
Valmir Rycheta Correia1, Sônia Barros2, Luciana de Almeida Colvero3

RESUMO ABSTRACT RESUMEN


A inclusão das ações de saúde mental no The inclusion of mental health care actions La inclusión de acciones de salud mental
contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) in the context of the Brazilian Public Health en el contexto del Sistema Único de Salud-
contribuiu para a consolidação da Reforma System (SUS; Sistema Único de Saúde) con- SUS contribuyó a la consolidación de la
Psiquiátrica Brasileira bem como demanda a tributes to the consolidation of the Brazil- Reforma Psiquiátrica Brasileña, así como a
reorientação da prática das equipes de saúde ian Psychiatric reform and demands redi- demanda y reorientación de la práctica de
da família junto aos usuários com necessida- recting the practices of family health teams los equipos de salud de la familia junto a
des do campo da saúde mental. Este estudo with users with mental health needs. The los pacientes del área de salud mental. Este
tem por objetivo identificar e analisar na objective of this study is to identify and an- estudio objetivó identificar y analizar en la
produção científica as ações realizadas pelos alyze the scientific production and actions producción científica las acciones realiza-
profissionais da equipe de saúde da família developed by family health team profes- das por profesionales del equipo de salud
na atenção à saúde mental. Mediante análise sionals in mental health care. Systematic de la familia en atención de salud mental.
sistemática emergiram os seguintes temas: analysis originated the following themes: Mediante análisis sistemático emergieron
visita domiciliar ao doente mental e seus home visits to mentally ill patients and los siguientes temas: visita domiciliaria al
familiares; vínculo e acolhimento; encami- their relatives; attachment and welcom- enfermo mental y familiares; vinculo y con-
nhamento; oficinas terapêuticas. Concluiu-se ing; referrals; therapeutic workshops. In sideración; derivación; talleres terapéuti-
que as ações de saúde mental desenvolvidas conclusion, the mental health actions de- cos. Se concluye que las acciones de salud
na atenção básica não apresentam uniformi- veloped in primary care are not performed mental desarrolladas en atención primaria
dade em sua execução e ficam na dependên- consistently and depend on the profes- no presentan uniformidad de ejecución y
cia do profissional ou da decisão política do sional or on the political decision of the ad- dependen del profesional o de la decisión
gestor indicando que os profissionais devem ministrator, which shows that professionals política del gestor, e indican que los pro-
apropriar-se de novas práticas para desenvol- should use new practices to develop com- fesionales deben informarse sobre nuevas
verem uma assitência integral e, portanto, há prehensive care, and, therefore, there is a prácticas para brindar atención integral,
necessidade de investimentos para qualifica- need to invest in improving the qualifica- por lo cual existe necesidad de inversión
ção dos profissionais. tion of the professionals. para calificación de profesionales.

DESCRITORES DESCRIPTORS DESCRIPTORES


Saúde da família Family health Salud de la familia
Saúde mental Mental health Salud mental
Atenção primária à saúde Primary health care Atención primaria de salud
Equipe de assistência ao paciente Patient care team Grupo de atención al paciente
Enfermagem psiquiátrica Psychiatric nursing Enfermería psiquiátrica

1
Professor Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá. Maringá, PR, Brasil. vrcorreia@uem.br 2 Professora Titular do
Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. sobarros@usp.br 3
Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo,
SP, Brasil. lucix@usp.br

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Saúde mental na atenção básica:
Português prática da equipe
/ Inglês Recebido: 15/03/2010 Rev Esc Enferm USP
de saúde da família www.scielo.br/reeusp Aprovado: 21/03/2011 2011; 45(6):1501-6
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INTRODUÇÃO mília na atenção à saúde mental. Desse modo, esperamos
que este trabalho possa fazer repensar a assistência em
Nas últimas décadas, no bojo da Reforma Psiquiátrica saúde mental na atenção básica e contribuir para a prática
em curso no país, temos acompanhado várias transforma- dos trabalhadores das equipes de saúde da família frente
ções no modelo de atenção em saúde mental, que priori- aos portadores de transtornos mentais e seus familiares.
zam ações voltadas para a inclusão social, cidadania e au-
tonomia das pessoas portadoras de transtornos mentais. MÉTODO
Entretanto, estas mudanças têm encontrado obstáculos
para superar o modelo biomédico e hospitalocêntrico no A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de ma-
campo da saúde mental. Neste contexto, identifica-se o terial já elaborado, constituído principalmente de artigos
protagonismo do movimento social de profissionais, usuá- científicos, documentos e livros. A principal vantagem da
rios e familiares que têm favorecido ao longo do processo pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao inves-
mudanças na legislação e a proposição de novos modelos tigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito
de atenção em saúde mental. mais ampla do que aquela que poderia pesquisar direta-
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço mente(2), possibilitando sintetizar e analizar criticamente o
estratégico para promover a desospitalização, aqui enten- que foi produzido na temática em estudo.
dida enquanto oferta de serviços territoriais, compatíveis Primeiramente, foi realizada revisão da literatura para
com os princípios da Reforma Psiquiátrica a definição do sistema conceitual da pesqui-
e com as diretrizes da Política Nacional de sa e a sua fundamentação teórica. A con-
Saúde Mental. Porém, os CAPS e a oferta Em diferentes sulta deste material já publicado visa iden-
de serviços na abordagem psicossocial não tificar o estágio em que se encontram os
são, ainda, suficientes para a cobertura da
regiões do país,
conhecimentos acerca do tema que se está
demanda de saúde mental nas diversas rea- experiências exitosas investigando.
lidades do país. vão demonstrando a
potência transformadora Nas sequência das etapas percorridas,
Nos últimos anos, o Ministério da Saúde, realizou-se a identificação nos Descritores
através das políticas de expansão, formula-
das práticas dos
em Ciências da Saúde (DeCS), criado pela
ção, formação e avaliação da Atenção Bási- trabalhadores da BIREME, onde são indexados artigos de re-
ca, vem estimulando ações que remetem a atenção básica, vistas científicas, relatórios técnicos, anais
dimensão subjetiva dos usuários e aos pro- mediante a inclusão de congressos e outros tipos de materiais da
blemas mais graves de saúde mental da po- da saúde mental na literatura científica. Como descritores, utili-
pulação neste nível de atenção. A Estratégia atenção básica por zamos os seguintes termos: saúde mental,
Saúde da Família (ESF), tomada enquanto meio do matriciamento, transtornos mentais, enfermagem psiquiá-
diretriz para reorganização da Atenção Bási- trica e psiquiatria comunitária e realizamos
ca no contexto do Sistema Único de Saúde –
como por exemplo, das
associações entre eles também com os des-
SUS, tornou-se fundamental para a atenção equipes de apoio ao ritores visita domiciliar, visitadores domici-
das pessoas portadoras de transtornos men- Programa Saúde da liares, atenção básica, programa saúde da
tais e seus familiares; com base no trabalho Família... família, saúde da família, enfermagem em
organizado segundo o modelo da atenção saúde comunitária, visitas a pacientes, fa-
básica e por meio ações comunitárias que mília e ainda usamos também as palavras
favorecem a inclusão social destas no território onde vi- mental e mentais.
vem e trabalham.
Para a seleção dos artigos, foram utilizadas as bases de
Em diferentes regiões do país, experiências exitosas dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciên-
vão demonstrando a potência transformadora das práti- cias da Saúde (LILACS) e a Base de Dados em Enfermagem
cas dos trabalhadores da atenção básica, mediante a in- (BDENF), que fazem parte da Biblioteca Virtual em Saúde
clusão da saúde mental na atenção básica por meio do (BVS); procurando ampliar o campo da pesquisa e minimi-
matriciamento, como por exemplo, das equipes de apoio zar interferências nessa etapa do estudo.
ao Programa Saúde da Família – NASF.(1) Entretanto, muito
ainda precisa ser implementado para avançarmos na pers- O levantamento realizado nas bases selecionadas teve
pectiva da construção da rede de atenção em saúde men- por critério de busca: os artigos científicos, nacionais, pu-
tal mediante a articulação de serviços que devem operar blicados em um recorte temporal de cinco anos, entre 2005
na lógica territorialização, corresponsabilização e da inte- a 2009. Dessa busca, identificou-se 131 resumos de artigos
gralidade das práticas em saúde mental. que no seu conteúdo abordavam sobre o tema: a atenção
à saúde mental de pessoas com sofrimento psíquico e seus
Diante deste quadro, o presente estudo tem por obje- familiares assistidas pelos profissionais da equipe de saúde
tivo identificar e analisar na produção científica as ações da família. Após leitura destes selecionamos 17 artigos que
realizadas pelos profissionais da equipe de saúde da fa- atendiam os critérios definidos. Destes, 12 artigos foram re-

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latos de pesquisas realizadas com um ou mais membros da ou oferecer suporte necessário(4) para intervir em situa-
equipe do PSF, dois relatos de experiência, duas reflexões ções de crise.
teoricas e uma revisão da literatura.
A cronicidade dos conflitos gera modificações no seio
Na pesquisa bibliográfica, através da leitura dos arti- da família, decorrente da sobrecarga familiar. Antes do
gos selecionados podemos identificar as informações e os aparecimento da doença, a pessoa contribuía com as ati-
dados constantes dos materiais; estabelecer relações en- vidades financeiras, domésticas e nas responsabilidades
tre essas informações de dados e o problema proposto e e, após a primeira crise, estas atividades que antes eram
analisar a consistência das informações e dados apresen- compartilhadas deixam de ser e os familiares ainda preci-
tados pelos autores. Deve seguir a seguinte ordem: leitu- sam arcar com a responsabilidade de ajudar a pessoa do-
ra explanatória, leitura seletiva, leitura analítica e leitura ente em seu tratamento(5).
interpretativa(2).
A visita domiciliar é definida como um instrumento de
Após leitura dos textos emergiram quatro temas cen- realização da assistência domiciliar, sendo constituído pe-
trais que chamamos de Categorias(3). Os temas emergen- lo conjunto de ações sistematizadas para viabilizar o cui-
tes e convergentes que determinaram a reflexão sobre as dado a pessoas com algum nível de alteração no estado
ações desenvolvidas pelas equipes do PSF foram: visita de saúde (dependência física ou emocional) ou para reali-
domiciliar ao doente mental e seus familiares; vínculo e zar atividades vinculadas aos programas de saúde(6).
acolhimento; encaminhamento e oficinas terapêutica.
À equipe de saúde da família cabe reconhecer que o
Os temas que surgiram foram discutidos e analisados núcleo familiar também precisa de apoio por parte do ser-
com base nos artigos selecionados e conexões com outras viço e que a família tem o papel fundamental para o bom
referências da literatura. desenvolvimento do cuidado ao usuário.
Em um artigo selecionado, os autores observaram ini-
RESULTADOS E DISCUSSÃO ciativas importantes no sentido de se dificultar a interna-
ção psiquiátrica através do acompanhamento dos egres-
Nessa etapa da pesquisa, de posse das categorias, rea- sos, orientações aos familiares e esforços para evitar a
lizamos a análise e a interpretação das informações e da- medicalização do sofrimento psíquico(7).
dos apresentados pelos autores.
Um especialista(4), ao estudar os modelos de reabi-
A categoria visita domiciliária ao doente mental e seus litação psicossocial, observou que pesquisadores que
familiares se destaca, ainda que em vários artigos muitos utilizam a terapia familiar comportamentalista afirmam
profissionais das equipes do ESF referissem não atenderem que este tipo de terapia não previne as recaídas, mas sim
ou desconhecerem a existência de doentes mentais em sua obtém uma prorrogação, e que assim a intervenção deve
área de abrangência. Assim, dentre as ações realizadas pe- prolongar-se por tempo não previsível.
los trabalhadores, a visita domiciliária se destacou entre as
mais realizadas por gerar discussões e questionamentos na Portanto, as ações de saúde mental na saúde da fa-
equipe sobre qual seria a melhor forma de trabalhar, abor- mília devem fundamentar-se nos princípios do SUS e da
dar e cuidar destas pessoas e suas famílias. Reforma Psiquiátrica. O princípio da Reforma Psiquiátrica
é a desinstitucionalização e pressupõe a manutenção do
Durante as visitas domiciliares, os autores referem que doente mental em seu território, ou seja, no seu cotidia-
os profissionais realizam atividades de acompanhamento no, evitando a internação e, se esta for necessária, que
no uso adequado da medicação do doente, aquisição de seja de curta duração e preferencialmente em emergência
receitas de psicotrópicos, esclarecem dúvidas dos familia- psiquiátrica, possibilitando assim a preservação dos seus
res sobre a doença mental e orientações para o manejo de vínculos com seus familiares e suas redes sociais.
comportamentos do familiar com sofrimento mental, com
o objetivo de melhorar o convívio entre os familiares, incluir Os novos conhecimentos adquiridos pelo PSF pro-
a família no tratamento e, sobretudo, estreitar o vínculo. põem ações de saúde mental na atenção básica, que
determinam modificações no paradigma da assistência
A visita domiciliar, sobretudo, possibilita conhecer a psiquiátrica, determinando a desconstrução do histórico
realidade do portador de transtorno mental e sua família, distanciamento entre as práticas psiquiátricas excluden-
favorecendo a compreensão dos aspectos psico-afetivo- tes e a atenção primária à saúde(8), que podem acontecer
-sociais e biológicos, promovendo vínculos entre usuários, através da internação do doente mental em seu domicilio.
familiares e trabalhadores.
Um estudo(9) sobre a assistência domiciliar relata que
A construção do vínculo necessário para o manejo em documentos do PSF a internação domiciliar é referida
das situações demandadas no domicílio decorrentes de como uma prática incentivada pelo programa. Porém, es-
conflitos do familiar com o doente, muitas vezes com a ta não substitui a internação hospitalar tradicional, mas
vizinhança, causa efeitos sobre a saúde de toda a família deve ser utilizada no intuito de humanizar e garantir qua-
e os serviços e seus trabalhadores não sabem como lidar lidade e conforto ao paciente.

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A categoria vínculo e acolhimento agrega dois concei- esforços para a assistência das pessoas portadoras de en-
tos de grande importância atribuída pelos autores para o fermidade psíquica na comunidade vêm crescendo, assim
desenvolvimento de ações na prestação da assistência ao como a preocupação com suas famílias, já que podem vi-
doente mental e seus familiares na atenção básica. venciar problemas sociais, culturais, físicos e psicológicos.
O acolhimento e o vinculo na atenção básica são eixos Neste contexto, observamos o envolvimento do PSF
norteadores na assistência. Principalmente se desenvol- com a Saúde Mental, pois suas equipes estão engajadas
vido ao doente mental, estes proporcionam aos doentes no cotidiano da comunidade, com enorme vínculo, e ain-
um atendimento humanizado em saúde(10). da propiciando ações de promoção e educação para a
saúde na perspectiva da melhoria das condições de vida
Diariamente as equipes de atenção básica se deparam da população(16).
com problemas de saúde mental, pois, segundo dados,
cerca de 56% das equipes referem ter realizado ações de Assim, a Estratégia da Saúde da Família desenvolve
saúde mental, o que as torna um importante recurso es- mecanismos capazes de ouvir, escutar e orientar, represen-
tratégico para o enfrentamento a este agravo. E o Ministé- tando neste sentido a efetivação de princípios do SUS fun-
rio da Saúde, para o atendimento desta população, julga damentais no desenvolvimento de suas práticas como a in-
ser importante e necessária a articulação da saúde mental tegralidade e a resolubilidade dos problemas encontrados.
com a atenção básica(11).
Entendemos ser essencial para a inclusão do doente
Portanto, os dados encontrados pelo Ministério da mental a necessidade de proporcionarmos uma forma dife-
Saúde tornam quase que impossível que os profissionais renciada no acolhimento. Sendo assim, torna-se importante
das equipes do PSF não encontrem em sua região de entender a equidade como princípio que determina a igual-
abrangência pessoas nas residências portando algum tipo dade na assistência à saúde, com ações e serviços prioriza-
de transtorno mental. dos em função de situações de risco, condições de vida e
saúde de determinados indivíduos e grupos de população(17).
O Ministério da Saúde teve como objetivo na propos-
ta do PSF reorganizar as Unidades Básicas de Saúde, para Em relação à categoria encaminhamento dos doentes
que estas, além de se tornarem resolutivas, estabeleçam mentais, identificamos nos artigos selecionados que os
vínculos de compromisso e responsabilidade entre os pro- profissionais do PSF realizam os mais variados locais, as-
fissionais de saúde e a população(12). sim como tipos de encaminhamentos, e são eles: consul-
tas com o médico clínico para o atendimento de queixas
As Equipes de Saúde da Família devem estabelecer físicas, aquisição de receitas para adquirir psicotrópicos e
vínculos de compromisso e corresponsabilidade entre também encaminhamento para consultas especializadas
seus profissionais de saúde e a população ligada por meio para centro de convivência; para o CAP; para ambulatório,
do conhecimento dos indivíduos, famílias e recursos dis- entre outros.
poníveis nas comunidades; da busca ativa dos usuários e
suas famílias para o acompanhamento ao longo do tem- Assim como existem profissionais que facilitam e re-
po dos processos de saúde-doença, que os acometem ou alizam este tipo de assistência, há outros que se omitem
poderão acometer; do acolhimento e do atendimento hu- a oferecer estes cuidados ao doente mental ou ainda re-
manizado e contínuo ao longo do tempo(13). alizam a empurroterapia, encaminhando o doente para
outro profissional ou para outro município sem resolução
Através destes vínculos de compromisso com a popu- do problema.
lação, vai sendo incorporada na prática dos profissionais
uma apreensão de responsabilidades. Diante do PSF, não No relatório da III Conferência Nacional de Saúde Men-
é possível passar os casos, mesmo quando se indica uma tal, está garantido o direito da assistência que envolva
internação, uma cirurgia ou tratamento de maior com- ações de saúde entre municípios polos ou de referência,
plexidade, o paciente continua a ser da equipe, enquanto com a finalidade de evitar ou eliminar a “empurroterapia”
morar no mesmo bairro. O vínculo e a continuidade exi- que gera a desassistência(10). A rede de cuidado da Saúde
gem lidar com o sofrimento humano, processo para o qual Mental está organizada com uma assistência que inclui:
os técnicos não estão preparados(14). centro de convivência, residências terapêuticas, atenção
básica, ambulatório, clubes de lazer, entre outros(18).
O PSF valoriza os princípios de territorialização, do vín-
culo com a população, do trabalho em equipe e da partici- Outra estratégia desenvolvida que gera encaminhamen-
pação democrática, participativa e solidária da comunida- tos observados nestes artigos é a integração entre a equipe
de de acordo com suas necessidades reais, identificando do PSF e os profissionais de Equipes de Saúde Mental. O
fatores de riscos e intervindo quando necessário(15). Ministério da Saúde pretende reestruturar a assistência psi-
quiátrica, onde preconiza a existência de equipes matriciais
Com o advento da Reforma Psiquiátrica, a priorização de apoio à saúde da família. Apoio matricial é um arranjo
dos atendimentos e acompanhamentos das pessoas com organizacional que visa outorgar suporte técnico em áreas
doença mental na comunidade implicaram no aumento específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento
da demanda destes pacientes nas unidades de saúde. Os de ações básicas de saúde para a população(19).

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Procurando amenizar esta demanda de portadores de qualidade de vida dos familiares e do paciente, e estes são
transtornos mentais na Atenção Básica, o Ministério da os objetivos propostos para reabilitação psicossocial(4).
Saúde, através da portaria 154/2008, recomenda a con-
tratação um profissional da área de saúde mental para Esta nova modalidade de tratamento determina um
cada NASF(1). processo de construção de um modelo de assistência.
Procurando a reabilitação e a convivência do doente men-
A articulação entre os serviços de saúde mental e a Aten- tal na sociedade, devemos ajudá-lo a construir sua cida-
ção Básica deve ter como princípios a noção de território, a dania, aumentando o seu poder de contratualidade, que
organização de uma rede de saúde mental, intersetorialida- se apresenta sobre três cenários: o habitat (casa), a rede
de, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, desinstitu- social e o trabalho(4).
cionalização, promoção da cidadania dos usuários e constru-
ção de uma autonomia possível ao usuário e familiares(13). O processo terapêutico da Reabilitação Psicossocial
ocorre através da construção da necessidade do indivíduo
O engajamento dos trabalhadores das Equipes da Es- exercer a cidadania, que acontece quando se destrói a
tratégia Saúde da Família com a Saúde Mental tem resul- cronicidade, aumenta a capacidade contratual do doente
tado em experiências bem sucedidas, demonstrando ser com a comunidade e verificam-se quais variáveis influen-
possível a articulação seguindo os princípios do SUS com ciam na melhora ou piora do paciente(4).
os da Reforma Psiquiátrica(10).
Para adquirir a cidadania e estar incluído socialmente,
Com relação à categoria relativa ao tema oficinas tera- o individuo deve ter um poder de contratualidade e esta
pêuticas, estas são referenciadas nos artigos selecionados se apresenta sobre três cenários. O primeiro seria o habi-
como as atividades grupais desenvolvidas pela equipe do tat (casa), que é o espaço onde se vive e onde se tem po-
ESF, das quais os portadores de transtornos mentais partici- der contratual elevado na relação organizacional e na re-
pam. Estas são desenvolvidas ou na UBS ou na própria comu- lação afetiva com os outros. O segundo seria o cenário da
nidade. São várias as atividades desenvolvidas entre elas: ofi- rede social, onde estaria empobrecida, com poucos víncu-
cinas de artesanato, oficina de trabalhos manuais, grupos de los. E o terceiro cenário seria o trabalho, onde tem valor
caminhada, terapia comunitária, oficina de pintura, recepção social, num contexto da economia solidária (cooperativa)
de saúde mental, atendimentos individuais e, quando neces- superando, assim, o referencial do trabalho protegido(4).
sário, incorporação e participação da família.
Assim, os indivíduos atuam nestes três cenários com
Um destes artigos afirma que, além das ações de poder de trocas, que às vezes apresentam mais habilidade,
cunho coletivo, a UBS mantém as consultas individuais pa- menos habilidade ou desabiliadade, devido a falta do poder
ra os usuários; neste caso, para os que apresentam sofri- contratual. Neste caso, necessitam ser reabilitados(21).
mento mental e demandam intervenção individual, como
proposto pelo Ministério da Saúde através de interven-
CONCLUSÃO
ções terapêuticas individualizadas, respeitando a realida-
de local e a inserção social(20). Há também uma atividade
que se refere à possibilidade de expressão subjetiva da Com a implantação do SUS concomitantemente com
equipe, em que se expressam as angústias e o sofrimento. a Reforma Psiquiátrica, diversas mudanças ocorreram no
sistema de saúde brasileiro, principalmente no modelo de
Outros trabalhos desenvolvem oficinas com ativida- assistência em saúde mental.
des manuais que surgiram como ação de saúde mental na
UBS e contribuem na efetivação do princípio da humani- Utilizando-se dos princípios do SUS no que diz respeito
zação no SUS. A humanização no atendimento refere-se à universalidade e à integralidade e na proposta da Refor-
à responsabilização mútua entre o serviço de saúde e a ma Psiquiátrica, observamos nestes artigos que as ações
comunidade e estreitamento do vínculo entre a equipe de de saúde mental desenvolvidas na atenção básica não
profissionais e a população(17). apresentam uniformidade em sua execução. Percebemos
que estas execuções das ações de assistência ao doente
Há oficinas desenvolvidas pelos agentes comunitários mental ficam na dependência do profissional ou da deci-
de saúde na UBS desenvolvendo ações de reabilitação são política do gestor.
psicossocial e promoção da cidadania, através de ativida-
des como pintura e grupos de caminhada, que suscitam Portanto, inovadores dispositivos de tratamento de-
a interação e participação. Incorporam a família na recu- vem ser utilizados, suscitando novas práticas e maneiras
peração destes indivíduos. Estas atividades possibilitam que os profissionais devem apropriar-se para desenvolve-
a comunicação entre indivíduos e um incremento de sua rem uma assistência de maneira integral, rumo à reabili-
rede social e de trabalho. Há também oficinas que desen- tação psicossocial e à construção de cidadania do doente
volvem atividades que possibilitam ganhos financeiros. mental, e ainda buscar conhecimento para dar suporte
aos seus familiares.
Estas atividades desenvolvidas nestes estudos promo-
vem o ensino de habilidades, minimizando os sintomas Observamos que a melhor estratégia para se conse-
da desabiliatação dos pacientes, assim como melhoram a guir êxito na assistência ao doente mental no PSF foi o

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investimento na qualificação dos profissionais através de Apesar de haver um número crescente de trabalhos
educação e capacitação permanente nesta área. com essa temática, ainda são incipientes os trabalhos que
apresentam soluções concretas para esta problemática.

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Rev Esc Enferm USP Saúde mental na atenção
Correspondência: básica:
Luciana prática daColvero
de Almeida equipe
2011; 45(6):1501-6 de Dr.
Av. saúde da família
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São Paulo, SP, Brasil

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